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Explorando Radionovelas: Trabalhando com Contos de Machado de Assis

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Academic year: 2021

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Explorando Radionovelas: Trabalhando com Contos de Machado de Assis

Introdução

Este relato de boas práticas apresenta um projeto pedagógico elaborado e executado durante a disciplina de Estágio de Docência em Português II do curso de Licenciatura em Letras na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ele foi posto em prática em um colégio da rede federal de ensino, nas aulas de Literatura de uma turma de segundo ano do ensino médio, com aproximadamente 35 alunos. Sua execução levou 12 horas-aula de 45 minutos cada, distribuídas em dois períodos semanais. Durante as observações e combinações com a professora titular, nos foi sugerido o trabalho com contos machadianos, pela sua previsão no currículo da disciplina. Além disso, ao termos contato com a turma, percebemos que muitos apreciavam literatura de best-sellers e suas adaptações cinematográficas. Assim, ao trabalharmos com Machado de Assis, optamos também por abordar possíveis adaptações de seus contos para meios audiovisuais. Nossa primeira opção foi ter como produto final um curta-metragem, mas devido ao curto tempo de que dispúnhamos, optamos conjuntamente com os alunos pelo trabalho com radionovelas. As radionovelas nos pareceram interessantes pelas múltiplas possibilidades de colaboração e coconstrução, ora necessitando de encontros presenciais (planejamento e gravações dos áudios, por exemplo), ora possibilitando trabalho a distância (edição, mixagem de som, entre outros). Este gênero1 também exigiria adaptações das obras originais em função do tempo disponível para a execução do projeto e possibilitaria adaptações múltiplas de acordo com a leitura dos alunos.

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Referimo-nos aqui aos gêneros do discurso postulados por Mikhail Bakhtin e, neste projeto, o que identificamos como o gênero radionovela. Para maior descrição do conceito, ver Bakhtin (2010).

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Nesse contexto, elaboramos o projeto2 Radionovelas Machadianas, cujos objetivos destacamos abaixo:

1. conscientizar os alunos acerca da importância de Machado de Assis para a literatura nacional;

2. familiarizá-los com contos machadianos através de tarefas de leitura;

3. propor reflexões acerca de adaptações de obras literárias, procurando direcioná-los à adaptação para radionovela;

4. familiarizá-los com o gênero radionovelas e seus diferentes elementos;

5. familiarizá-los com o gênero roteiro, discutindo seus elementos e especificidades;

6. prepará-los para a produção de um roteiro e uma radionovela, tendo por base um conto de Machado de Assis.

Apresentamos a seguir uma descrição do desenvolvimento do projeto, aula a aula. Aula 1

A primeira atividade serviu para que conhecêssemos os alunos e nos apresentássemos. Organizando as classes em círculo, perguntamos a cada aluno seu nome e livro favorito. Trouxemos uma bola que era jogada de aluno para aluno a fim de convidá-los à apresentação, tornando o momento mais dinâmico e lúdico. Quando alunos diziam não ter um livro favorito porque não gostavam de ler, pedíamos que nomeassem um livro lido por demanda escolar de que tivessem gostado, ou adaptações cinematográficas que tivessem assistido. Também perguntamos sobre autores brasileiros quando mencionavam apenas obras internacionais.

Depois, passamos para uma apresentação de slides sobre Machado de Assis. Ativamos o conhecimento prévio dos alunos com as perguntas da figura abaixo:

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Entendemos o ensino por tarefas organizados em projetos pedagógicos como convites ao agir na sociedade, como propostos por Schlatter e Garcez (2009) e Nunan (2004).

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Imagem 1: slide sobre Machado de Assis

Registramos as contribuições no quadro. Os demais slides continham informações sobre a vida do autor (data e local de nascimento, marcos em sua vida) e sua obra (principais romances e influências), além de adaptações desta para cinema e televisão. Em seguida, passamos à tarefa de leitura sobre os contos machadianos. Os dez contos selecionados foram O Oráculo (1866), A Cartomante (1884), O Relógio de Ouro (1873),

Capítulo dos Chapéus (1884), Teoria do Medalhão (1881), Missa do Galo (1884), O Espelho (1882), O Caso da Vara (1891), Um Homem Célebre (1883) e Pai contra Mãe

(1906). Cada dupla de alunos ficou responsável por ler dois e responder às seguintes questões:

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Imagem 2: tarefa de leitura de contos de Machado de Assis Esta atividade continuaria na aula seguinte.

Aula 2

A segunda aula iniciou-se com uma apresentação expositivo-dialogada de slides. Seu objetivo era analisar o repertório dos alunos relativo a adaptações, num primeiro momento, e a radionovelas, num segundo. A seguir, duas lâminas que exibimos:

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Imagem 4: slide sobre radionovelas

Conversamos, a partir das colocações dos alunos, sobre diversos tipos de adaptação (romances para filmes, radionovelas para telenovelas, literatura para séries televisivas, etc.). Trouxemos também explicações de fundo teórico sobre o conceito de adaptação e suas mudanças ao longo do tempo - ou seja, como eram vistas como inferiores aos originais e passaram a ser analisadas a partir de uma perspectiva intertextual sem julgamentos (MARCINIAK, 2007). Esta autora também nos convida a analisarmos as obras adaptadas não como cópias das originais, mas como aquelas que proporcionam diferentes experiências de de leitura. Como última etapa da exposição, apresentamos uma breve história da radionovela: seu início e relevância na América Latina, características do gênero e principais títulos brasileiros.

O próximo passo consistiu em escutar trechos de radionovelas. Nossa preocupação foi trazer tanto títulos renomados e gravações autênticas quanto produções escolares baseadas em contos machadianos, para que os alunos fossem expostos a uma

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variedade de textos. Por isso, exibimos a abertura de Em busca da felicidade3 e um trecho de O direito de nascer4, bem como adaptações escolares de Pai contra mãe5 e de A Cartomante6.

No caso de Pai contra mãe, pedimos que os alunos atentassem para os movimentos adaptativos feitos em termos de mudanças linguísticas coerentes com mudanças espaço-temporais na história. A partir do exemplo dessa radionovela, motivamos os alunos a pensarem em como adaptar outros contos com que tínhamos trabalhado. Quanto às diferentes versões de A Cartomante, pedimos que nossos alunos julgassem a qualidade de cada uma com base em critérios identificados coletivamente, como qualidade da gravação, efeitos sonoros e atuação. Também comentamos sobre a curta duração das radionovelas escolares e sobre o trabalho de adaptação envolvido (necessidade de seleção dos pontos-chave da obra).

Em seguida, foi concedido tempo para que os alunos terminassem de responder às questões sobre os contos que não haviam sido finalizadas na primeira aula. Depois de todos estarem prontos, fizemos uma roda para socializar as respostas. Como cada obra foi lida por duas duplas, houve espaço para debate e argumentação sobre todas. Dessa forma, todos os alunos tinham informações básicas sobre o enredo e os personagens de cada conto, mesmo sem tê-los lido, além de opiniões dos colegas sobre a possibilidade de fazer uma boa adaptação com base na obra em questão. A pergunta sobre palavras e expressões desconhecidas guiou a discussão sobre adaptações linguísticas que seriam necessárias ao escrever o roteiro.

Apenas cinco dos contos machadianos foram discutidos nessa aula; os restantes foram discutidos na terceira semana.

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Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=y82nh4xER-g>. Acesso em 09 jul 2018.

4

Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=xUjfFY4BgwY>. Acesso em 09 jul 2018.

5

Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=yEjfBpNqEY4>. Acesso em 09 jul 2018.

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Aula 3

Antes do término da discussão sobre os cinco contos machadianos que não foram contemplados na aula anterior, relembramos o que havia sido colocado pelas duplas sobre os cinco primeiros. Concluído esse passo, passamos para o estudo do gênero roteiro de radionovela.

Entregamos aos alunos um trecho de um roteiro de uma adaptação de O Auto da

Barca do Inferno (2001)7 para radionovela e pedimos que os alunos fizessem a tarefa abaixo (imagem 5). Após a conclusão, conversamos em grupo sobre as respostas, familiarizando-os com as características do gênero, tais como, identificação da obra adaptada e do tempo estimado para a gravação, formatação em duas colunas (sendo a primeira destinada aos efeitos sonoros e a segunda a diálogos e narração) e orientações para os atores (que indicam o tom da fala e previnem radionovelas monótonas).

Imagem 5: tarefa de leitura do gênero roteiro

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Disponível em <https://docs.wixstatic.com/ugd/0711f9_f78cc0b6acce4948b898d25da2f7d163.pdf>.

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Transitamos pela sala enquanto os alunos faziam a tarefa, tirando dúvidas e fornecendo explicações.

Por fim, projetamos um roteiro de uma adaptação de A escrava Isaura (1988)8 para radionovela no quadro e pedimos voluntários para encenar uma passagem. Os alunos se engajaram significativamente nessa atividade, o que demonstrou a importância da dramatização.

Aula 4

No primeiro momento, pedimos que os alunos se dividissem em grupos de 4 a 5 integrantes para a elaboração dos produtos finais do projeto (roteiro e radionovela). Escrevemos os títulos dos contos machadianos trabalhados no quadro e pedimos que cada grupo pensasse em qual conto gostaria de adaptar para radionovela. Caso dois ou mais grupos tivessem interesse no mesmo conto, era feito sorteio.

Em seguida, entregamos uma folha de apoio9 contendo dicas para a escrita de um roteiro de radionovela e fizemos uma leitura em conjunto dela. Antes de levá-los para o laboratório de informática, entregamos a tarefa de escrita abaixo:

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Disponível em <https://docs.wixstatic.com/ugd/0711f9_b24a9b1da5af4d81b4bf73472eb64242.pdf>.

Acesso em 10 jul 2018.

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Imagem 6: tarefa de escrita

Durante a escrita, fornecemos auxílio apenas quando solicitados, procurando interferir o menos possível no processo criativo. Buscamos fazer perguntas motivadoras quando eles nos mostravam seu trabalho em andamento.

Ao final da aula, pedimos que os alunos nos enviassem por email a primeira versão de seus roteiros. Ficou combinado que, no intervalo entre as aulas 4 e 5, enviaríamos bilhetes orientadores sobre as primeiras versões de cada grupo para sua reescrita.

Aula 5

Pretendíamos destinar a quinta aula exclusivamente à gravação e edição das radionovelas. Entretanto, a maior parte dos grupos não cumpriu com os prazos de entrega, então cada grupo se encontrava em uma fase diferente da produção final. Para lidar com isso, foram necessárias adaptações no planejamento.

Primeiramente enfatizamos a importância de enviar os trabalhos no prazo e o impacto dos atrasos na nossa organização. Concordamos, por fim, que pontualidade na entrega seria um critério de avaliação.

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Os grupos que haviam enviado a versão final do roteiro dentro da data estipulada receberam-na impressa e foram para locais silenciosos do colégio para gravar suas radionovelas sem interferências acústicas significativas. Os demais retornaram ao laboratório para terminar sua escrita. Mais uma vez, usamos perguntas norteadoras se notávamos, por exemplo, falta de coesão ou formatação. Ao fim dessa aula todos os grupos haviam enviado seu roteiro, completo ou não. Ficou estipulado que, após nossa revisão final, eles gravariam suas radionovelas e as trariam prontas na aula seguinte.

Aula 6

Realizamos, na última aula, a mostra de radionovelas produzidas pelos alunos e a confraternização entre todos. Dois grupos não terminaram suas radionovelas, que foram enviadas após a data final. A turma pareceu engajada em escutar-se, e tivemos resultados que consideramos satisfatórios.

Considerações finais

Acreditamos que o projeto teve êxito, apesar das condições de tempo não muito favoráveis. Tivesse nosso período de estágio contado com mais períodos, teríamos aprofundado as discussões sobre a importância de Machado de Assis para a literatura nacional, propondo tarefas de pesquisa autônoma dos alunos sobre a vida e obra do autor. Acreditamos que somente uma aula expositiva pode ter deixado raso o entendimento da relevância desse autor para a literatura brasileira.

As tarefas de leitura e momentos de discussão sobre os contos parecem ter sido capazes de proporcionar aos alunos contato com a escrita machadiana e algumas de suas principais características, visto que debateram sobre diferentes interpretações de

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finais ambíguos e sobre críticas irônicas encontradas nos textos. A maior parte das adaptações também demonstrou significativa apropriação do texto lido.

Outro aspecto ao qual gostaríamos de ter dedicado mais tempo e atenção foi a dramatização, que acabou ficando reduzida ao momento final da terceira aula. O alto nível de engajamento demonstrado pelos alunos nos faz pensar que dinâmicas de cunho mais lúdico poderiam ter sido propostas para melhor prepará-los para a gravação. Além disso, uma característica do gênero roteiro que não foi contemplada por muitos dos grupos foi a orientação à dramatização, portanto mais foco nesse aspecto teria auxiliado na escrita.

Nossa experiência também evidenciou o papel da vida escolar no desenvolvimento de uma cultura de prazos de entrega. Essa adaptação a limites de tempo, apesar de passível de crítica, é necessária para a vida adulta, portanto julgamos pertinente sua cobrança.

Atribuímos parte do sucesso do projeto a quão habituados os alunos deste colégio estão a tarefas de leitura e escrita. Como aulas destinadas ao estudo de gêneros do discurso já fazem parte do cotidiano, a condução do projeto se deu sem maiores percalços. O acompanhamento e apoio da professora titular de Literatura do colégio, tanto anterior ao início do estágio quanto durante o período, também foram essenciais. Contar com o auxílio de alguém mais experiente com a turma e com o ensino nos trouxe muita segurança.

Referências:

BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 5a ed., 2010 [1992].

GUIMARÃES, B. A Escrava Isaura. Editora Ática, São Paulo: 1988.

MARCINIAK, M. The appeal of literature-to-film adaptations. Lingua ac Communitas, v. 17, 2007, p.59-67.

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NUNAN, D. Task-based Language Teaching. Cambridge Language Teaching Library: Cambridge University Press, New York: 2004.

SCHLATTER, M., GARCEZ, P. Referencial Curricular do Rio Grande do Sul: linguagens, códigos e suas tecnologias. Porto Alegre: Secretaria do Estado de Educação, Departamento Pedagógico, 2009.

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