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Como visto anteriormente, o sistema prisional está em crise severa, uma vez que os problemas encontrados nesse setor voltam-se contra o próprio Estado. Para que possamos entender melhor as deficiências que causam a crise no sistema prisional, é necessário fazer uma divisão do conjunto de falhas funcionais e estruturais, uma a uma, analisando suas características e fatores determinantes para sua incidência.

O primeiro problema, talvez o mais relevante, trata da superlotação carcerária. A questão toma forma à medida em que se prende mais e solta-se menos, tornando a população de presos provisórios a segunda maior população carcerária (NUCCI, 2017, p. 1).

De acordo com dados extraídos do Infopen, 33,01% da população carcerária é constituída por presos em situação provisória (BRASIL, Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2017b, p. 23).

Porém, a questão da superlotação não se limita à falha do sistema judiciário em atender ao grande volume de demandas, uma vez que a maior população carcerária (45,78%, segundo o Infopen) são de presos em regime fechado (BRASIL, Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2017b, p. 23).

Dessa forma, estabelece Nucci (2017) que

há que se ponderar os números superestimados de presos em sistema fechado; muitos cálculos de pessoas detidas envolvem, irregularmente, os regimes semiaberto e aberto, o que, por óbvio, é ilógico. Quem se encontra em colônia penal agrícola ou industrial (semiaberto) não está sujeito a nenhuma espécie de superlotação insalubre ou degradante.

Portanto, o autor explica que existe um número elevado de presos no regime fechado, enquanto o regime semiaberto mostra-se uma opção mais viável e humana em relação ao interno, exibindo maior eficácia no que diz respeito à recuperação do apenado, uma vez que as colônias agrícolas ou industriais não possuem os mesmos problemas das penitenciárias (higiene, estrutura, segurança...) (NUCCI, 2017, p. 1).

Ainda, por conta da má administração do Poder Executivo, muitas das colônias agrícolas ou industriais não oferecem educação e nem atividade laboral ao interno, sendo que, nesse regime, o detento tem a responsabilidade de sair do estabelecimento de manhã para cumprir essas tarefas, retornando somente ao anoitecer. Isso na prática, torna o regime semiaberto idêntico ao aberto (NUCCI, 2017, p. 1).

Portanto, Nucci (2017, p. 1) observa que “não é preciso ser especialista em direito penal para concluir algo evidente: o semiaberto transmudou-se para aberto, na prática, em incontáveis Comarcas brasileiras, muitas das quais eu visitei e assim constatei”.

Além do mais, ainda que menos gravosos em comparação ao regime fechado, os regimes aberto e semiaberto possuem cálculos semelhantes aos do primeiro, tornando injusto o cumprimento da pena, uma vez que os internos do regime aberto e semiaberto não sofrem com os mesmos problemas encontrados nas penitenciárias (NUCCI, 2017, p. 1).

Assim, ainda há o problema com as casas do albergado, que não estão presentes na maioria das comarcas. Para suprir essa carência, passou-se a utilizar o art. 117 da Lei de Execuções Penais para todos os condenados no regime aberto, que poderão cumprir sua pena em prisão domiciliar. Isso deixa ainda mais absurda e desigual a forma de cálculo utilizada no

atual sistema prisional, que mistura condenados dos regimes fechado, aberto e semiaberto (BRASIL, LEP, 2019).

É importante mencionar que muitos estudos incluem presos que possuem condenação em outro processo no número de presos provisórios, dando o entendimento de que não se tratam de presos absolutos (NUCCI, 2017, p. 1).

Por fim, não é lógico concentrar a culpa em juízes que prendem muito, até porque a maioria dos presos em regime fechado cometeram crimes hediondos, tais como matar ou estuprar. Os problemas principais, aqui, estão na educação medíocre oferecida pelo Estado e em políticas sociais falhas (NUCCI, 2017, p. 1).

A reincidência, por sua vez, é uma questão enfrentada no mundo todo, porém, esse problema possui proporções gigantescas em nosso país. Seu conceito pode ser dado da seguinte forma:

Reincidência genérica: considera a pessoa que comete mais de um ato criminal,

independentemente se há ou não condenação ou mesmo autuação. Ou seja, é o caso de muitos presos provisórios, que passam pelo sistema prisional, mas no fim acabam sendo inocentados.

Reincidência legal: é o tipo de reincidência que aparece na Lei de Execução Penal

(LEP), que considera a condenação judicial por um crime no período de até cinco anos após a extinção da pena anterior.

Reincidência penitenciária: ocorre quando um egresso retorna ao sistema

penitenciário após uma pena ou por medida de segurança. Ou seja, é quando uma pessoa retorna ao sistema penitenciário após já ter cumprido pena em um estabelecimento penal.

Reincidência criminal: é quando uma pessoa possui mais de uma condenação,

independentemente do prazo legal estabelecido pela legislação brasileira (SOUZA, 2017b, p. 1, grifo nosso).

Todavia, devido a possíveis confusões que podem ocorrer diante do número de conceitos existentes, nesse trabalho será usado somente o conceito de reincidência legal.

Assim, de acordo com dados do Conselho Nacional de, fornecidos pelo Ipea, o nível de reincidência do país chega a 70%. A pesquisa analisou o perfil de 936 apenados, chegando à conclusão de que, em sua maioria, são jovens com idade entre 18 a 24 anos, do sexo masculino (91,9% segundo dados do CNJ), que possuem baixa ou nenhuma escolaridade. Contudo, a pesquisa identificou que a maioria possui ocupação, o que demonstra que a questão tem muito mais a ver com a educação e com a formulação de políticas públicas (CNJ, 2015, p. 11).

Também há que se observar que a legislação possui programas funcionais que auxiliam o preso em sua recuperação, a exemplo disso temos a remição de pena pela leitura, pelo trabalho e pelo estudo. Basta abrir a Lei nº 7.210 e verificar seu artigo 10, onde está

sociedade”, para perceber que não faltam dispositivos legais que garantem a recuperação do

preso (BRASIL, LEP, 2019).

Ocorre que a execução dessas medidas é prejudicada por conta do estado em que se encontram os presídios, que não possuem mais infraestrutura para proporcionar o devido tratamento aos internos (SOUZA, 2017a, p. 1).

E por falar em infraestrutura, chegamos nas questões acerca da saúde carcerária. O Sistema Único de Saúde (SUS) determina que a saúde é um direito universal e que o Estado deve provê-la gratuitamente a todos, sem distinção de qualquer tipo (BRASIL, Lei n. 8.080, 2019).

Assim, o cidadão que se encontra privado de sua liberdade também possui esses direitos, porém, verifica-se que o dispositivo não é posto em prática, ou possui uma execução desastrosa dentro dos estabelecimentos prisionais (ASSIS, 2017, p. 1).

Dessa forma, por conta da negligência higiênica, os internos são frequentemente acometidos por doenças infecciosas, causadas por vírus, parasitas e bactérias, que se alastram facilmente dentro das celas superlotadas (ASSIS, 2017, p. 1).

Ainda, doenças sexualmente transmissíveis, tais como a sífilis e o HIV, mostram- se presentes na maioria desses locais, culminando num grande número de presos mortos pela falta de tratamento (ASSIS, 2017, p. 1).

Assim, segundo Moraes (2015, p. 72),

o contágio das doenças infecciosas ocorre no sistema prisional devido a alguns fatores relacionados ao próprio encarceramento, tais como: celas superlotadas, mal ventiladas e com pouca iluminação solar; exposição frequente à microbactéria responsável pela transmissão da tuberculose; falta de informação e dificuldade de acesso aos serviços de saúde na prisão.

Portanto, essa questão remete diretamente à negligência Estatal em não cumprir o que está disposto na lei, submetendo esses cidadãos “que estão sob sua custódia a condições

subumanas, cruéis, degradantes e vexatórias” (ASSIS, 2017, p. 1).

No mesmo sentido, comenta Assis (2017, p. 1) que

Diante desse cenário deprimente, é possível falar em reintegração social? Como o Estado está preparando estes seres humanos para o retorno a vida em sociedade? O que podemos fazer enquanto coletivo humano para reverter essa dramática situação de violação de direitos?

O comentário da autora deixa implícito, mas perceptível, o desinteresse do Estado na formulação de políticas públicas para melhorar a situação dos cárceres (ASSIS, 2017, p. 1).

Cremos, contudo, que a falta de apoio estatal também tem a ver com a falta de apoio da sociedade, uma vez que a maioria das pessoas sentem aversão quando o assunto trata de pessoas presas (BARRUCHO; BARROS, 2017, p. 1).

Por fim, outro problema recorrente em relação aos presídios é a falta de uma administração competente, basta ver a selvageria instaurada dentro das celas em meio às frequentes rebeliões. As condições insalubres, bem como a própria superlotação também são frutos dessa má administração, que gasta menos do que deveria com o sistema prisional (BARRUCHO; BARROS, 2017, p. 1).

Assim, conforme matéria disponibilizada pelo site “O globo”,

Nos últimos dias de 2016, o governo federal distribuiu R$ 1,2 bilhão do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) aos estados, por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). Passados dez meses e três massacres de grandes proporções que deixaram ao menos 130 mortos nos presídios, somente 1,1% do montante — cerca de R$ 13,2 milhões — foi investido pelas administrações estaduais (MARIZ, 2017, p. 1).

Extrai-se do levantamento que cada estado ganhou um montante de R$ 44,7 milhões, fracionados em três contas, cada uma com destinação diferente, onde a primeira era voltada para construções, a segunda para custeio e a terceira para aparelhamento (MARIZ, 2017, p. 1). Porém, somente alguns estados conseguiram investir o dinheiro das três contas, demonstrando uma dificuldade por falta de políticas públicas, criando questões burocráticas que retardam o processo de investimentos (MARIZ, 2017, p. 1).

Portanto, o estudo revela que o ponto crucial para melhorar o quadro estrutural está na elaboração de novas políticas, que facilitem os procedimentos tomados pelos estados em benefício do sistema prisional. Ocorre que os estados entram em conflito com a União quando o assunto trata de políticas públicas, muitas vezes gerando uma lide entre os dois atores públicos. O tópico a seguir busca explicar melhor essa questão.

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