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DA ARGUIÇÃO DO ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL DO SISTEMA

PRISIONAL BRASILEIRO

Para superar eventuais quadros de inconstitucionalidade, a Constituição Federal dispõe do mandado de injunção, estabelecido no artigo 5º, inciso LXXI, que assegura um direito constitucional que carece de norma reguladora para ser efetivamente usufruído, bem como do recurso extraordinário, regulado pelo artigo 102, que busca contestar decisões que

contrariem algum dispositivo constitucional; declarem a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; julguem válidas leis ou atos de governos locais contestados em face da Constituição Federal ou; julguem válida lei local contestada em face de lei federal (BRASIL, CRFB, 2019).

Tem-se, também, a Arguição de Descumprimento de Preceito fundamental (ADPF), previsto no art. 102, § 1º, que busca a reparação de um direito fundamental, amparado pelo texto constitucional, que está sendo lesado pela ação ou omissão do Poder Público (BRASIL, CRFB, 2019).

Assim, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), observando o quadro massivo de inconstitucionalidades presentes no sistema prisional brasileiro, resolveu tomar a iniciativa de ajuizar uma ação (ADPF), para tentar reverter essa situação (BRASIL, STF, 2019).

A inicial impetrada no Supremo Tribunal Federal, em 26 de maio de 2015, tem por objetivo o reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional, bem como a realização de exigências para que o quadro de lesões aos direitos fundamentais dos presídios seja revertido (BRASIL, STF, 2019).

Na petição, inicialmente, são abordados os problemas enfrentados pelo sistema carcerário, onde é feita menção ao poema Divina Comédia, comparando os presídios ao inferno descrito na obra. Assim, extrai-se da peça inicial que

As prisões brasileiras são, em geral, verdadeiros infernos dantescos, com celas superlotadas, imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida intragável, temperaturas extremas, falta de água potável e de produtos higiênicos básicos. Homicídios, espancamentos, tortura e violência sexual contra os presos são frequentes, praticadas por outros detentos ou por agentes do próprio Estado. As instituições prisionais são comumente dominadas por facções criminosas, que impõem nas cadeias o seu reino de terror, às vezes com a cumplicidade do Poder Público. Faltam assistência judiciária adequada aos presos, acesso à educação, à saúde e ao trabalho. O controle estatal sobre o cumprimento das penas deixa muito a desejar e não é incomum que se encontrem, em mutirões carcerários, presos que já deveriam ter sido soltos há anos. Neste cenário revoltante, não é de se admirar a frequência com que ocorrem rebeliões e motins nas prisões, cada vez mais violentos (BRASIL, STF, 2019).

O partido ainda faz severas críticas ao sistema prisional, acusando-o de ser seletivo, uma vez que o número de detentos pobres e sem escolaridade é altíssimo. É importante observar que não existe nenhum estudo quanto à classe social dos detentos, porém a baixa escolaridade, na maioria das vezes, aponta para pessoas que possuem poucos recursos (BRASIL, STF, 2019).

A petição ressaltou, ainda, iniciativas idealizadas pelo Ministro Ricardo Lewandowski por meio do Conselho Nacional de Justiça, bem como citou discursos de outros

ministros que denunciam o estado calamitoso em que se encontra o sistema prisional (BRASIL, STF, 2019).

Assim, o partido demonstra que a segurança social depende diretamente da manutenção dos presídios, porquanto

[...] as condições degradantes em que são cumpridas as penas privativas de liberdade, e a “mistura” entre presos com graus muito diferentes de periculosidade, tornam uma quimera a perspectiva de ressocialização dos detentos, como demonstram as nossas elevadíssimas taxas de reincidência, que, segundo algumas estimativas, chegam a 70% (JURISTAS..., 2014, p. 1).

Portanto, o PSOL concluiu que o aumento gradativo dos níveis de reincidência tem influência direta com a mistura de presos citada acima, fazendo com que os presídios corrompam mais do que recuperem (BRASIL, STF, 2019).

Assim, o documento denuncia as mais diversas violações dos direitos fundamentais estabelecidos pela Carta Constitucional, bem como apresenta os números do crescimento exponencial, desde a década de 90, da população carcerária, com base em dados fornecidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), já expostos no último tópico do primeiro capítulo deste trabalho (BRASIL, STF, 2019).

A petição inicial cita ainda outros problemas já mencionados no decorrer deste estudo, razão pela qual não há necessidade de inseri-los novamente.

A seguir, o partido menciona o uso do Poder Judiciário na resolução de questões

que envolvam “graves falhas estruturais nas políticas públicas voltadas à proteção de direitos fundamentais”. Depois, estabelece que “o estado de coisas inconstitucional é perfeitamente aplicável à jurisdição constitucional brasileira”, motivo pelo qual requer seja aplicado em

relação à crise do sistema prisional (BRASIL, STF, 2019).

Ademais, também justifica os gastos com o sistema prisional, esclarecendo que é obrigação do Estado garantir os direitos fundamentais do detento, independentemente de questões econômicas que possam limitar esses gastos. Segundo o PSOL, há duas razões para isso: “[...] tais direitos se enquadram no mínimo existencial, que não se sujeita à limitação pela reserva do possível; e a posição de garante do Estado em relação aos presos retira a legitimidade deste argumento” (BRASIL, STF, 2019).

Também, investir no sistema prisional, significa investir na segurança pública, uma vez que conter o fenômeno do hiperencarceramento culmina em uma redução de presos. Isso faz com que, num futuro próximo, o país não precise gastar tanto com recursos públicos como gasta atualmente (BRASIL, STF, 2019).

Assim, o partido segue com um rol extenso de problemas graves que acometem a maioria dos presídios, que vão desde a superlotação até o contingenciamento do Fundo Penitenciário Nacional (BRASIL, STF, 2019).

Por fim, foram elencadas medidas a serem adotadas por todos os entes públicos, com a fiscalização do Poder Judiciário. A primeira diz respeito à elaboração de planos pela Fazenda Pública que objetivem a superação das questões que acometem o sistema prisional. Segundo o PSOL,

Tais planos devem estabelecer medidas objetivas, prever metas e prazos para a sua implementação, bem como reservar os recursos necessários para tanto, de modo a buscar o equacionamento de questões como a superlotação dos estabelecimentos prisionais, a precariedade das suas instalações, a carência e falta de treinamento adequado de pessoal nos presídios, o excesso do número de presos provisórios, a prática sistemática de violência contra os detentos, a falta de assistência material, de acesso à justiça, à saúde, à educação e ao trabalho dos presos, bem como as discriminações diretas e indiretas praticadas contra mulheres, minorias sexuais e outros grupos vulneráveis nas prisões (BRASIL, STF, 2019).

Assim, esses planos devem passar pela aprovação do STF, bem como por sua fiscalização, caso forem aprovados (BRASIL, STF, 2019).

A segunda medida trata das audiências de custódia, que não são realizadas no prazo correto, gerando um engarrafamento nas prisões públicas e um grande número de presos provisórios. Ainda que o Pacto dos Direitos Civis não estabeleça um prazo definitivo

para que seja realizada a audiência de custódia, ele estabelece que deve ocorrer “sem demora”. O problema é que essas audiências costumam atrasar, e muito, contradizendo o

disposto pelo decreto (BRASIL, Decreto nº 592, 1992).

Dessa forma, o arguente frisa que os tratados internacionais também são fontes dos direitos fundamentais, tento aplicabilidade direta nos direitos infraconstitucionais, por isso pede que essas audiências ocorram sem demora, sugerindo um prazo de 24 horas (BRASIL, STF, 2019).

A próxima medida estabelece que os juízes devem levar em consideração o Estado de Coisas Inconstitucional na aplicação da pena, bem como em sua execução. Isso porque os presídios não possuem estrutura mínima para manter os presos em condições humanas, fazendo com que qualquer sentença leve o indivíduo a uma situação de tortura, contradizendo o artigo 5º da Constituição que veda a aplicação de penas cruéis (BRASIL, CRFB, 2019). De acordo com o PSOL, “o sistema prisional brasileiro está em colapso e as penas privativas de liberdade são sistematicamente cumpridas em condições degradantes, como se afirmou tantas vezes nesta peça. Esta é uma realidade que não pode ser ignorada na aplicação das normas penais” (BRASIL, STF, 2019).

Outrossim, observadas essas condições, o juiz deverá, segundo o arguente, ater-se ao princípio da proporcionalidade do delito, em outras palavras o juiz deverá prender o acusado somente em casos extremamente necessários, e, se for o caso de condenação, deverá fazer quantificar a pena em observância ao princípio citado (BRASIL, STF, 2019).

Além dos pedidos já expostos no presente trabalho, o arguente fez o pedido de mais algumas medidas cautelares, tais como a justificativa, por parte de juízes e tribunais, para não aplicação de outras medidas diversas da prisão, além do descontingenciamento das verbas contidas no Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) (BRASIL, STF, 2019).

Por fim, a petição foi finalizada requerendo a decretação do Estado de Coisas Inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro, bem como a elaboração de um “Plano

Nacional” pelo Governo Federal, visando à superação do quadro de inconstitucionalidade nos

presídios, que deverá ser julgado e fiscalizado pelo STF (BRSIL, STF, 2019).

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