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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Giseli Aparecida Gobbo

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Academic year: 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Giseli Aparecida Gobbo

Vidas Secas: um enfoque sistêmico-funcional sob a perspectiva da Avaliatividade

MESTRADO EM

LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM

SÃO PAULO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Giseli Aparecida Gobbo

Vidas Secas: um enfoque sistêmico-funcional sob a perspectiva da Avaliatividade

MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, sob a orientação da Professora Doutora Sumiko Nishitani Ikeda.

SÃO PAULO

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Banca Examinadora

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AGRADECIMENTOS

A Deus:o Caminho, a Verdade e a Vida.

À minha mãe, Theresa, pela musicalidade, pela invenção e contação de histórias, pelo amor incondicional.

Ao meu irmão Edinho, pela amizade. Aos meus primos Thelma e Eduardo Santos, pelo forte apoio.

À orientadora Profa. Dra. Sumiko Nishitani Ikeda, pela sutileza, sabedoria e confiança com que nos orienta. Sem a sua ajuda, eu não conseguiria enxergar outros caminhos.

Às Profas. Dras. Lindinalva Zagoto Fernandes e Maria Aparecida Caltabiano M. B. da Silva, integrantes da Banca de Qualificação, pelas correções e sugestões valiosas.

Aos Professores do LAEL, pelos ensinamentos, pelos novos horizontes, e à Maria Lúcia dos Reis, pela ajuda pontual, sempre nos momentos cruciais.

Aos colegas do curso, em especial: Samuel da Silva, Fabiana Pastore Brasil, Eliane Alves de Souza, Liliana Bohn, Marcelo Saparas, Simone Ruiz Martins, Ulisses Tadeu Vaz de Oliveira, Wander Marques Vieira, pela ajuda, companheirismo, cumplicidade.

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Vidas Secas: um enfoque sistêmico-funcional sob a perspectiva da Avaliatividade

Giseli Aparecida Gobbo

Resumo

Ao ler Vidas Secas, instiga-nos a curiosidade em compreender por que o livro comove tanto. Otto Maria Carpeaux, em Origens e Fins (1943, p. 347), referindo-se a Graciliano Ramos, afirma: “Certamente, a alma deste romancista referindo-seco não é seca; é cheia de misericórdia e de simpatia para com todas as criaturas, é muito mais vasta do que um mestre-escola filantrópico pode imaginar; abrange até o mudo assassino Casimiro Lopes, até a cachorrinha Baleia, cuja morte me comoveu intensamente”. Tais palavras confirmam a maestria de Graciliano Ramos em atingir com grande sensibilidade o coração do leitor. A esse respeito, Álvaro Lins, no posfácio do famoso romance, diz “Contudo, a piedade que não lhes concede diretamente, Graciliano Ramos provoca-a dos leitores para os seus personagens”. Assim, nesta pesquisa, por meio da análise dos recursos linguísticos utilizados por ele, tentamos compreender como é feita essa “provocação dos leitores para seus personagens”, em um livro que ao denunciar o sofrimento do povo castigado pela seca, também esperava despertar no leitor empatia pelos nordestinos. No decorrer da pesquisa, o contato com as ideias de Macken-Horarik (2003), que trabalha na pesquisa da semântica avaliativa apresentando um enquadre para investigar na narração “a compreensão responsiva ativa” dos leitores (2003, p. 286), colaborou muito para o trabalho. Ela mostra como os recursos linguísticos para a construção de emoção e de ética são dispostos de maneira específica para cocriar complexos de significados de ordem superior, ou metarrelações, que posicionam os leitores em relação aos personagens no decorrer de um texto. Com isso, o objetivo desta pesquisa é examinar no livro Vidas Secas as metarrelações por meio da Avaliatividade que percorre o romance. Assim, deve responder às seguintes perguntas: (a) Qual é o papel da Avaliatividade pela qual valores éticos são transmitidos, embora nem sempre especificados no texto? (b) Como são construídas as metarrelações – com base na Avaliatividade – para que os leitores, ao mesmo tempo em que sentem empatia pelos personagens, também os julgam eticamente? Em termos metodológicos, a análise, de enfoque crítico, recorre à Linguística Sistêmico-Funcional, e, em especial, à Avaliatividade, uma ampliação da metafunção interpessoal da Linguística Sistêmico-Funcional, e, por meio da qual, segundo Martin (2000), podemos tratar, não somente de formas explícitas, mas também de escolhas implícitas, no decorrer de longos trechos de um texto.

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Vidas Secas: a systemic-functional approach under the perspective of Appraisal

Giseli Aparecida Gobbo

Abstract

When reading Vidas Secas, our curiosity is aroused trying to understand why the book stirs our emotions so much. Otto Maria Carpeaux, in Origens e Fins (1943, p. 347), referring to Graciliano Ramos said: “Surely the soul of this dry novelist is not dry, it is full of mercy and sympathy with all creatures, it is much wider than a philanthropic schoolmaster can imagine, it even covers up mute killer Casimiro Lopes, even dog Baleia, whose death touched me deeply.” These words confirm the mastery of Graciliano Ramos with great sensitivity to reach the heart of the reader. In this regard, Alvaro Lins, in the afterword of this famous novel, says “Although, pity that is not aroused directly, Graciliano Ramos leads it from his readers to his characters.” Thus, in this research through the analysis of the linguistic resources used by him, we try to understand how this “provocation of the readers to their characters” is done, in a book that not only denounces the suffering of the people punished by drought, but also hoped to arouse the reader’s empathy for the northeast. During the research, the contact with the ideas of Macken-Horarik (2003), who does research about semantic Appraisal presenting a frame to investigate, in narratives “active responsive understanding” of readers (2003, p. 286). She shows how language resources for the construction of emotion and ethics are arranged in a specific way to co-create complex meanings of higher order, or metarelations that put readers in relation to the characters in the course of a text. Thus, the objective of this research is to examine in the book Vidas Secas metarelations through Appraisal throughout the novel. Thus this research aims to answer to the following questions: (a) What is the role of Appraisal in which ethical values are transmitted, although not always specified in the text? (b) How are constructed metarelations – based on Appraisal – for readers, while they feel empathy for the characters, they also judge them ethically? The methodological analysis of critical approach, uses the Systemic Functional Language, and in particular the Appraisal Theory, which is an extension of the interpersonal metafunction in Systemic Functional Linguistics, and according to Martin (2000), we can deal with not only the explicit forms, but also implicit choices, over long stretches of a text.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Relação processos/participantes...23

Quadro 2 - As três metafunções...23

Quadro 3 - Exemplos de Avaliatividade...27

Quadro 4 - Recursos de Avaliatividade...27

Quadro 5 - Redundância...28

Quadro 6 - Tipos de AFETO...29

Quadro 7 - AFETO irreal...29

Quadro 8 - AFETO real...30

Quadro 9 - Modalidade...30

Quadro 10 - Tipos de Julgamento...30

Quadro 11 - Tipos de Avaliatividade...32

Quadro 12 - Avaliação interna e externa...41 e 85 Quadro 13 - Resumo das teorias que embasam a análise de Vidas Secas...45

Quadro 13a - Resumo das teorias que embasam a análise de Vidas Secas...47

Quadro 14 - Mudança de fases...48

Quadro 15 - Fases do 1º Estágio − MUDANÇA...49 e 50 Quadro 16 - Avaliatividade no 1º Estágio − MUDANÇA...51 a 60 Quadro 17 - Resumo em % da Avaliatividade em “MUDANÇA”...60

Quadro 18 - Fases do 2º Estágio − FABIANO...62 e 63 Quadro 19 - Avaliatividade no 2º Estágio − FABIANO...64 a 72 Quadro 20 - Resumo em % da Avaliatividade em “FABIANO”...72

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LISTA DE TABELA E FIGURA

Tabela 1 - Orientações avaliativas: dimensões semânticas − Atributos avaliativos de proposições e propostas...34

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...13

1.1 Graciliano Ramos e o romance moderno brasileiro...16

1.2 Sobre Vidas Secas...17

1.2.1 Enredo...19

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...20

2.1 A Linguística Sistêmico-Funcional...20

2.1.1 A Linguística Crítica...25

2.2 A metafunção interpessoal...26

2.3 A Avaliatividade...26

2.3.1 ATITUDE...28

2.3.2 Os tokens de ATITUDE...31

2.4 A realização prosódica da avaliação...34

2.5 A relação entre a macroestrutura da ideologia e a microestrutura linguística...37

2.6 Os textos e seus atributos semânticos...38

2.7 As metarrelações...40

2.7.1 A leitura relacional...41

2.7.2 As hierarquias interpessoais...42

2.7.3 Os recursos de Avaliatividade e sua disposição na narrativa...43

3 METODOLOGIA...46

3.1 Dados...46

3.2 Procedimentos de análise...47

3.2.1 As etapas da análise...47

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS...49

4.1 Análise do 1º Estágio −−−− MUDANÇA...49

4.1.1 A divisão em fases do 1º Estágio MUDANÇA...49

4.1.2 Análise da Avaliatividade do 1º Estágio MUDANÇA...51

4.2 Análise do 2º Estágio −−−− FABIANO...61

4.2.1 A divisão em fases do 2º Estágio FABIANO...61

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4.3 Análise do 3º Estágio −−−− FUGA...73

4.3.1 A divisão em fases do 3º Estágio FUGA...73

4.3.2 Análise da Avaliatividade do 3º Estágio FUGA...76

4.4 A Empatia e o Julgamento Ético...85

4.4.1 Metarrelações de Confirmação, Oposiçãoe Avaliação Interna...85

4.4.2 Metarrelações de Avaliação Externa, Interna e de Transformação...86

4.4.3 A ressonância e as metarrelações...88

4.4.4 A qualidade propagativa e as metarrelações...88

4.4.5 A Avaliatividade evocada (tokens)...89

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...90

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13 Vidas Secas: um enfoque sistêmico-funcional

sob a perspectiva da Avaliatividade

1 INTRODUÇÃO

Em Vidas Secas, de Graciliano Ramos, instiga-nos a curiosidade em compreender por que o livro nos comove tanto. Não é por acaso que Graciliano Ramos é um dos escritores mais editados e lidos de nossa literatura. Vidas Secas, por exemplo, publicado em 1938, já se encontra na 100ª edição. Otto Maria Carpeaux, em Origens e Fins (1943, p. 347), referindo-se a Graciliano Ramos, afirma:

Certamente, a alma deste romancista seco não é seca; é cheia de misericórdia e de simpatia para com todas as criaturas, é muito mais vasta do que um mestre-escola filantrópico pode imaginar; abrange até o mudo assassino Casimiro Lopes, até a cachorrinha Baleia, cuja morte me comoveu intensamente (CARPEAUX, 1943, p. 347).

Tais palavras confirmam a maestria de Graciliano Ramos em atingir com grande sensibilidade o coração do leitor. A esse respeito, Álvaro Lins, no posfácio da 83ª. edição do famoso romance, referindo-se à vida do romancista, como plena de infelicidade, tristeza e solidão, em que vestígios ou sombras de sonhos sufocados e estrangulados estariam refletidos em sua obra, diz:

O sr. Graciliano Ramos movimenta as suas figuras humanas com uma tamanha impassibilidade que logo indica o desencanto e a indiferença com que olha para a humanidade. [...] Contudo, a piedade que não lhes concede diretamente, o sr. Graciliano Ramos provoca-a dos leitores para os seus personagens (LINS, p. 137).

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Macken-14 Horarik (2003), que trabalha na pesquisa da semântica avaliativa apresentando um enquadre para investigar na narração “a compreensão responsiva ativa” dos leitores (2003, p. 286), colaborou muito para o trabalho. Ela mostra como os recursos linguísticos para a construção de emoção e de ética são dispostos de maneira específica para cocriar complexos de significados de ordem superior, ou metarrelações, que posicionam os leitores em relação aos personagens no decorrer de um texto. Para tanto, a autora apoia-se na proposta de Martin (2000) no que o autor chamou de Appraisal (traduzido no Brasil por Avaliatividade), uma coleção de recursos semânticos para negociar emoções, julgamento e apreciação, com a intenção de entender como os interlocutores estão sentindo, os julgamentos que eles fazem e o valor que eles põem em vários fenômenos de sua experiência.

Macken-Horarik tem como meta pôr a nu alguns dos mecanismos pelos quais a narrativa “trabalha” sobre os leitores capacitando-os “a sentir com” alguns personagens e a julgar eticamente seu comportamento [aspas no original]. Diz a autora que a maioria das narrativas escritas tem um tipo especial de instrucionalidade que é obrigatória sem ser abertamente moralizante. E como será que os leitores absorvem os valores éticos que um texto transmite, mas não especifica? pergunta a autora. Ela recorre ao trabalho de Mikhail Bakhtin (BAKHTIN, 1935 [1981], 1953 [1986]), que proporcionou aos teóricos literários e linguistas a consciência da característica profundamente “endereçadora” dos chamados textos monológicos. Nessa perspectiva, os textos escritos estabelecem, através de significados textuais, um diálogo virtual com os leitores, diálogo incorporado no texto e com o qual os leitores se relacionam conforme processam o texto.

(15)

15 favorece a seleção de confirmações, oposições e as avaliações internas; o discernimento ético favorece as avaliações externas, as avaliações internas e as transformações.

Dito isso, o objetivo desta pesquisa é examinar no livro Vidas Secas as metarrelações por meio da Avaliatividade que percorre o romance. Assim, deve responder às seguintes perguntas: (a) Qual é o papel da Avaliatividade pela qual valores éticos são transmitidos, embora nem sempre especificados no texto? (b) Como são construídas as metarrelações – com base na Avaliatividade – para que os leitores, ao mesmo tempo em que sentem empatia pelos personagens, também os julgam eticamente?

Em termos metodológicos, a análise, de enfoque crítico, recorre à Linguística Sistêmico-Funcional, e, em especial, à Avaliatividade, uma ampliação da metafunção interpessoal da Linguística Sistêmico-Funcional, e, por meio da qual, segundo Martin (2000), podemos tratar, não somente de formas explícitas, mas também de escolhas implícitas, no decorrer de longos trechos de um texto.

Este trabalho está organizado da seguinte maneira:

Ainda nesta Introdução, apresentamos o objetivo desta pesquisa que é examinar as metarrelações por meio da Avaliatividade que percorre o romance, a fim de responder às perguntas: (a) Qual é o papel da Avaliatividade pela qual valores éticos são transmitidos, embora nem sempre especificados no texto? (b) Como são construídas as metarrelações – com base na Avaliatividade – para que os leitores, ao mesmo tempo em que sentem empatia pelos personagens, também os julgam eticamente? Em seguida, discorremos brevemente sobre a vida e a obra, em especial Vidas Secas, de Graciliano Ramos, e a inserção dele no romance moderno brasileiro. Finalizamos com um breve enredo sobre Vidas

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16 conformidade com os procedimentos já explicitados, terminamos com a contagem em porcentagem dos tipos de Avaliatividade que percorrem os três Estágios. Mostramos que a contribuição da Avaliatividade e das metarrelações propicia a resposta para as perguntas de pesquisa. No Capítulo 5, último, Considerações Finais, apontamos resumidamente os pontos cruciais do trabalho, justificando-o e sugerindo uma possível aplicação na área educacional.

A seguir, antes de iniciarmos a parte teórica desta dissertação, apresentamos alguns dados sobre Graciliano Ramos e sobre Vidas Secas, que julgamos importantes para a compreensão desta pesquisa.

1.1 Graciliano Ramos e o romance moderno brasileiro

Graciliano Ramos nasceu em 1892, no município de Quebrangulo, Alagoas. Primogênito de um casal sertanejo de classe média que teve quinze filhos. Fez estudos secundários em Maceió, mas não cursou nenhuma faculdade. Anos depois, após trabalhar no comércio de seu pai, em Palmeira dos Índios, e uma breve estada no Rio de Janeiro, como revisor do Correio da Manhã e de A Tarde (1914), passa a fazer jornalismo e política, exercendo a prefeitura de Palmeira dos Índios entre 1928 e 1930. Aí também redige, a partir de 1925, seu primeiro romance, Caetés. De 30 a 36, viveu quase todo o tempo em Maceió onde dirigiu a Imprensa e a Instrução do Estado. Data desse período a sua amizade com escritores que formavam a vanguarda da literatura nordestina, como José Lins do Rego, Raquel de Queirós, Jorge Amado; redige, nessa época, São Bernardo e

Angústia. Em março de 1936 é preso como subversivo. Embora sem provas de acusação, levam-no a diversos presídios, sujeitam-no a mais de um vexame e só o liberam em janeiro do ano seguinte: as Memórias do cárcere serão o depoimento exato dessa experiência. Transferindo-se para o Rio de Janeiro, Graciliano continuou a escrever e a publicar não só romances mas também contos e livros para a infância. Seu nome já está consagrado como o do maior romancista brasileiro depois de Machado de Assis. Falece no Rio de Janeiro, em 1953 (BOSI, 1994).

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17 BOSI, 1994, p. 393), distribui o romance brasileiro moderno, de 30 para cá, em, pelo menos, quatro tendências, segundo o grau crescente de tensão entre o “herói” e o seu mundo: romances de tensão mínima; romances de tensão crítica; romances de tensão interiorizada; romances de tensão transfigurada.

Dentre essas quatro tendências, conforme Bosi, todo Graciliano Ramos faz parte dos romances de tensão crítica, em que o herói opõe-se e resiste agonicamente às pressões da natureza e do meio social, formule ou não em ideologias explícitas, o seu mal-estar permanente.

Graciliano representa o ponto mais alto de tensão entre o eu do escritor e a sociedade que o formou. Ele via em cada personagem a face angulosa da opressão e da dor. O roteiro do autor de Vidas Secas norteou-se por um coerente sentimento de rejeição que adviria do contato do homem com a natureza ou com o próximo. Escrevendo sob o signo dialético por excelência do conflito, Graciliano não compôs um ciclo, um todo fechado sobre um ou outro polo da existência (eu/mundo), mas uma série de romances cuja descontinuidade é sintoma de um espírito pronto à indagação, à fratura, ao problema (BOSI, 1994).

1.2 Sobre Vidas Secas

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18 Contudo, a piedade que não lhes concede diretamente, Graciliano Ramos provoca-a dos leitores para os seus personagens. E isto só acontece quando nas raízes da vida do romancista também se encontram os mesmos traços de infelicidade, tristeza e solidão, os vestígios ou as sombras dos sonhos sufocados e estrangulados. Ele não tem pena dos seus personagens, porque está projetado neles, e dispõe de forças suficientes para de si mesmo não ter pena nenhuma. Por isso a circunstância de aceitar-se ou não toda a concepção da vida, que ressalta dos romances de Graciliano Ramos, não deve impedir ninguém de admirar o artista que a sustenta; o artista que transforma este mundo árido e sombrio numa verdadeira categoria de arte.

Admirável estilo de concisão, unidade entre as palavras e os seus sentidos, rígido ascetismo tanto na narração como nos diálogos rápidos, exatos, precisos. Diálogos e narração que fazem de Graciliano Ramos um mestre do seu oficio de romancista. Um mestre da arte de escrever, sem nenhum medo de estar errando. Em Vidas Secas, mais que outros romances, ele se mostra mais humano, sentimental e compreensivo, acompanhando o pobre vaqueiro Fabiano e sua família com uma simpatia e uma compaixão indisfarçáveis. Aliás, não será significativo e explicativo a este respeito que Vidas Secas seja a sua primeira obra de ficção em que a pessoa encarregada de narrar a história não é um personagem, mas o próprio romancista: a narrativa na terceira pessoa, como o autor a movimentar diretamente os seres da sua criação.

Contudo, tecnicamente, Vidas Secas apresenta dois defeitos consideráveis, continua Lins. Um deles é o excesso de introspecção em personagens tão primários e rústicos, estando constituída quase toda a novela1 de monólogos interiores. A inverossimilhança, neste caso, não provém da substância da novela, mas da técnica. Se houvesse maior proporção entre episódios e monólogos, entre a vida exterior e a interior dos personagens, este problema da ficção teria sido resolvido de maneira perfeita. O romancista caiu numa inverossimilhança quanto à técnica de disposição dos monólogos, mas se salvou dessa falha no que diz respeito ao conteúdo deles. Para Lins, Vidas Secas representa ainda uma evolução na obra de Graciliano Ramos quanto ao estilo e à qualidade estritamente literária. Em nenhum outro dos seus livros encontramos

1 Lins classifica

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19 tanta beleza e tanta harmonia na construção verbal. E somente aqui esse autor, de espírito tão pouco poético, consegue atingir às vezes um estado de poesia.

Carpeaux (1943, p. 339, destaque do autor) define que a maestria singular do romancista reside no seu estilo. Para ele, estilo é escolha de palavras, escolha de construções, escolha de ritmos dos fatos, escolha dos próprios fatos para conseguir uma composição perfeita, perfeitamente pessoal: pessoal, no caso, à maneira de Graciliano Ramos. E completa, estilo é escolha entre o que deve perecer e o que deve sobreviver.

Publicado em 1938, o romance possui treze capítulos, ou quadros, como se referiu Lúcia Miguel Pereira em uma resenha do Boletim de Ariel, em maio de 1938: “Será um romance? É antes uma série de quadros, de gravuras em madeira, talhadas com precisão e firmeza.” (apud CANDIDO, 1992, p. 103).

Vidas Secas é composto por segmentos relativamente extensos, autônomos mas completos, de narrativa cheia e contínua, baseada num discurso que nada tem de fragmentário. É a justaposição dos segmentos (não fragmentos) que estabelece a descontinuidade, porque não há entre eles os famosos elementos de ligação, cavalos de batalha da composição tradicional. Foi essa justaposição que me levou, afirma Antonio Candido (1992, p. 107), no passado a falar de composição em rosácea, para sugerir os episódios nitidamente separados, com o último tocando o primeiro. Este encontro do fim com o começo forma um anel de ferro, em cujo círculo sem saída se fecha a vida esmagada da pobre família de retirantes-agregados-retirantes.

A seguir, um breve enredo do livro.

1.2.1 Enredo

(20)

20 sendo esta uma das páginas mais famosas de Graciliano Ramos. Segundo Lins, em Vidas Secas, no entanto, nenhum capítulo o agrada mais do que “Festa”, em que, ao poder descritivo e a capacidade de visualização, o ficcionista ajuntou uma sutileza de tons e de notas psicológicas realmente admiráveis; ou ainda “Inverno”, quadro de uma família em noite de frio e miséria. Por fim, também a nova fazenda é atingida pela seca; e Fabiano e sua família se decidem a partir, numa outra etapa do seu destino de movimentar-se sempre como um judeu errante em busca de uma nunca atingida terra da promissão. O final do livro é uma retirada, como o princípio fora uma chegada, dentro de uma fatalidade que o romancista sugere ao dizer que eles “dali se afastavam rápidos, como se alguém os tangesse”.

A seguir, discorremos sobre as propostas teóricas que embasam a nossa análise de Vidas Secas.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Neste capítulo, apresentamos a Linguística Sistêmico-Funcional, proposta por Michael Halliday (1978, 1985, 1994), em cuja teoria, especialmente na metafunção interpessoal, apoia-se a análise da narrativa, de Macken-Horarik (2003). Assim também, a Linguística Crítica (FOWLER, 1991), que reúne um método de análise linguística com uma teoria social da linguagem em processos ideológicos, e recorre à teoria linguística funcionalista (HALLIDAY, 1985). A seguir, expomos o sistema de avaliação − Avaliatividade, que constitui uma ampliação da metafunção interpessoal por Martin (2000), e também por Lemke (1998). Feito isso, tratamos da proposta de Macken-Horarik sobre a narrativa, e a criação, por parte dos leitores, não só de empatia, mas também de julgamento ético dos personagens.

2.1 A Linguística Sistêmico-Funcional

(21)

21 inconsciente) de sentido feito pelos falantes (daí o nome sistêmico); além disso, essas escolhas servem para os falantes realizarem coisas com a língua (daí o nome funcional).

Segundo Halliday, os usuários da língua não interagem apenas para trocar sons uns com outros, nem palavras ou sentenças, mas para construir significados ou metafunções (três) simultâneos: ideacional (experiencial + lógico), interpessoal e textual a fim de entender o mundo e o outro:

metafunção ideacional: refere-se ao conteúdo, propósito, assunto ou tópico de que as pessoas tratam.

metafunção interpessoal: refere-se às relações entre as pessoas expressas na linguagem.

metafunção textual: refere-se à maneira como as pessoas organizam a fala e a escrita de acordo com seu propósito e as exigências do meio sócio-histórico-cultural.

Essas metafunções agem juntas: cada palavra que dizemos realiza as três metafunções. Sendo assim, tudo que expressamos linguisticamente quer dizer, simultaneamente, três coisas: alguma coisa (ideacional) dita a alguém (interpessoal) de algum modo (textual). E como faz a língua para manipular três tipos de significados simultaneamente? A língua possui um nível intermediário de codificação: a léxico-gramática. É este nível que possibilita à língua construir três significados concomitantes, e eles entram no texto através das orações. Daí porque Halliday dizer que a descrição gramatical é essencial à análise textual. Por outro lado, a noção de escolha é importante para a teoria: quando se faz uma escolha no sistema linguístico, o que se escreve ou o que se diz adquire significado contra um fundo em que se encontram as escolhas que poderiam ter sido feitas.

(22)

22 Apoiamo-nos em Muntigl (2002) para explicar a relação entre gênero, registro e língua, considerados na LSF como sistemas semióticos. Tomados juntos, o gênero e o registro são identificados como o contexto social. O gênero representa os processos sociais em etapas orientados para uma meta de uma dada cultura, tais como a narrativa, uma anedota, uma reportagem, um relato, um procedimento, etc., e, por isso, são em geral rotulados de contexto de cultura. O registro, por outro lado, refere-se ao contexto de situação (MARTIN, 1992). Na LSF, o registro é organizado pelas três variáveis contextuais, campo, relações e modo. O campo refere-se ao tipo de atividade social e assuntos tratados pelo texto, podendo referir-se a disciplinas como linguística, psicologia, ciência e educação ou, em termos de planos de ação a emprego e desemprego, segundo Muntigl. As relações, por outro lado, envolvem as dimensões de status (i.e., igual X desigual), contato (envolvido X distante), e AFETO (MARTIN, 1992, p. 526). Finalmente, o modo refere-se à organização simbólica de um texto e é, em geral, organizado pelos padrões de informação temática e informação nova.

Essas três variáveis contextuais de registro são, por sua vez, organizadas pelas metafunções da linguagem: ideacional, interpessoal e textual (HALLIDAY, 1978). A metafunção ideacional representa os eventos das orações em termos de fazer, sentir (processamento simbólico) ou ser. A metafunção interpessoal envolve as relações sociais com respeito à função da oração no diálogo, e referem-se a dar ou pedir informação ou bens e serviços. Finalmente, a metafunção textual organiza os significados ideacional e interpessoal de uma oração retrabalhando quais os significados que são representados em primeiro ou no final da oração. Cada variável de registro estabelece possibilidades na língua, e Martin (2000) refere-se a esse conjunto de probabilidades como a colocação de significados em risco. Mais especificamente, o campo coloca os significados ideacionais em risco, as relações põem os significados interpessoais em risco, e o modo coloca os significados textuais em risco.

(23)

23 circunstâncias. Os integrantes das demais metafunções podem ser visualizados no Quadro 2.

Processos Participantes Circunstâncias Material Ator, Meta, Alcance, Beneficiário

Comportamental Comportante, Comportamento

Mental Experienciador, Fenômeno

Existencial Existente

Relacional Identificação: Identificado, Identificador Atributivo: Portador, Atributo

Verbal Dizente, Receptor, Verbiagem, Alvo Quadro 1 - Relação processos/participantes

Metafunções Ele estud- -ou inglês no passado

Ideacional Ator processo material Meta Circunstância

Interpessoal Mood Resíduo Mood Resíduo

Sujeito Predicador Finito Complemento Adjunto

adverbial

Textual Tema Rema

Quadro 2 - As três metafunções (fonte: HALLIDAY, 1994)

Em relação à metafunção ideacional, o verbo estudar expressa um processo material, Ele um participante Ator, inglês um participante Meta e no passado uma Circunstância de tempo. Esses elementos representam a Transitividade da oração.

Em relação à metafunção interpessoal, é uma sentença declarativa, na qual Ele realiza o Sujeito, a terminação -ou (da forma verbal estudou) o Finito, e estud- (da forma verbal estudou) o Predicador. Ele e –ou ainda realizam o Mood e o restante da frase forma o Resíduo.

Em relação à metafunção textual, Ele realiza o Tema da frase e o restante, o Rema. O Tema é o ponto de partida da mensagem e indica uma posição importante na frase, ajudando a estruturar o discurso e a dar proeminência aos elementos que o compõem.

(24)

24 também entendida como uma operação na direção oposta; isto é, o gênero é realizado pelos padrões das seleções de registro, e o registro, por sua vez, realizado por padrões de seleções linguísticas. O movimento do gênero para a língua, contudo, é considerado em termos de restrições. Um gênero restringe os tipos de padrões de registro que podem realizar um gênero, e um registro restringe os tipos de padrões linguísticos que podem realizar o registro. A relação entre os sistemas semióticos de gênero, registro e língua pode ser vista na Figura 1 (as flechas significam realizado por)

Gênero Registro Língua

Figura 1 - Modelo de estratificação de gênero, registro e língua (fonte: MARTIN, 1992)

São essas noções de significado no texto e sua correlação com as dimensões contextuais, que dão à abordagem da LSF dois temas comuns:

• foco na análise detalhada da variação dos traços linguísticos do discurso: isto é, há especificações explícitas, idealmente quantificáveis de padrões gramaticais e semânticos do texto.

• explicação da variação linguística pela referência à variação contextual: isto é, há elos explícitos entre traços do discurso e variáveis críticas do contexto social e cultural empregados para explicar o significado e a função da variação entre textos.

(25)

25 Embora a ideologia tenha importância atestada, apenas algumas áreas do conhecimento humano e do estudo da linguagem tentam analisar aspectos ideológicos dentre as quais se destaca a Análise de Discurso Crítica (doravante, ADC), que engloba uma variedade de abordagens em torno da análise social do discurso (FAIRCLOUGH; WODAK, 1997; PÊCHEUX, 1982; WODAK; MEYER, 2001). A ADC oferece uma contribuição significativa da linguística para debater questões da vida social, como o racismo, o sexismo (a diferença baseada no sexo), o controle e a manipulação institucional, a violência, as transformações identitárias, a exclusão social, entre outros (MAGALHÃES, 1986).

2.1.1 A Linguística Crítica

A abordagem crítica inclui a Linguística Crítica de Fowler et al. (1979, 1991), uma tentativa de casar um método de análise linguística e textual com uma teoria social da linguagem em processos políticos e ideológicos, recorrendo à teoria linguística funcionalista de Halliday (1978, 1985), ou seja, a LSF. O objetivo dessa abordagem é a interpretação crítica de textos: “a recuperação dos sentidos sociais expressos no discurso pela análise das estruturas linguísticas à luz dos contextos interacionais e sociais mais amplos” (FOWLER et al., 1979, p. 195-196).

O ponto teórico principal na análise de Fowler é o de que qualquer aspecto da estrutura linguística carrega significação ideológica; seleção lexical, opção sintática, etc., todos têm sua razão de ser. Há sempre modos diferentes de dizer a mesma coisa e esses modos não são alternativas acidentais. Diferenças em expressão trazem distinções ideológicas (e assim diferenças de representação).

(26)

26 2.2 A metafunção interpessoal

No modelo sistêmico-funcional, a língua é vista como uma prática social e é um resultado da relação entre dois aspectos fundamentais: sua sistematicidade e sua funcionalidade (MARTIN, 1997; GALES, 2011). Importante para o estudo de Gales é que a funcionalidade está refletida no discurso por meio da estrutura gramatical interna da língua, isto é, as funções da língua fornecem a motivação para a forma e a estrutura da língua (HALLIDAY, 1978). Na LSF, o significado é criado como uma função da experiência humana mais ampla e está codificado na língua em três camadas inter-relacionadas − língua (gramática e discurso), contexto social e gênero (MARTIN, 1997).

No nível da língua, há três metafunções (ideacional, interpessoal e textual), das quais, a interpessoal serve para “realizar nossas relações sociais” (MARTIN; ROSE, 2003, p. 6). A avaliação é central para o aspecto interpessoal da língua e se manifesta por meio de marcadores linguísticos que se estendem pelo texto, “formando uma ‘prosódia’ de atitude” − ou coesão discursiva (HALLIDAY; HASAN, 1976) − que reflete o significado interpessoal (MARTIN; ROSE, 2003, p. 27).

2.3 A Avaliatividade

(27)

27

AFETO – emoções

RITA Eu adoro esta sala. Eu adoro aquela janela. E você gosta também? FRANK O quê?

JULGAMENTO – ética (avaliando comportamento)

FRANK E é o seguinte, entre você, eu e as paredes, eu sou na verdade um professor péssimo. Na maioria das vezes, veja, nem interessa realmente – dar aulas péssimas está bem para a maioria dos meus alunos péssimos.

APRECIAÇÃO – estética

RITA Sabe, a Rita Mae Brown, que escreveu Rubyfruit Jungle? Você leu esse livro? Ele é fantástico.

Quadro 3 - Exemplos de Avaliatividade

Assim, apresentamos, a seguir, esse sistema, que será um dos apoios (além da metarrelação, explicada mais além) da análise de Vidas Secas.

Martin (2000) examina o léxico avaliativo que expressa a opinião do falante (ou do escritor) sobre o parâmetro bom/mau, como por exemplo em:

(1) É inaceitável que o espírito de competição degenere em mortes.

Martin se enquadra na tradição da LSF. O sistema de escolhas usado para descrever essa área de significado potencial é chamado Avaliatividade. A Avaliatividade é o rótulo para uma coleção de recursos semânticos para negociar emoções, julgamento e apreciação. Na Avaliatividade estão incluídos recursos graduáveis para a avaliação de pessoas, lugares e coisas de nossa experiência (ATITUDE), para ajustar nosso compromisso com o que avaliamos (COMPROMISSO), e para aumentar ou diminuir e aguçar ou suavizar a avaliação (GRADUAÇÃO). Veja resumo no Quadro 4.

AVALIATIVIDADE

COMPROMISSO monoglóssico

heteroglóssico

ATITUDE Afeto Julgamento

Apreciação/Avaliação Social

GRADUAÇÃO FORÇA

aumenta

diminui

FOCO aguça

(28)

28 2.3.1 ATITUDE

Vejamos, agora, mais detidamente, cada um dos componentes do subsistema de ATITUDE. Martin (2000) descreve a ATITUDE em termos de três dimensões: AFETO, JULGAMENTO e APRECIAÇÃO. AFETO é o recurso distribuído para construir respostas emocionais (“felicidade, tristeza, medo, ódio”, etc.); JULGAMENTO é disposto para construir avaliações morais de comportamento (“ético, decepcionante, bravo”, etc.); e APRECIAÇÃO constrói a qualidade “estética” dos processos semióticos do texto, e fenômenos naturais (“notável, desejável, harmonioso, elegante, inovador”, etc.) (MARTIN, 2000, p. 145-146).

(a) AFETO

O AFETO é classificado em três conjuntos:

i. IN/SEGURANÇA O menino está ansioso/confiante?

ii. IN/SATISFAÇÃO O menino está chateado/concentrado

iii. IN/FELICIDADE O menino está triste/alegre

Importante é notar que uma ligação do sistema de Avaliatividade se faz por meio do conceito de redundância, segundo Martin:

O filme era muito triste. O filme me comoveu até as lágrimas.

com processo Relacional + Apreciação com processo Mental

Quadro 5- Redundância

Assim, esses três conjuntos de AFETO podem ter diferentes realizações, conforme se vê no Quadro 6.

(i) AFETO como qualidade

Realização

um menino feliz epíteto

(29)

29 (ii) AFETO como processo

Realização

Ela sorriu para ele processo comportamental Ela gostou do presente processo mental

Ela ficou feliz com ele processo relacional

(iii) AFETO como comentário

Realização Felizmente, conseguimos descansar adjunto modal Quadro 6 - Tipos de AFETO

Para classificar o AFETO, Martin baseia-se nos seguintes fatores:

(i) em termos culturais, um sentimento é considerado negativo ou positivo? (ii) o sentimento é realizado como uma externalização de emoção (o menino riu) ou uma predisposição de estado mental (ele estava triste)? (iii) o sentimento é construído como reação direta a um fator externo (ele

gostava da professora) ou como um evento de estado de espírito (ele estava feliz)?

(iv) como o sentimento é graduado? Baixo? Médio? Alto?

(v) o sentimento envolve intenção (e não reação) com relação a estímulo irreal? Ou real? (i.e., os sentimentos relacionam-se ao futuro, como estados ainda não realizados, em vez de presentes?) Veja Quadro 7.

AFETO irreal

Des/Inclinação Comportamento Disposição

medo tremor desconfiado

desejo pedido

ordem ter saudade ansiar Quadro 7 - AFETO irreal

O AFETO irreal parece sempre estar direcionado a alguma agência exterior, e assim pode ser delineado como no Quadro 7, embora, diz Martin, não se tenha ainda uma base melhor para a classificação de emoções. Portanto, o AFETO em sua base poderá se reduzir às emoções constantes do Quadro 8: felicidade/infelicidade; segurança/insegurança; e satisfação/insatisfação.

(30)

30 AFETO real

Comportamento Disposição in/felicidade lamúria

choro triste miserável in/segurança intranquilidade

tremor

desconfortável ansioso in/satisfação inquietação

bocejo

aborrecido irritado Quadro 8 - AFETO real

(b) JULGAMENTO

O subsistema de JULGAMENTO tem sido dividido em dois grupos: estima social (normalidade, capacidade e tenacidade) e sansão social [veracidade e propriedade (ética)]. Esses tipos, exceto capacidade, relacionam-se à MODALIDADE (HALLIDAY, 1994); veracidade relaciona-se com probabilidade; normalidade com frequência; propriedade com obrigação; tenacidade com

inclinação.

MODALIDADE (segundo Halliday)

Modalização Modulação

probabilidade frequência obrigação inclinação

JULGAMENTO (segundo Martin)

sansão social estima social sansão social estima social

veracidade normalidade propriedade tenacidade

Quadro 9 - Modalidade

JULGAMENTO

de estima social: de sanção social:

i. NORMALIDADE: como alguém é incomum ii. CAPACIDADE: como é capaz

iii. TENACIDADE: como é resoluto

i. VERACIDADE: como é confiável ii. PROPRIEDADE: como é ético

Quadro 10 - Tipos de Julgamento

(c) APRECIAÇÃO

(31)

31 JULGAMENTO, a APRECIAÇÃO tem dimensões positivas e negativas. O sistema é organizado com base em três variáveis − reação, composição e avaliação. A reação tem a ver com o grau pelo qual o texto/processo em questão capta a nossa atenção (reação: impacto) e o impacto emocional que tem sobre nós. A composição relaciona-se com a nossa percepção de proporcionalidade (composição: equilíbrio) e detalhe (composição: complexidade) do texto/processo. A avaliação relaciona-se com o significado social do texto/processo.

A propósito da APRECIAÇÃO, Coffin e O’Halloran (2006) referem-se à AVALIAÇÃO SOCIAL, uma subcategoria de APRECIAÇÃO, que se refere à avaliação positiva ou negativa de produtos, atividades, processos ou fenômenos sociais, fator que será útil na análise desta pesquisa.

2.3.2 Os tokens de ATITUDE

Quando a avaliação está explicitamente realizada, é fácil a análise da ATITUDE em positiva ou negativa em relação a algum evento: Felizmente/Infelizmente, o

Brasil desafiou os EUA na ALCA. Mas o que fazer em casos em que a avaliação não está inscrita explicitamente, como em O Brasil desafiou os EUA na ALCA. Nesse caso, isto é, na ausência de um termo avaliativo explícito, o fato de o Brasil ter desafiado os EUA pode ser sentido como negativo por alguns, enquanto outros podem considerá-lo positivo, dependendo do contexto em que se produziu o enunciado.

Martin fala, então, em pareamento do significado ideacional com o interpessoal presente na APRECIAÇÃO no campo da linguística. Assim, surge um item complicador que é o fato de que o que conta como Avaliatividade depende do campo do discurso. Por isso, significados ideacionais que não usam léxico avaliativo podem ser usados para evocar APRECIAÇÃO, AFETO e JULGAMENTO. No caso da menção por Rita do livro Rubyfruit Jungle, nos exemplos citados no Quadro 3, esse fato mostra o quanto ela é ignorante nessa área.

(32)

32 AVALIATIVIDADE inscrita

a avaliação está explícita no texto (menino brilhante, menino malvado)

evocada

a avaliação é projetada por referência a eventos ou estados que são ou não convencionalmente elogiados (um menino que lê muito) ou rejeitados (um menino que arranca as asas da borboleta)

Quadro 11 - Tipos de Avaliatividade

Toda instituição está carregada com pareamentos desse tipo (ideacional + avaliação), isto é, o significado ideacional saturado interpessoalmente, segundo Martin, e a socialização em uma disciplina envolve tanto um alinhamento com as práticas institucionais envolvidas quanto uma afinidade com as atitudes que se espera que tenhamos em relação a essas práticas. Talvez devesse ser enfatizado que os analistas de Avaliatividade deveriam declarar sua posição de leitura – já que a avaliação por evocação depende da posição institucional que se toma ao ler um texto. Assim, muitos leitores se alinhariam com Rita e não com Frank em termos de textos populares como o citado Rubyfruit Jungle.

Martin diz que a expressão de ATITUDE não é simplesmente uma questão de posicionamento pessoal, mas uma questão interpessoal, pois a razão básica de adiantar uma opinião é provocar uma resposta de solidariedade do interlocutor. As Avaliatividades inscrita e evocada são importantes para a narrativa, segundo Macken-Horarik (2003). Elas podem ocorrer separadamente ou combinadas de diferentes modos dentro de uma fase do texto. A Avaliatividade inscrita torna a ATITUDE explícita por meio de léxico avaliativo ou de sintaxe. Ela se introduz diretamente no texto por meio de epítetos atitudinais ou relacionais ou adjuntos de comentário.

A Avaliatividade evocada é alcançada pelo enriquecimento do léxico de algum tipo por um ou mais trechos do texto e pode envolver uma infusão sutil de sentimento na sequência do evento. É o que Martin (2000) chama de tokens de ATITUDE − significados ideacionais saturados com significado interpessoal, avaliativo − e são mais difíceis de “perceber” do que os inscritos porque seu significado é mais de transferência do que literal. Contudo, a Avaliatividade evocada é importante porque é o mecanismo primário pelo qual o texto se insinua nas atitudes do leitor.

(33)

33 abertamente atitudinais são vozeadas por personagens e daí relativizadas pelo texto. Há vários modos de analisar a Avaliatividade. A análise pode focalizar expressões de ATITUDE, com o analista construindo padrões de escolha “de baixo”, ou pode começar com o ambiente textual e explorar os padrões de escolha do ponto de vista da função semântica de ordem superior, “de cima”.

O desafio analítico de distinguir entre atitudes projetadas pelos personagens e pelo texto como um todo requer que codifiquemos as escolhas lexicais menos com base nas suas propriedades gramaticais inerentes e mais com base na sua origem e sua função no texto. No estudo de Macken-Horarik (2003) foi enfocada a função axiológica das escolhas de Avaliatividade. Nessa perspectiva mais narratológica, a criação de empatia predirá certas combinações de escolhas para ATITUDE e as combinações que interessam.

Os valores atitudinais acumulam significados com base na companhia que mantêm e as relações que contraem com outras palavras no texto. Dado que o ambiente da axiologia do texto é o texto, uma fase pode carregar ATITUDE de algum lugar do texto. Trechos do texto não marcados explicitamente para ATITUDE podem carregar significados avaliativos em virtude de seus elos coesivos para outras partes mais atitudinais do texto.

De fato, o desenvolvimento de um enquadre para a identificação e codificação das escolhas de Avaliatividade representa apenas um aspecto do relato do posicionamento do leitor sobre a narrativa. Precisamos, também, de um aparato para explicar como as escolhas de ATITUDE influem na formação da empatia e percepção ética no leitor ideal, diz Macken-Horarik (2003).

(34)

34 2.4 A realização prosódica da avaliação

Os recursos léxico-gramaticais permitem expressar a atitude do falante não somente em relação ao interlocutor, mas também em relação ao conteúdo ideacional de suas proposições (informações) e propostas (bens e serviços). Lemke (1998) acrescenta três dimensões semânticas de orientações avaliativas de proposições − importante, compreensível e humorístico − às modalizações (probabilidade e frequência) e às modulações (obrigação e inclinação), de Halliday (1994). Veja a relação:

1. (D) DESEJÁVEL [inclinação, de Halliday]

É simplesmente maravilhoso que João venha.

É realmente péssimo que João venha.

2. (G) GARANTIDO/PROVÁVEL [probabilidade, idem]

É bem possível que ...

É muito duvidoso que...

3. (N) NECESSÁRIO/ADEQUADO [obrigação, idem]

É muito necessário que...

É inteiramente adequado que ...

4. (E) ESPERÁVEL/USUAL [frequência, idem]

É bem normal que ...

É altamente surpreendente que ...

5. (I) IMPORTANTE/SIGNIFICATIVO

É muito importante que...

É realmente significativo que ...

6. (C) COMPREENSÍVEL/ÓBVIO

É perfeitamente compreensível que ...

É bem misterioso que ...

7. (H) HUMORÍSTICO

É simplesmente hilário que....

É muito sério que...

_______________________________________________________________________________________

Tabela 1 - Orientações avaliativas: dimensões semânticas − Atributos avaliativos de proposições e propostas

(35)

35 acontece, eles se sobrepõem a outros significados avaliativos, e os escritores experientes encontram meios de integrar suavemente os resultados por intermédio de delicadas escolhas lexicais e interdependências gramaticais. Ficará claro, também, que as avaliações de proposições e propostas não são independentes, em longos textos, da avaliação de participantes, processos e circunstâncias incluídos em proposições e propostas.

Lemke (1998) chama de realização prosódica a esse significado atitudinal que se estende pelo texto e que inclui: a coesão avaliativa, a propagação

sintática, a avaliação projetiva, a avaliação prospectiva e retrospectiva, e sugere que esses significados avaliativos tenham um papel importante na análise do discurso da heteroglossia social e da identidade individual e coletiva. Veja as definições desses termos:

(a) realizações avaliativas “prosódicas”: realizações que tendem a ser distribuídas através da oração e através dos limites da oração e da sentença;

(b) sobreposição prosódica: diferentes significados avaliativos simultâneos;

(c) propagação avaliativa: propagação ou ramificação dos avaliadores através do texto, seguindo elos gramaticais e lógicos que o organizam como um texto estruturado e coesivo;

(d) coesão avaliativa: a mesma dimensão pode criar elos coesivos entre elementos separados de um texto, elos esses não construídos por meios usuais de coesão;

(e) propagação sintática: a transferência, dentro da oração, da avaliação relativa a um elemento estrutural (participante, processo, circunstância) para outro elemento;

(f) avaliação projetiva: a garantia dada a algo provável pode parecer inevitável ou iminente;

(36)

36 Por outro lado, devido à existência de vários tipos de nominalização em certos registros, uma proposição num ponto do texto pode tornar-se “condensada” (LEMKE, 1990) como um participante em outro trecho, e participantes (especialmente nomes abstratos) podem ser “expandidos” pelo leitor em proposições implícitas por meio da referência a algum intertexto, ou ao cotexto imediato. Esse fato, também um tipo de prosódia, que interessa à nossa análise.

Apresentamos, a seguir, um exemplo dessa realização prosódica, que julgamos importante para nossa análise da avaliação que percorre o texto de Graciliano Ramos.

Usualidade mais Indesejabilidade

Mas em uma era em que os candidatos são COM DEMASIADA FREQUÊNCIA Usual, mas demasiada tem sentido de excesso = Indesejável marquetizados como pasta dental, os discursos de campanha podem descer a continua a Indesejabilidade níveis de propaganda

Eis a análise de Lemke: O elo ideacional entre as orações não está explícito. Precisamos de habilidade de interpretação para identificar discurso de

(37)

37 2.5 A relação entre a macroestrutura da ideologia e a microestrutura linguística

Trazemos, a seguir, uma proposta que alia a macroestrutura abstrata da ideologia com a microestrutura concreta das escolhas linguísticas (LI, 2010), que contribui para entender a análise de Vidas Secas, já que por meio das escolhas feitas por Graciliano Ramos vamos captar o que está na subjacência do texto.

Li (2010), corroborando a proposta de Fowler et al., afirma que, apesar da série de abordagens relativas à ADC, o que há de comum entre elas é a compreensão de como as ideologias sociopolíticas ou socioculturais estão entrelaçadas com a língua e o discurso. Uma premissa básica de todas as formas da ADC é que o uso da língua no discurso implica significados ideológicos e, também, que há restrições discursivas no que diz respeito ao uso da língua e aos significados implicados (VAN DIJK, 1993; FOWLER, 1996; FAIRCLOUGH, 1995). Li investiga as relações entre escolhas de certas formas linguísticas e as relações ideológicas e de poder que subjazem a essas formas, com apoio da LSF. Para tanto, ele se propõe a relacionar a macroestrutura da ideologia à microestrutura linguística, com base em Van Dijk (1985), que oferece um modelo analítico de três níveis. O primeiro nível, a superestrutura, refere-se a esquemas textuais que desempenham um papel importante na compreensão e na produção de um texto. Incluídas aí estão a estrutura temática hierarquizada do texto, a organização geral em termos de temas e tópicos, que envolve as formas linguísticas concretas do texto, como as escolhas lexicais, variações sintáticas ou fonológicas, relações semânticas entre proposições e traços retóricos e estilísticos. Essas formas linguísticas no nível superficial implicam significados no terceiro nível, a estrutura profunda, das posições ideológicas subjacentes expressas por certas estruturas sintáticas como as construções passivas, ao omitir ou ao desenfatizar agentes da posição de sujeito ou atribuir maior poder a certos indivíduos ou a grupos sociais por meio de escolhas retóricas específicas.

(38)

38 de opções entrelaçadas” (HALLIDAY, 1994, p. xiv), uma gramática do significado; a LSF vê a língua como um sistema de significados realizados por meio de funções realizadas por intermédio do rico recurso de opções gramaticais selecionadas pelo usuário da língua. Essas escolhas são descritas em termos funcionais para que sejam significativas semântica e pragmaticamente. A visão funcional da LSF por meio das escolhas linguísticas como índices de significados cruza com a ADC: ambas são guiadas pela suposição subjacente de que as formas linguísticas e as escolhas expressam significados ideológicos. A LSF oferece um instrumento analítico específico para o exame sistemático das relações de poder no texto bem como das motivações, propósitos, suposições e interesse dos produtores do texto. Com seu foco na seleção, categorização e ordenação do significado nas microestruturas no nível da oração mais do que no macronível do discurso, a LSF é especialmente útil para uma análise sistemática, com enfoque nos traços linguísticos no micronível dos textos do discurso, fornecendo intravisões críticas na organização dos significados no texto.

2.6 Os textos e seus atributos semânticos

Apresentamos, a seguir, a proposta de Macken-Horarik (2003) para a análise de uma narrativa, que serve de base para nossa análise de Vidas Secas. Na pesquisa de Macken-Horarik (2003), há dois aspectos da axiologia textual referentes ao destinatário da narrativa. Primeiro, o leitor é convidado a uma posição de empatia − solidariedade emocional com, ou, ao menos, compreensão das motivações de um dado personagem. Segundo, espera-se que o leitor assuma uma postura de percepção-julgamento dos valores éticos adotados por um determinado personagem. A autora sugere que a narrativa ensina por meio de dois tipos de subjetividade: intersubjetividade (a capacidade de “sentir com” um personagem) e a supersubjetividade (a capacidade de “supervisionar” um personagem e avaliar eticamente suas ações).

(39)

39 metarrelações, que posicionam os leitores a adotar atitudes específicas em relação aos personagens no decorrer de um texto. Em termos linguísticos, seu estudo apoia-se na pesquisa da semântica avaliativa feita na LSF, a Avaliatividade. Também se liga aos trabalhos dos sistemicistas Jay Lemke (1989, 1992, 1998) e Paul Thibault (1989, 1991), que enriquecem as perspectivas linguísticas do significado interpessoal. Segundo a autora, Lemke ampliou o termo axiologia, de Bakhtin, para capturar a complexa orientação de valores de textos e práticas textuais.

Os textos constroem modelos hipotéticos de seus destinatários e do mundo discursivo constituído de vozes competidoras no qual serão lidos, continua a autora. Os leitores posicionam-se em relação a interlocutores reais ou possíveis e em relação ao que eles mesmos e os outros possam dizer. Essa visão fundamentalmente dialógica do texto foi introduzida por Bakhtin juntamente com a noção de heteroglossia: de que todas as vozes sociais divergentes (classes, gêneros, movimentos, épocas, pontos de vista) de uma comunidade formam um sistema intertextual, no qual cada um deles é necessariamente ouvido. Bakhtin mostrou que as relações que os textos constroem juntamente com essas vozes são tanto ideacionais (representativamente semânticas) quanto axiológicas (orientadas a valores) (LEMKE, 1989, p. 39).

(40)

40 Macken-Horarik (2003) usa a categoria de estágio para segmentar a narrativa em sequências de eventos mais importantes relativas à “orientação”, “complicação” e “resolução” da narrativa2.

Por outro lado, segundo Macken-Horarik, a categoria de estágio não é suficiente para capturar o que Bakhtin chamou de “dialogismo interno” dos textos. Para essa tarefa, é necessária uma unidade de análise que seja intermediária entre o estágio genérico e a sentença. Nesse sentido, a noção de fase é útil. Ela se origina nas tentativas de Karen Malcolm e Michael Gregory para “caracterizar trechos do discurso nos quais há uma medida significativa de consistência e congruência no que está sendo selecionado semanticamente” (GREGORY; MALCOLM, 1981; GREGORY, 1988). Fase é uma unidade de análise mais semântica do que formal de análise tal como o parágrafo. Ela possibilita “dividir” um texto de acordo com critérios especificáveis. A autora usa-a para descrever o ambiente de mudanças de significado por meio de trechos do texto. Para os propósitos da autora, uma mudança de fase ocorre quando o texto (e daí o leitor) move (a) de um domínio de experiência para outro; (b) de fora para dentro da consciência do personagem; (c) de uma voz para outra; (d) e de um padrão de escolhas de Avaliatividade para outro.

2.7 As metarrelações

O discernimento ético, diz Macken-Horarik (2003), é o resultado de um conjunto diferente de relações semânticas − ou metarrelações − daquele que cocria empatia. No caso de julgamento do correto ou do errado de um comportamento, vemos que as avaliações externas são cruciais. Vejamos as categorias das metarrelações propostas pela autora:

(41)

41

Metarrelações Significado semântico

Confirmação Fase que cria equivalência com fase(s) anterior(es) através de escolhas de Avaliatividade similares. Oposição Fase que cria um contraste com fase(s) anterior(es)

através de escolhas de Avaliatividade opostas.

Transformação Fase que cria uma mudança nos significados de fase(s) anterior(es) através de mudança nas escolhas de Avaliatividade.

Avaliação interna

Fase que projeta visão interior e sentimento da personagem.

Avaliação externa

Fase que verbaliza a visão e sentimento de um personagem.

Quadro 12 - Avaliação interna e externa (fonte: MACKEN-HORARIK, 2003)

Avaliações externas estabelecem um centro alternativo de avaliação. As avaliações tendem a articular o mundo externo de deviam e projeta-o para o mundo interno do focalizador dos desejam, como diz Macken-Horarik (2003). Naturalmente, nem todas as avaliações externamente projetadas são globais em seu alcance; nem todas entram nas relações semânticas através do texto. Para tornar-se meta em significado, elas precisam relacionar-se e harmonizar-se com as metarrelações em algum lugar no texto.

Uma categoria como a da metarrelação é importante porque possibilita interpretar a copadronização de escolhas de Avaliatividade em certas fases e construir as relações semânticas entre uma fase e outra, continua a autora. Assim, podemos tratar não somente de formas explícitas de avaliação como a Avaliatividade inscrita, mas também de escolhas de Avaliatividade implícita por meio de longos trechos do texto. Podemos ver os modos pelos quais as combinações de escolhas conspiram, para criar atitudes específicas no leitor ideal conforme ele processa o texto. E podemos ver como certas configurações de metarrelações co-ocorrem em diferentes aspectos no posicionamento do leitor. Enquanto a empatia favorece a seleção de confirmações, oposições e avaliações internas; o discernimento ético favorece as avaliações externas, internas e as transformações.

2.7.1 A leitura relacional

(42)

42 1994; MACKEN-HORARIK, 1996). É claro que uma leitura relacional (ou sinótica, leitura do todo, um resumo) da narrativa como um todo precisa ser feita por um processo passo a passo. Uma interpretação bem-sucedida, então, depende de duas habilidades – uma de processar as palavras do texto dinamicamente e outra de construir a relação semântica de cada fase (unidade de análise intermediária entre estágio genérico e a sentença) com outra. Numa perspectiva sinótica, de retrovisão, os leitores reconhecerão que algumas fases confirmam, outras se opõem e ainda outras transformam o significado avaliativo de fases anteriores.

2.7.2 As hierarquias interpessoais

Há na narrativa, também, uma distinção entre a relação escritor-leitor estabelecida pelo texto e as relações personagem-personagem no texto. As vozes e as avaliações tecidas na narrativa são todas sujeitas ao ambiente condicionador da semiosis da narrativa que os anima.

Muitos teóricos da narrativa chamaram atenção para a hierarquia de discursos que operam nos textos escritos e para a necessidade de distingui-los na análise do texto. Assim, o ato da narração (também chamado “enunciação”) precisa ser diferenciado daquilo que é narrado (ou “enunciado”) (BELSEY, 1980; GENETTE, 1980; BAL, 1985; TOOLAN, 1988). Um recente trabalho de Cortazzi e Lixian Jin destaca a importância de se estar atento a vários níveis e contextos de avaliação textual (CORTAZZI; JIN, 2000). Obviamente, continua Macken-Horarik (2003), até mesmo narrativas que parecem ratificar as escolhas de personagens específicos relativizarão essas escolhas, simplesmente devido ao fato de serem vozeadas. O autor fala ao leitor por meio de ventriloquismo semiótico garantindo que, mesmo que muitas vozes possam ser ouvidas, poucas serão sancionadas.

(43)

43 Sobre Vidas Secas, Othon M. Garcia, em Comunicação em Prosa Moderna (2006, p. 166), cita:

Não cremos que haja outro romance brasileiro em que o discurso indireto livre seja tão frequente e tão habitualmente empregado como em Vidas Secas. Essa técnica, o Autor já havia ensaiado timidamente em S. Bernardo (1934), desenvolvendo-a em Angústia (1936), até alcançar a sua plenitude na história dramática de Fabiano e Sinhá Vitória (GARCIA, 2006, p. 166).

Além disso, a mais relevante função do discurso indireto livre é exteriorizar fragmentos do fluxo de consciência de determinado personagem (GARCIA, 2006). Os leitores também são sensíveis a síndromes ou a complexos de significado atitudinal e aos modos como confirmam, opõem-se ou transformam escolhas de palavras em outros locais do texto. Essas configurações de escolhas avaliativas relevantes criam o que Thompson (1998) denomina de ressonância – uma harmonia de significados que é um produto de uma combinação de escolhas não identificáveis com qualquer outra escolha, consideradas isoladamente. Como veremos na análise do modo de Avaliatividade, as expressões de ATITUDE evocadas (implícitas) e inscritas (explícitas) entram numa espécie de dança através do texto criando um espaço semântico mais amplo que, por si, se torna avaliativo. Outros perceberam esse fenômeno em estudos de avaliação. Assim, por exemplo, Hunston e Thompson (2000) falam sobre a complexidade de sua realização em diferentes discursos, e Lemke (1998) sobre a qualidade propagativa da avaliação. A esse respeito – embora algumas partes do texto possam ser mais ou menos interpessoalmente salientes do que outras − precisamos ver todo o texto como aberto e produto de avaliação, seja ela implícita ou explícita. Embora seja muito difícil desenvolver uma metalinguagem para o que David Butt chama de padrões latentes do significado textual (BUTT, 1988, 1991), o fato é importante se quisermos desenvolver um modelo textual adequado que leve em conta o posicionamento do leitor.

2.7.3 Os recursos de Avaliatividade e sua disposição na narrativa

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