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A construção da identidade em Dois irmãos relacionada aos Sete pecados capitais

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Academic year: 2021

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A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE EM DOIS IRMÃOS RELACIONADA AOS SETE PECADOS CAPITAIS

Gabriela Mesquita Sampaioi João Pedro Teixeira Rodriguesi Mary Nascimento Da Silva Leitãoi

Resumo

Este trabalho tem por objetivo acompanhar e analisar a trajetória dos personagens “Yaqub” e “Omar”, presente no livro Dois Irmãos de Milton Hatoum, publicado no ano 2000 pela editora Companhia das Letras. A análise será feita por meio de uma comparação entre as características psicológicas de cada irmão, relacionando-as com os Sete Pecados Capitais (ira, preguiça, inveja, gula, soberba, luxúria e avareza), a fim de traçar a identidade de cada um, destacando aquilo que faz parte do instinto humano. A relevância desse trabalho é perceber como o perfil de cada personagem foi trabalhado pelo autor, por meio da relação e interpretação entre as condições humanas presente nos dois, com os vícios existentes na natureza de cada irmão, fatos nunca questionados ou percebidos pela família. A base da argumentação é a teoria de Galimberti sobre a temática dos Sete Pecados Capitais, presente em sua obra intitulada Os vícios capitais e os novos vícios, publicado em 2004, e sobre a temática da identidade, conforme os estudos de Stuart Hall, no livro A Identidade Cultural na Pós-Modernidade, de 2006. Diante do exposto, concluímos quais condições contribuíram para a formação da identidade de cada irmão, que foi moldado conforme os fatores externos e internos, dando ênfase na religiosidade presente na vida da família.

Palavras-Chaves: Irmãos; Identidade; Sete Pecados; Religião; Família.

THE CONSTRUCTION OF IDENTITY IN DOIS IRMÃOS AS OF THE SEVEN DEADLY SINS

Abstract

This article has the objective to analyze the characters “Yaqub” and “Omar” who are present in the book Dois Imãos written by Milton Hatoum and published in 2000 by Companhia das Letras. The analysis will be through the comparison between psychological characteristics of each brother and the relation with the seven deadly sins (Pride, Greed, Lust, Envy, Gluttony, Wrath and Sloth) in order to trace the identity of the characters. The relevance of this article is to highlight how the profile of each character were well constructed by the author using the relations between the human conditions and their natural addictions that never were questioned by the family. The bases of the argument are the Galimberti’s Theory, which is about the seven deadly sins and it is present in Os Vícios Capitais e os Novos Vícios published in 2004, and the identity according to the studies of Stuart Hall present in the book A Identidade Cultural na Pós-Modernidade, published in 2006. Therefore, we will conclude what factors contribute to the formation of the identity of each brother, which was shaped by internal and external factors, emphasizing the influence of religiousness in the family.

Keywords: Brothers; Identity; Seven Sins; Religion; Family.

i Graduanda em Letras pela Universidade Estadual do Ceará i Graduando em Letras pela Universidade Estadual do Ceará

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1 – Introdução

Dois irmãos é um livro que fala sobre “a trajetória conturbada de Yaqub e Omar na Amazônia, durante o regime militar” (HATOUM, 2000). Os gêmeos são filhos de Zana e Halim e a trama começa com o retorno do filho mais velho – Yaqub – a Manaus, que foi separado da família e retorna, após cinco anos, do Líbano. Além dos gêmeos, há também Rânia, a filha mais nova do casal.

Junto com a família, mora Domingas, uma índia que, quando criança, perdeu os pais e foi obrigada a ir para o convento. Cedo foi dada para Zana, para ajudá-la com os trabalhos domésticos, e ficou na casa da família até sua morte. Ela tem um filho, Nael, narrador da história e durante toda a narrativa, ele procura saber quem é o seu pai, mas a mãe não revela a verdadeira identidade dele.

Com o crescimento dos dois irmãos, foi possível notar a formação de personalidades diferentes no decorrer dos anos, de modo que a desavença entre eles passa a ser maior. Nos últimos momentos da vida, Zana pergunta aos filhos se eles já fizeram as pazes, o que não acontece, fazendo o leitor chegar à conclusão de que o ódio entre os dois é maior que tudo. Nem pela mãe, eles foram capazes de deixar as desavenças de lado. Ao longo da narrativa, Halim percebe o conflito entre os filhos e culpa sua mulher por ter mimado demais o mais novo e não ter dado a mesma atenção ao mais velho. Tudo isso é muito notório, fazendo que a raiva de Yaqub pelo irmão se intensifique.

Tais fatores relacionam-se com os Sete Pecados Capitais – ira, preguiça inveja, soberba, avareza gula e luxúria – pois são considerados uma classificação da condição humana e cada um destes princípios ferem a Deus, distanciando o ser humano d’Ele. Porém, existe o oposto dos pecados citados, conhecido como “sete virtudes humanas” – humildade, generosidade, castidade, paciência, temperança, caridade e diligência – e, cada uma dessas características, vai ficando mais longe dos irmãos, como se “cada demônio” representado pelos pecados habitasse dentro deles, principalmente quando se trata da relação entre os dois.

2 – Contexto familiar

A vida da família de Halim não era a mesma desde o nascimento dos gêmeos e de Rânia. O pai sabia que, com o nascimento dos filhos, o casamento não seria o mesmo, pois sua esposa só daria atenção a eles. E foi, de fato, o que aconteceu:

Não queria três filhos; aliás, se dependesse da vontade dele, não teria nenhum. Repetiu isso várias vezes, irritado, mordendo o bico do narguilé. Podiam viver sem a chateação, sem preocupação, por que um casal enamorado, sem filhos pode resistir à penúria e a todas as adversidades (HATOUM, 2000: 49).

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família, roubando a atenção de Zana, que amava os dois filhos, principalmente o mais novo, pois adoeceu muito nos primeiros meses de vida. Ela contava com a ajuda da cunhatã, que cuidava do mais velho. Tudo isso influenciou na trajetória dos dois e no desenvolvimento das diferenças, interferindo também, no afastamento do casal, pois Halim passa a ficar mais tempo na loja e Zana ficava em casa, cuidando dos filhos, deixando seu casamento em segundo plano:

Quando os meninos nasceram, Halim passou dois meses sem poder tocar no corpo de Zana. (...) Ele passava o dia na loja, entretido com os fregueses e os vadios que perambulavam pelos arredores do porto, ensinando-os a jogar gamão, bebendo arak no gargalo, como nos tempos da conquista amorosa, da recitação dos gazais de Abbas (HATOUM, 2000: 51). Nessa parte da história, já é perceptível quem passou a receber atenção de Zana, que foi deixando o marido e o filho mais velho de lado, dando total dedicação ao filho mais novo. Os filhos foram crescendo, Rânia nasceu e Halim ficou cada vez mais longe de sua esposa. Mesmo conformado com o afastamento de Zana, reconquistou-a da forma que pode, consciente das limitações que o casal enfrentava, dando “adeus ao tempo em que se arrepiavam de prazer em qualquer canto da casa ou no quintal” (HATOUM, 2000: 51).

Uma série de fatores favoreceu tanto para o afastamento dos filhos com os pais, principalmente entre Halim e Omar. Ao longo da obra, o pai fala do mais novo como se fosse um qualquer, comparando-o com Yaqub, que apesar de tudo, conseguiu construir sua vida, casar-se e ter sucesso profissional, tudo que o mais novo não obtivera.

2.1 – Perfil de cada irmão

Omar

O filho mais novo, por ter adoecido nos primeiros meses de vida, conseguiu aflorar um lado protetor em Zana. Durante toda a sua vida, ele dependeu dos pais para custear tudo, principalmente suas noitadas e farras. Não terminou o colégio, mesmo após sua ida para São Paulo, não conseguindo sua independência pessoal e financeira:

Cresceu cercado por um zelo excessivo, um mimo doentio da mãe, que via na compleição frágil do filho a morte iminente. Zana não se despegava dele, e o outro ficavam aos cuidados de Domingas, a cunhatã mirrada, meio escrava, meio ama... (HATOUM, 2000: 50)

Zana influenciou Omar a não querer crescer na vida, em consequência da atenção que ela depositava nele, e Halim sempre discordou do jeito que ela o tratava. Ele tinha costume de chegar de madrugada, embriagado, acordando as mulheres da casa que cuidavam dele para o pai não perceber o estado do filho. A divergência entre os irmãos se dá, principalmente, quando ambos se interessam por Lívia, sobrinha dos Reinoso, que futuramente passa a ser esposa de Yaqub,

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aumentando a fúria entre os dois:

Yaqub reservou uma cadeira para Lívia e o Caçula desaprovou com o olhar esse gesto polido. Da escuridão surgiram cenas em preto e branco e o ruído monótono do projetor aumentava o silêncio da tarde. (...) Uma pane no gerador apagou as imagens, alguém abriu a janela e a plateia viu os lábios de Lívia grudados no rosto de Yaqub (HATOUM, 2000: 22). .

Yaqub

Filho mais velho do casal que foi mandado para o Líbano e, após passar cinco anos longe da família, retorna ao Brasil, devido ao fim da Segunda Guerra Mundial e a ameaça de Zana de ir buscá-lo. A família não sabe nada sobre os anos que passou lá e quando retorna, seus hábitos são animalescos, como se tivesse perdido a civilidade durante o tempo no Líbano.

Quando retorna a Manaus, é perceptível traços de uma pessoa traumatizada, deslocada, com raiva da família, pela atitude de ter o afastado. Mesmo diante de toda a dificuldade que passa para se acostumar novamente com todos, Yaqub vai para o Colégio Salesiano, onde conclui o ensino e, logo depois, ingressa na Escola Politécnica, localizada em São Paulo, onde passa a morar, deixando Manaus para trás:

Yaqub vinha ruminando a mudança para São Paulo. Foi o padre Bolislau quem o aconselhou a partir. ‘Vá embora de Manaus’, dissera o professor de matemática. ‘Se ficares aqui, serás derrotado pela província e devorado pelo teu irmão (HATOUM, 2000: 32). Quando Yaqub foi morar em São Paulo ele enviava cartas a Zana, ao fim de cada mês. Em suas palavras, revelava o fascínio pela nova vida em uma cidade totalmente diferente de Manaus, e também suas dificuldades, que aos poucos foram virando vitórias para ele. Casou-se com Lívia, mas a família só descobre quem é a esposa anos depois. Eles não tiveram filhos.

3 – Os Sete Pecados Capitais

Os Sete Pecados Capitais são considerados vícios da condição humana, conhecidos como ira, preguiça, inveja, gula, soberba, luxúria e avareza, impostos primeiramente pelo cristianismo e, logo depois, pelo catolicismo (outras religiões como o judaísmo e protestantismo também os adotam, mas é algo exclusivo do catolicismo e não possui nenhum registro desses vícios na Bíblia Sagrada).

De acordo com a Igreja, as pessoas que praticam comumente esses vícios, se afastam dos costumes ditos por Jesus, além de serem considerados demoníacos. Tudo isso foi imposto pelo cristianismo a fim de educar os seus fiéis a seguirem a palavra divina e a aprenderem a controlar seus instintos básicos.

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das vezes, refletidos nas ações do homem. O indivíduo, mesmo querendo agir de determinada maneira, não consegue, pois, sua intuição é mais forte. Às vezes, pode até ser um mecanismo de defesa própria, diante de uma situação de vulnerabilidade. E esse indivíduo, por agir instintivamente, constrói um conflito com a religiosidade, que busca reprimir, ao máximo, tais atitudes.

3.1 – Ira

A ira, de acordo com Galimberti é considerada um sentimento mental e emotivo de conflito com o mundo externo, ou consigo mesmo, que controlamos pouco. E por sermos presas da ira, deixamos de nos tornar sujeitos de nossas ações (GALIMBERTI, 2004: 19).

Esse vício é aliado com a ideia de raiva e vontade de vingança. Durante um episódio de ira, a pessoa perde a sua consciência e acaba agindo de maneira agressiva com os outros ao seu redor, seja de forma física ou moral, fazendo-a perder a capacidade de controle e o uso da razão.

Ela pode também voltar-se para a própria pessoa e não, necessariamente, para o outro. Quando isso acontece, é despertado em si um sentimento de culpa e a ira reprimida, força as paredes do nosso eu, sem derrubá-las (GALIMBERTI, 2004: 21), gerando na mente a ideia de não deixar o acontecido se repetir, entrando na questão do autocontrole, que nem sempre conseguimos lidar, podendo desencadear o processo reverso e outras crises podem surgir.

A sociedade está acostumada a ver a representação desse vício por meio de estereótipos: em homens e não em mulheres, em pobres e não em ricos, assim cria-se um padrão, um senso comum. Além disso, caracteriza-se como fracos, os que expressam sua raiva de forma coletiva e considera-se forte, aquele que libera suas angústias de maneira privada ou simplesmente não se desprende delas, seja no momento em que aconteceu ou depois.

3.2 – Preguiça

A preguiça, de acordo com a Igreja Católica é caracterizada pela falta de capricho, tédio, aversão ao trabalho. É frequentemente associada ao ócio, lentidão ou moleza de causa orgânica ou psíquica. Sentir tédio é algo normal e natural ao ser humano. Às vezes, ao longo do dia, esse sentimento vem à tona, mas na maioria das vezes, se torna algo passageiro. Porém, há quem sinta todo o tempo, deixando o passageiro de lado e tornando esse vício parte de si.

Os jovens, por exemplo, podem ter esse tipo de ideal, quando pensam que não se encaixam na sociedade ou em grupos. Ter tédio, principalmente quando se está nessa fase, traz a sensação de perder algo que, na verdade, nunca o pertenceu, e também de refúgio, de devaneio, como se a pessoa fugisse do plano real e se prendesse a uma idealização, ligada ao tédio. A sensação leva a pessoa para um universo imaginário.

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3.3 – Inveja

Podemos caracterizar a inveja como algo negativo, pois não proporciona prazer ao ser concretizada. Trata-se de um mal propagado socialmente, já que é comum haver o desejo de conquistar aquilo que é triunfo do outro.

Há, também, indivíduos que vivem em estado de insatisfação, ao tomarem conhecimento do sucesso das pessoas ao redor, despertando frustração por não partilharem dos mesmos benefícios. A inveja pode ser denominada um estado de espírito, dominado pelo desejo alternado de possuir o bem do outro. Esse vício se opõe à ideia de caridade, muito defendido pela Igreja Católica, e a sua existência é criminalizada por ela, pois foge dos seus ensinamentos, como se sentir inveja, atingisse alguém que foi beneficiado pela bondade de Deus.

A comparação entre duas pessoas gera naturalmente a competição entre elas, principalmente na fase infantil, desencadeando inveja e ciúme. Gera também um sentimento de inferioridade, inadequação, frustração, mediante a superioridade do outro. Assim, deixa-se de enxergar o próprio potencial e só se enxerga e valoriza as ações do outro.

3.4 – Soberba

Para a Igreja, a soberba é considerada o pior dos sete pecados existentes, pois está relacionada com a ganância, orgulho, sendo o oposto da inveja, visto que o invejoso esconde seu sentimento das pessoas ao redor. Nota-se então, uma relação entre os dois pecados, porque quando o indivíduo supera o outro, ele está sendo soberbo e quando é superado por alguém, tem inveja.

A soberba está ligada com a identidade, pois é algo que vai sendo construída ao longo da vida, desenvolvida no íntimo de cada um e por meio dela, temos consciência de quem somos. Durante o processo de amadurecimento, o sujeito se depara com duas questões inseparáveis: a subjetividade e a individualidade. O primeiro relaciona-se com os processos internos (razão x emoção) e o segundo associa-se com a maneira pessoal de interpretar o que acontece dentro de si e como o mundo entra nessa questão.

Diante disso, a pessoa soberba, desenvolve durante o processo de formação da identidade, a necessidade de superar os outros e a si mesmo a cada desafio colocado em sua vida. Esse indivíduo sente prazer em ter o seu esforço reconhecido, traço comum da natureza humana. A pessoa que pratica tais ações comumente percebe certa nobreza nelas.

3.5 – Avareza

Característica de quem tem apego excessivo ao dinheiro, às riquezas. Quem sofre desse mal, acredita que em vez de considerar o dinheiro o “meio” para a obtenção de determinados “fins”, que são a aquisição dos bens e a satisfação das necessidades, considera o dinheiro como fim, pela

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posse do qual se deve sacrificar a aquisição dos bens e a satisfação das necessidades e dos desejos (GALIMBERTI, 2004).

O desejo do avaro nunca vai além do dinheiro, porque aos olhos do avaro o dinheiro não é um meio para qualquer outra coisa, mas um fim em si, aliás, a forma pura do poder que o dinheiro possui, com a única condição de não ser gasto (GALIMBERTI, 2004).

No catolicismo, esse vício está ligado com o sentido de sovinice, mesquinhez. Para a Igreja, quem tem esse mal, mostra ser uma pessoa que não é solidária com o outro. Além disso, só se é considerado “avarento” por não conseguir abrir mão de bens materiais, não necessariamente dinheiro e a igreja sempre prega a ideia de solidariedade, de dar ao outro, aquilo que não nos serve mais.

3.6 – Gula

Esse mal está relacionado com a comida excessiva, mostrando que há pessoas que não possuem limites e se alimentam demasiadamente. Em contrapartida, há quem não tem como se alimentar diariamente, são essas pessoas que mais valorizam o alimento. A gula está em oposição com as palavras de Deus, pois na oração do “Pai Nosso” fala “(...) o pão nosso de cada dia nos dai hoje”, ou seja, com a luta do trabalho diário, em troca, recebe-se a alimentação como dádiva.

O pecado em questão pode ser relacionado fortemente com o egoísmo humano, pois pessoas gulosas tendem a não dividir com o próximo o que têm, seja comida ou qualquer bem, e desejam cada vez mais conquistar outras coisas, nunca se sentem satisfeitas com o que têm.

3.7 – Luxúria

Para a Religião Católica, a luxúria é o pecado mais potente. Ele abre portas para os outros pecados. Consiste nos apegos carnais, corrupção de costumes, sexualidade aflorada, lascívia e sensualidade. Dela vêm outras ramificações desse vício e o seu estímulo, de acordo com o catolicismo, pode desencadear consequências como aborto, transmissão de doenças sexuais e abusos sexuais. Por mais que os Sete Pecados não apareçam na Bíblia, há passagens que falam sobre esse pecado, ditos por Jeremias e Ezequiel.

Nossa atual sociedade influencia significativamente a perpetuação desse pecado, principalmente com os meios midiáticos. Novelas, livros, séries, músicas, tudo se relaciona com esse vício. Além disso, traição é uma das principais atitudes relacionadas à luxúria.

4 – Influência de outros personagens 4.1 – Halim

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tivessem pelo menos três filhos, por conta de sua paixão ardente por ela e para ocupar o vazio da casa após a partida do se pai para a cidade natal. Tinha medo que a intromissão dos filhos em suas vidas fosse atrapalhar a vida carnal deles.

Só tinha olhos para sua mulher e demonstrava sempre desejá-la com total entrega aos momentos de prazer. Domingas cresceu vendo as malícias do casal, e é provável que os filhos também cresceram diante de tais cenas. Halim vive para agradar a Zana na busca de tê-la sempre por perto, para suprir suas vontades sexuais de carinho e atenção. Ele vive durante os anos de sua vida dessa forma. Esbanjava dinheiro e fazia de tudo por Zana. Morreu muito velho e cansado, sem ter visto os filhos fazerem as pazes.

4.2 – Zana

Zana, filha de Galib, por volta de 1914 abriu seu restaurante no térreo da casa onde moravam. Dessa maneira, foi criada pelo pai, pois sua mãe faleceu cedo. Ajudava o pai no restaurante, onde conheceu Halim, na época em que ele era um vendedor ambulante e freguês do pai. Após as declarações apaixonadas, decidiu que iria se casar com ele e exigiu que o casamento fosse na Igreja Católica. Casaram-se e, pouco tempo depois, Galib morre ao voltar para terra natal, Biblos, onde Zana nasceu e cresceu até os seus seis anos. Depois da perda do pai, Zana ficou de luto quase inconsolável, e de ultimato, exigiu a Halim que lhe desse três filhos, nem mais nem menos. Vêm primeiro os gêmeos e depois, Rânia. Zana torna-se mãe, mas só de Omar, pois o caçula se torna o mais frágil, colocando toda sua atenção nele e deixa Yaqub e Rânia aos cuidados de Domingas.

4.3 – Domingas

Domingas, a índia órfã batizada e alfabetizada, doada por uma freira e adotada por Zana na mesma época em que foi aberta a loja de Halim. Ela cresceu nos fundos da casa do casal, onde havia dois quartos. A cunhatã ajudou a cuidar de Yaqub na infância e ajudou a cuidar de Omar já adulto. Ela sempre demonstrou uma personalidade ímpar, sendo neutra e imparcial com seus sentimentos durante toda a vida. Ela, pela narrativa de seu filho Nael, demonstra ter uma certa admiração por Yaqub, pois passou muito tempo com ele, ajudou a criá-lo. Já Omar, demonstra um desejo sexual por ela. Um dos gêmeos tem relações com a empregada e ela acaba engravidando de Nael, que é o narrador da história e que passa a sua vida tentando descobrir qual dos dois pode ser seu pai, mas é algo que continua em anonimato.

4.4 – Nael

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tudo o que os cercam durante suas vidas. Filho de Domingas, ele passa todo o enredo sem descobrir qual dos gêmeos é seu pai. Ao longo do seu crescimento, alimenta frustrações e raiva de Omar, por causa do trabalho que o mais novo dá para ele e para as mulheres da casa, principalmente sua mãe. Já o relacionamento com Yaqub é mais afetuoso, dele recebe livros e roupas. Porém, a pessoa de quem Nael torna-se mais próxima é Halim. As tantas conversas e histórias ouvidas pelo pai dos dois irmãos detalham a vida da família, os conturbados casos entre ele e o caçula e entre o caçula e Yaqub e as suas próprias lamentações.

4.5 – Antenor Laval

Antenor Laval, poeta e professor de francês do colégio Liceu, foi a pessoa mais bem-intencionada pela qual o Omar, seu aluno, cultivou uma amizade. Ele levava uma vida boêmia junto do filho de Zana pelas ruas e noites de Manaus. Essa semelhança de rotina os aproximou. Nael também aluno de Antenor, tinha admiração pelo professor e por sua poesia. Antenor foi capturado pelo exército na época da ditadura e morto por conta de subversão.

4.6 – Rânia

Rânia, terceira filha de Zana e Halim, cresce no meio desse conturbado relacionamento dos seus irmãos. Entre brigas e desavenças, segue neutra e muitas vezes fechada no seu mundo. Incumbida de viver uma paixão sua, ela é coagida por Zana, que não quer vê-la casando com um sujeito qualquer. A presença dos gêmeos em sua vida, também gera angústias. Observar em um e no outro, especificidades que, juntas, forjariam o homem perfeito para si, mas ela abdica do amor e começa a administrar da loja de seu pai. Toma gosto pelos negócios e começa a controlar as economias da família.

5 – Relações interpessoais e intrapessoais na formação da identidade

A formação da identidade dos dois irmãos foi traçada em um ambiente conturbado e negativo. Os dois personagens sentem, em certos momentos, necessidade de encontrar o seu verdadeiro eu e, para isso, ambos acabam indo por caminhos diferentes, mostrando à família o ódio existente entre ambos.

A sociedade também interfere na construção da identidade, pois todas as vivências diárias, os contatos com pessoas e instituições, colaboram com a formação do sujeito. Yabub utilizou dos estudos para conseguir vencer na vida e para recuperar o apreço dos pais, diferente de Omar, que desejava a atenção da mãe mas nunca teve o respeito do pai.

Diante de tais dificuldades, os dois irmãos escolhem caminhos diferentes. Yaqub torna-se conhecido pela carreira, conseguindo conquistar o amor de Lívia, casando-se com ela e vivendo

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uma vida boa em São Paulo, principalmente, longe da família que não sabe muito sobre a sua vida em outra cidade já que tanto o fez sofrer. Tudo parece perfeito, mas ao longo da narrativa, percebe-se que ele é uma pessoa soberba e avarenta, e com ira dos pais e do irmão.

Yaqub tem uma história de vida parecida com a de Halim, pois é órfão de pai e mãe e foi abandonado por volta de doze anos por um tio em Manaus. A ideia de abandono acontece tanto com o pai como com o filho, que passou anos no Líbano e ao retornar sente-se um estranho na própria família. Após o seu retorno, ele se vira sozinho, diferente do irmão, e passa a ter gosto pelos estudos. Ao se mudar para São Paulo, ele não aceita o dinheiro enviado pela família e conquista só sua estabilidade, assim como o pai. Por ter passado anos longe da família, isso acaba sendo um bônus para ele ao mudar de cidade, fato que não seria tão fácil para Omar, diante da sua dependência:

Foi assim... A morte do pai dela, o Galib... A morte à distância e a dor que isso causa, eu entendo... Um pai... eu nunca soube o que significa... não conheci nem pai nem mãe... Vim para o Brasil com um tio, o Fadel. Eu tinha uns doze anos... Ele foi embora, desapareceu, me deixou sozinho num quarto da Pensão do Oriente... Me agarrei na Zana, quis tudo... até o impossível. Essa paixão voraz como o abismo (HATOUM, 2000: 135)

Em contrapartida, Omar não quis estudar, preferiu apenas divertir-se durante boa parte de sua vida, levando a fama de mulherengo e deixando Zana enciumada, pois ela desejava a atenção do filho para si, não deixando-o se engraçar por qualquer uma, interferindo em todos os relacionamentos que o rapaz tentou desfrutar. Ele torna-se um ser dotado de luxúria, ira, preguiça e inveja.

Os conflitos entre os filhos são alimentados especialmente pela mãe, que vai negando atenção a Yaqub e se apegando mais a Omar, com a desculpa da doença dele nos primeiros meses de vida. Para Laguna (2014), a subjetividade humana se constrói no espaço familiar e social, ou seja, o inconsciente de cada pessoa leva consigo a marca de outros inconscientes a partir dos vínculos familiares e/ ou sociais.

A estrutura familiar conturbada interfere diretamente no crescimento e no desenvolvimento da identidade dos filhos, é o que acontece na história. Zana supre a falta do pai, com os filhos; Halim supre a falta da esposa com os trabalhos na loja e cada um dos filhos vai suprindo a falta de atenção com algo material. Yaqub com os estudos e Omar com a vida boêmia.

Vale ressaltar que Zana sufocou Omar, ao não permitir o filho viver a vida como ele quer. Ela tem o sentimento de fracasso, pois não se vê como uma boa mãe para os filhos e o sentimento de culpa pela morte do pai, contribuiu para o apego a Omar. O filho passa a refletir também fracassos durante sua vida, principalmente no âmbito do amor que para conseguir tal feito, foi preciso ele sair de casa e passar uns meses longe da mãe e mesmo morando em um barco, ele soube

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o que era ser feliz ao lado de outra pessoa sem ser a mãe.

Várias vezes ao longo da narrativa, por seu forte elo emocional com a mãe, Omar não consegue se relacionar efetivamente com outra mulher e por isso ele passa a sair para beber diariamente. Tanto Zana como Domingas cuidam do mais novo quando ele chega em casa, bêbado ou quando contrai alguma doença. Por isso ele sente, em certo momento, precisão de se afastar, fisicamente da mãe.

Para Hall (2015), “o sujeito previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas”. Os personagens apresentados por Hatoum representam claramente imagens de indivíduos modernos, fragmentados. Não há como definir um perfil uno, que se restrinja a única linha de raciocínio. São seres que se constituem ao longo da narrativa e se formam segundo as influências das pessoas, lugares e situações pelas quais passaram.

6 – Considerações Finais

Diante do exposto, é notória a influência negativa que a família teve na construção da identidade do outro, principalmente quando essa interferência se dá desde a infância, por meio de ações, mostrando a diferença na atenção e no afeto da mãe para com os seus filhos.

Além disso, a religião também é outro fator influenciador, pois mesmo convivendo com pessoas devotas, Yaqub, Omar e Halim não a praticam, sendo mais propícios a serem corrompidos pela sociedade, praticando os Sete Pecados e se afastando de Deus. A sociedade também influencia. Zana sentia necessidade de mostrar uma família perfeita para os vizinhos, porém todos sabiam que a realidade não era essa, mas, mesmo assim, a mãe sempre maquiava a situação familiar.

Os dois irmãos passaram a ter características invertidas ao longo da narrativa, pois Omar já era praticante de pecados, desde sua adolescência; já Yaqub, depois que retorna ao Brasil e passa por todo o processo de adaptação em Manaus e mais tarde em São Paulo, ele passa a agir como o irmão e o mais novo comporta-se como o mais velho, mostrando essa troca de personalidade.

Concluímos que os principais fatores para a relação conturbada da família se deram primeiramente, dentro de casa, diante do nascimento dos gêmeos e das atitudes protetoras da mãe com Omar, da anulação da autoridade do pai e o abandono emocional de Yaqub; segundo em sociedade, diante do interesse dos gêmeos em Lívia e da necessidade de Zana mostrar a todos que não existiam desavenças entre os filhos; e em terceiro, o papel da religiosidade na vida da família, pois só as mulheres estavam livres de cometê-los, diferente dos filhos e do pai. Assim, as coisas se amenizam quando os dois se distanciam com a ida do mais velho, primeiramente ao Líbano e depois para São Paulo; mas as idas e vindas de Yaqub a Manaus, torna-se um momento feliz para a

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mãe e ao mesmo tempo, conflituoso, pois Omar sempre age negativamente à presença ou aos comentários sobre irmão.

Referências Bibliográficas

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Referências

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