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Dissertação – Lídia M. L. de Cerqueira Silveira. O processo de estadualização da educação escolar indígena em Pernambuco: a experiência do povo Fulni-ô (UFPE – 2012)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

LÍDIA MÁRCIA LIMA DE CERQUEIRA SILVEIRA

O PROCESSO DE ESTADUALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA EM PERNAMBUCO: A EXPERIÊNCIA DO POVO FULNI-Ô

RECIFE 2012

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LÍDIA MÁRCIA LIMA DE CERQUEIRA SILVEIRA

O PROCESSO DE ESTADUALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA EM PERNAMBUCO: A EXPERIÊNCIA DO POVO FULNI-Ô

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação.

Orientadora: Profª Drª Luciana Rosa Marques Co-Orientador: Profº Drº Edson Hely Silva

RECIFE 2012

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Ao Deus da minha vida que confiou e me fez instrumento para essa obra que é Sua. Aos meus pais, Zefinha e Chico, Seus fiéis representantes aqui na Terra. À Marina e Bruna, minhas filhas, parte essencial de Deus em minha vida e a Jaime, meu eterno esposo e companheiro, que me ensinou como é maravilhoso amar e ser amada. A essa família que sempre me incentivou na realização de meus sonhos. Aos meus antigos amigos indígenas Fulni-ô: Jeanne, Cleone, Ubiraci, Aderlindo, Mimo, Robertinho, Rossana, Paulinho, Marcos, Marcelo e Aureliano com quem aprendi a conhecer e respeitar as diferenças. Ao meu irmão Eduardo e ao meu primo Cacá (in memoriam) que não tiveram fronteiras em seus corações e construíram tantas amizades entre os Fulni-ô.

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AGRADECIMENTOS

Esse é um processo que jamais viveremos sozinhos apesar dos momentos necessários de solidão, portanto essa foi uma construção feita a muitas mãos, sem as quais eu jamais conseguiria chegar até aqui. São inúmeros os agradecimentos e inicio pela mão principal e maior que me conduziu em todos os momentos.

A Deus toda a minha gratidão. A Ele cujos olhos permanecem sempre atentos a me conduzir por Seus caminhos, sempre ouvindo o meu clamor. Certamente lágrimas vieram, mas na manhã seguinte a sua Luz brilhava e a alegria tomava conta de mim. Dizem que ‘Deus não escolhe os capazes, mas capacita os escolhidos’. Creio que assim aconteceu ao longo desse processo de incontáveis aprendizagens e experiências decorrentes do Mestrado. Em todos os momentos que não sabia para onde ir, o que decidir, qual a melhor escolha a fazer e como abrir portas aparentemente intransponíveis, foi a Ele que recorri, crendo que aquilo que me era impossível, na mesma proporção era totalmente possível para Deus. E assim aconteceu, por isso aqui estou de volta para agradecer.

À Professora Doutora Luciana Rosa Marques, por ter aceito este trabalho; pelo exemplo de humildade ao reconhecer que precisávamos de uma co-orientação referente ao conteúdo específico aqui representado pela temática indígena, por sua disponibilidade em acompanhar o processo de realização da pesquisa, lendo e corrigindo materiais, indicando eventos para que eu pudesse participar e fornecendo orientações.

Ao Professor Doutor Edson Hely Silva, pelo exemplo de pesquisador e comprometimento com a questão indígena; por aceitar com tanta prontidão e dedicação o lugar de Co-Orientador; pela amizade construída ao longo desses 2 anos; por acreditar em minha capacidade, me incentivando a participar e apresentar trabalhos em eventos, bem como escrever artigos para publicação; pelas leituras e correções feitas em meus trabalhos; por todas as oportunidades de aprendizagens e pela sensibilidade de escuta quando lhe telefonava em lágrimas, em estado de confusão ou preocupação com

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questões que envolveram o processo do mestrado, mas também por compartilharmos alegrias e vitórias ao longo desse percurso.

Aos Professores/as Doutores/as e Funcionárias do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, especialmente àqueles com quem mais convivi e aprendi: Professora Márcia Ângela Aguiar por conseguir me ajudar a confirmar que o meu caminho era pela Área de Políticas Educacionais; Professora Ana Lúcia Félix por sua fundamental contribuição para que eu pudesse compreender que é possível fazer pesquisa de forma técnica e humanizada, pela leitura do projeto seguida de considerações indispensáveis para melhoria antecedendo ao momento da Qualificação, além de sua aceitação em compor a banca de defesa dessa dissertação continuando a contribuir; Professor Flávio Brayner, ao me ensinar que sou capaz de basear-me em teóricos ou pensadores históricos e construir meus próprios pensamentos/ideias/escolhas; Professora Lícia Maia, que tanto me ensinou sobre aprendizagem e desenvolvimento da inteligência humana; Professor Daniel Rodrigues e Professora Luciana Rosa Marques, que me possibilitaram outro olhar sobre a sociedade e a educação; as funcionárias e estagiárias, Shirley Silva, Morgana Marques, Karla Silva, Izabela Albuquerque, Rebecka Lima, Cíntia Ferreira, Camila Oliveira, Lucemar Costa e Élida Santana pela disponibilidade e carinho em atender as minhas demandas e pelos ensinamentos sobre humildade, educação e respeito. Ao Professor Edwin Reesink e colegas do Programa de Pós-Graduação em Antropologia que tantos saberes me acrescentou no estudo sobre Antropologia Indígena; Ao Professor Edson Hely Silva, pela oportunidade de cursar a disciplina História Indígena na condição de ouvinte no Programa de Pós-Graduação em História, bem como por todas as aprendizagens daí decorrentes; À Professora Janete Azevedo, pelas críticas dirigidas ao projeto nos encontros em sala de aula e no momento da qualificação; À Professora Vânia Fialho, pela sensibilidade e competência demonstradas ao analisar o projeto dessa pesquisa, tecendo considerações indispensáveis a essa construção, no momento da Qualificação; Ao Professor Luís Fernandes Dourado, pela leitura do resumo do projeto e considerações apresentadas. Aos funcionários das bibliotecas do Centro de Educação e Centro de Filosofia e Ciências Humanas, pela gentileza em todos os atendimentos.

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À Professora Doutora Rosa Helena Dias da Silva pela acolhida e carinho demonstrados em Manaus e por se dispor em contribuir com esse estudo ao aceitar participar da banca de defesa dessa Dissertação.

Aos meus Professores e Professoras que antecederam ao período do Mestrado, e, entretanto, tiveram grande contribuição para a minha formação desde a Educação Fundamental até a Graduação por meio do Curso de Pedagogia, sem os/as quais eu não chegaria até aqui. Represento-os/as por meio de: Lourdinha, Maria Luiza, Cícera, Cleonice (Bibita), Cleonice Fulni-ô, Vânia, Dário, Risalva, Claudinho, Zefinha, Jailton, Luzia, Fernando (in memoriam), Maria Guimarães, Luiza leite (in memoriam), Irineu, João Batista (Tista), Nidinha Fulni-ô (in memoriam) Alexandra, Zezinha, todos/as da minha cidade natal, Águas Belas; Milma, Moura, Álvaro, Nara, Aderbal (Deo), Alba, Lourdinha, Maria José, docentes da FAFIRE e Cecília, Lícia, Ana Célia, Vicente, Janete, Edla, Jucy, Norma, Iracema (in memoriam), Tânia, Inalda, Epitácio e Márcia Ângela docentes do Centro de Educação da UFPE. À minha eterna diretora da Educação Fundamental, Dona Elcy (in memoriam) que sempre nos conduziu com amor.

Aos meus colegas do mestrado, pelo carinho, amizade e cuidado com que nos relacionamos, especialmente Ildo, Izabella, Daniel, Cleidilene, Ana Cláudia, Emmeline, Andreza, Alessandra, Aliny, Tatiane, Edelson e, Nielson que nos reencontramos após tantos anos de conclusão da graduação e nutrimos a mesma amizade.

Aos representantes do Governo do Estado de Pernambuco, Sônia Lima, Vera Arruda, Enéas Pinheiro, Antônio Moreira e Edízia Fernandes, que viabilizaram o meu acesso a informações e documentos que favoreceram a concretização desse estudo. A Enéas e Antônio que pude acompanhar mais de perto a dedicação e comprometimento com a Educação Escolar Indígena.

Aos estudantes, pais/mães, professoras/es, coordenadoras, funcionários/as e lideranças, a todo o povo Fulni-ô, pela confiança e carinho em permitir que eu pudesse conviver com seu cotidiano e aprender por meio de suas experiências profissionais e de vida, especialmente aqui representado pelas pessoas de: João Francisco dos Santos

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Filho (Cacique), Gildiere Ribeiro Pereira (Pajé) Lideranças; Maristela, Milene, Marciara e Ivanilde, Coordenadoras geral e de modalidades de ensino; Alba, Técnica Educacional; Acassiana, Cícero (Dick), Ednaldo, Ênia, Gecilda, Gilvalúzia, Inalda, Leozira, Zilvânia, Eva, Sara, Antônio (Lima), Paula Francisca, Expedito, Professores e Professoras; Robério, Ralf, Aderlindo, Romero, Yauka, Marciana, Michele, Sheyla, Marinilde (Nilde), Nádia, Eudina (Dinha), Gilvânia, Ilce, Lourdinha, Funcionários/as administrativos e auxiliares de merenda/limpeza; Ivanilda, Valdênia, Edilânia Glória (Glorinha), Judite, Audilene, Marcelo, Nielson, Jailda, Wislane, Wesna, Juliana, pais e mães; Yasmim, Táfila, Victor, Cláudia, Rodrigo, Reluí, José Clemém, Fernanda, Rômulo, Ronaldinho, Kaubi, Yondo, Tacayoá, Sheylon, Kawly, Guilherme e Abelício, crianças da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon; Célia, Joãozinho, Telma, Seu Moreira, Mimo e Dárcio Júnior que também apoiaram à pesquisa fornecendo materiais e informações sobre o seu povo, mesmo não fazendo parte diretamente dos processos da Educação Escolar Indígena Fulni-ô.

À minha mãe Zefinha, pelo seu exemplo. A ela e aos meus sobrinhos Rafael e Ramon, pelas orações, conversas, incentivo e suporte para realização desse estudo e por me receberem em sua casa no período da pesquisa de campo; às minhas primas-irmãs Flávia e Fabiana, Flávia pelas leituras e correções dos textos e Fabiana pelas transcrições de algumas entrevistas e pelo apoio na impressão das cópias da Dissertação; à tia Gal e aos meus primos Fabiano, Fabrício e Flávia que me receberam em sua casa para morar durante 4 anos em Recife e poder me formar em Pedagogia e tia Gal por me ouvir sempre que necessito e por digitar algumas entrevistas que transcrevi, além de presentear-me com o MP4 para realização das gravações das aulas do mestrado e das entrevistas. A tio Miguel e tia Preta por me acolherem em sua casa quando vim para fazer cursinho pré-vestibular em Recife e, posteriormente no início da realização da pesquisa de campo, quando já moravam em Águas Belas-PE. À tia Gaida e Júlio, por me acolherem em sua casa no primeiro ano de Faculdade. Aos meus familiares, tios, tias, primos, primas, cunhadas e irmão Ulisses pelo amor, pelas orações, compreensão de minhas ausências e carinho demonstrado ao longo do caminho, especialmente tia Márcia, tio Nejo, tia Mércia e tia Divone; e ao meu pai Chico, pela preocupação e cuidados demonstrados no decorrer da pesquisa de campo e por ter me dado a vida,

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além dos inúmeros exemplos de um coração acolhedor e humano. À Tayana, minha afilhada pela compreensão de minha ausência em todos os eventos e festividades de sua formatura.

À minha família, Jaime, Marina e Bruna pela cumplicidade sem a qual jamais conseguiria concretizar esse sonho e pela compreensão diante das dificuldades financeiras, de todos os ‘nãos’ que receberam e em todos os momentos que não pude estar presente.

Aos amigos e amigas, que me apoiaram em todo o percurso: Priscila, Anna, Iágrici, Magna, Inês, Chica, Jurandis, Iracilda, Zito, Vânia, Penha, Ivamilson, Marcondes e Nielson pelas orações, pela escuta, torcida, ombro amigo, leituras e correções dos textos escritos, apoio e incentivo à realização desse sonho. Aos meus Alunos que desde 1997 me ensinam a ser professora e fizeram com que eu me apaixonasse pelo Magistério. À Drº Antônio por todo apoio fundamental na minha adolescência e à Alice pela condução do trabalho psicanalítico, pelas reflexões desencadeadas e pelo apoio emocional sem o qual tudo ficaria mais difícil. À FOCCA – Faculdade de Olinda nas pessoas da Diretora Antonieta Chiapetta e de Fátima Alves, responsável pelo Departamento de Pessoal pelas compreensões ao longo desse percurso. Ao NUDEP aqui representado por Iracilda Portlella e Natascha Lottis pelo suporte operacional. À Editora do Brasil na pessoa de Elaine Leick, pela compreensão e apoio quando da apresentação de trabalhos em congressos e realização da pesquisa de campo. Às Editoras Áticas e Scipione, representadas pelas pessoas de Patrícia Montezano e Flávia Aidar, por toda a compreensão referente ao período de escrita da dissertação. Ao CCLF na pessoa de Patrícia Fortes pelos materiais disponibilizados e ensinamentos no início do mestrado. À Tereza, minha amiga que desde que cheguei a Recife me ensinou, com o seu exemplo, a amar a Pedagogia e possibilitou o convívio com a sua família como se fosse minha. À Catarina e a Pery pelo apoio que antecedeu à seleção para o mestrado. À Cristian e Audione, por me receberem em sua casa quando da participação no XX EPENN em Manaus-AM.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, pelo apoio financeiro durante os dois anos de realização do Curso de Mestrado.

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Agradeço à colaboração de todos e cada um em especial porque sem eles eu não chegaria até aqui. Essa vitória é plural porque é nossa.

Peço perdão aqueles a quem eu possa ter esquecido meramente por falha humana, jamais por falta de gratidão.

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TABELA DE SIGLAS Nº DE

ORDEM SIGLA SIGNIFICADO

1 FUNAI Fundação Nacional do Índio 2 ONG Organização Não Governamental 3 UFPE Universidade Federal de Pernambuco

4 RCENEI Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas 5 SECAD Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e

Diversidade

6 CNE Conselho Nacional de Educação

7 CEE-PE Conselho Estadual de Educação de Pernambuco 8 SE-PE Secretaria de Educação de Pernambuco

9 COPIPE Comissão de Professores Indígenas de Pernambuco 10 SPI Serviço de Proteção ao Índio

11 PI Posto Indigenista

12 IBGE Instituto brasileiro de Geografia e Estatística 13 OIT Organização Internacional do Trabalho 14 CIMI Conselho Indigenista Missionário

15 COPIAM Conselho dos Professores Indígenas da Amazônia 16 LDB / LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 17 PCN’s Parâmetros Curriculares Nacionais

18 PNE Plano Nacional da Educação 19 MEC Ministério da Educação 20 PPP Projeto Político Pedagógico 21 EEI Educação Escolar Indígena

22 UNESCO Organização para a Educação a Ciência e a Cultura das Nações Unidas

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TABELA DE SIGLAS 24

PPGE-UFPE Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco

25 CEEIN -PE Conselho de Educação Escolar Indígena de Pernambuco 26 MJ Ministério da Justiça

27 GREEI Grupo de Estudos sobre Educação Indígena 28 SEDUC-PE Secretaria de Educação de Pernambuco 29 DEAL Diretoria de Alfabetização

30 DEF Diretoria de Ensino Fundamental

31 SEDE Secretaria de Executiva de Desenvolvimento da Educação 32 SEGE Secretaria Executiva de Gestão

33 GREI Grupo de Educação Indígena de Pernambuco

34 NEEI Núcleo Interinstitucional da Educação Escolar Indígena 35 CONSED Conselho Nacional de Secretários da Educação

36 UFRR Universidade Federal de Roraima

37 ANPAE Associação Nacional de Política e Administração da Educação

38 FAFIRE Faculdade de Filosofia do Recife 39 PDDE Programa Dinheiro Direto na Escola

40 IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica 41 APOINME Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do

Nordeste Minas Gerais e Espírito Santo 42 UFRPE Universidade Federal Rural de Pernambuco 43 ALEPE Assembléia Legislativa de Pernambuco 44 UPE Universidade de Pernambuco

45 CCLF Centro de Cultura Luis Freire

46 SINTEPE Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco 47 EJA Educação de Jovens e Adultos

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TABELA DE SIGLAS 48

UEEI/SE-PE Unidade de Educação Escolar Indígena da Secretaria de Educação de Pernambuco

49 FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação 50 COMPESA Companhia Pernambucana de Saneamento

51 CNE/CEB Conselho Nacional de Educação / Câmara de Educação Básica

52 FABEJA Faculdade de Belo Jardim 53 UVA Universidade Vale do Acaraú 54 MMPE Ministério Público de Pernambuco 55 TAC Termo de Adesão de Conduta 56 OTM Orientações Teóricas Metodológicas 57 BCC Base Curricular Comum

58 ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

59 E-FISCO Sistema eletrônico da Secretaria da Fazenda

60 ANPED Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

61 UFAM Universidade Federal do Amazonas

62 UFMT Universidade Federal do Mato Grosso

63 OEI/MEC Organização da Educação Indígena / Ministério da Educação

64 UFPB Universidade Federal da Paraíba

65 UFF Universidade Federal Fluminense

66 FGV Fundação Getúlio Vargas

67 UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

68 UNIR Universidade Federal de Rondônia

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RESUMO

Esse estudo baseia-se nas ideias de Azevedo (2001), de que a escola e, principalmente, a sala de aula são espaços onde se concretizam as definições sobre a política pública, bem como de Tassinari (2001) ao defender que a escola indígena situa-se em espaço de fronteira, portanto, não sendo totalmente indígena tão pouco totalmente não-indígena. Para trilhar o caminho teórico-metodológico buscamos apoio em Certeau (2009) ao afirmar que é na atenção ao uso de táticas pelo mais fraco que se delineia uma concepção política das ações e relações desiguais. O objetivo do estudo foi analisar de que forma se materializam os princípios da educação específica, diferenciada e intercultural presentes no Decreto Lei 24628/2002 que trata do Processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco. O nosso campo de pesquisa foi a Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon que oferece a Educação Básica completa. Os sujeitos pesquisados foram alunos, professores e funcionários indígenas, equipe de gestão, lideranças, pais, representantes da Gerência Regional de Educação – GRE-Garanhuns e da Secretaria de Educação de Pernambuco – SE-PE. Para a coleta de dados fizemos uso de observação participante, entrevistas semi-estruturadas e análise documental, recorrendo ao diário etnográfico como forma de registro principal, porém não esquecendo a gravação de áudios, filmagens e fotografias. Os dados indicaram que são múltiplas fronteiras e estas são frequentemente lembradas, na medida em que famílias; povos indígenas em Pernambuco; Estado – SE-PE (Unidade de Educação Escolar Indígena) e GRE´s; COPIPE; CEEIN-PE delimitam o âmbito de atuação do estado. Percebemos, ainda, que a Escola indígena se constrói não apesar dessas fronteiras, mas provavelmente por meio delas. O espaço de fronteira é multifacetado e os conflitos são enfrentados quase que diariamente para favorecer a materialização da determinação legal que regulamenta a Educação Escolar Indígena específica, diferenciada e intercultural.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Escolar Indígena; Povo Fulni-ô; Processo de Estadualização; Educação específica, diferenciada e intercultural.

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ABSTRACT

This study is based on the ideas of Azevedo (2001), that the school and especially the classroom are spaces where materialize their ideas about public policy, as well as Tassinari (2001) to argue that the indigenous school is located in the border area, and thus is not totally indigenous as little completely non-indigenous. For the path we seek theoretical and methodological support in Certeau (2009) by stating that it is the attention to the use of tactics by which weaker outlines a political conception of actions and unequal relationships. The aim of this study was to examine how to materialize the principles of special education, differentiated and intercultural present in the Decree Law 24628/2002 which deals with the process descentralization of Indigenous Education in Pernambuco. Our field research was the State School Indigenous Fulni-ô Marechal Rondon that offers the complete basic education. Study subjects were students, teachers and indigenous staff, management team, leaders, parents, representatives of the Regional Education - GRE-Garanhuns and the Department of Education of Pernambuco - SE-EP. To collect data we used participant observation, semi-structured interviews and documentary analysis, using the ethnographic diary as a primary record, but not forgetting the audio recording, filming and photography. The data indicated that boundaries are multiple and they are often remembered, to the extent that families, indigenous people in Pernambuco; State - SE-EP (Indigenous Education Unit) and GRE's; COPIPE; CEEIN-PE delimit the scope of performance of the state. We realize also that the Indian school is built not in spite of these boundaries, but probably through them. The space frontier is multifaceted and conflicts are faced almost daily to promote the materialization of the legal determination that regulates the Indigenous Education specific, differentiated and intercultural.

KEYWORDS: Indigenous school education; People Fulni-ô; Process descentralization; Education specific, differentiated and intercultural.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 19

CAPÍTULO I – POVOS INDÍGENAS: UMA HISTÓRIA DE MOBILIZAÇÕES PARA RECONHECIMENTO E GARANTIAS DOS SEUS DIREITO ... 29 1.1 Fulni-ô, povo da beira do rio: contando um pouco de sua história ... 31

1.1.1 Relações interétnicas ... 33

1.1.2 A organização sociopolítica dos Fulni-ô ... 36

1.1.3 O Toré: muito mais que uma dança ... 38

1.1.4 O Ouricuri: afirmação de identidade ... 39

1.2 Políticas públicas e educação para todos... 40

1.3 Educação Escolar Indígena: entre leis e decretos, da assimilação ao direito à escola específica, diferenciada e intercultural ... 44

1.4 Educação escolar Indígena: assimilacionista, indígena ou em espaço de fronteira? ... 47

1.4.1 Escola Indígena, educação para e com os povos: possibilidades por meio da interculturalidade ... 50

1.4.2 Especificidade, diversidade e interculturalidade: pilares para a Educação Escolar Indígena ... 53

CAPÍTULO II – O CAMINHO METODOLÓGICO: DESAFIOS DA TEORIA DO COTIDIANO ... 60 2.1 Dialogando sobre o percurso ... 66

CAPÍTULO III – EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA EM PERNAMBUCO: “EDUCAÇÃO É UM DIREITO, MAS TEM QUE SER DO NOSSO JEITO”? ... 81

3.1 Como se organiza a Educação Escolar Indígena em Pernambuco ... 81

3.1.1 SE-PE:Gerência de Políticas Educacionais de Direitos Humanos e Gerência Regional de Ensino ... 84

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3.1.2 COPIPE: diálogos entre os povos indígenas e resolução de problemas comuns ligados à Educação Escolar Indígena ...

93 3.1.3 Conselho de Educação Escolar Indígena de Pernambuco: diálogos

possíveis entre os povos indígenas, Estado, indigenistas e Sociedade Civil ...

101

CAPÍTULO IV – O COTIDIANO DE UMA EDUCAÇÃO ESCOLA

INDÍGENA FULNI-Ô: IMPASSES E POSSIBILIDADES ... 106 4.1 Ser Fulni-ô: a Educação começa mesmo é no Ouricuri ... 106 4.2 Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon: entre a burocracia

estatal e o cotidiano ... 113 4.3 Projeto Político Pedagógico e sentido conferido à escola: o que desejam os

Fulni-ô ... 127 4.4 Gestão e tomada de decisão na escola ... 131

4.4.1 Professores/as indígenas Fulni-ô: ousando traçar o seu perfil e a

relação com o estado ... 136 4.4.2 Calendário diferenciado: espaço e tempo pedagógico Fulni-ô ... 141 4.4.3 Merenda e material escolar: atendimento às demandas Fulni-ô pelo

estado ... 146 4.4.4 Currículo e as aulas de Yaathe: como se pratica o bilinguismo

Fulni-ô? ... 148 4.4.5 Presença dos pais na escola e o que pensam sobre a Escola Estadual

Indígena Fulni-ô Marechal Rondon ... 152 4.5 Formação de professores e o respeito ao calendário específico, diferenciado

e a interculturalidade ... 155 4.6 O que pensam a equipe de gestão escolar, professores indígenas e

lideranças Fulni-ô sobre a escola específica, diferenciada e intercultural ... 160 4.7 Participação do povo Fulni-ô na COPIPE e no Conselho de Educação

Escolar Indígena de Pernambuco enquanto espaços interculturais ... 165 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 171

REFERÊNCIAS ... 177 ANEXOS

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INTRODUÇÃO

O tratamento do tema “PROCESSO DE ESTADUALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA EM PERNAMBUCO: A EXPERIÊNCIA DO POVO FULNI-Ô”, nos levou a um estudo sobre a própria história dos povos indígenas, especificamente o povo FULNI-Ô, assim como sobre as suas demandas socioculturais ao longo da história. Nesse panorama surge o nosso objeto de estudo “Os princípios da educação específica, diferenciada e intercultural presentes no Decreto Lei 24628/2002 que trata do processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco”. O nosso interesse foi analisar de que forma esses princípios se materializam no cotidiano do Ensino Fundamental I da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon, localizada em Águas Belas-PE.

No Brasil ocorreu crescente participação de movimentos sociais organizados por indígenas e indigenistas1 que têm suas ações refletidas nas políticas públicas em diversos setores, dentre eles a educação. Esses movimentos se fortaleceram no período de redemocratização e se consolidaram mediante as conquistas da Constituição de 1988 (Capítulo III “Da Educação, da Cultura e do Desporto – seção I Da Educação e seção II Da Cultura” e Capítulo VII “Os Índios – Artigos 231 e 232”), onde ficou estabelecido, pela primeira vez no sistema legislativo brasileiro, que os indígenas têm direito ao uso de suas línguas maternas e de seus processos próprios de aprendizagem. Ou seja, os indígenas passaram a ter direito de serem eles mesmos, com seus costumes, crenças, língua, rituais, tradições e formas próprias de organização social.

Nesse momento, o Brasil começou a sair de uma visão integracionista dos povos indígenas à sociedade nacional vigente, dominante e branca, para adentrar numa postura mais emancipatória e libertadora para e com os povos indígenas. As conquistas políticas

1 A palavra ‘indígenas’ aqui empregada é utilizada para referir-se aos integrantes dos povos indígenas, pois a palavra índio não tem sido mais aceita para esse fim, uma vez que índio foi uma palavra inventada quando os colonizadores acreditaram estar chegando ás Índias, além do fato de ser uma palavra comumente aplicada em situações preconceituosas, a exemplo de “programa de índio” quando se está falando de algum evento culturalmente empobrecido ou sem muita animação. Já a apalavra ‘indigenistas’ refere-se ao não-indígena que trabalha em prol da causa.

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alcançadas pelos povos indígenas têm ocorrido por meio de muitas mobilizações sociais.

Entretanto, como em toda política pública, essa também possui caráter de regulação, controle e normatização, o que tem dificultado a aplicabilidade do respeito à grande diversidade cultural e necessidades de cada povo, como é caso do direito de elaborar as diretrizes de sua própria educação. Podemos exemplificar o caráter conflituoso da política pública ao observar que em Pernambuco, especificamente entre os Fulni-ô, sujeitos dessa pesquisa, os professores das escolas indígenas são integrantes do próprio povo e, mesmo vivenciando a realidade de desenvolver atividades docentes numa escola da rede estadual de ensino estão submetidos a contratos temporários há 10 ou 15 anos em média. Visto que, a escola indígena é mantida pela rede estadual de educação, percebemos que a política pública que fomenta a Educação Escolar Indígena não soluciona a questão de contratação de professores indígenas de forma a efetivar esses profissionais.

Em Pernambuco, o debate tem se ampliado, políticas públicas têm sido definidas e o Censo Escolar 2009 registrou um crescimento de 11,7% no número total de matrículas na Educação Escolar Indígena. Porém, a Educação Escolar Indígena, como qualquer outra instância que se refere a povos indígenas, está intimamente relacionada com a principal reivindicação indígena no Brasil que é o direito à terra. Dessa forma, a reafirmação da visão preconceituosa sobre o indígena, reproduzida por Gilberto Freyre2 (2001), é naturalizada na cidade de Águas Belas-PE, onde foi realizado nosso estudo de campo.

Podemos apontar diversos questionamentos acerca da problemática que envolve a Educação Escolar Indígena. Em primeiro lugar, o fato dos professores indígenas terem se formado nas escolas não indígenas, ocorrendo, dessa maneira, uma

2 Freyre afirmou em Casa Grande & Senzala que o indígena era introvertido, desconfiado, preguiçoso, não muito afeito ao trabalho, declarando que a enxada nunca havia se firmado na mão do índio nem na do mameluco, portanto, as mulheres índias não tinham dado tão boas escravas domésticas quanto as africanas, sendo substituídas por estas da mesma forma que os negros substituíram os índios como trabalhadores de campo; A mulher indígena é apresentada como alguém devassa, promiscua, que ‘dava-se por um pente ou caco de espelho e se esfregava nas pernas dos colonizadores.

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possibilidade de reprodução do modelo de escola da modernidade ocidental. Taukane3 (2001), afirmou que só começou a refletir e repensar sobre a educação escolar de seu povo em 1994, quando iniciou o levantamento de dados para sua pesquisa de Mestrado. Ela fez o seguinte comentário sobre a educação escolar que recebeu: “eu não tinha

consciência de que eu mesma era fruto de um projeto de educação escolar de negação, de não-valorização cultural, enquanto pessoa e como mulher indígena. Fui educada nos moldes de uma educação para que me tornasse uma pessoa ‘civilizada’”.

Em segundo lugar, os Fulni-ô frequentam as escolas estaduais localizadas nas Aldeias de seu povo, que atendem da Educação Infantil ao Ensino Médio, mas também podem escolher frequentar as escolas localizadas na cidade de Águas Belas.

Supondo que as políticas públicas voltadas para a Educação Escolar Indígena, que apontam para o caminho da interculturalidade, ainda não estejam concretizadas no cotidiano dessas escolas, qual a situação das crianças e adolescentes Fulni-ô que necessitam delas enquanto espaço para a continuidade da construção de sua cidadania? Taukane (2001) afirmou ainda que um dos impasses e desafios para os povos indígenas é o destino dos alunos depois de terminarem seus estudos das séries iniciais nas aldeias, quando terão que sair de lá para dar prosseguimento aos seus estudos, em nível de segundo e terceiro graus.

E em terceiro lugar, a escola pública estadual localizada na Aldeia Grande trata da educação escolar do povo, com o povo e para o povo Fulni-ô, o que faz toda a diferença no processo de concretização das políticas públicas em seu cotidiano. Conforme afirmou Bergamashi (2007), ampliando a nossa compreensão de que não são apenas duas cosmologias que se encontram, mas tantas quantas forem as etnias, instituições privadas, ONGs, Estado e grupos envolvidos nos embates:

[...] porém, é importante perscrutar o eco desse movimento que se dá no encontro de duas cosmologias, e como é traduzido nas leis e nas ações governamentais que materializam as políticas públicas, assim como a forma de se concretizar num fazer escolar diferenciado nas aldeias. (BERGAMASHI, 2007, p. 211).

3

Mestra em Educação (primeira mestra indígena no Brasil) e Coordenadora de Educação da FUNAI e pertencente ao povo Bakairi, localizado em Cuiabá-MT.

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Em meio a esse debate, percebemos que as pesquisas vêm paulatinamente se preocupando com essa temática e com a problemática que envolve a Educação Escolar Indígena. Em estudos analisados encontramos em 409 dissertações e teses do Centro de Educação – UFPE, defendidas nos últimos 30 (trinta) anos, e destas apenas três tratam da temática indígena. Também localizamos pesquisas sobre políticas públicas e Educação Escolar Indígena, bem como sobre o povo Fulni-ô em diversas instituições e nas mais variadas linhas4, porém não há nenhum registro de pesquisas na linha de Política Educacional, Planejamento e Gestão da Educação da UFPE sobre o referido tema.

O levantamento do estado da arte, sobre a Educação Escolar Indígena, vem reforçar a importância da pesquisa haja visto o debate acima levantado que coloca em relevo a necessidade de discussão sobre política pública e educação escolar indígena. Por outro lado, buscamos originalidade e ineditismo da pesquisa ora proposta, pela ousadia de possibilitar a palavra às pessoas ordinárias, todo um não dito dos gestos de mãos, decisões e sentimentos que presidem em silêncio ao cumprimento das tarefas do cotidiano. (CERTEAU, 2009).

Reforçando os nossos argumentos referentes ao valor da pesquisa sobre Educação Escolar Indígena em Pernambuco, e, particularmente investigando o objeto por meio da experiência do povo Fulni-ô, Grünewald (2005, p. 18) lamentou a existência de poucos estudos sobre o povo Fulni-ô com a seguinte afirmação: “talvez já aqui possamos lamentar a ausência de trabalhos (...) sobre os Fulni-ô, muito pouco investigados”. Nesse sentido compreendemos que nossa pesquisa corrobora com a

4

Dantas (2010) em História; Brum (2008) em Direito e Multiculturalismo; Barbalho (2007) em Formação de Professores e Práticas Pedagógicas; Oliveira (2006) em Administração Pública e Governo; Veronez (2006) em Identidade, Cultura e Linguagem; Campos (2006) em Antropologia; Quirino (2006) em Ciências Sociais; Burato (2005) em História, Historiografia e Educação; Venere (2005) em Políticas Públicas e Desenvolvimento Sustentado; Ângelo (2005) em Movimentos Sociais, Política e Educação Popular; Sá (2005) em História Política e Bens Culturais; Santos (2004) em Teoria e História da Educação; Albuquerque (2004) em História da Educação; Almeida (2001) em Formação de Professores e Práticas Pedagógicas; Secundino (2000) em Ciências Sociais.

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compreensão de que “O processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco: a experiência do povo Fulni-ô” é um tema relevante pelo seu ineditismo, pela atualização em termos de debate local e global, pela possibilidade que temos de conhecer um pouco mais sobre o único povo bilíngue no Nordeste, excetuando-se o Maranhão, além do fato de representar o estudo de uma década: 10 anos do processo de estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco.

Mediante as reflexões apresentadas inicialmente, surge a indagação: Como os princípios da educação específica, diferenciada e intercultural presentes no Decreto Lei 24628/2002 que trata do processo de estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco, têm se concretizado no cotidiano do Ensino Fundamental I da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon?

No que diz respeito à política pública, toda ela é criada para responder a um problema existente em determinado setor da sociedade, que passa a ser reconhecido como tal pelo Estado. Dessa maneira os grupos, etnias, sociedade em geral, devem assumir uma postura participativa e propositiva em relação às políticas públicas. No caso das políticas educacionais, é no cotidiano escolar que as políticas públicas ganham vida e se concretizam. Nesse sentido, entendemos que o processo de estadualização da Educação Escolar Indígena, vem, enquanto política pública, fomentar a discussão e a reflexão sobre sua importância.

Esse estudo utilizou-se das ideias de alguns estudiosos/autores. Primeiro, usamos de Azevedo (2001), ao afirmar que a escola e, principalmente, a sala de aula são espaços onde se concretizam as definições sobre a política e o planejamento que as sociedades estabelecem para si, como projeto ou modelo educativo que se tenta colocar em ação. Segundo, fizemos uso do pensamento do professor Alan Bryman (1988), citado por Bauer et al. (2002), que defende que “um objetivo importante do pesquisador qualitativo é que ele se torne capaz de ver ‘através dos olhos daqueles que estão sendo pesquisados’’. Sobre esse aspecto Certeau (2009:19) afirmou que é

Nesta confiança posta na inteligência e na inventividade do mais fraco, na atenção extrema à sua mobilidade tática, no respeito dado ao fraco, sem eira nem beira, móvel por ser assim desarmado em face das estratégias do forte, dono do teatro de operações, que se esboça uma

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concepção política do agir e das relações não igualitárias entre um poder qualquer e seus súditos.

E, terceiro, debruçamo-nos sobre a ideia de fronteira proposta por Tassinari (2001, p. 68) para melhor entendermos o funcionamento das escolas indígenas, que considera

fronteira como

um espaço de contato e intercâmbio entre populações, como espaço transitável, transponível, e como situação criativa na qual conhecimentos e tradições são repensados, às vezes reforçados, às vezes rechaçados, e na qual emergem e constroem as diferenças étnicas.

É nessa perspectiva que, para entender a escola indígena é preciso concebê-la enquanto espaço onde circulam ideias e forças indígenas e não-indígenas e, portanto, segundo Tassinari (2001, p. 68), “espaço de angústias, incertezas, mas também de oportunidades e de criatividade”.

Procurando compreender a dinâmica que envolve o objeto de estudo, estabelecemos como objetivo geral de nosso trabalho analisar de que forma os princípios da educação específica, diferenciada e intercultural presentes no Decreto Lei 24628/2002 que trata do Processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco se materializa no cotidiano do Ensino Fundamental I da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon localizada na Aldeia Grande do povo Fulni-ô, na cidade de Águas Belas.

Em nossos estudos iniciais, nossos pressupostos apontavam para alguns pontos divergentes entre a lei e a materialização da mesma no cotidiano escolar. Assim, surgiu a necessidade de elencar de forma mais definida quais esses pontos e que elementos poderíamos estar investigando através deles.

Considerando fundamental o entendimento das questões que estão sendo ocasionadas mediante a implementação do Decreto 24628/2002, referente ao Processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena, elencamos como objetivos específicos de nosso estudo 1) Analisar o princípio da educação específica, diferenciada e intercultural presentes nos marcos referenciais das políticas públicas Federal e Estadual

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voltadas para a Educação Escolar Indígena; 2) Investigar e compreender de que forma os princípios da educação específica, diferenciada e intercultural se expressam ou se materializam no cotidiano do Ensino Fundamental I da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon; 3) Identificar a compreensão que a equipe de gestão escolar, professores/as indígenas do Ensino Fundamental I e lideranças que participam das decisões que envolvem essa modalidade de ensino na Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon, possuem sobre educação específica, diferenciada e intercultural.

Diante dos objetivos específicos, o caminho trilhado para desenvolvimento da pesquisa a fim de responder aos mesmos, valeu-se de uma abordagem qualitativa por considerar ser um referencial teórico que “envolve a obtenção de dados descritivos, através do contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatizando os processos mais que os produtos e se preocupando em retratar as perspectivas dos participantes” (Ludke e Andre, apud Araújo, 1986, p. 11).

Do ponto de vista teórico-metodológico pautamo-nos na Teoria do Cotidiano de Certeau (2009), em função do nosso interesse em conviver com o cotidiano da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon como forma de compreender a aplicabilidade da política pública voltada para Educação Escolar Indígena em Pernambuco, bem como as relações sociais estabelecidas entre o estado utilizando suas estratégias de controle e manipulação e os povos indígenas que astuciosamente constroem suas táticas, aproveitando ocasiões e encontrando saídas para fazer valer os seus direitos adquiridos constitucionalmente, dentre eles o direito a uma educação específica, diferenciada e intercultural que nesse estudo representam as nossas categorias de análise.

Como técnica de coleta de dados, escolhemos utilizar a observação participante do cotidiano escolar, a análise documental e a entrevista semi-estruturada. Vale ressaltar que diante da necessidade de compreender o aporte legal sobre o nosso tema de pesquisa, nos dispusemos a analisar os seguintes documentos: Constituição Federal de1988, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96, RCENEI, Caderno SECAD 3 Educação Escolar Indígena: diversidade sociocultural indígena ressignificando a escola, Parecer 14/99 e Resolução 3/99 do CNE, Resolução 05/2004 do CEE-PE e Decreto Estadual 24628/2002.

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Os sujeitos participantes da pesquisa foram professores/as indígenas do Ensino Fundamental I; alunos indígenas; participantes diretos na gestão escolar; pais; lideranças indígenas todos do povo Fulni-ô e Técnicas Educacionais da SE-PE.

Nosso estudo está organizado em um texto dissertativo da seguinte forma: no primeiro capítulo apresentamos um breve histórico sobre os povos indígenas no Brasil, suas mobilizações para reconhecimento e garantias de seus direitos e discorremos de forma resumida sobre a história do povo Fulni-ô, as relações interétnicas, sua organização sociopolítica e aspectos socioculturais. Tratamos sobre as principais legislações que regulamentam a Educação Escolar Indígena, demonstrando o percurso trilhado desde a ideia preconceituosa de assimilação dos povos indígenas a sociedade tida como superior até o direito à escola específica, diferenciada e intercultural perpassando pela ideia de Tassinari (2001) de que a Educação Escolar Indígena não é 100% indígena, tão pouco totalmente não-indígena, uma vez que ela existe em espaço de fronteira onde são vivenciados diálogos, embates, limites e possibilidades para essa construção. Também tentamos discutir as três categorias de análise dessa pesquisa na perspectiva teórica: especificidade, diversidade e interculturalidade: pilares para a Educação Escolar Indígena dialogando por meio da visão que diversos estudiosos possuem sobre o tema e de que maneira ele é retratado pelas legislações existentes no Brasil, tentando pensar o local e global.

O segundo capítulo apresenta o caminho metodológico, desenhando o percurso trilhado por meio da teoria do cotidiano de Certeau (2009), dialogando sobre os desafios dessa teoria vivenciados na pesquisa de campo e mapeando o campo, sujeitos, instrumentos de coleta, formas de registros dos dados, categorias de análise escolhidas por nós, bem como sobre a análise e tratamento dos dados coletados.

No terceiro capítulo iniciamos a nossa análise sobre a Educação Escolar Indígena em Pernambuco a partir das reivindicações dos povos indígenas: “EDUCAÇÃO É UM DIREITO. MAS TEM QUE SER DO NOSSO JEITO” Procuramos compreender os momentos que antecedem o processo de estadualização e como a Educação Escolar Indígena passou a ser organizada em Pernambuco até chegar à Unidade de Educação Escolar Indígena, passando pelos corredores da SE-PE:

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Gerência de Políticas Educacionais de Direitos Humanos e Gerência Regional de Ensino, organização social dos povos indígenas por meio da Comissão de Professores Indígenas em Pernambuco - COPIPE e sua relevância para a proposição de políticas públicas educacionais indígenas em âmbito local, além de sua articulação com o contexto global e chegando ao Conselho de Educação Escolar Indígena de Pernambuco tentando compreender de que forma os povos indígenas têm ocupado esses espaços e dialogado com a sociedade brasileira.

O quarto capítulo é composto pela apresentação do cotidiano da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon, sua história, impasses e possibilidades. Para tanto, analisamos aspectos do Projeto Político Pedagógico na tentativa de compreender o sentido conferido à escola pelos Fulni-ô, tentamos entender sua forma de gestão e processo de tomada de decisão, traçar o perfil dos/a professores/a, bem como pensar a relação estabelecida entre estes e o estado, desde seleção, contratação, formação e condições de trabalho. Também dialogamos sobre o calendário diferenciado buscando compreendê-lo enquanto espaço e tempo pedagógico Fulni-ô. Para entender de que forma o estado tem atendido às demandas das escolas indígenas, focamos a merenda e o material escolar.

Na perspectiva da escola específica, diferenciada e intercultural discorremos sobre a prática do bilingüismo Fulni-ô na escola, conversamos sobre a compreensão que os pais possuem referente à Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon e de que forma eles se apropriam desse lugar como sendo próprio. Buscamos relacionar a formação de professores e o respeito ao calendário específico, diferenciado e a interculturalidade, além de analisarmos o que pensam a equipe de gestão escolar, professores indígenas e lideranças Fulni-ô sobre essa escola específica, diferenciada e intercultural. E por último dialogamos sobre a participação do povo Fulni-ô na COPIPE e no Conselho de Educação Escolar Indígena de Pernambuco por meio das entrevistas e observações do cotidiano escolar, uma vez que percebemos ambos enquanto espaços interculturais.

Encerramos nosso estudo, com uma seção dedicada as considerações finais, onde recuperamos de forma objetiva os resultados da pesquisa frente ao problema

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estudado, bem como anunciamos algumas perspectivas para o tema em estudo como forma de contribuir de forma mais abrangente para a discussão sobre O Processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco e, mais especificamente para o povo Fulni-ô, sujeito maior de nossa pesquisa.

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CAPÍTULO I

POVOS INDÍGENAS: UMA HISTÓRIA DE MOBILIZAÇÕES

PARA RECONHECIMENTO E GARANTIAS DOS SEUS DIREITOS

Refletir sobre formação da sociedade brasileira, assim como o papel dos povos indígenas nessa formação nos remete a compreender aspectos que povoam o imaginário sobre os indígenas. Lembramos alguns mitos e preconceitos que construíram e se mantém no imaginário brasileiro até aos dias atuais, a exemplo da generalização da ideia de que todo indígena é introvertido, desconfiado, preguiçoso, não muito afeito ao trabalho e que o processo de colonização no Brasil se concretizou por meio da relação harmônica entre indígenas colonizados e portugueses colonizadores, uma vez que os indígenas não ofereceram resistência, conforme apontou Freyre:

Não houve por parte dele (o índio) capacidade técnica ou política de reação que excitasse no branco a política do extermínio seguida pelos espanhóis no México e no Peru [...] Nem as relações sociais entre as duas raças, a conquistadora e a indígena, aguçaram-se, nunca na antipatia ou no ódio... Suavizou-as aqui o óleo lúbrico da profunda miscigenação, quer a livre e danada, quer a regular e cristã sob a bênção dos padres e pelo incitamento da igreja e do Estado. (FREYRE, 2001, p. 162)

A escola, durante anos, reforçou essas ideias ao apresentar o indígena apenas a partir de 1500 como parte integrante do momento do “Descobrimento”. No início da colonização e na relação de datas comemorativas, por exemplo, “o ‘Dia do Índio’, quando crianças comumente são vestidas/caracterizadas de indígenas que habitam os Estados Unidos” (SILVA, 2007, p. 2). Ainda para o referido autor, os estudos históricos têm passado por uma reformulação que tem revisado o lugar dos povos indígenas na História. O “Descobrimento” tem sido discutido enquanto resultado do processo de expansão européia no século XVI por meio da colonização do que chamaram de “Novo Mundo”, lugar de violentos confrontos entre diferentes povos e suas culturas e os invasores de seus territórios, com a imposição da cultura do colonizador.

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Os índios não eram nem índios, nem brasileiros, em um momento em que sequer os brasileiros existiam. De donos da terra, os indígenas foram obrigados a aceitar que eram índios e que faziam parte de uma nova unidade sociopolítica com sua autonomia retirada, e desconhecendo completamente a sociedade européia e suas ambições que não tinha nenhum interesse em conhecer as culturas locais (REESINK, 2005, p. 8). O que ocorreu foi uma colonização violenta do ponto de vista físico e simbólico. Foi “o início de uma exploração econômica com as terras e braços dos nativos”, de forma que Mem de Sá “se vangloriou de ter matado tanto negro da terra que encheu 6 quilômetros de praia de corpos deitados lado a lado”. Para o autor, os indígenas não irão desaparecer como se isso fosse uma lei da Natureza, pois a Natureza do ser humano é de um ser sociocultural, sujeito a causas e contingências, mas jamais um agente passivo com seu destino. Sobre o reconhecimento dos povos indígenas Reesink fez a seguinte afirmação:

Reconhecer o direito dos povos indígenas de serem povos diferenciados e, simultaneamente, cidadãos brasileiros, com o poder de sua auto-determinação sobre o que é o seu destino é capital para que a sociedade em sua totalidade se reconheça como compondo um Estado pluriétnico e multicultural. O destino se faz de vontade política e não obedece cegamente às trilhas predeterminadas. (2005, p. 16).

Os povos indígenas tiveram suas terras roubadas, foram proibidos de praticarem seus rituais e de se comunicarem usando suas línguas maternas. Contraditoriamente, após quatro séculos de dominação para serem reconhecidos enquanto povos indígenas e terem direito às suas terras, o Estado cobra a apresentação de sinais diacríticos5, sendo os mais significativos a prática de seus rituais e o uso da língua materna. Vale ressaltar que, mesmo após o reconhecimento, a posse da terra para povos indígenas é para seu uso exclusivo (usufruto), segundo a Constituição Federal aprovada em 1988, porém não há “terra de índio”, pois a posse das terras indígenas brasileiras permanecem sob o poder da União.

5 No caso específico do reconhecimento dos povos indígenas pelo Estado, sinais diacríticos são sinais de diferenciação, aquilo que caracteriza e diferencia os povos indígenas dos não indígenas. São conformadores de uma etnicidade, de acordo com definição de Sheila Brasileiro (2004).

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Os povos indígenas em Pernambuco construíram uma história de solidariedade mútua entre si. O Povo Fulni-ô foi o primeiro a ser reconhecido oficialmente, nas primeiras décadas do século XX. Conforme Arruti (2004, p. 238), na visão do funcionário do Serviço de Proteção ao Índio – SPI, responsável pelo reconhecimento, o povo Fulni-ô reunia as condições básicas nos aspectos de estrutura para instalação do Posto Indigenista – PI, práticas de rituais, uso da língua materna, características antropofísicas (cabelo, tipo e cor da pele, maçãs acentuadas, olhos oblíquos e estatura pequena), além da viabilidade econômica para o estado.

O que o funcionário do órgão não sabia era que os Fulni-ô reuniam também outras qualidades, que os fariam ponto de partida das emergências seguintes e que condicionariam, e mesmo orientariam, as ações posteriores do próprio órgão. Os Fulni-ô servem a legitimidade etnológica de outros grupos de ‘remanescentes’ e chamam a atenção de uma série de comunidades, com as quais mantinham laços rituais. (ARRUTI, 2004, p. 239)

O processo de colonização no Brasil foi tão forte e destrutivo que muitos povos indígenas tiveram dificuldades em reconhecerem-se indígenas, eles mesmos se reconheciam “caboclo”, conforme Viegas (2007). Apesar de tudo isso,o ritual do Toré6 é fundamental na afirmação da identidade étnica, uma vez que “a comunhão que os indivíduos do grupo realizam no toré os unifica e, além disso, torna-os diferentes dos vizinhos, deixando claro para eles próprios que eles são os mesmos, dividindo uma mesma força mística, repleta de ancestrais.” (GRÜNEWALD, 2005, p. 13).

1.1 Fulni-ô, povo da beira do rio: contando um pouco de sua história

O povo Fulni-ô até início do século XX era conhecido pelo nome de Carnijós e habita o município de Águas Belas, estado de Pernambuco, numa região conhecida como Polígono da Seca nordestina. Os Fulni-ô têm séculos de contato com a sociedade

6

Toré – ritual sagrado praticado pelos povos indígenas no Nordeste. Circundado por segredos em torno de uma alegada ‘ciência do índio’ de exclusividade indígena. (Grünewald, 2005, p. 26).

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não indígena, o que resultou em impactos significativos para a sua história e a organização sociocultural.

Toda a extensão do município de Águas Belas, 887 Km² corresponde à terra que os Fulni-ô afirmam terem recebido da Princesa Isabel, cujo documento foi “assinado com letra de ouro”, segundo relatam, pela sua participação e pelos seus mortos na Guerra do Paraguai. Atualmente, a terra indígena Fulni-ô compreende a área de 11.5 Km² hectares, aproximadamente. A Aldeia Grande situa-se em meio a espaço urbano, tão próxima à cidade que algum visitante desavisado poderá ir da cidade para a Aldeia sem perceber. A Aldeia Grande do povo Fulni-ô fica localizada a 340 km de distância da cidade de Recife, capital de Pernambuco.

Apesar da maioria dos Fulni-ô residir na Aldeia Grande (local escolhido para a instalação do Posto Indígena General Dantas Barreto), há também a Aldeia Xyxyaklá e o Ouricuri. A esse respeito, Quirino afirmou:

Os Fulni-ô têm como núcleos de moradas a Aldeia Sede (aldeia grande, aldeia de cima), a Aldeia do Ouricuri (aldeia de baixo - lugar de expressão religiosa Fulni-ô) e a Aldeia do Xixiakhlá (que significa em yathê muitas catingueiras). Esta última também é chamada de Cipriano pelos não-índios. A aldeia sede é comumente chamada pelos Fulni-ô de “aldeia grande”, como uma forma de diferenciá-la do Xyxyaklá e do Ouricuri (...) A cidade e a aldeia sede estão integradas fisicamente. (QUIRINO, 2006, p. 4).

À época do reconhecimento oficial contemporâneo dos povos indígenas em Pernambuco, há registros dos Fulni-ô como um povo mediador para o reconhecimento de outros povos no estado (ARRUTI, 2004). O referido autor declarou ainda, que o relatório do SPI para reconhecimento do povo Fulni-ô contém a seguinte afirmação: “os Fulni-ô, apesar de alguma miscigenação racial, e despossuídos de suas antigas terras por políticos locais, conservam a língua e os costumes de seus antepassados, assim como sua coesão social” (ARRUTI, 2004, p. 237). Dentre as expressões socioculturais que os Fulni-ô dizem ter herdado dos seus antepassados encontramos também o artesanato feito com a palha do ouricuri (planta da família das palmeiras), o Toré e o Ouricuri, este um local onde só participam os indígenas e para onde os Fulni-ô se retiram nos meses

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de setembro a novembro de cada ano, constituindo-se em um mistério e fonte de muita curiosidade para a comunidade local não indígena.

1.1 .1 Relações interétnicas

O povo Fulni-ô, que afirma o nome significar “povo da beira do rio” ou “povo que vive ao lado do rio” contabiliza, atualmente, uma população aproximada de 60007 habitantes o que corresponde a 16%, em média, da população do município de Águas Belas estimada em 40.2358 habitantes.

A história desse povo é marcada por inúmeros conflitos pela posse da terra. A convivência secular com os não-indígenas é baseada na desconfiança, preconceitos, violências e perseguições, segundo Romani (2009). O povo Fulni-ô sobreviveu a uma história de confrontos dividida, segundo os indígenas, em dois momentos: primeiro pelos portugueses colonizadores e na década de 1920 pelos coronéis e jagunços, sendo proibido, inclusive da prática de seus rituais e de se comunicar em sua língua materna.

As relações do povo Fulni-ô com a cidade de Águas Belas concretiza-se para suprir seus provimentos, necessidades de consumo, resolver problemas relacionados a instituições financeiras, de comunicação, acesso aos órgãos públicos, dentre outros. Portanto, os Fulni-ô precisam manter o contato quase diário com os não-indígenas. Entretanto, o aspecto mais forte e marcante dessa relação é o preconceito demonstrado por meio da visão que a maioria dos moradores na cidade de Águas Belas possui em relação aos Fulni-ô, que se traduz nas relações conflituosas e de desconfianças estabelecidas historicamente. Isso dificulta a continuidade dos estudos de indígenas nas escolas urbanas da cidade, bem como o acesso a postos de trabalho fora do âmbito das aldeias, restando aos Fulni-ô que desejam alcançar esse patamar, migrarem de sua terra, de junto de seu povo para outros estados do Brasil, a não ser aqueles que desejem ser professor/a e prestem concurso público como qualquer outro cidadão brasileiro e alguns

7 Dados obtidos por meio do documento da FUNAI intitulado ‘ Modelo de Gestão Etnia Fulni-ô’ cedido pelo Centro de Cultura Luis Freire em abril de 2010

8 Dados IBGE: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=260050 acesso em 05.01.20112

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poucos que já começam a inserir-se enquanto funcionários no comércio em lojas de alguns poucos comerciantes que simpatizam com os Fulni-ô.

Nas poucas festas da cidade em que os jovens Fulni-ô participam, sempre aparecem em grupo de 10 a 12 pessoas, talvez para se fortalecerem ante os olhares e comentários discriminatórios e preconceituosos dos demais habitantes no município.

O povo Fulni-ô, comumente, realiza suas festas religiosas na própria Aldeia Grande. Apesar de se dizerem católicos romanos e devotos de Nossa Senhora da Conceição, sua padroeira e padroeira da cidade de Águas Belas, os indígenas têm sua comemoração própria realizada em período posterior às festas de Nossa Senhora da Conceição da cidade de Águas Belas e a de São Sebastião. Em momentos de festividades abertas na Aldeia Grande os Fulni-ô expressam alegria com a presença de pessoas não-indígenas da cidade que consideram amigas, demonstrando-se verdadeiros anfitriões.

Quirino (2006, p. 13) ao tratar das relações conflituosas estabelecidas entre o povo Fulni-ô e os não--indígenas da cidade de Águas Belas, evidenciou a troca de favores, e, a esse respeito, fez a seguinte afirmação,

Os Fulni-ô buscam todo tempo afirmar sua identidade e defender seus direitos históricos perante os não-índios de Águas Belas. Existe notadamente uma separação étnica marcada por uma interação bastante tensa e complicada. Todavia, mesmo em meio a essa conturbada relação interétnica, existem as trocas de favores e as alianças. Por exemplo, os não-índios de Águas Belas sabem o quanto é importante o apoio político dos Fulni-ô para eleger um candidato que está disputando um cargo público. Os candidatos e os eleitores sabem que as lideranças Fulni-ô, ao apoiar um candidato, levam consigo um bom número de votos da aldeia para a mesma direção. Os Fulni-ô, por sua vez, se dispõem a amparar a eleição do candidato que poderá, possivelmente, lhe trazer um bom retorno, ou seja, lhe dar voz política e defender alguns de seus interesses econômicos dentro da cidade. Para citar outro exemplo, os Fulni-ô precisam do comércio de Águas Belas para abastecer-se de suprimentos e também para escoar suas mercadorias, seus produtos agrícolas e os utensílios fabricados com a palha do Ouricuri. (QUIRINO, 2006, p. 13).

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Ainda sobre o assunto, Barbalho (2003, p.195) observou que há entre os Fulni-ô e a sociedade local próxima, o que ele chamou de “entrechoques culturais”, decorrentes das ideias sobre a miscigenação e do preconceito local que consome boa parte dos embates entre indígenas e não-indígenas, “numa sequência intercalada de altos e baixos”. De um lado está a comunidade indígena, herdeira da história, terras no município e do outro está o município de Águas Belas, crescendo em população, desenvolvimento urbano e tentando avançar ainda mais sobre as fronteiras do território Fulni-ô.

Os casamentos interétnicos ocorrem esporadicamente e sem muito incentivo dos/as indígenas idoso/as ou das famílias não-indígenas. As crianças advindas dessas uniões participam da vida da comunidade, porém só serão reconhecidas como Fulni-ô se forem introduzidas logo cedo, desde o nascimento, no ritual do Ouricuri. Para ser considerado Fulni-ô pelo próprio povo não basta falar o Yaathe ou viver entre os indígenas, a identificação só será assegurada mediante o ingresso na vida espiritual Fulni-ô que é a introdução do indivíduo no Ouricuri e a observação religiosa de suas normas. Vale salientar que apenas os/as filhos/as oriundos/as dessas relações é que podem ser considerados indígenas, jamais seus cônjuges.

Campos (2006, p. 18) observou esse fato e fez a seguinte declaração:

Para reconhecer um descendente Fulni-ô hoje, os critérios mais importantes são: ser filho de pais Fulni-ô – pelo menos um entre o casal – e participar do ritual do Ouricuri desde criança. Esse reconhecimento garante ao índio Fulni-ô, dentre outras coisas, o direito à propriedade da terra indígena.

Esses casamentos também não são bem vistos pelos não-indígenas em função do preconceito existente. Estes, em sua maioria, não querem ver filhos ou filhas casados com indígenas Fulni-ô, tão pouco imaginarem-se avós de indígenas.

Aparentemente, para os Fulni-ô o conceito de família seja estendido, não limitando-se aos pais, portanto, pertencer ao povo está acima de ser família enquanto pequeno núcleo, pois há autoridades que são superiores aos seus pais, a exemplo de cacique e Pajé, e, isso acarreta muitos conflitos familiares entre indígenas e

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não-indígenas. Pais ou mães não-indígenas, cujos filhos são Fulni-ô não conseguem compreender como ou o porquê de seus filhos/a serem mais fiéis a um povo do que aos seus próprios pais por não conseguirem saber sobre o segredo do Ouricuri. Não se conhece que tipo de processo educativo é realizado há séculos pelos Fulni-ô referente aos seus rituais sagrados e secretos, mas o que se reconhece é que crianças muito pequenas já compreendem e sabem com quem nunca comentar, mesmo que essa pessoa seja a sua mãe ou o seu pai.

Apenas para ilustrar, citamos um exemplo que presenciamos, de um menino de 4 anos que sempre que voltava do Ouricuri sua mãe não-indígena questionava curiosamente sobre o que acontecia por lá. A sua irmã de 7 anos ficava observando e se aproximava fitando o irmão que imediatamente afirmava: “Não sei, não me lembro, não fazemos nada lá”. Em uma determinada vez a irmã ao se aproximar percebeu que o irmão estava começando a contar algo. Imediatamente, denunciou o irmão ao povo e este menino de 4 anos foi afastado e impedido temporariamente de ir ao Ouricuri, como forma de disciplinamento. A mãe chama essa filha de caboca braba, e com freqüência faz a seguinte pergunta em voz alta: “Como é que a irmã entrega o próprio irmão? E não sabe que sou mãe dela?! Essa é caboca mesmo!”.

Durante a pesquisa de campo, uma das entrevistadas que tinha sido casada com um não-indígena com quem teve 3 filhas, afirmou: “elas tinham um ótimo relacionamento com o pai e isso me assustava porque eu sempre pensava, ai meu Deus, será que elas vão contar alguma coisa que não devem? E elas nunca contaram, mas eu vivia essa aflição”. Possivelmente, os casamentos interétnicos causam aflições e conflitos entre indígenas e não-indígenas.

1.1.2 A organização sociopolítica dos Fulni-ô

A organização sociopolítica do povo Fulni-ô é semelhante a organização dos demais povos indígenas no Nordeste: um cacique, um pajé e um grupo de lideranças. No caso específico dos Fulni-ô o grupo de lideranças é composto por oito líderes, 50% indicados pelo Cacique e 50% pelo Pajé. Pouco se sabe sobre os critérios de escolha

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desses líderes para ocupação dos cargos, mas a ideia comum é de que o critério utilizado seja o indígena de mais idade. Referente à escolha do Cacique e do Pajé, o povo Fulni-ô difere de alguns povos no Nordeste, uma vez que não há eleição direta, mas comumente a escolha é feita mediante o critério de hereditariedade. Ou seja, Cacique e Pajé devem fazer parte de um mesmo clã, escolhidos dentro de uma mesma família e, portanto, a mudança de cargo ocorrerá apenas por morte de um dos líderes que terá como sucessor o seu filho mais velho ou alguém do mesmo clã indicado pelos antepassados. (BARBALHO, 2003).

Os Fulni-ô possuem discordâncias internas, são 6.000 pessoas, mas as autoridades Fulni-ô são àquelas legitimamente escolhidas pela tradição, e que sempre serão respeitadas e ouvidas no Ouricur9i.

O povo Fulni-ô possui um modelo de ser indígena baseado em quatro categorias de identidade/indianidade consideradas legítimas para esses indígenas, quais sejam: língua, aldeia, Toré e Ouricuri, de maneira que as pessoas que não correspondam a algumas dessas categorias dificilmente serão aceitas e reconhecidas como Fulni-ô. Vale ressaltar que a categoria mais forte é a introdução no Ouricuri.

Além da agricultura, pequenas criações de gado, arrendamento de terras aos não-indígenas, os Fulni-ô produzem o artesanato produzido com a palha do ouricuri que é vendido nas suas Aldeias, na feira pública de Águas Belas, realizada nodia de segunda-feira ou durante o mês de abril quando se espalham pelas mais diversas cidades do Brasil, especialmente, Recife, São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Curitiba. Nos períodos de chuva, há uma queda na produção e comercialização do artesanato, uma vez que é necessário que a palha do ouricuri esteja seca para poder produzi-lo.

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Ouricuri é uma árvore da família das palmeiras que produz um fruto chamado ‘coquinho de ouricuri’. Essa palmeira existe em abundância na região e, portanto, nas terras indígenas Fulni-ô. Ouricuri foi o nome dado pelos Fulni-ô à Aldeia para onde se deslocam anualmente e lá permanecem por três meses – setembro a novembro – para viverem sua religiosidade de forma mais intensa.

Referências

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