• Nenhum resultado encontrado

O estado de coisas inconstitucional no tocante ao sistema penitenciário brasileiro

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O estado de coisas inconstitucional no tocante ao sistema penitenciário brasileiro"

Copied!
54
0
0

Texto

(1)

HENRIQUE HAHN COELHO

ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL NO TOCANTE AO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

Araranguá - SC 2019

(2)

ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL NO TOCANTE AO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Nádila da Silva Hassan, Esp.

Araranguá - SC 2019

(3)
(4)

e a minha professora orientadora Nádila Hassan.

(5)

A esta universidade, seu corpo docente, direção e administração que oportunizaram a janela que hoje vislumbro um horizonte superior, eivado pela acendrada confiança no mérito e ética aqui presentes.

A minha orientadora Nádila Hassan, pelo suporte no pouco tempo que lhe coube, pelas suas correções e incentivos.

A minha família, pelo amor, incentivo e apoio incondicional.

E a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação, o meu muito obrigado.

(6)

Esta pesquisa trata dos direitos fundamentais lesados dentro do sistema prisional brasileiro, apontando o “Estado de Coisas Inconstitucional”, bem como a atuação extensiva do Poder Judiciário, como principais meios de resolução para o problema. O objetivo é traçar uma linha de causas e efeitos, demonstrando o vínculo direto que existe entre a crise carcerária e o aumento exponencial de violência nas ruas, bem como reforçar a necessidade de intervenção direta do Poder Judiciário. A conclusão foi de que o poder judiciário pode, e deve, intervir quando necessário para proteger direitos fundamentais, assim como o instrumento “estado de coisas inconstitucional” é legitimo frente as violações observadas no sistema prisional A metodologia empregada foi a da pesquisa bibliográfica e documental, coletando informações de sites, revistas jurídicas e da própria legislação, para que fosse possível demonstrar a necessidade da intervenção do Poder Judiciário na resolução do problema.

Palavras-chave: Estado de coisas inconstitucional; Poder Judiciário; Sentenças estruturais; Direitos fundamentais.

(7)

This research deals with fundamental rights injured within the Brazilian prison system,

including the “state of unconstitutional things”, as well as the extensive action of the judiciary

as the main means of problem solving. The goal is to trace a line of causes and effects, demonstrating the direct link that exists between a prison crisis and an exponential increase in street violence, as well as reinforcing the need for direct intervention by the judiciary. The conclusion was that the judiciary can, and should, intervene when necessary to protect fundamental rights, such as the “state of unconstitutional things” instrument is legit in the face of violations observed in the prison system. The methodology used was bibliographic and documentary research, website information, legal magazines and own legislation, so that it can demonstrate the need for intervention by the judiciary in solving problems.

Keywords: State of Things Unconstitutional; Judicial Power; Structural injunctions; Fundamental rights.

(8)

1 INTRODUÇÃO... 8

2 SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS 10 2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS ... 10

2.2 CONCEITO DE PENA... 13

2.2.1 Espécies de sanções penais... 14

2.2.2 Finalidade da pena ... 17

2.2.3 Estabelecimentos prisionais e regimes de cumprimento de pena ... 20

2.2.4 Sistema de recuperação do condenado... 21

2.3 DIREITOS FUNDAMENTAIS DO PRESO... 22

3 ASPECTOS GERAIS DO ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL... 26

3.1 OBJETO... 27

3.2 CONCEITO ... 28

3.3 PRESSUPOSTOS ... 28

3.4 ATIVISMO JUDICIAL ... 29

4 O ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL NO TOCANTE ÀS PENITENCIÁRIAS BRASILEIRAS ... 32

4.1 O ATUAL QUADRO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO... 33

4.2 DEMANDAS ESTRUTURAIS... 37

4.3 DA ARGUIÇÃO DO ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO... 39

4.4 DA VOTAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES ... 43

5 CONCLUSÃO... 47

(9)

1 INTRODUÇÃO

Não é novidade que o Brasil passa por um delicado momento em relação ao sistema prisional. Essa questão vem chamando cada vez mais atenção com o aumento gradativo da criminalidade. E quando o assunto envolve segurança pública os olhos voltam-se sempre ao sistema prisional, que teria como objetivo conter a onda de violência.

Uma vez em crise, o sistema carcerário brasileiro não é capaz de suprir a demanda por vagas, ressocializar e nem mesmo consegue manter o detento em condições humanas. Por conta disso, o sistema prisional tornou-se a principal razão para o aumento de violência nas ruas, obrigando os Poderes Públicos a agirem para resolverem essa crise. Ocorre que esses poderes negligenciam as demandas do sistema prisional, seja pela falta de elaboração de

políticas públicas ou até mesmo por questões de impopularidade, porquanto “cuidar dos presos” nunca foi motivo de eleição de algum candidato.

Nesse contexto, o presente trabalho buscará demonstrar como o descumprimento das leis e da própria Constituição Federal pode influir para a continuidade da crise carcerária, e também, como o uso do instrumento criado pela Suprema Corte Colombiana pode ser definitivo para a resolução da questão.

Assim, por meio da pesquisa bibliográfica e documental, que utilizou sites, revistas jurídicas, livros, legislação e jurisprudências, o trabalho objetiva analisar a aplicabilidade do Estado de Coisas Inconstitucional no que diz respeito a todo o sistema carcerário.

Com isso, pretende-se entender a aplicabilidade do instrumento “Estado de Coisas Inconstitucional”, demonstrando seus efeitos no que diz respeito ao quadro de inconstitucionalidades observado nos presídios brasileiros, bem como justificar a ampliação do alcance do Poder Judiciário.

No primeiro capítulo, é apresentada uma análise histórica, demonstrando como os problemas prisionais se repetem ao longo dos anos, com características semelhantes e sem solução. Ainda, no mesmo capítulo, são abordados conceitos importantes para o entendimento do tema.

No segundo capítulo, tratamos acerca do “Estado de Coisas Inconstitucional”, discorrendo sobre seu conceito e fazendo uma análise histórica quanto ao seu surgimento. Nesse mesmo capítulo também introduzimos o conceito de ativismo judicial, que ajuda a entender a funcionalidade desse instrumento.

(10)

Por fim, no terceiro e último capítulo, discorremos sobre a aplicabilidade e o cabimento desse instrumento frente ao quadro de violações constitucionais nos presídios, apontando as principais justificativas do seu uso. Ao final, ainda comentamos acerca da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347, analisando as principais decisões que dali surgiram.

(11)

2 SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Diante do caos instaurado nos presídios públicos, tem se tornado um desafio abordar a atual conjuntura dos presos no Brasil. Tendo em consideração que as penitenciárias estão, de fato, em situação lamentável, tanto em sua organização quanto em sua estrutura, é difícil ou mesmo impossível o cumprimento de seus desígnios. É nesse cenário que surge a dignidade humana do aprisionado (TAVARES, 2018, p. 169).

2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS

Analisando a questão sob um viés histórico, vemos que a Constituição de 1824, em seu artigo 179, estabelecia que os cárceres deveriam obedecer a parâmetros mínimos de segurança, de higiene e de organização, bem como possuir um sistema de separação dos detentos de acordo com seus delitos (BRASIL, Constituição do Império do Brasil, 1824 apud FERREIRA, 2018, p. 1). Ocorre que essas prisões não cumpriam com nenhum dos critérios aqui referidos, submetendo o apenado a um tratamento desumano em condições precárias (FERREIRA, 2018, p. 1).

Como era evidente o descaso público com as penitenciárias, a Lei Imperial de 1828, com o objetivo de corrigir os vícios no que dizem respeito ao tratamento oferecido ao preso, desenvolveu comissões a fim de inspecionar esses locais. Portanto, em 1829, no Estado de São Paulo, foi elaborado o primeiro relatório que descrevia a situação das prisões. Em meio aos problemas relatados no documento estão a superlotação e o convívio de presos provisórios com apenados (FERREIRA, 2018, p. 1).

Ainda, acrescenta Mauro César Ferreira (2018, p. 1) que

Somente, a partir de 1840, ano em que foi elaborado um novo relatório é que os sistemas penitenciários da Casa de Correção de São Paulo e do Rio de Janeiro passaram por algumas mudanças. Nesse momento, modelos prisionais norte-americanos foram implantados no Brasil, ocorrendo, dessa forma, a inserção de oficinas de trabalhos e de celas individuais.

No ano de 1890, o Código Penal instituiu medidas para que as prisões garantissem a segurança dos internos, ambientação salubre, segurança aos agentes, bem como que fossem realizadas verificações frequentes. Apesar disso, os problemas com a superlotação e a recuperação social do preso persistiam (FERREIRA, 2018, p. 1).

De acordo com Santis e Engbruch (2012 apud FERREIRA, 2018, p. 1),

[...] em 1906, a cidade de São Paulo já possuía um grande problema em relação ao número de vagas no sistema prisional, eram apenas 160 vagas para 816 detentos.

(12)

Essa realidade não se restringiu apenas as penitenciárias do estado de São Paulo, em todo o Brasil havia problemas com a ausência de vagas. Contudo, esse déficit acabou por ocasionar outro tipo de problema no interior das penitenciárias brasileiras: a deterioração dos espaços físicos dos presídios, acarretando assim, no comprometimento da saúde dos detentos.

Em 1920, as condições precárias das casas de detenção já estavam consolidadas e acabaram por se prologar até hoje (FERREIRA, 2018, p. 1).

Como visto, os problemas já citados não são novidade. As dificuldades observadas hoje, no que dizem respeito ao sistema carcerário, são as mesmas desde o século XIX. Apesar de várias alternativas terem sido postas em prática, jamais houve mudanças relevantes no sistema carcerário, evidenciando a ineficácia dessas regras (FERREIRA, 2018, p. 1).

Sobre o assunto, Ferreira acrescenta (2018, p. 1) que

Mesmo com a tentativa de reformular o sistema prisional no Brasil implantando modelos internacionais, como o que foi aplicado no sistema prisional do Carandiru, em São Paulo e nas Casas de Detenção no Rio de Janeiro, as medidas não foram eficazes no que concerne a resolução das diferentes adversidades enfrentadas pelos detentos. Esse fato demonstra a ineficiência do Estado em manter a ordem no interior das unidades penitenciárias, de minimizar os altos índices de criminalidade que assolam a sociedade e de controlar o crime organizado dentro e fora das penitenciárias brasileiras.

Outro ponto importante a ser levado em consideração diz respeito a rebeliões que são cada vez mais comuns, tornando a questão dos direitos humanos, dentro dos cárceres, ainda mais preocupante. Em abril de 2018, o jornal Folha de São Paulo divulgou uma matéria com o título “Veja algumas das maiores rebeliões ocorridas em presídios do Brasil”, trazendo um compilado de massacres que aconteceram no Brasil desde a década de 80 dentro dos presídios, destacando o número de mortos:

1987 – Penitenciária do Estado, São Paulo (SP) – 31 mortos; 1989 – Distrito Policial de São Paulo (SP) – 18 mortos; 1992 – Massacre do Carandiru, São Paulo (SP) – 111 mortos; 2002 – Presídio Urso Branco, Porto Velho (RO) – 27 mortos;

2004 – Casa de Custódia de Benfica, Rio de Janeiro (RJ) – 31 mortos; 2013 – Complexo Penitenciário de Pedrinhas (MA) – 60 mortos;

2017 – Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, Boa Vista (RR) – 33 mortos; 2017 – Massacre em Manaus, Amazonas – 67 mortos;

2017 – Penitenciária de Alcaçuz, Nísia Floresta (RN) – 26 mortos;

2018 – Centro Penitenciário de Recuperação do Pará – 22 mortos (VEJA..., 2018, p. 1).

Em análise ao assunto publicado, tem-se o ano de 2017 como o mais violento, onde ocorreram três rebeliões em Estados distintos no Brasil. Assim, mesmo a Lei nº 7.210 de 11 de junho de 1984 - Lei de Execuções Penais (LEP) -, sendo uma das mais completas em

(13)

nosso ordenamento jurídico, ela não possui a força necessária para resolver os problemas encontrados no sistema penitenciário (FERREIRA, 2018, p. 1).

Assim, com o visível aumento na violência e demais problemas relacionados ao sistema carcerário, no ano de 2015, foi implementado “o Plano Nacional de Política Criminal

e Penitenciária” (BRASIL, Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2019), regido e

atualizado a cada cinco anos pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. O conselho é integrado por 26 membros, escolhidos pelo Ministro da Justiça e Segurança Pública, sendo integrado por professores, profissionais de Direito Criminal e Ciências Correlatas, assim como por representantes da comunidade e de ministérios da área social. Sua função, segundo o portal do Ministério da Justiça e Segurança Pública, é propor

[...] diretrizes da política criminal quanto à prevenção do delito, promover a avaliação periódica do Sistema Criminal e Penitenciário, estimular e promover a pesquisa criminológica, inspecionar e fiscalizar os estabelecimentos penais, entre outros objetivos (BRASIL, Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2019, p. 1). No tocante ao Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária, esse é dividido em duas partes, a inicial tem como objetivo revelar a razão do crescimento da população prisioneira, possuindo medidas em relação à porta de entrada do Direito Penal. Já a outra parte é voltada ao assunto do próprio sistema prisional, fixando normas que garantem o cumprimento das regras de segurança, das alternativas penais e do monitoramento eletrônico (BRASIL, Ministério da Justiça, 2015).

Muito embora tais medidas tenham sido impostas, não houve mudança expressiva na situação carcerária, isto é, ONGs continuam fazendo relatórios e denúncias apontando ofensas aos direitos fundamentais (FERREIRA, 2018, p. 1).

Com a entrada em vigor da LEP, em meados de 1984, a questão humanitária ganha novos fundamentos, conforme expõe o dispositivo legal através de diversos artigos:

Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

[...]

Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política.

Art. 4º O Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança.

[...]

Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.

Art. 11. A assistência será: I - material;

II - à saúde; III -jurídica;

(14)

IV - educacional; V - social;

VI – religiosa (BRASIL, LEP, 2019).

No entanto, mesmo com a Lei de Execução Penal estipulando o amparo que o Estado deve dar ao apenado, ainda existe a violação em massa dos direitos fundamentais. Portanto, o condenado sofre duplamente pelo crime que cometeu, uma vez que tem seu direito de liberdade restringido e, ainda por cima, perde outros direitos alheios à sentença, chegando a sofrer incontáveis abusos que beiram à tortura. Assim, o lugar que, até então, tinha como objetivo ressocializar o apenado, agora o torna mais tendente a cometer novos atos infracionais (FERREIRA, 2018, p. 1).

Portanto, a ineficácia do Estado, somada à omissão social em não admitir que a culpa do aumento gradativo da criminalidade é de fato da situação de desamparo dos presídios, resulta na atual crise carcerária que vive o Brasil (FERREIRA, 2018, p. 1).

2.2 CONCEITO DE PENA

Com a desordem existente nas relações sociais, é comum que ocorram situações em que há o desrespeito ao direito do próximo. Assim, o Estado dispõe do Direito Penal para efetuar medidas repressivas com o objetivo principal de pacificar o convívio de indivíduos

dentro de uma sociedade organizada. A essas medidas damos o nome de “pena” (LUZ, 2003,

p. 35).

Sobre a pena, ensina Damásio de Jesus que trata-se de uma

A sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal ao acusado de uma infração, como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos (2011, p. 563).

A pena, então, estabelece uma ligação entre quem julga e quem é julgado por determinado delito, dando ao Estado, autonomia para atribuir uma punição ao sujeito pela prática de determinado delito, comprovando, assim, o conceito de que o Direito Penal é de fato uma ferramenta de controle social.

Assim, quando já não há outro meio de manter a sociedade em ordem, surge a pena, trazendo consigo todas as suas soluções e consequências. Ainda que pareça severa, a pena deve obedecer a princípios básicos tais como a legalidade, a proporcionalidade, a personalidade e a inderrogabilidade (LUZ, 2003, p. 37). Assim, não há imposição de pena sem lei que previamente a determine, seus efeitos são pessoais, não estendendo-se a terceiros, bem como deve ser analisada a gravidade do delito em sua aplicação. Por fim, se ficar

(15)

provado que houve um crime a pena deve ser obrigatoriamente aplicada (LUZ, 2003, p. 37-38).

2.2.1 Espécies de sanções penais

Seguindo uma vertente histórica, as penas são divididas em dois grandes grupos, as penas proibidas e as penas permitidas. A respeito das penas proibidas, destaca-se o inciso XLVII, itens “A” ao “E”, do artigo 5º da Constituição Federal, que estipulam quais são os tipos de pena não permitidos em nosso país (BRASIL, CRFB, 2019).

Dentre as penas proibidas em nosso ordenamento, está a pena de morte. Historicamente, a pena capital sempre gerou muita discussão quanto a sua legitimidade e utilidade. No império era transformada em espetáculo público, na República foi abolida, com ressalva à legislação militar em tempos de guerra. Em 1937, voltou a ser admitida nos moldes do Estado Novo e foi definitivamente vedada a partir da Constituição de 1946. Dentre os argumentos favoráveis à sua aplicação está o relativo a sua força inibidora contra crimes hediondos e violentos, muito embora existam inconvenientes técnicos que provam o contrário (BOSCHI, 2011, p. 127-131).

Também é proibida a pena de caráter perpétuo, que surge como um substitutivo da pena capital e que tem como objetivo fazer com que o apenado nunca mais volte ao meio social. No entanto, seu principal equívoco consiste na não observância do caráter ressocializador da pena, uma vez que as penas têm como objetivo a recuperação do apenado para depois reinseri-lo na sociedade. Ainda que não houvesse clara proibição em nossa Constituição Federal, a pena de caráter perpétuo seria contrária à garantia da individualização da pena, pois, segundo Boschi (2011, p. 132), “exige que a quantificação da resposta estatal seja realizada com base na natureza e circunstâncias do crime e qualidades pessoais do

criminoso”.

Outra pena inadmitida é a de banimento. Segundo Boschi, ela “[...] foi largamente aplicada em Portugal. Conhecida com o nome de deportação, degredo ou desterro, implicava despacho ao condenado para o Brasil ou para as Colônias da África” (2011, p. 133).

Foi empregada no Brasil em meados de 1830 e estava estabelecida no Código Criminal do Império, em seus artigos 50, 51 e 52. Basicamente eram afastados todos os direitos que o cidadão tinha em território nacional. É importante salientar que a pena de banimento distingue-se dos outros tipos previstos no artigos 51 e 52 do já mencionado Código Criminal do Império, porquanto o primeiro trazia o degredo, que consistia em retirar o

(16)

apenado do local onde habitava e realocá-lo em lugar diverso longe da residência do ofendido e por tempo determinado em sentença. Observa-se que no degredo o apenado não é expulso do solo nacional. No segundo tipo, tem-se o desterro, que determinava que o apenado deveria se mudar para qualquer local que fosse longe de onde cometera seus crimes e observa-se que, nessa modalidade, o apenado tinha livre escolha do local para onde iria (BOSCHI, 2011, p. 134).

Assim, a pena de banimento não durou muito tempo e acabou por ser abolida na Constituição de 1891, em seu artigo 72, § 20 (BOSCHI, 2011, p. 133).

Mais uma pena que é proibida é a de trabalhos forçados. Muito utilizada na antiguidade greco-romana, bem como durante a Idade Média, as sanções desse tipo penal basicamente transformavam o indivíduo em um escravo. Sua proibição, na atual Constituição Federal, decorre do passado histórico de escravidão no Brasil, nesse período o indivíduo condenado a tal pena era submetido a trabalhos forçados sob condições cruéis. Cabe ressaltar que a pena de trabalhos forçados não se confunde com o trabalho atribuído ao condenado dentro dos presídios atuais, uma vez que a pena de reclusão possui também um caráter retributivo, já que estipula atividades laborais ao apenado em condições salubres (BOSCHI, 2011, p. 132-133).

Ademais, a LEP (Lei 7.210/84) estipula, em seu artigo 28, que “o trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e

produtiva.” Portanto, a atividade laboral do apenado faz parte do processo de reabilitação

social de que dispõe a pena (BRASIL, LEP, 2019).

E por fim, as penas também são proibidas. Sua proibição decorre pura e simplesmente por conta de seu caráter desnecessário. Dentre suas características, destacam-se a crueldade e o desrespeito a diversos princípios constitucionais, em especial, o princípio da dignidade da pessoa humana. Por ser uma prática tida como repulsiva pelos padrões atuais, é entendida, por nosso ordenamento jurídico, como crime de tortura (BOSCHI, 2011, p. 134-135).

No tocante às penas permitidas, nossa atual Carta Magna elenca, em seu artigo 5º,

inciso XLVI, itens “A” a “E”, um rol com cinco modalidades de penas.

A primeira, disposta no item “A”, trata da pena privativa de liberdade, onde há uma suspensão temporária do direito de ir e vir do condenado em locais específicos para seu cumprimento. É uma categoria penal muito debatida atualmente. Esses debates giram, principalmente, em torno de sua aplicação por conta das penitenciárias que não possuem suporte mínimo para manter o apenado em condições congruentes com o princípio dos

(17)

direitos humanos. Em relação à situação das penitenciárias, comenta Boschi (2011, p. 137) que

Os condenados são esquecidos pela sociedade, que os esconde atrás dos muros, amontoam-se em celas coletivas, dormem no piso, sem colchões e agasalhos. Em muitas delas, o grau de insegurança é máximo, tanto que as autoridades só conseguem ingressar nas galerias se forem acompanhadas pelos presos que as chefiam ou pela polícia de choque.

Portanto, as penitenciárias, em sua grande maioria, distorcem a aplicação da pena privativa de liberdade, desenvolvendo a violência e corrompendo ainda mais os apenados.

Dando sequência ao rol do artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal, temos a pena de perda de bens e valores, que, ao contrário da anterior, é tida como pena restritiva de direitos. Segundo Boschi (2011, p. 141), é “de imposição autônoma e substitutiva – é de

natureza pecuniária”. Consiste na tomada de bens de qualquer tipo pertencentes ao agente

causador do ato infracional, arrebatando o benefício obtido com o crime. A perda deverá ser proporcional à gravidade do delito.

Dessa forma, os bens que foram tomados terão como destino o Fundo Penitenciário Nacional, tal como estabelece o artigo 44, §3º, do Código Penal.

Boschi (2011, p. 141) ensina, ainda, que “a pena pecuniária de perda de bens e valores pode atuar como substituta da pena privativa de liberdade, com a ordem de recolhimento do quantum ao Fundo Penitenciário (§ 3º do artigo 45 do CP)”.

É importante ressaltar que, nesse tipo de pena, os bens precisam ser lícitos, o que difere da perda de bens e valores oriunda do confisco (PENAS..., 2019, p. 1).

O próximo item do artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal, diz respeito à pena de multa que, segundo Prado (2017, p. 1), “[...] consiste no pagamento de determinado valor em dinheiro em favor do Fundo Penitenciário Nacional, fundo esse que foi instituído pela Lei Complementar nº 79/1994 para os fins de custear o sistema de cumprimento de pena no país”.

É importante ressaltar que a pena de multa pode ser aplicada de forma exclusiva, alternativamente ou cumulada com a pena de prisão.

Seguindo para o item “D” do referido artigo, temos a pena de prestação social

alternativa que consiste em fazer com que o apenado cumpra um determinado período de horas trabalhadas por semana em alguma instituição estipulada pelo juiz, até que seja cumprida sua pena (AGUIAR, 2019, p. 1).

Por fim, o último item trata da pena de suspensão e interdição de direitos. Nas palavras de Aguiar (2019),

(18)

A interdição de direitos impede que a pessoa condenada exerça qualquer função, cargo ou atividade pública – inclusive cargos eletivos – além de qualquer trabalho que dependa de habilitação especial ou autorização (como é o caso de médicos, advogados e engenheiros, por exemplo). Além disso, essa pena também inclui a suspensão do direito de dirigir, e pode chegar até a proibir o condenado de frequentar lugares específicos.

A título de exemplo, temos aqueles que sofrem essa sanção por conta do crime de dirigir embriagado (art. 306, caput, do Código de Trânsito Brasileiro - CTB), que culmina na suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) por determinado período de tempo, bem como em deixar de frequentar lugares de reputação duvidosa (BRASIL, CTB, 2019).

2.2.2 Finalidade da pena

Após passar pelo conceito de cada espécie de pena que existe em nosso ordenamento jurídico, resta analisar qual o fundamento para sua aplicação, quais as razões para se punir. Não são poucos os autores que dissertam sobre esse tema, cada um seguindo uma linha de pensamento diversa do outro, a ponto de surgirem várias teorias.

O termo teoria da pena é utilizado por diversos autores para categorizar esse assunto. Essas teorias buscam explicar ou até mesmo justificar a aplicação das sanções penais. Sobre esse assunto, ensina Boschi (2011, p. 87) que

falar em teorias da pena é destacar os fundamentos racionais que explicam e justificam, isto é, que apontam científica e empiricamente, os sentidos da imposição pelo Estado de penas pelos fatos considerados ofensivos ao interesse público. É claro que a lógica que preside as especulações científicas na órbita das ciências sociais (deve ser) não é a mesma que rege as especulações científicas pelas ciências da natureza) (grifo do autor).

Assim, temos que as teorias são divididas em quatro grupos: a teoria retributiva, a teoria preventiva, a teoria da ressocialização, e, por fim, as teorias mistas (ou ecléticas).

A teoria retributiva fundamenta-se no entendimento da pena como uma penitência, sendo sua finalidade principal a de fazer com que o apenado sofra por aquilo que fez de errado. Para Boschi (2011, p. 88), “de acordo com essa teoria, a pena tem que ser imposta por causa do fato, isto é, por ter o indivíduo delinquido (qui peccatum est)”.

Dessa forma, entende-se essa teoria como sendo útil para garantir o cumprimento da justiça mesmo que não resulte em diminuição nos índices de criminalidade.

Ademais, ressalta Luz (2003, p. 41) que

De acordo com a reflexão kantiana, baseada no império da justiça, tem-se o conhecido exemplo: se uma sociedade civil chegasse a dissolver-se, com o consentimento geral de todos os seus membros, como os habitantes de uma ilha que

(19)

decidissem abandoná-la, o último assassino mantido na prisão deveria ser executado antes da dissolução, a fim de que cada um sofresse a pena de seu crime.

Outrossim, autores como Boschi fazem críticas, apontando as deficiências do uso

da pena como castigo, para ele “a teoria da retribuição padece do defeito de legitimar a

vingança estatal, liberando-se o ofendido de manchar suas mãos com sangue do ofensor” (2011, p. 89).

Ainda, seguindo o conglomerado de críticas que possui a teoria da retribuição, comenta Boschi (2011, p. 90) que

A concepção da pena como retribuição sem limites atende muito bem aos interesses dos regimes totalitários, porque culmina por conferir um cheque em branco ao legislador para criminalizar e sancionar as condutas que bem entender e do modo como quiser, arredando o interesse na discussão sobre o conteúdo ético que relaciona os fundamentos e os limites do direito de punir.

Por fim, a finalidade do caráter retributivo é punir, para que as pessoas que vivem naquele meio não precisem fazê-lo.

A próxima teoria trata da prevenção, onde conceitua-se a pena como forma de impor medo, visando punir o indivíduo pelo ato já cometido e, também, fazer com que terceiros, vendo o exemplo do infrator, não venham a cometer crimes semelhantes.

Junqueira (2004 apud BOSHI, 2011, p. 93) explica, acerca da teoria da pena preventiva, que

[...] o Estado responde pelo fato cometido no passado, embora com olhos voltados para o futuro. “Assim, quando se fala em prevenção, mormente em uma perspectiva moderna do tema, busca-se impedir novos crimes e outras formas de violência, como as não criminalizadas ou as reações informais aos crimes praticados, e com isso buscamos a coerência com a ideia de que a intervenção penal só é legítima quando necessária. Outro pensamento seria paradoxal, pois feriria os já traçados fins do Direito Penal”

Além do mais, dentro dessa teoria, existem algumas classificações importantes, que dizem respeito à destinação da prevenção e acerca de sua natureza. Quanto à destinação, tem-se a prevenção especial “[...] porque, com a pena, o autor do fato criminoso é estimulado a não reincidir, isto é, a arrepender-se pelo que fez e, no futuro, agir em conformidade com o

dever jurídico [...]” (BOSCHI, 2011, p. 94).

Já no tocante à prevenção geral, a pena tem como objetivo coibir boa parcela da população no sentido de não cometerem os mesmos crimes que foram cometidos pelo apenado, fazendo com que essas pessoas ajam de acordo com as normas jurídicas.

Ainda, a prevenção pode ser positiva, uma vez que “[...] se corrige o criminoso e reforça-se nos demais a autoridade do Estado e a necessidade de respeito às leis” (BOSCHI,

(20)

2011, p. 94), ou pode ser negativa, pois “[...] a pena, só pela sua existência, já intimidaria as pessoas, já constituiria uma ameaça preventiva” (LUZ, 2003, p. 43).

A respeito da teoria da ressocialização, temos a pena com a finalidade de recuperar o delinquente, dando a possibilidade de reinserção do indivíduo no meio social do qual foi afastado pelo cometimento do delito. Nesse sentido, busca-se, com a ressocialização, a efetivação da prevenção especial positiva já citada nos parágrafos anterior, proporcionando uma espécie de terapia ao apenado a fim de corrigi-lo (LUZ, 2003, p. 44).

Além do mais, a pena com caráter ressocializador é voltada ao indivíduo e não ao delito em si (LISZT, 1994, p. 112-124).

Ainda que seja uma das mais modernas, tendo sido implantada em nosso ordenamento jurídico com a Lei 7.210 de 1984 (LEP), a teoria da pena como ressocialização possui diversas críticas em seu desfavor, dentre as mais relevantes está a citada pelo professor espanhol Muños Conde, que aponta a própria sociedade como a culpada por criar a criminalidade. Assim, para ele, não haveria sentido em a mesma sociedade que cria o delinquente tentar, com seus meios e tratamentos, ressocializá-lo. (CONDE, 1987 apud BOSCHI, 2011, p. 98).

Outro argumento desfavorável seria o da obrigatoriedade da recuperação, levantando a questão se ela seria então um direito ou um dever? Explica Roxin que obrigar o apenado a mudar sua forma de pensar remeteria a uma lesão dos direitos fundamentais do cidadão (ROXIN, 1992 apud BOSCHI 2011, p. 99).

Por fim, ainda é predominante o argumento de que o próprio Estado, com seus estabelecimentos prisionais em situação de calamidade, é incapaz de proporcionar um tratamento adequado ao apenado.

Sobre as teorias ecléticas, trata-se de pura e simplesmente a junção de duas das teorias já citadas: a teoria da retribuição e a teoria da prevenção. Assim, a pena retribui o mal praticado pelo indivíduo, bem como inibe a prática de novos delitos. Sobre esse assunto, esclarece Luz (2003, p. 44) que “[...] a pena tem duas razões: a retribuição, manifesta através do castigo, e a prevenção, como instrumento de defesa da sociedade”.

Portanto, existem três elementos predominantes nessa teoria: a) a retribuição propriamente dita, agindo essa em reação ao delito cometido pelo indivíduo; b) a prevenção, essa última utilizando o caráter vingativo de que dispõe a retribuição para intimidar tanto o apenado quanto a sociedade e; c) a própria ressocialização, que tenta recuperar o delinquente com tratamentos adequados dentro do estabelecimento prisional.

(21)

Nosso ordenamento jurídico claramente adota a teoria eclética, bastando analisar o artigo 59 do Código Penal, onde está estabelecido que o juiz deverá aplicar as penas com a finalidade de “reprovar” a conduta e “prevenir” outras semelhantes (BRASIL, CP, 2019). Embora a palavra ressocializar não esteja explícita na redação do artigo 59 do Código Penal, é observável sua menção no artigo primeiro da Lei de Execução Penal (BOSCHI, 2011, p. 106).

2.2.3 Estabelecimentos prisionais e regimes de cumprimento de pena

Segundo informações do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (DEPEN), hoje o Brasil conta com 726.354 pessoas cumprindo pena em um pouco mais de 1.500 estabelecimentos prisionais (BRASIL, Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2017a, p. 7).

Os presídios são divididos e classificados conforme a sua destinação, sendo quatro tipos principais encontrados em todo território nacional. São eles: as penitenciárias, as colônias agrícolas ou industriais, a casa do albergado e a cadeia pública.

As penitenciárias são destinadas àqueles que cumprem pena no regime fechado ou para os que cumprem pena no regime disciplinar diferenciado. A Lei de Execução Penal estabelece, em seu artigo 88, que deve haver uma cela para cada apenado, cada uma com no mínimo 6 metros quadrados, e ainda, que o ambiente deve ser adequado e salubre (BRASIL, LEP, 2019). Atualmente, existem 364 estabelecimentos destinados ao regime fechado (BRASIL, Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2017a, p. 19).

Ao contrário das penitenciárias, as colônias agrícolas/industriais e similares abrigam condenados em regime semiaberto, isto é, aqueles que trabalham o dia todo e só retornam à cela para passar as noites. A pena daqueles condenados ao regime semiaberto está vinculada ao trabalho nesses locais. De acordo com o artigo 92 da LEP, os condenados a esse regime ficarão alojados em celas coletivas, observados os requisitos de salubridade (BRASIL, LEP, 2019). Vale ressaltar que nem todas as unidades possuem estrutura para oferecer trabalho ao apenado. As que possuem são classificadas como centros de progressão penitenciária e permitem que o condenado ao regime semiaberto possa exercer atividade laboral e estudar fora do estabelecimento até certo horário. Segundo dados do DEPEN, o Brasil conta com 114 estabelecimentos desse tipo (BRASIL, Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2017a, p. 19).

Já o condenado ao regime aberto ou com limitação de final de semana deverá passar o período noturno na casa do albergado, ou na falta desta, em sua própria casa. A casa

(22)

do albergado, ao contrário da penitenciária, “[...] deverá situar-se em centro urbano, porém separado dos demais estabelecimentos [...]” (BRASIL, LEP, 2019). Esse tipo de

estabelecimento não possui compromisso em prevenir que o detendo fuja, o objetivo aqui é simplesmente servir de alojamento ao apenado e proporcionar-lhe cursos e palestras, visando a sua recuperação. A casa do albergado deverá conter um sistema de fiscalização e orientação dos condenados. Embora a Lei determine que cada região deve conter ao menos um estabelecimento desse tipo, atualmente só existem 22 conforme dados do DEPEN (BRASIL, Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2017a, p. 19).

Por fim, tem-se a cadeia pública, que possui por finalidade o recolhimento de presos em situação provisória (regime provisório) – aqueles que aguardam julgamento – devendo possuir condições de infraestrutura assim como os demais citados. A Lei 7.210/84, no seu artigo 103, estipula que esses estabelecimentos devem ficar próximos dos centros urbanos a fim de que os presos não fiquem longe do meio social e familiar. Segundo dados do DEPEN, são mais de 750 cadeias públicas espalhadas pelo território nacional (BRASIL, Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2017, p. 19).

A LEP ainda cita outros estabelecimentos como os hospitais de custódia (para tratamento de presos inimputáveis ou semi-imputáveis) e os centros de observação (destinados a realização de exames gerais e criminológicos) (BRASIL, LEP, 2019).

2.2.4 Sistema de recuperação do condenado

Como visto anteriormente, nosso ordenamento jurídico adota a teoria mista (ou eclética) da pena, isto é, a pena serve para prevenir, retribuir e recuperar o apenado. A recuperação do criminoso ocorre com o processo de ressocialização, dentro do estabelecimento prisional em que se encontra. Para isso, os estabelecimentos prisionais oferecem trabalho, educação, profissionalização, entre outros métodos que visam permitir que o apenado volte para o meio social com novos objetivos, de forma que não cometam atos infracionais novamente.

É necessário, também, que seja analisada a questão econômica, isto é, quanto custa manter um detendo dentro do presídio? A resposta para essa questão varia de Estado pra Estado, mas, segundo a média nacional fornecida pelo Conselho Nacional de Justiça, o valor fica em torno de R$ 2.400. Existem estados que ultrapassam essa média, a título de exemplo temos o estado do Amazonas que gasta um valor aproximado de R$ 4.112. Portanto, somando

(23)

o valor médio gasto com a quantidade de presos existentes no sistema prisional temos um agravamento na crise carcerária (SOUZA, 2017a, p. 1).

A ressocialização vem como alternativa para minimizar os efeitos dessa crise, uma vez que manter um preso trabalhando ou estudando saí mais barato do que simplesmente mantê-lo encarcerado. A exemplo disso, temos a Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC), que mesmo sendo utilizada em poucos locais já se provou um meio mais barato comparado ao simples encarceramento. As APACs buscam ressocializar o preso por meio da educação e do trabalho, em um ambiente em que os detentos são os próprios funcionários (CNJ, 2017, p. 1).

Sobre o trabalho exercido pelo preso, ensina Oliveira (1996, p. 181) que

Atualmente, o trabalho prisional visa não só manter o preso ocupado, evitando o ócio, mas uma espécie de terapia ocupacional, sendo, também, considerado como uma fonte geradora de riqueza que diminui os custos operacionais do sistema penitenciário, preparando o recluso para o retorno a sociedade.

Porém, o processo de recuperação social nos presídios só é possível se o estabelecimento possuir o mínimo de infraestrutura, o que não é observado atualmente. (BAYER, 2013, p. 1).

2.3 DIREITOS FUNDAMENTAIS DO PRESO

Os direitos fundamentais, previstos em nosso ordenamento jurídico, valem para todos os cidadãos, não havendo exceções àqueles que tem sua liberdade restringida por uma pena. Portanto, um cidadão não pode ter seus direitos fundamentais denegados por estar cumprindo uma pena privativa de liberdade (DEMARCHI, 2008, p. 1).

A Constituição Federal de 1988 traz alguns dos mais importantes direitos inerentes aos presos, por exemplo, o princípio da humanidade das penas, estipulado pelo artigo 5º, incisos XLIX e L, que “assegura o respeito a integridade física e moral dos presos e garante que as mulheres condenadas possuam condições para que possam permanecer com

seus filhos durante o período de amamentação” (BOSCHI, 2011, p. 48).

O texto Constitucional ainda garante a proibição das penas cruéis – aquelas que objetivam a morte ou a tortura do apenado – em seu artigo 5º, inciso XLVII, alínea “e”, resguardando o princípio da dignidade humana (DEMARCHI, 2008, p. 1).

Porém, esses direitos não ficam restritos ao texto Constitucional, uma vez que em seu artigo 5º, §2º permite que leis ou tratados internacionais também possam estipular diferentes direitos e garantias fundamentais (DEMARCHI, 2008, p. 1).

(24)

Como um exemplo de lei que trata sobre direitos e garantias fundamentais do preso, temos a Lei nº 7.210/84 que, no seu artigo 41, estipula que são direitos básicos do

preso: “alimentação suficiente e vestuário; trabalho e remuneração; previdência social;

assistência material, jurídica, à saúde, educacional, social e religiosa...” (BRASIL, LEP, 2019).

Ainda que a proteção oferecida pelas leis não fosse suficiente, há também jurisprudências que protegem os direitos dos detentos, como é o caso da julgado que deu origem à Súmula Vinculante nº 26, que teve como objetivo garantir o princípio da dignidade humana, declarando inconstitucional parte do texto da Lei nº 8.072/90 que impedia a progressão de regime em crimes hediondos. Assim, a progressão de regime para presos por crime hediondo passou a ser admitida com a chegada da Lei nº 11.464/07 (BRASIL, STJ, 2011).

Existem também os tratados internacionais que viabilizam a criação de regras para melhorar o sistema prisional, tal como as “Regras de Mandela” (2015, p. 1), que possuem o objetivo de fixar princípios básicos para organizar o sistema prisional, bem como dar o devido tratamento aos presos.

Por fim, na mesma linha vem o tratado “Regras de Bangkok” (2010, p. 1), que estabelecem regras para mulheres presas e medidas diversas das penas privativas de liberdade para mulheres infratoras.

Violação dos direitos humanos nos presídios

Como visto anteriormente, embora existam diversos dispositivos que asseguram os direitos fundamentais dentro dos presídios, a falta de infraestrutura, o

“hiperencarceramento” e a não aplicação da lei culminam em uma violação em massa desses

dispositivos.

Segundo dados do infopen, desde a década de 90 o Brasil teve um crescimento absurdo da população carcerária, os números saem de 90 mil presos em 1990 e chegam a 726 mil em 2017 (data do último levantamento realizado). Desses 726 mil detentos, 32,39% (235.241) são presos provisórios (BRASIL, Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2017a, p. 9).

O problema do “hiperencarceramento” ocasiona uma superlotação a nível

nacional, isto é, essa sobrecarga na demanda por celas é algo vivido na maioria dos presídios, sendo correta a afirmação de que são poucos os que possuem vagas suficientes. Segundo

(25)

dados coletados do infopen, o déficit chega a 303.112 vagas (BRASIL, Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2017a, p. 7).

Segundo Thompson, ainda há uma espécie de economia insuficiente dentro desses locais, isto é, se um estabelecimento prisional extrapola o número máximo de internos suportado, há que se economizar em comida e em espaço. Como explica o autor, “se a verba de alimentação é suficiente para sustentar quinhentos internos, com duas refeições ao dia, pode-se destiná-la ao dobro, se se fornece uma única refeição diária” (THOMPSON, 2002, p. 102).

O mesmo ocorre com as celas, que, ao invés de abrigarem apenas um apenado, como estabelece a LEP, abrigam um número que, por vezes, ultrapassa os vinte detentos. Assim, Thompson revela (2002, p. 102) que

[...] em um alojamento onde caberiam cinco camas com razoável distância entre elas, de sorte a permitir a colocação de um pequeno armário, podem ser acomodados doze presos, desde que se usem beliches e se suprima o móvel; ou vinte e seis, se todo mobiliário for eliminado e se fizer com que os hospedes [sic] durmam num estrado inteiriço a cobrir toda a extensão da cela (sistema usado, v. v., no presidio de Agua Santa no Rio).

Nesse sentido, com o número de agentes penitenciários desproporcional ao número de detentos, ocorre uma perda de controle sobre o estabelecimento. Esse problema leva os agentes a manterem os detentos encarcerados dia e noite, quando deveriam estar livres dentro das instalações do local, exercendo atividades laborais durante o dia (THOMPSON, 2002, p. 102).

A maior parte desses problemas se dá por conta do número excessivo de presos em situação provisória. A lei estabelece que a audiência de custódia deve ser realizada 24 horas após a prisão, nela o juiz avalia a necessidade de manter o indivíduo preso e, caso julgue desnecessário, o indivíduo é liberado. Ocorre que essa audiência, segundo o próprio Infopen, em média, é realizada 6 meses após a prisão. Há relatos de presos que ficaram mais de 2 anos aguardando (CNJ, 2016, p. 1).

Outro problema que fortalece essa situação são os efeitos da lei antidrogas que, com sua chegada em 2006, estabeleceu que pessoas qualificadas como traficantes (aquele que fabrica, distribui e comercializa a droga) terão pena mínima de 5 anos, o que impossibilita a concessão de mediadas alternativas à prisão. Segundo dados do Infopen, existem 156.749 presos por tráfico de entorpecentes (BRASIL, Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2017a, p. 45).

(26)

Vale ressaltar que os presídios, em sua maioria, proporcionam condições desumanas quanto à saúde. Uma vez que não existe um padrão sanitário dentro dos presídios, a maioria dos internos são acometidos com doenças graves, tais como meningite, tuberculose e até mesmo HIV (ONU, 2016, p. 1).

Por fim, existem relatos de maus tratos e violência, realizados tanto por parte de outros presos – o que reforça a ideia de incapacidade dos agentes em manter a ordem dentro do presídio – quanto pelos próprios agentes prisionais.

(27)

3 ASPECTOS GERAIS DO ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL

Em meados de 1997, a Colômbia sofria com um problema crônico em relação aos seus professores: eles eram privados de seus direitos por conta da falta de inscrição em sistemas previdenciários. Os professores, lesados pelas autoridades locais que os negligenciavam, buscaram justiça por meio de ações de tutela, alegando a falha municipal em inscrevê-los no sistema de seguridade social. A Corte Colombiana, ao analisar o referido processo, percebeu que a falta de inscrição não era uma demanda exclusiva dos autores da ação, mas, sim, de uma coletividade de professores de diversos municípios Colombianos, caracterizando um problema a nível nacional (O ESTADO..., 2019, p. 1).

Verificada a falha no sistema nacional de educação Colombiano, a Corte Constitucional Colombiana percebeu que o problema não estava nas instituições em si, mas no próprio conjunto político que regrava aquele sistema, tratava-se, então, de uma falha estrutural que estava ferindo diretamente os direitos fundamentais protegidos pela Constituição Colombiana (O ESTADO..., 2019, p. 1).

A Corte Constitucional Colombiana (CCC) em decisão, determinou que as autoridades públicas reformassem suas políticas em um prazo razoável, para que a resolução do problema atingisse toda a coletividade afetada (O ESTADO..., 2019, p. 1).

Esse quadro de violações generalizadas de preceitos fundamentais foi chamado de Estado de Coisas Inconstitucional (ECI), termo que, posteriormente, voltaria a ser usado pela CCC, porém, dessa vez, por conta de problemas observados no sistema penitenciário colombiano (GRUIMARÃES, 2017, p. 85).

Em análise ao problema acima citado, têm-se como protagonistas os presídios de Bellavista e de Modelo, situados em Medellín e Bogotá. A violência, a falta de estrutura e a corrupção dos agentes prisionais eram alguns dos problemas que caracterizavam a questão principal a ser resolvida.

Dessa forma, segundo Guimarães (2017, p. 85/86),

Em sua decisão, a Corte Constitucional determinou a imposição de diversas medidas às entidades estatais, entre as quais se destacam a obrigação de o Instituto Nacional Penitenciário e Carcerário (Inpec), o Departamento Nacional de Planejamento e o Ministério da Justiça elaborarem, em um prazo de três meses, a contar de suas notificações, um plano para a construção e renovação de presídios, de forma a garantir aos presos condições dignas de vida, bem como a obrigação de a Defensoria do Povo e a Procuradoria-Geral da Nação exercerem o monitoramento da implementação.

(28)

Porém, a questão em si não foi superada, pois a solução escolhida pela Corte, que visava simplesmente a construção de mais presídios, mostrou-se insuficiente e acabou por gerar várias críticas por sua falta de fiscalização (GUIMARÃES, 2017, p. 86).

O Estado de Coisas Inconstitucional somente veio a ter eficácia na decisão que

tratava dos “desplazados” (deslocados), que é o termo usado para identificar pessoas que

haviam saído do Estado Colombiano para fugir de problemas como a violência, gerados, principalmente, pelo narcotráfico e ação das FARCS (GUIMARÃES, 2017, p. 87).

Em decisão, além da Corte ter determinado medidas a serem cumpridas por entes públicos, também fiscalizou sua execução, o que fez toda a diferença para a resolução do problema (GUIMARÃES, 2017, p. 88).

Portanto, o Estado de Coisas Inconstitucional é decretado quando há um descumprimento em massa de preceitos fundamentais, amparados pela Constituição, em determinado local, que envolva a administração de entes públicos. Vem tendo grande repercussão no Brasil por meio da ADPF nº 347, movida pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), motivada pelos problemas recorrentes enfrentados nos cárceres (GUIMARÃES, 2017, p. 88).

3.1 OBJETO

Seja o aplicado na Colômbia ou no Brasil, o Estado de Coisas Inconstitucional possui sempre o mesmo objetivo: proteger os direitos fundamentais e apontar as falhas estruturais de determinado local, bem como estabelecer a resolução do problema (ESTADO..., 2015).

Ademais, o que se busca não é simplesmente a alegação de que algo não está certo, mas sim, o procedimento para corrigir o que está errado (ESTADO..., 2015).

Dessa forma, no Brasil a questão foi voltada ao setor prisional, mais especificamente ao quadro de violações constitucionais que existem dentro dos presídios. Assim, o que se busca é a superação desse quadro por meio da implementação de novas políticas públicas (SCHINEMANN, 2016).

Portanto, pode-se concluir que o objeto de que trata o Estado de Coisas Inconstitucional é a superação de um quadro em que exista violação generalizara de preceitos fundamentais.

(29)

3.2 CONCEITO

O Estado de Coisas Inconstitucional, é, por sua natureza, uma forma de resolução de violações aos direitos fundamentais. É uma espécie de decisão e, até mesmo, uma ordem dada a um grupo de entes públicos, que tem por objetivo fazer com que estes cumpram medidas que objetivem a superação da crise instaurada (LIMA, 2019, p. 1).

Portanto, trata-se de um mecanismo procedimental no qual a Corte declara a existência de um quadro de violação massiva e sistemática de direitos fundamentais que atinjam determinados grupos sociais e que decorram de falhas estruturais, isto é, omissões sistêmicas e persistentes dos poderes públicos, onde a superação desse quadro só é possível mediante um conjunto de políticas públicas que envolvem um aglomerado de atores públicos (ESTADO..., 2015).

As violações de que tratam o Estado de Coisas Inconstitucional tem vínculo direto com a negligência daqueles entes públicos envolvidos com o funcionamento de determinado sistema. Esse descumprimento mostra-se visível a partir do momento em que entes estatais deixam de cumprir deveres inerentes aos direitos fundamentais, onde, segundo Cunha Júnior (2015, p. 1), “deixam de adotar as medidas legislativas, administrativas e orçamentárias necessárias para evitar e superar essa violação, consubstanciando uma falha estrutural das

instâncias políticas e administrativas”.

Portanto, o conceito de Estado de Coisas Inconstitucional está atrelado aos seus pressupostos de existência, que serão melhor explicados no tópico a seguir.

3.3 PRESSUPOSTOS

Existe uma divergência entre autores colombianos e brasileiros acerca da quantidade de pressupostos para a decretação do Estado de Coisas Inconstitucional, variando de três a seis pressupostos. Porém, como forma de simplificar o entendimento do leitor, analisaremos os três mais relevantes.

O primeiro pressuposto de existência trata da violação dos direitos fundamentais. Essa violação deve ser massiva e generalizada, de forma que atinja um número elevado de pessoas. O objetivo da Corte aqui não é analisar a questão individual de um, ou de alguns demandantes, mas, sim, constatar a transgressão expressiva dos direitos fundamentais de toda uma coletividade (ESTADO..., 2015).

(30)

O segundo diz respeito à inércia dos entes públicos quanto ao cumprimento de seus deveres em relação à proteção e efetivação dos direitos fundamentais. Esse pressuposto também estipula que essas autoridades públicas deverão apresentar uma explícita falta de organização ou de coordenação entre medidas orçamentárias, administrativas e legislativas,

caracterizando assim, a chamada “falha estrutural”. Cabe ressaltar que a deficiência não é só

de um único ente público, mas de vários, o que acusaria um problema a nível Estatal. Por fim, essas autoridades públicas estariam alheias ao quadro de inconstitucionalidade, contribuindo diretamente para a perpetuação do quadro instaurado (ESTADO..., 2015).

Por fim, o último pressuposto trata das medidas a serem tomadas para a superação desse quadro de inconstitucionalidade. Assim, o Estado de Coisas Inconstitucional passará a existir quando demandar a ação direta dos entes públicos, antes omissos, a fim de corrigir os defeitos estruturais. Porém, não ficando apenas na correção dos defeitos citados, também deverão ser tomadas outras medidas, tais como a criação de novas políticas públicas ou, até mesmo, a reparação daquelas que possuem vícios (ESTADO..., 2015).

3.4 ATIVISMO JUDICIAL

Conceitua-se o ativismo judicial como uma forma de amparo aos direitos fundamentais realizada pelo sistema judiciário, isto é, quando um direito fundamental é ameaçado pela falta do amparo de uma lei, há a necessidade de o Poder Judiciário inovar em prol da causa, a fim de que seja garantida a efetivação daquele direito (FERREIRA, 2017, p. 1).

Segundo Ferreira (2017, p. 1),

O Ativismo Judicial pode ser definido como o papel criativo dos Tribunais ante a insuficiência da norma jurídica em se fazer abranger em todos os casos que chegam ao Judiciário como também de ampliar a interpretação dos dispositivos legais gerando precedente jurisprudencial tendo como origem um caso em concreto. Neste sentido o ativismo é uma atitude do magistrado em face de lei lacunosa ou que não produza efeitos completos na efetivação dos direitos e garantias fundamentais. Porém, não há como falar sobre ativismo judicial sem antes entender o fenômeno do neoconstitucionalismo.

Assim, em meados de 1949, começava, na Europa, a chamada

reconstitucionalização, que mudou de forma significativa as interações entre a Constituição e as instituições públicas (BARROSO, 2005, p. 1).

No Brasil, as discussões sobre o novo Direito Constitucional ocorreram no ano de 1988, simultaneamente à proclamação da atual Constituição da República. Assim, o país saía

(31)

de um regime autoritário e entrava em uma nova fase, onde os governantes estariam obrigados a respeitar as leis e os direitos fundamentais por ela dispostos (BARROSO, 2005, p. 1).

A respeito das mudanças trazidas com a nova Constituição, comenta Barroso (2005) que

Sob a Constituição de 1988, o direito constitucional no Brasil passou da desimportância ao apogeu em menos de uma geração. Uma Constituição não é só técnica. Tem de haver, por trás dela, a capacidade de simbolizar conquistas e de mobilizar o imaginário das pessoas para novos avanços. O surgimento de um sentimento constitucional no País é algo que merece ser celebrado. Trata-se de um sentimento ainda tímido, mas real e sincero, de maior respeito pela Lei Maior, a despeito da volubilidade de seu texto.

Portanto, antes o país possuía leis vazias, sem real força normativa, por conta do estrito vínculo tido com o regime autoritário, assim, segundo Barroso, “coube à Constituição de 1988, bem como à doutrina e à jurisprudência que se produziram a partir de sua

promulgação, o mérito elevado de romper com a posição mais retrógrada” (2005, p. 1).

A nova Constituição trouxe outros mecanismos que possibilitaram a ampliação (ou flexibilização) da interpretação das leis, bem como trouxe, consigo, novas ações voltadas à proteção de preceitos constitucionais, como explica Barroso (2005, p. 1), ao citar a ação declaratória de constitucionalidade e a arguição de descumprimento de preceito fundamental como exemplos.

E é em meio a essa nova teoria constitucional que surge a importância do papel do Supremo Tribunal Federal na interpretação extensiva das normas, que se faz cada vez mais necessária à medida em que a sociedade evolui (BARROSO, 2005, p. 1).

Assim, segundo Egger, “com fundamento no discurso dos direitos fundamentais e na ideia de democracia inclusiva, através de decisões criativas e interpretações expansivas das normas constitucionais, o STF vem ultimamente intervindo nas escolhas políticas do Executivo e do Legislativo” (2017, p. 34).

Esse fenômeno ficou conhecido, no Brasil, como “ativismo judicial”.

Porém, o termo “ativismo judicial” surgiu muito antes, mais precisamente em

meados do ano de 1947, nos Estados Unidos, quando o historiador e crítico social Arthur M. Schlesinger Jr. produziu um artigo para a revista Fortune, onde comentava sobre a maneira de agir da Suprema Corte dos Estados Unidos no período de 1933 a 1937, em que o país passava pela implementação de uma série de programas para apoiar àqueles que foram atingidos pela Grande Depressão instaurada na época (DIAS, 2016, p. 1).

Assim, existiam duas linhas de atuação que a Suprema Corte Norte Americana seguia na época do new deal. Segundo Dias (2016, p. 1),

(32)

A primeira linha entendia que a Suprema Corte podia desempenhar um papel de efetivação de políticas para a promoção do bem-estar social com bases nas concepções políticas dos juízes; e a segunda linha que defendia, basicamente, o oposto, pregando uma postura de autocontenção judicial, deixando as políticas públicas aos poderes eleitos pelo povo. A opção pela primeira linha foi intitulada de ativismo judicial.

Muito embora o termo já tenha sido usado em outras oportunidades, no decorrer dos anos, a sua essência principal continua sempre a mesma, qual seja, a de que o Poder Judiciário deverá interferir quando um direito fundamental for ameaçado por omissão da lei (DIAS, 2016, p. 1).

A aplicação do ativismo judicial no Brasil possui respaldo na Carta de Outubro. Ferreira (2017, p. 1), ensina que,

A Carta de Outubro prevê em seu artigo 102 como órgão de cúpula do Poder Judiciário o Supremo Tribunal Federal, formado por onze ministros, que é em sua essência a última corte a se posicionar sobre uma questão, de onde emana a última palavra, ou seja, a quem compete a decisão final. Nos últimos anos alguns casos emblemáticos e difíceis têm chegado a apreciação do pretório excelso, situações que exigem uma reflexão profunda e a ponderação de princípios constitucionais visando a melhor solução ao caso concreto, o Juiz em face do princípio do non liquet, não pode se furtar a decidir no processo judicial ao qual tem competência, acontece que em muitas situações não há disponível um dispositivo jurídico que contemple uma solução possível em sua totalidade, neste sentido não é razoável um magistrado ser apenas um “soldado da lei” de forma a se restringir ao que nela está previsto de maneira a ser um mero aplicador da norma.

Assim, quando o autor se refere aos “casos emblemáticos”, faz referência direta a

julgamentos que ocorreram no Brasil e tiveram grande repercussão social, como, por exemplo, os julgamentos acerca da união estável entre casais do mesmo sexo, da ficha limpa, da pesquisa com células tronco, etc. (DIAS, 2016, p. 1).

O ativismo judicial, então, é visto como uma atitude tomada pelo sistema judiciário, na qual (no Brasil) o Supremo Tribunal Federal exerce uma interpretação constitucional extensiva, para poder alcançar aquilo que foge a sua competência (EGGER, 2017, p. 35).

Contudo, essa nova flexibilização interpretativa trazida pelo neoconstitucionalismo traz a ideia de quebra da tripartição de poderes, como explica Ferreira (2017, p. 1), ao afirmar que

[...] ao utilizar do ativismo em suas decisões o juiz de certa forma inova no ordenamento jurídico de forma a se aproximar de um fator sensível que é a separação dos poderes, seria deste modo segundo uma parte da doutrina uma extrapolação da competência do Poder Judiciário que não possui a função típica de legislar [...].

Além disso, outros problemas como a legitimidade dos juízes para decidirem no âmbito político (ausência de democracia), não permitindo que seja analisada a vontade

(33)

popular, o perigo de politização do judiciário, bem como a já citada interferência em outros poderes, levam vários outros autores a recomendarem um uso moderado desse instrumento para evitar episódios de insegurança jurídica (SALOMÃO, 2017, p. 1).

Em contrapartida, Salomão (2017, p. 1) traz dois dos principais pontos positivos do uso do ativismo judicial. São eles:

a) a proteção contramajoritária, quando o Judiciário guarda e garante os direitos da minoria que não lograria obtê-la no Parlamento; e b) a imposição de condutas ou abstenções ao Poder Público em atuação proativa, no papel de guardião das políticas públicas que envolvam direitos fundamentais.

Portanto, ainda que seja algo em favor dos direitos fundamentais, o ativismo judicial é um instrumento delicado, que deve ser manipulado de forma contida, merecendo ser avaliado em observância a questões já resolvidas (SALOMÃO, 2017, p. 1).

4 O ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL NO TOCANTE ÀS PENITENCIÁRIAS BRASILEIRAS

Os problemas que cercam o sistema prisional brasileiro estendem-se ao longo dos anos e afetam diretamente os direitos fundamentais do cidadão, conforme demonstra o primeiro capítulo deste trabalho. Fatores como a falta de estrutura dos presídios, a mistura de presos de diferentes graus de periculosidade, bem como os elevados níveis de reincidência culminaram na falência da chamada ressocialização (SARMENTO, 2015, p. 1).

Sobre as questões que abrangem o sistema prisional, comenta Sarmento que As prisões brasileiras – que já foram descritas pelo Ministro da Justiça, sem nenhum exagero, como “masmorras medievais” – são, em geral, verdadeiros infernos dantescos, com celas superlotadas, imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida intragável, temperaturas extremas, falta de água potável e de produtos higiênicos básicos. Homicídios, espancamentos, tortura e violência sexual contra os presos são frequentes, praticadas por outros detentos ou por agentes do próprio Estado. As instituições prisionais são comumente dominadas por facções criminosas, que impõem nas cadeias o seu reino de terror, às vezes com a cumplicidade do Poder Público. Faltam assistência judiciária adequada aos presos, acesso à educação, à saúde, à seguridade social e ao trabalho. O controle estatal sobre o cumprimento das penas deixa muito a desejar e não é incomum que se encontrem, em mutirões carcerários, presos que já deveriam ter sido soltos há anos. Há mulheres em celas masculinas e outras que são obrigadas a dar à luz algemadas.

(34)

Neste cenário revoltante, não é de se admirar a frequência com que ocorrem rebeliões e motins nas prisões, cada vez mais violentos (2015, p. 1).

Assim, princípios como o da dignidade da pessoa humana acabam lesados. Porém, as violações não são exclusividade com relação à Constituição Federal, uma vez que tratados internacionais e a própria Lei de Execução Penal também sofrem por conta do quadro caótico instaurado no sistema prisional. Portanto, Sarmento (2015, p. 1) explica que

não faltam normas jurídicas garantindo o respeito aos direitos humanos dos nossos presos. O que tem faltado ao Estado brasileiro, nos seus diversos poderes e instâncias federativas, é a mínima vontade política para transpor do papel para a realidade a promessa constitucional de garantia da dignidade humana do preso. É que os presos constituem um grupo particularmente impopular na sociedade brasileira, o que desestimula o sistema político e a burocracia estatal a “levarem a sério” os seus direitos.

O estigma atrelado ao cidadão preso, segundo o autor, leva as engrenagens políticas e judiciais (em sua maioria) a ignorar as violações frequentes dos direitos já citados (SARMENTO, 2015, p. 1).

Contudo, o Supremo Tribunal Federal possui prerrogativas que podem ajudar a superar esses problemas. Segundo Sarmento (2015, p. 1),

Há muito o que o STF pode fazer nesta questão, com base na Constituição. É importante, por exemplo, fixar de uma vez por todas a possibilidade de imposição jurisdicional de prestações positivas ao Estado nesta área, afastando as objeções de ofensa à separação dos poderes, à discricionariedade administrativa e à reserva do possível. Afinal, os direitos fundamentais de uma minoria não podem ficar sujeitos aos juízos políticos dos governantes de plantão, especialmente quando está em jogo a garantia do mínimo existencial.

Portanto, a incapacidade política em ater-se a essas questões, pode ser suprida por ações diretas do STF, uma vez que é histórica a proteção que o referido órgão exerce às minorias marginalizadas (SARMENTO, 2015, p. 1).

4.1 O ATUAL QUADRO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

Como visto anteriormente, o sistema prisional está em crise severa, uma vez que os problemas encontrados nesse setor voltam-se contra o próprio Estado. Para que possamos entender melhor as deficiências que causam a crise no sistema prisional, é necessário fazer uma divisão do conjunto de falhas funcionais e estruturais, uma a uma, analisando suas características e fatores determinantes para sua incidência.

O primeiro problema, talvez o mais relevante, trata da superlotação carcerária. A questão toma forma à medida em que se prende mais e solta-se menos, tornando a população de presos provisórios a segunda maior população carcerária (NUCCI, 2017, p. 1).

Referências

Documentos relacionados

§ 1º Na assinatura do termo de adesão, a Justiça Federal de 1º Grau será representada pelo Diretor de Foro da respectiva Seção Judiciária, mesmo quando o

direcionamento de seu cuidado enquanto mulher, podendo retomar o lugar de autora do próprio corpo e do processo de parto. Essa mudança também deve partir da formação

MUNANGA, Kabengele. Políticas de ação afirmativa em benefício da população negra no Brasil: um ponto de vista em defesa de cotas. Disponível em:

Para o início de um novo empreendimento a empresa precisa seguir alguns procedimentos de ordem burocrática. Estas, geralmente são de ordem administrativas, de

Oncag, Tuncer & Tosun (2005) Coca-Cola ® Sprite ® Saliva artificial Compósito não é referido no estudo 3 meses 3 vezes por dia durante 5 minutos Avaliar o efeito de

Os principais resultados obtidos pelo modelo numérico foram que a implementação da metodologia baseada no risco (Cenário C) resultou numa descida média por disjuntor, de 38% no

anableps pode estar usando os três igarapés também para reproduzir-se, visto que os adultos são mais numerosos que os ju- venis; além disso, fêmeas no estágio EG4 foram en-

Bone cement (PMMA or polymethylmethacrylate) is widely used in orthopaedic surgeries due to their properties,.. dimension changes during the polymerization process with heat