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POTENCIALIAZANDO A INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA: UMA REFLEXÃO SOBRE AS PROPOSTAS DE INCLUSÃO DE DUAS INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS

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FERNANDA MELISSA KNOBEL

POTENCIALIAZANDO A INCLUSÃO DE CRIANÇAS

COM DEFICIÊNCIA: UMA REFLEXÃO SOBRE AS

PROPOSTAS DE INCLUSÃO DE DUAS INSTITUIÇÕES

EDUCACIONAIS

Faculdade de Psicologia

Pontifícia Universidade Católica

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FERNANDA MELISSA KNOBEL

POTENCIALIAZANDO A INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM

DEFICIÊNCIA: UMA REFLEXÃO SOBRE AS PROPOSTAS DE

INCLUSÃO DE DUAS INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS

Trabalho de conclusão de curso com o exigência parcial par a graduação no cur so de Psicologia, sob orient ação da Profª Maria Claudia T. Vieira

Pontifícia Universidade Católica

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Meu pequeno búlgaro (Diogo Mainardi)

Diagnosticaram uma paralisia cerebral em meu filho de 7 meses. Vista de fora, uma notícia do gênero pode parecer desesperadora. De dentro, é muito diferente. Foi como se me tivessem dito que meu filho era búlgaro. Ou seja, nenhum desespero, só estupor. Se eu descobrisse que meu filho era búlgaro, minha primeira atitude seria consultar um almanaque em busca de informações sobre a Bulgária: produto interno bruto, principais rios, riquezas minerais. Depois tentaria aprender seus costumes e sua língua, a fim de poder me comunicar com ele.

No caso da paralisia cerebral, fiz a mesma coisa. Passei catorze horas por dia diante do computador, fuçando o assunto na internet. Memorizei nomes. Armazenei dados. Conferi estatísticas. Pelo que entendi, a paralisia cerebral confunde os sinais que o cérebro envia aos músculos. Isso faz com que a criança tenha dificuldades para coordenar os movimentos. Meu filho tem uma leve paralisia cerebral de tipo espástico. Os músculos que deveriam alongar-se contraem-se. Algumas crianças ficam completamente paralisadas. Outras conseguem recuperar a funcionalidade. É incurável. Mas há maneiras de ajudar a criança a conquistar certa autonomia, por meio de cirurgias, remédios ou fisioterapia.

Um dia meu filho talvez reclame desta coluna, dizendo que tornei público seu problema. O fato é que a paralisia cerebral é pública. No sentido de que é impossível escondê-la. Na maioria das vezes, acarreta algum tipo de deficiência física, fazendo com que a criança seja marginalizada, estigmatizada. Eu sempre pertenci a maiorias. Pela primeira vez, faço parte de uma minoria. É uma mudança e tanto. Como membro da maioria, eu podia me vangloriar de meu suposto individualismo. Agora a brincadeira acabou. Assim que soube da paralisia cerebral de meu filho, busquei apoio da comunidade, entrando em tudo que é fórum da internet para ouvir o que outros pais em minha condição tinham a dizer sobre os efeitos colaterais do Baclofen ou sobre a eficácia de tratamentos menos ortodoxos, como a roupa de elásticos dos astronautas russos usada numa clínica polonesa.

A paralisia cerebral de meu filho também me fez compreender o peso das palavras. Eu achava que as palavras eram inofensivas, que não precisavam de explicações, de intermediações. Para mim, o politicamente correto era puro folclore americano. Já não penso assim. Paralisia cerebral é um termo que dá medo. É associado, por exemplo, ao retardamento mental. Eu não teria problemas se meu filho fosse retardado mental. Minha opinião sobre a inteligência humana é tão baixa que não vejo muita diferença entre uma pessoa e outra. Só que meu filho não é retardado. E acho que não iria gostar de ser tratado como tal.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço imensamente a meus pais e minhas irmãs por sempre me oferecerem o apoio, o amor e a continência necessária para ultrapassar as dificuldades que se apresentam a cada fase vivida, e à minha mãe mais especificamente, por me conceder a utilização de seu computador, mesmo quando ela precisava trabalhar. Amo-os imensamente.

Às minhas queridas amigas Carla J, Beatriz P, Débora G, Juliana M, Tatiana S, Andréia T, Tânia G, Julia S, Valéria L, Mirmila M, Andréa M, Letícia F, Olivia S, Marya N, Ana F e meus amigos Lauro e André C, pela paciência, escuta, interesse e disponibilidade para me ajudar a refletir sobre questões inerentes a este trabalho.

À Rita Cohen, Psicóloga responsável do Gan Adar, sem a qual meu estágio nessa instituição não se faria possível.

À incansável Maria Claudia Vieira, orientadora desta pesquisa que por algumas vezes leu, releu e questionou-a com grande propriedade, se mostrando presente e disponível durante todo o desenvolvimento da mesma.

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Fernanda Melissa Knobel: Potencializando a Inclusão de crianças com deficiência: Uma reflexão sobre as propostas de inclusão de duas instituições educacionais, 2008.

Orientadora: Profª Maria Claudia T. Vieira

RESUMO

Este trabalho se propõe a desenvolver uma reflexão a cerca do que realmente consistiriam as experiências inclusivas de crianças com deficiência dentro de instituições educacionais, tendo-se como base a descrição do desenvolvimento de projetos de inclusão de duas instituições educacionais: o Gan Adar, que trabalha com educação formal e atende criança diagnosticadas dentro do Espectro Autista de desenvolvimento, e o projeto EstimulAÇÃO, um projeto de educação não formal, que atende crianças com realidades socioculturais bastante distintas, propondo-se a formar um grupo que agregue pelas diferenças de seus participantes.

Para isso, primeiro se fez necessário desenvolver uma pesquisa teórica com o objetivo de compreender a amplitude do conceito de inclusão (voltada para a especificidade da inclusão de crianças com deficiências), através de outras temáticas inerentes à mesma, como a exclusão, enquanto um problema social; a particularidade da exclusão da qual muitas pessoas com deficiências são submetidas, procurando entender como e porque os estigmas relacionados a exclusão dos mesmos se dão; imergindo no próprio conceito de inclusão e levantando teorias que autores psicanalistas produziram em relação à mesma.

A relação entre a base teórica levantada e as experiências práticas dos projetos de inclusão descritas, cuminaram no levantamento de reflexões e questões que, por sua vez, acabaram por dividir alguns aspectos das experiências inclusivas entre: àqueles que facilitariam a inclusão, e por outro lado, aqueles a serem discutidos na prática das instituições, visando potencializar o processo de inclusão das crianças atendidas nas mesmas.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...01

• Método...05

• Caracterização das instituições...08

CAPÍTULO I – SOBRE A INCLUSÃO...12

a. Discorrendo sobre a exclusão...12

b. A especificidade da exclusão da pessoa com deficiência...15

c. Compreendendo o conceito de inclusão...18

CAPÍTULO II - O QUE A PSICANÁLISE TEM A DIZER SOBRE A DEFICIÊNCIA?....22

CAPÍTULO III – DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ...29

CONCLUSÃO...47

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INTRODUÇÃO:

A inclusão social de crianças com necessidades especiais tem sido colocada cada vez mais em pauta dentro das academias, principalmente dentro das áreas humanas, como a Psicologia, Pedagogia, Direito e Ciências Sociais, por exemplo, através do desenvolvimento de pesquisas, e também tem sido tratada pelos governos (Municipal, Estadual e, principalmente o Federal) através do desenvolvimento de políticas públicas que visam a implementação de projetos de educação inclusiva no Brasil.

Um exemplo que mostra essa movimentação das áreas governamentais em relação a este tema, aparece em um artigo escrito por Lisandra Paraguassu, publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, em 19 de setembro de 2008. De acordo com tal artigo o Funeb (Fundo de Desenvolvimento de Educação Básica) irá repassar, a partir de 2010, o dobro do valor atualmente repassado, àquelas prefeituras que oferecerem o que a autora colocou como “educação em escolas regulares com atividades extraclasse para seus estudantes portadores de deficiências”.

Essa medida foi adotada pelo MEC (Ministério da Educação) para tentar aumentar a chamada “educação inclusiva”, já que, de acordo com os dados levantados por este ministério, das 654 mil crianças e adolescentes com necessidades especiais que estudam em escolas regulares, 306 mil são atendidas em escolas que não dispõe de adaptações físicas, profissionais treinados e/ou materiais adequados. Ou seja, cerca de 47% das crianças com necessidades especiais que freqüentam escolas regulares não estão passando pelo processo de inclusão e portanto estão, muito provavelmente, se desenvolvendo muito aquém de suas potencialidades e capacidades. Além disso, cerca de 250 mil crianças portadoras de necessidades especiais não são atendidas nem por instituições de educação regular e nem de educação especial, estando à margem dos processos de inclusão.

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A implementação de qualquer projeto se dá de forma lenta, já que depende, além de outros fatores, do engajamento das pessoas diretamente envolvidas e afetadas pelo mesmo. Para que ele se dê muitas vezes é necessário que haja uma transformação de “mentalidade” dessas pessoas em relação ao fenômeno que se visa modificar, o que somente ocorre quando há a compreensão da importância e relevância de tal mudança.

A implementação de um projeto também se torna mais difícil quando existem poucos recursos materiais, como ocorre com os projetos de inclusão no nosso país. Não existe interesse por parte dos setores privados de investir em projetos desse tipo e o setor público, apesar de ter criado uma legislação referente à inclusão, ainda disponibiliza poucos recursos nesta área. Vimos a pouco no artigo do Jornal O estado de São Paulo que o governo irá investir maiores recursos financeiros para viabilizar a maior efetividade e crescimento dos projetos de inclusão, mas que isso começará a ocorrer a partir de 2010. Ou seja, em 2010 se dará início a um longo processo que visa a maior efetividade na implementação dos projetos de inclusão. A questão que se coloca é: Podemos esperar este tempo?

É nesse processo, de aceitação e adaptação, que o Brasil se encontra, em relação à prática da inclusão de crianças com necessidades especiais nas escolas regulares. Uma prática que as escolas se viram “obrigadas” a realizar, já que grande parte delas começou a se mobilizar com e depois que foram estabelecidas regulamentações legais em relação à inclusão.

Por reconhecer que este processo de transformação e adaptação em relação à inclusão é lento e difícil, ainda mais tendo em vista as dificuldades e “precariedade” do ensino público em nosso país, é que se faz necessário realizar pesquisas e através delas disseminar a importância dessa questão, partindo-se do pressuposto que a publicação é um meio de disseminação de idéias que pode ajudar às pessoas a compreenderem e se apropriarem de determinada questão. Além disso, as publicações relacionadas a tal temática acabam por disponibilizar material que pode ajudar aos profissionais envolvidos no processo de inclusão, através de conhecimentos já construídos e de reflexões já realizadas, a atuar e a orientar outros profissionais de formas diversificadas e mais apropriadas, visando a maior efetividade das intervenções inclusivas.

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crianças atendidas em instituições educacionais (sendo elas portadoras de necessidades especiais ou não) e também dos próprios profissionais, que podem ser melhores acompanhados em suas questões e dificuldades relacionadas à inclusão, que esta pesquisa foi desenvolvida, visando particularmente realizar uma reflexão a cerca do que realmente seriam as experiências inclusivas.

Para tentar compreender melhor a especificidade do estigma e da exclusão a qual os portadores de deficiências são submetidos , fez-se necessário o aprofundamento em algumas bibliografias que abordam tais temáticas.

Telford e Sawrey (1988) no livro “O Indivíduo Excepcional”, uma bibliografia clássica em relação à temática da “excepcionalidade” e outros pontos inerentes à mesma, junto com o sociólogo e antropólogo Goffman, tentam explicitar alguns aspectos presentes nas relações entre pessoas que têm algum tipo de deficiência e pessoas que não as têm, aspectos estes que muitas vezes acabam fazendo com que os envolvidos, de ambos os lados, se sintam pouco confortáveis em tais interações e por conta disso muitas vezes acabem por evitá-las.

Pensando na Inclusão educacional propriamente dita, alguns autores como Leite e Oliveira (2000), Pacheco (2000) e Martins (2007) além de explicarem e aprofundarem o conceito de inclusão, apontam o processo pelo qual este foi sendo colocado em evidência no Brasil e no mundo, já que esta temática tem sido pensada e trabalhada de forma conjunta com outros países; além de apontar as transformações internas que as escolas devem passar para receber “suas” crianças, transformações essas também ligadas à própria concepção e expectativas que cada escola tem de seus alunos, ao adotar um “projeto de inclusão” efetivo.

Martins (2007) buscou investigar como se dão as interações sociais, de aceitação e/ou rejeição entre um aluno portador de deficiência mental, incluído em uma escola regular, e os demais colegas de classe, e se é possível encontrar diferenças em relação à aceitação e à rejeição, em tais interações, em escolas que possuem um projeto de inclusão e escolas que não apresentam projetos deste tipo.

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“adotada” pode, consequentemente, afetar por sua vez o desenvolvimento e a autonomia desse integrante.

Essa não aquisição da autonomia estaria ligada à temática da inclusão na medida em que poderá influenciar o modo como o indivíduo portador de necessidades especiais e sua família se colocarão em relação à mesma, enxergando-a como um direito, acreditando nas potencialidades do ente em questão em relação à possibilidade de ser incluído, ou se posicionando de formas contrárias em relação as suas capacidades e à possibilidade de se incluir.

Faria (2003), pedagoga, psicóloga psicanalista e doutora em Psicologia clínica, apresenta um projeto de inclusão realizado com pessoas portadoras de deficiência mental, relacionado ao atendimento psicanalítico. Para defender que esta população pode e deve ter o direito de se beneficiar de um atendimento clínico psicanalítico, ela alega que é clinicamente observável que as pessoas afetadas pela deficiência mental têm um aparato psíquico igual, em sua constituição, àquele proposto por Freud e Klein. Assim sendo, mesmo que apresentem um aparato intelectivo precário, ainda existe uma estrutura psicoemocional a ser cuidada e olhada.

Faria (2003) fala também sobre a ferida narcísica, a resistência dos profissionais em trabalharem com tal população, e os “cuidados” que o profissional clínico deve estabelecer e atentar quando atende algum portador de necessidades especiais, já que se isto não for realizado, a inclusão nos atendimentos clínicos do indivíduo atendido poderá ser negativamente influenciada ou colocada em risco.

O desenvolvimento de pesquisas, e conceitos de cunho psicanalítico, relacionado à temática da inclusão, também podem ser encontrados na revista Estilos da Clínica, que é uma publicação da instituição “Lugar de Vida”, referência na área de atendimentos e intervenções junto à população de pessoas com necessidades especiais, sob o viés da psicanálise. Nestas mesmas publicações podem ser encontrados alguns relatos relacionados a experiências de inclusão vividas em diferentes instituições. Em geral estes últimos trazem os elementos “dificultantes” e as conquistas, relacionadas à inclusão, junto a questões e reflexões que surgem em meio a tais vivências.

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mesmo fim, o da inclusão, este trabalho se propõe a apresentar experiências reais de inclusão e analisar as práticas que as compõem, considerando a efetividade e as dificuldades inerentes às mesmas e buscando “classificar”, de alguma forma, quais das experiências e práticas realizadas realmente contribuiriam para o processo de inclusão.

Método

Esta pesquisa traz o relato de duas experiências de estágio, em Instituições que trabalham com inclusão, sendo uma delas de educação formal e a outra de educação não formal, e posteriormente propõem-se a analisar os pontos “inclusivos”, ou seja, que contribuem para a inclusão, e por outro lado, também os pontos que poderiam ser discutíveis nas práticas destas instituições visando a maior efetividade em suas intervenções.

Tendo isso colocado, o desenvolvimento deste trabalho parte do contato com teorias relacionadas à inclusão, nos deixando a par de alguns aspectos intrínsecos à mesma e que nos fornecem elementos para melhor compreendê-la. Dessa forma, temáticas como: exclusão social; exclusão do portador de necessidades especiais; o conceito de inclusão propriamente dito; o desenvolvimento de crianças portadoras de necessidades especiais, principalmente sob uma ótica psicanalítica; teorias psicanalíticas relacionadas à prática de inclusão, serão apresentadas e utilizadas. Com isso, além de ampliar e aprofundar o conceito de inclusão, a discussão em torno destas temáticas também tem o objetivo de acrescentar elementos que possam ser utilizados na análise das propostas de inclusão a serem descritas, buscando melhor compreender o que realmente seriam as experiências inclusivas, e propondo-se posteriormente a disseminá-las, como um auxílio aos educadores e aos profissionais envolvidos em práticas de inclusão.

CAPÍTULO I – SOBRE A INCLUSÃO

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O aprofundamento em relação ao conceito de exclusão, enquanto um problema social, se fez necessário por este ser complementar à inclusão. A partir deste pressuposto, é preciso compreendê-lo para poder compreender também o conceito de Inclusão. Assim, a bibliografia utilizada e relacionado a este tema propõe-se a verificar as situações e as formas como a exclusão se dá, do que os indivíduos que se encontram excluídos estão privados, os “responsáveis” por ela se dar e os tipos de medidas / políticas que visam contorná-la.

A segunda temática abordada no capítulo I procura realizar uma discussão e reflexão sobre o porquê existe a dificuldade de incluir, e porque tendemos realizar o movimento inverso, que seria o da exclusão da população que porta algum tipo de necessidade especial, a partir de conceitos e teorias de autores como Telford, Sawrey e Goffman que falam principalmente sobre a estigmatização e discriminação, buscando compreender os motivos pelos qual o ser humano estigmatiza.

Em relação ao terceiro item do tripé, partindo-se do pressuposto de que o conceito de inclusão é passível de ser interpretado de diferentes formas, e que o uso indiscriminado do mesmo pode interferir no desenvolvimento de projetos que trabalhem a inclusão, fez-se necessário especificar as particularidades e especificidades deste conceito, visando uma maior apropriação do mesmo, além de expor outros aspectos que envolvem tal temática.

CAPÍTULO II - O QUE A PSICANÁLISE TEM A DIZER SOBRE A DEFICIÊNCIA? Tal capítulo busca explicitar que conhecimentos, hipóteses e teorias em relação à temática da “deficiência” já foram produzidos pela bibliografia de base psicanalítica, já que é nessa linha teórica que tenho encontrado explicações que julgo serem plausíveis, e que com grande profundidade buscam compreender os conflitos de cada sujeito ao teorizar sobre o funcionamento do psiquismo do ser humano de uma forma, que em minha opinião, se mostra bastante coerente.

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às práticas de intervenção (e também suas dificuldades) baseadas na teoria psicanalítica, que é o que procuro apresentar neste capítulo.

CAPÍTULO III - DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Nesta parte encontra-se a descrição das atividades de inclusão desenvolvidas e as reflexões suscitadas pelas experiências de estágio, evidenciando-se os pontos que foram considerados como favoráveis e também os considerados mais conflitantes ao desenvolvimento das vivências de inclusão. Para chegar a esta análise se fez necessário, anteriormente, apresentar a proposta de trabalho, o funcionamento e as principais características que constituem as duas instituições participantes desta pesquisa, a serem apresentados ainda na introdução.

CONCLUSÃO

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Caracterização das instituições:

Jardim da infância Gan Adar (instituição de educação formal)

A primeira experiência de estágio a ser descrita teve a duração de quatro meses, sendo que durante os dois primeiros meses passava cerca de 20 horas semanais nesta instituição e nos outros dois meses meu estágio passou a durar cerca de 12 horas semanais, já que comecei a estagiar duas vezes por semana em outra instituição educacional.

Tal experiência de estágio se passou em um jardim da infância chamado Gan Adar (mas que vou chamar aqui de J1). Este Jardim atendia sete crianças de três a seis anos de idade, sendo que duas delas tinham 3 anos, três tinham 4 anos, uma tinha 5 e por fim, havia mais uma criança que tinha 6 anos. Além disso, todas elas eram do sexo masculino e haviam sido diagnosticadas dentro do espectro autista de desenvolvimento. É importante ressaltar que o J1 existia a menos de um ano.

Ao lado dessa instituição existe um outro Jardim da infância chamado Gan Nurit (o qual vou chamar de J2), que desenvolve suas atividades do currículo pedagógico com crianças de desenvolvimento “típico". As crianças do J2 tinham em média cinco anos de idade.

Durante as atividades semanais que eram propostas, existia uma série de atividades, classificadas como "atividades de inclusão", em que as crianças dessas duas instituições se encontravam para realizarem-nas. Tais atividades demoravam cerca de 45 minutos, ocorriam tanto no espaço do J1 como no do J2, e a descrição das mesmas poderá ser encontrada no item “Discussão dos Resultados” desta mesma pesquisa.

Além dos encontros de inclusão, existiam diariamente atendimentos individuais, que eram dirigidos por profissionais de áreas da saúde, como a Psicologia (em diferentes abordagens), Terapia Ocupacional e Fonoaudiologia, e atividades conjuntas, apenas com a participação das crianças do J1, podendo também ser dirigidas por profissionais das mesmas áreas acima citadas.

Cada criança do J1 tinha um cronograma diário muito particular de modo que, enquanto uma criança participava de, por exemplo, uma sessão individual de Terapia Ocupacional, outras duas participavam, em conjunto, de uma sessão de musico terapia, outra de uma sessão de fonoaudiologia, e assim por diante.

A equipe do Jardim da Infância Gan Adar era composta por 12 profissionais e uma estagiária (eu). Dessa forma, faziam parte da equipe:

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tal serviço. Ela ia à instituição cerca de duas vezes por semana e sua função maior era acompanhar o trabalho da educadora chefe e dos demais profissionais, sendo ao mesmo tempo responsável por reportar para o Jardim de Infância o que acontecia no serviço de psicologia da prefeitura e vice-versa. Quando necessário ela que aplicava testes psicológicos para as crianças, e também se oferecia para me supervisionar.

- Uma educadora “chefe”. Era a educadora principal e a figura de maior referência das crianças. Havia se formado em educação especial e era a pessoa para a qual todos os outros profissionais que trabalhavam na instituição se reportavam, sendo também, quando necessário, a responsável por dar a “palavra final” na tomada de decisões. Além disso, programava e dava atividades e atendia cada criança individualmente aplicando o método TEACCH*, do qual também havia feito formação.

- Uma educadora (a “segunda” educadora), também formada na área de educação especial. Esta educadora tinha menos responsabilidades do que a educadora chefe, mas, na ausência desta última ela era a principal responsável pelos alunos e por qualquer tomada de decisão que se fizesse necessária. Além disso, programava e dava várias atividades.

As duas educadoras se revezavam, de forma que uma das duas sempre estava presente na instituição. Como as atividades começavam às 8h e iam até às 16h, a educadora chefe geralmente ficava na instituição no período da manhã e a outra educadora no período da tarde.

- Uma educadora “da Inclusão” cuja função era acompanhar as crianças consideradas “mais adaptadas”, ou seja, com maiores possibilidades de se integrarem com as outras crianças e de se envolverem com as atividades curriculares que ocorriam no J2, intervindo de modo a facilitar a adaptação e integração desta criança neste novo espaço (do J2). Dentre as sete crianças atendidas pela instituição, três participavam dessa intervenção. Cada uma delas ia uma vez por semana acompanhar as atividades do J2 e ficavam lá por cerca de três horas.

- Uma Psicóloga de abordagem psicodinâmica que trabalhava com musicoterapia .

- Uma Psicóloga também de abordagem psicodinâmica que trabalhava com uma linha “corporal”.

- Uma psicóloga de abordagem behaviorista que baseava suas intervenções no método TEACCH.

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- Uma Terapeuta Ocupacional. - Uma fonoaudióloga.

- Existiam três profissionais que atuavam na área de “apoio”. Estas tinham funções diversificadas, como: manter a higiene da instituição, preparar todas as refeições, preparar os materiais a serem utilizados nas atividades, auxiliar as educadoras durante atividades e terapias, realizar sessões de aplicação do método TEACCH (do qual passavam por uma formação) e proporcionar atividades lúdicas para um ou até dois alunos. Uma dessas profissionais era uma jovem que ao invés de prestar serviços ao exército de Israel, como fazem a maioria dos jovens israelenses, pôde optar por prestar serviço voluntário na área de educação especial.

- Uma estagiaria de psicologia (eu). Inicialmente não tinha um papel específico, mas sim a liberdade de explorar, conhecer a instituição e observar o trabalho que lá era realizado, podendo inclusive assistir algumas sessões terapêuticas de algumas áreas como Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional e sessões com a aplicação do método TEACCH, para ao mesmo tempo reconhecer as demandas de trabalho que eu poderia ali realizar. Para isso, ao mesmo tempo em que “conhecia” a instituição, os profissionais e suas intervenções, buscava me aproximar das crianças e estabelecer um vínculo com as mesmas.

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Projeto estimulAÇÃO da Associação Morungaba (instituição de educação não formal) O Núcleo Morungaba, se divide em duas frentes. Uma delas é uma escola de dança e artes e a outra a Associação Morungaba, que é uma organização não governamental (ONG), sem fins lucrativos, responsável por vários projetos que ocorrem na cidade de São Paulo, dentre eles o Projeto EstimulAÇÃO do qual fui estagiária pelo núcleo de Psicologia da Educação no quarto ano da faculdade de Psicologia da PUC-SP.

Este projeto, através de atividades lúdicas e corporais como a dança, a pintura, colagem, contação de histórias, além da exploração e a ocupação de espaços públicos, visa propiciar meios de expressão, de convivência e de respeito com as diferenças, de auto conhecimento, fortalecimento da identidade, resgate da cidadania e de inclusão social.

O Projeto EstimulAÇÃO ocorre em vários espaços públicos da cidade, não se paga nenhuma taxa para participar do mesmo (já que a Associação conta com o apoio de patrocinadores) e o único pré-requisito para fazer parte dele é ser uma criança ou um adolescente. O local onde realizei essa experiência de estágio foi no CECCO (Centro de Convivência e Cooperativa) Ibirapuera, e as atividades ocorriam semanalmente (todas as terças-feiras), das 09h30min às 11h00.

Em relação à especificidade do grupo trabalhado, ele era caracterizado pela amplitude das diferenças nas idades dos participantes, que variavam de 6 a 14 anos, pela participação de crianças que se encontravam em situação de vulnerabilidade social e também crianças portadoras de necessidades especiais. Dessa forma, treze das crianças participantes moravam em abrigos da região (oito crianças no abrigo Santa Fé e cinco no Abrigo Aclimação) e cinco delas eram da comunidade em geral, sendo que dessas cindo, três eram portadoras de necessidades especiais.

A equipe de profissionais era formada pela Coordenadora do projeto EstimulAÇÃO (idealizadora do projeto), que participava das atividades quinzenalmente, uma psicóloga do CECCO, duas estagiárias de Psicologia da PUCSP, uma estagiária de Terapia Ocupacional da USP e dois voluntários que eram também usuários de alguns serviços oferecidos pelo CECCO Ibirapuera.

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CAPÍTULO I – SOBRE A INCLUSÃO

a. Discorrendo sobre a Exclusão

“Os excluídos não são simplesmente rejeitados física, geográfica ou materialmente, não apenas do mercado e de suas trocas, mas de todas as riquezas espirituais, seus valores não são reconhecidos, ou seja, há também uma exclusão cultural”. (Wanderley, 2002:17,18).

Sawaia (2002), socióloga e doutora em Psicologia Social, pensa na exclusão como uma temática bastante atual. A autora coloca que o conceito de exclusão acaba sendo utilizado em diversas áreas do conhecimento de uma forma pouco precisa e pouco cuidadosa, do ponto de vista ideológico. Isso faz com que este conceito seja relacionado a praticamente qualquer fenômeno social, provocando consensos sem que se saiba ao certo o significado que está em jogo.

Quando usamos o conceito exclusão em várias situações, sendo estas muito diferentes entre si, acabamos por encobrir a especificidade de cada situação. Além disso, um outro risco de se usar tal conceito indiscriminadamente seria o de pensar na exclusão como designando uma falta em si, sem relacioná-la ao que ela consiste e também de onde ela provém, já que os estados de exclusão não têm sentido em si mesmos sem incluir e refletir sobre os processos que o constituíram (Castel, 2000).

A exclusão pode ser abordada a partir de diferentes enfoques e dimensões, como a objetiva, relacionada à desigualdade social, à dimensão ética, relacionada à injustiça, e também à dimensão subjetiva, relacionada ao sofrimento pelo qual passa a pessoa que se sente excluída. Sawaia (2002).

As reflexões dos autores, utilizadas neste capítulo, falam principalmente da exclusão social, de forma que a maioria das teorias encontradas enfocam nas relações de trabalho e na divisão de classes sociais. Tais “tipos” de exclusão possuem elementos em comum àquela que o portador de necessidades especiais é submetido, na medida em que em ambas há a negação de direitos e também da participação social, impedindo que as pessoas que a ela são submetidas, possam afetar e “pertencer”, de fato, à sociedade.

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sujeito excluído em qualquer estrutura que tenha um sentido, sendo este último determinado pelo sistema de valores de nossa sociedade.

Pensando nas situações de integração e não integração ao mundo, causadas pelas insuficiências relativas às relações de trabalho e/ou às relações sociais, Castel (2000) fala da exclusão não como um estado absoluto e classificatório, de forma que tanto as relações de trabalho como as redes sociais podem ser mais ou menos asseguradas e sólidas. A partir desse pressuposto os “excluídos” ocupam posições em uma zona periférica, caracterizada pelo isolamento social e pela perda de trabalho.

Este autor defende que se deve levar em conta a responsabilidade que as dinâmicas globais exercem sobre o desequilíbrio que gera a exclusão, já que os “in” e os “out” fazem parte do mesmo universo, e que atualmente, a lógica do continuum de posições que cada um destes assume, faz com que o in produza os out.

Para haver a exclusão é necessário que haja uma organização interpessoal ou intergrupal de ordem material ou simbólica. Essa organização irá se traduzir através de um afastamento, de uma distância topológica, no caso de uma segregação; através da manutenção do indivíduo à parte de um grupo, em uma situação de marginalização; e através do fechamento do acesso a certos bens e recursos, certos papéis ou status, numa situação de discriminação. Assim, a estrutura dessa organização social inaugurará um tipo específico de relação social. Dessa forma Jodelet (2002), explicita a responsabilidade e a atuação dos grupos sociais no processo de exclusão.

Olhando o fenômeno dos “in” e dos “out” sob uma perspectiva menos responsabilizadora, Voltolini (2004) coloca o fenômeno de agregação dos homens, se dando de forma natural e espontânea, a partir da existência de elementos comuns que acabam por unir, por uma identificação, os membros de um grupo, ao mesmo tempo em que acabam por “deixar de fora” aqueles indivíduos que não compartilham de tal traço de identificação. De acordo com este autor não existe um grupo que inclua a todos, na medida em que um grupo se constitui a partir de sua diferença em relação aos que estão fora do mesmo.

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“rituais” para se excluir. Sendo assim podemos dizer que a exclusão não se dá de forma arbitrária, como Jodelet já havia colocado.

Se relacionarmos esses agrupamentos com a situação atual das sociedades “ditas” democráticas, podemos dizer que o primeiro tipo de exclusão já não mais ocorre, ou não ocorre de forma explícita. A existência do segundo agrupamento ainda pode ser verificada, mas em alguns âmbitos estes ocorrem cada vez menos, graças às políticas de inclusão social, que ocorrem, por exemplo, com crianças portadoras de deficiências (que anteriormente circundavam apenas os meios dos serviços que as atendiam, vivendo, de certa maneira, isolados da sociedade) e de movimentos que lutam pela inclusão social e contra a segregação como, por exemplo, os movimentos das lutas antimanicomiais.

Porém as pessoas portadoras de necessidades especiais ainda se encontram sujeitas ao terceiro tipo de exclusão descrita por Castel, quando se encontram privadas de seus direitos e participações sociais. É para mudar essa realidade que muitos trabalhos de inclusão vêm sendo desenvolvidos e implementados.

Ainda em relação ao terceiro tipo de exclusão, Castel (2000) coloca que existe uma dificuldade para fazer com que as pessoas “excluídas” por este “tipo” de exclusão reivindiquem seus direitos, que relaciona-se com a ambigüidade das políticas de discriminação positiva, que seriam tentativas de compensar as desvantagens que atingem algumas categorias sociais, buscando aproximá-los do regime comum. Neste caso a pessoa passa a se contentar com algum ganho secundário que lhe traz uma vantagem (na maioria das vezes momentânea) sem garantir seus direitos. Além dessa política de discriminação positiva “distanciar” determinada população de seus direitos, ela corre o risco de se tornar uma discriminação negativa na medida em que a população “atendida” acaba se instalando em sistemas de categorização que lhe atribuem um status de cidadãos de segunda classe.

Em relação a história das medidas de inserção social, Schwartz, apud Castel (2000, p.25), nos explica que quando tais medidas foram pensadas, elas tinham um caráter provisório, com a intenção de preparar dias melhores, e aos poucos elas passaram a ser medidas permanentes, de modo que não se realizem ou pouco se realizem intervenções preventivas.

Ainda em relação a esta questão, Collectif (1991) acrescenta que:

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neles implica numa renuncia de intervir sobre o processo que produz estas situações.” (pp27).

Acredito que diante de leis, que visam garantir a inclusão social (como, por exemplo, a lei de inclusão de crianças portadoras de necessidades especiais nas escolas regulares) podemos ter a esperança de que tais medidas de inclusão social estão sendo transformadas em políticas de Inclusão Social, que não têm um caráter provisório. Resta agora que tais políticas se dêem de forma efetiva.

b. A especificidade da exclusão da pessoa com deficiência.

De acordo com Goffman (1980), em situações sociais que colocam pessoas estigmatizadas e pessoas que estigmatizam umas frente às outras, ambos os lados tem de enfrentar os efeitos destes encontros.

Goffman (1980) coloca que situações de interação entre indivíduos estigmatizados e indivíduos que estigmatizam trazem sentimento de angústia para ambas as partes, já que aquele que estigmatiza muitas vezes não sabe como agir, pensando que se demonstrar grande interesse e sensibilidade existe o risco de se exceder e caso “se esqueça” que o indivíduo tem alguma “limitação” também estará falhando com ele ao fazer exigências que ele não pode cumprir. Admitindo que o sentimento de angústia frequentemente esteja presente nessas relações, devemos ainda colocar os casos em que a maneira “escolhida” para se relacionar com pessoas portadoras de deficiência, seja a negação da existência do indivíduo, agindo como se o mesmo não estivesse dividindo o mesmo ambiente que as pessoa que não têm necessidades especiais.

Este mesmo autor ainda fala sobre a existência de uma sensação desconfortável vinda por parte daqueles que estigmatizam, que também se mostra na interação com uma pessoa com necessidade especial, ao imaginar que esta última percebe o seu mal-estar gerado pelo fato de se relacionar com ela.

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sobrevivência depende da aptidão para a caça, as deficiências físicas seriam consideradas graves, ao passo que as incapacidades ou dificuldades para aprender a ler, escrever, calcular e lidar com conceitos mais abstratos seriam consideradas menos significativas.

Telford e Sawrey (1988) colocam como o primeiro parágrafo do seu livro “O indivíduo excepcional” o seguinte trecho:

“Ser excepcional é ser raro ou incomum. O incomum, o bizarro e o inesperado sempre atraíram a nossa atenção e frequentemente despertam medo e espanto. A alteração da ordem costumeira das coisas desperta a curiosidade das pessoas. A ciência originou-se em grande parte, de suas tentativas de explicar o inesperado. O lugar em comum, em contra partida, não oferece problema aos não iniciados: é necessária uma certa sofisticação para ver problemas no óbvio.” (p 15)

As ocorrências cotidianas e regulares causam, relativamente, poucos problemas à sociedade já que é possível prever estes eventos mais recorrentes e corriqueiros e com isso evitá-los, suportá-los e de certa forma controlá-los. Em contrapartida, tudo aquilo que são acontecimentos incomuns e imprevisíveis, ou comportamentos colocados, pelos autores, como irracionais, que seriam mais frequentemente verificados em pessoas que tem psicóse ou algum tipo de retardo mental, por exemplo, atraem a atenção e tornam-se tema de interesse pessoal e público na medida em que ameaçam a segurança pessoal e o status social das pessoas afetadas.

Existe a expectativa de que a maioria das pessoas sejam “normais” e quando elas não são cumpridas, desenvolve-se então categorias para ajustar os desvios da normalidade. Com estas categorias em mãos, desenvolvem-se também expectativas em relação ao “anormal”, buscando uma espécie de “auto-proteção”, que seria certo grau de previsibilidade nas interações sociais com tais pessoas. (Kiesler, apud Telford e Sawrey, 1988, p.17).

Alguns argumentos contra e/ou a favor da utilização de categorias de classificação da deficiência ou do portador de deficiência foram utilizados tanto por Telford e Sawrey, como por Goffman.

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perigo que ele nos representa. O autor coloca ainda que quando utilizamos tais metáforas, nem sequer pensamos no seu significado original.

Telford e Sawrey (1988) consideram que essas classificações, discriminações, rotulações podem se fazer necessárias na medida em que “oferecem” maior possibilidade de significação social. Outra conseqüência apontada como sendo útil e possível a partir das rotulações seria a maior possibilidade de se oferecer um tratamento mais eficaz e com maior rapidez, a partir de uma categorização oficial na área da saúde. Em contrapartida estes autores atentam que tal categorização oficial acaba por atribuir conjuntamente um rótulo de incapacidade, diminuindo suas oportunidades e desvalorizando o indivíduo portador de necessidades especiais. Com isso a deficiência acaba tomando uma dimensão maior que os outros aspectos “saudáveis”, produtivos e criativos do sujeito que tem necessidades especiais.

Em relação a esta última conseqüência apontada, Paez (2001) relata que é bastante comum que em trabalhos de inclusão, as pessoas portadoras de deficiência “têm” que demonstrar mais do que seus colegas que não tem necessidades especiais, que suas habilidades e capacidades lhe dão o direito de pertencer àquele lugar para que o trabalho de inclusão “se concretize”, já que existe essa “tendência” de olhar para estas pessoas, focando em suas dificuldades e aumentando-as.

Ainda em relação a esta última conseqüência apontada por Telford e Sawrey, que ocorrem em conseqüência das categorizações, Goffman (1980) pensa que os valores sociais, dentro dos quais se incluem também este rótulo de incapacidade, que diminui as oportunidades e desvalorizam o indivíduo com deficiência, podem ser incorporados até mesmo pelos próprios indivíduos que são socialmente estigmatizados. Esta incorporação o torna suscetível ao que a sociedade enxerga como um defeito, e poderia prejudicar a inclusão desses indivíduos, na medida em que, ao se desvalorizarem, eles correm o risco de passar a ver o direito à inclusão, talvez não mais como sendo realmente um direito que possuem.

Existe também outro aspecto, descrito também por Telford e Sawrey (1988) que deve ser levado em conta, vindo da população que falamos neste trabalho. Penso que talvez este seria um tipo de uma “auto-exclusão”.

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de acordo com este raciocínio seria mais cômodo ao sujeito que tem alguma necessidade especial procurar se integrar a agrupamentos com tais características já que a compreensão, a aceitação, a amizade, a percepção de outras potencialidades, o amor, o respeito e o status, tenderiam a estar presentes mais facilmente.

É possível que este último aspecto descrito tenha alguma relação com o que Goldberg, apud Telford e Sawrey (1988, p.104), coloca sobre a visibilidade da deficiência. De acordo com ele, a aceitação social por parte daqueles que não têm necessidades físico-motoras, cognitivas e mentais, particularmente a aceitação inicial, está relacionada à visibilidade da “diferença”.

Voltando às diferentes formas como um indivíduo, portador de necessidades especiais, pode lidar com a mesma, o sujeito portador de necessidades especiais pode buscar ganhos secundários a partir de sua deficiência, como uma desculpa que explicaria seus “fracassos” que na realidade teriam outras razões que não a deficiência em si. Outra maneira de lidar com sua dificuldade seria tentar corrigi-la de maneira indireta, tentando ultrapassar os limites que geralmente os que estigmatizam colocariam como “impossíveis”, por motivos físicos e circunstanciais, às pessoas que tem deficiências físicas, por exemplo. Goffman (1980).

Acredito que seja possível que as diferentes formas da pessoa portadora de necessidades especiais lidar e aceitar tais necessidades, acabem por influenciar o seu processo de inclusão, de forma que a maneira como ela se posiciona frente aos grupos sociais e frente a sua condição, poderá indicar se ela assume e reivindica, ou não, seus direitos de usufruir dos meios e serviços socialmente disponíveis, participando assim ativamente do meio social e das transformações decorrentes desta participação, “diferentemente” e também “igualmente” a qualquer outra pessoa, que seja ou não portadora de alguma deficiência.

c. Compreendendo o conceito de inclusão

“Há algum tempo vivi um episódio. Estava no meu clube nadando quando encontrei o primo de um amigo, que tem algum tipo de “diferença” que eu não sei especificar.

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Quando estava me posicionando para voltar para a atividade (natação) que eu fazia até então, ele demonstrou que queria conversar mais. Pouco tempo depois, algumas questões mais pessoais começaram a aparecer. Ele me contou sobre a sua dificuldade de “fazer” e manter amigos, dizendo que se aproximava das pessoas, começava a fazer perguntas para iniciar uma conversa, mas depois de pouco tempo as pessoas se afastavam. Colocou também que é difícil refazer vínculos com amigos mais antigos e atribuiu parte da causa dessa dificuldade à sua mãe, contando que quando ele era adolescente ela quis morar em outro país e por tal motivo ele acabou se afastando e consequentemente “perdendo” os amigos com quem tinha estudado.

Enquanto escutava ele falar, pensava também no curto espaço de tempo, cronológico, que eu tinha para nadar, já que em pouco tempo teria outro compromisso, e por tal motivo (ou talvez não apenas por tal motivo), fui dando sinais de que eu queria nadar e fui “cortando” a conversa. Quando fui embora da piscina, não fui capaz nem de me despedir dele e depois deste episódio não mais o vi.

Enquanto me encaminhava para o outro compromisso que tinha a seguir, pensava comigo mesma: Se eu, que escolhi a temática da Inclusão para o meu Trabalho de Conclusão de Curso não conseguia incluir, como então poderia querer que uma pessoa que não está envolvida com tal questão, e que não reflete sobre ela, apresentasse um movimento de abertura para a inclusão? Desse modo, entendi minha reação como uma “não inclusão.”

Foi ainda no desenvolvimento desta pesquisa que compreendi que este relato evidenciava um possível equivoco relacionado à apropriação do conceito de inclusão. Equivoco este, relacionado à minha apropriação deste conceito, mas que acredito que possa ser cometido por outras pessoas.

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o que compreenderia de fato o conceito inclusão? Como um profissional que trabalha com a inclusão pode lidar com a dificuldade apresentada por algumas pessoas de interpretar tal conceito de forma errônea, unindo a ele outras concepções?

A palavra inclusão, de acordo com Faria (2003), veio a substituir a palavra integração por ser mais precisa que esta última. O termo incluir, segundo o dicionário Aurélio, vem do latim, mais precisamente da palavra includere, que significa compreender, abranger, conter em si, inserir, introduzir, fazer parte, estar incluído ou compreendido. Já a palavra inclusão seria o ato ou efeito de incluir-se.

Quando o termo utilizado era integração, existia uma outra concepção a cerca de políticas educacionais para crianças com necessidades especiais, de forma que a formação do aluno com deficiência, era toda pensada e adaptada de acordo com as necessidades e condições que tal criança apresentava, muitas vezes com a utilização de uma sala especial.

A diferença da Integração e da inclusão, então seria que, nesta última, um indivíduo portador de deficiência passa a ter o direito de acesso a serviços como a educação (a escola regular), o que daria a ele condições e suporte para viver uma vida produtiva como os demais membros da sociedade, acompanhando, para isso, o currículo regular que seria o mesmo dos outros alunos, podendo fazê-lo num ritmo semelhante ao dos colegas.

Dessa maneira, Pacheco, apud Unesco (1995, p.15), aponta que a educação inclusiva, no que tange à justiça social, está relacionada com valores de igualdade e aceitação. Em relação às práticas pedagógicas, é colocado que estas precisam ter uma abordagem diversificada, se ajustando a todas “suas” crianças, o que reflete a uma aceitação e valorização da diversidade humana. A pedagogia, então, fica centrada na criança, na criança que é capaz de entender suas necessidades.

Segundo Oliveira e Leite (2000), o processo de questionamentos e reflexões sobre as mudanças educacionais que seriam necessárias para por em prática uma proposta de ensino inclusivo na realidade educacional brasileira, começaram a ocorrer após dois eventos internacionais, na Tailândia (1989) e na Espanha (1994) que produziram, respectivamente, os seguintes documentos: A Declaração de Jontiem e a Declaração de Salamanca.

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como o Brasil e nos remetendo a conceber um novo papel da escola e também do conceito de deficiência.

Para que as políticas de inclusão se fizessem viáveis, Aranha, apud Oliveira e Leite (2000) coloca que foi necessário a utilização do paradigma de suportes. Estes são instrumentos dos mais variados tipos (social, econômico, físico) que viabilizam a garantia de que a pessoa portadora de deficiência pode acessar todo e qualquer recurso da comunidade, pretendendo dessa forma atuar como um instrumento de inclusão social.

Oliveira e Leite (2000) especificam mais a utilização de tais suportes enumerando que tipo de mudanças internas as escolas deveriam passar. Entre elas estão mudanças em sua organização, na oferta de apoios específicos (para os professores e alunos), nos intercâmbios entre escolas, classes e comunidade, na utilização dos recursos da comunidade (podendo ser de ordem clínica, pedagógica, materiais e físicas), alterações estruturais e arquitetônicas, treinamento dos funcionários, preparação do pessoal técnico administrativo e tudo mais que seja necessário.

Além de utilizar todos estes instrumentos, Brunswick, apud Pacheco (2007, p.14), coloca que um sistema educacional que fornece inclusão total baseia-se em alguns princípios e crenças, como:

“Todas as crianças conseguem aprender, todas as crianças freqüentam classes regulares adequadas à sua idade em suas escolas locais, [...] recebem programas educativos adequados, [...] recebem um currículo relevante às suas necessidades, [...] participam de atividades co-curriculares e extracurriculares, [e] beneficiam-se da cooperação e da colaboração entre seus lares, sua escola e sua comunidade.”

Isso só ocorre quando a escola tem grandes expectativas em relação a seus alunos, quando se mostra acolhedora, quando demonstra que oferece um ambiente seguro e agradável e quando confia na capacidade e desenvolvimento de suas crianças.

Para Faria (2003), a inclusão implicaria numa transformação, uma transformação do olhar que se tem em relação ao portador de necessidades especiais.

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CAPÍTULO II – O QUE A PSICANÁLISE TEM A DIZER SOBRE A DEFICIÊNCIA

Um indivíduo, independentemente de ser ou não um portador de necessidades especiais, só pode entrar em contato com o seu ambiente externo a partir de seu conjunto sensorial. É através deste contato com o ambiente, com seu aparato sensorial e com sua condição somática, que o indivíduo formará a base de seu psiquismo, e é a partir desse pressuposto que podemos afirmar que a deficiência é uma condição estruturante da pessoa.

Partindo deste pressuposto acima, colocado por Winnicott (1990) é que este autor coloca que um desenvolvimento saudável é aquele que possibilita ao indivíduo crescer e amadurecer de acordo com suas condições herdadas e congênitas, fazendo com que ele esteja o mais próximo de ser aquilo que permitiria o equipamento com que veio ao mundo.

Winnicott (1988) chamou de “Preocupação materna primária” um estado experenciado pela mãe, que começa algumas semanas antes do nascimento de seu filho e que se estende até algumas semanas depois do mesmo. Nessa condição a mãe desenvolve um estado de sensibilidade aumentada que lhe servirá para atentar às necessidades de seu bebê, como se estivesse vivendo na própria pele deste último, podendo dessa forma responder a tais necessidades.

Essas necessidades são inicialmente de ordem orgânico-corporal e gradualmente vão se tornando necessidades do ego. Quando a mãe consegue “adoecer” (Winnicott usa esse termo partindo do pressuposto que para a mãe vivenciar esta fase é necessário que ela esteja saudável podendo assim entrar e sair deste estado, que seria a preocupação materna primária) ela está sendo e está oferecendo um ambiente suficientemente bom ao seu filho, permitindo que seu bebê comece a existir, a ter experiências e a construir um ego pessoal, alcançando a cada estádio as satisfações, ansiedades e conflitos inatos apropriados.

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tocada pelas manifestações e sinais apresentados pelo seu filho, que expressam suas necessidades.

Em relação ao que a possibilidade de gerar um filho pode representar para um casal, Amiralian (1986) aponta que pais decidem por ter filhos pelas relações gratificantes que uma criança trará a eles e por se sentirem, de certa forma, imortais, sabendo que estão passando um pouco de si mesmos para seu filho, e possivelmente para as futuras gerações que "saiam” do mesmo.

Mannonni (1985) coloca que a existência de um filho representa para qualquer mulher uma outra possibilidade, que seria a de se restabelecer, reparando o que na história de sua própria infância ela julga ter sido deficiente. No plano fantasmático, o vazio da mãe acaba por ser preenchido por um filho imaginário. Por esse motivo, quando uma mãe tem um filho enfermo, ao se deparar com tal realidade, ela irá renovar os traumatismos e insatisfações anteriores, sem poder também resolver no plano simbólico o seu próprio problema de castração, uma vez que estará renunciando a criança fetiche, ao filho imaginário de seu complexo de Édipo.

Esse modo da mãe de encarar e responder a essa nova situação que se apresenta, também está relacionado ao fato de que ela é atingida num plano narcísico, o que forma uma ferida narcísica. Esta está relacionada à dificuldade dos pais gerarem um filho com o qual não se identificam, por não refletir a imagem deles. Ela também está ligada à castração das fantasias de imortalidade, já anteriormente citadas. É uma ferida infligida e irredutível que servirá como uma das bases para uma reorganização do universo psíquico daqueles que conceberam um ser especial, fazendo com que eles lidem com esta nova realidade de pais de uma criança com deficiência, sendo este um processo que torna os pais estranhos e distantes de si mesmos (Faria, 1997).

Mais especificamente em relação à Síndrome de Down, a autora coloca que o filho, portador de tal síndrome, passa a ser a representação viva e explícita de seu fracasso na realização de sua sexualidade parental.

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A vivência dessa ferida narcísica, a desilusão que a mesma traz quando não se identificam com a figura de seu filho, quando têm que destruir suas fantasias de imortalidade e/ou a possibilidade de reparação de suas histórias de infância que foram “deficientes”, irão influenciar o modo como esses pais reagem e se posicionam frente a nova realidade, bem como, o tipo de relação que estes últimos convidam e propõe a seus filhos.

Em relação à reação dos pais, Mannonni (1985) coloca algumas diferenças sobre a forma como um pai e uma mãe recebem e lidam com a notícia de que têm um filho com uma doença irreversível, irrecuperável. Geralmente o pai fica abatido, cego, inconsciente do drama que se desenrola e que não tomará uma dimensão e intensidade tão grande como ocorre com a mãe, que na maior parte das vezes se encontra terrivelmente lúcida.

Amiralian (1986) aponta que aceitar um filho excepcional implica na reorganização de valores e objetivos da família. O diagnóstico de uma deficiência faz com que a família da criança entre num luto, um luto pela perda da criança sadia.

A mesma autora afirma que alguns pais conseguem apresentar uma atitude de aceitação frente à realidade, outros têm que usar os mecanismos psíquicos de defesa que dispõe, podendo ou não fazê-lo conscientemente. Tais mecanismos ajudam a pessoa a lidar com sua ansiedade e seus conflitos, podendo, a partir deles, atuar ou modificar a realidade que se apresenta.

Em relação aos mecanismos de defesa que podem ser utilizados, o primeiro deles é a negação, de forma que os pais passam a acreditar que não há nada de “errado” com seu filho, não reconhecendo suas limitações reais, vindas da deficiência. Outro mecanismo seria a superproteção. A adoção desta faz com que as expectativas em relação à criança sejam muito baixas. As pessoas que superprotegem uma criança portadora de deficiência, ao invés de ajudá-la em alguma tarefa, realizam-na no seu lugar, antecipam seus desejos, não permitindo que realize atividades que tem capacidade para fazer sozinha e o que acaba por prejudicar o seu desenvolvimento. Por fim, existe também a projeção. Nesta os pais colocam a responsabilidades de desempenhos insatisfatórios nos profissionais e/ou em outras pessoas.

A reação dos pais em relação ao modo como eles “recebem” a deficiência de seu filho irá interferir no modo como eles se relacionaram com o mesmo.

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outras, e que são possibilitadas pela qualidade de relação que o bebê desenvolve com seus cuidadores, darão suporte para que ele conheça a si mesmo, que forme uma imagem de si e de suas possibilidades, diferenciando o seu Eu do Outro (Amiralian, 1986).

Quando este bebê apresenta alguma deficiência, essas experiências podem ser dificultadas, às vezes pela própria limitação que a deficiência implica na realização das mesmas, mas também pela atitude de alguns cuidadores que acabam por não incentivar, estimular ou responder a seu filho, o que é essencial para que essas vivências possam se dar. Isso ocorre também quando o pai, ao comparar seu filho com as outras crianças acaba por encontrar muitas das realizações do mesmo como estando abaixo daquilo que espera, o que faz com que ele perceba com mais intensidade as falhas de seu filho.

Ainda segundo Amiralian (1986), há um medo relacionado ao aproximar-se do bebê e segurá-lo, podendo machucá-lo, o que em última instância representa uma dificuldade de aproximar-se dele, de brincar com ele, de enfim estimulá-lo através do contato físico com outras pessoas e da troca de olhares, ou através também do contato com objetos, da fala e palavras descritas pela autora como acariciantes. Essa falta de presença da mãe acarreta numa não apresentação ou em uma apresentação indevida do mundo a seu bebê.

Mannonni (1985) também descreve mais uma forma de relação entre mãe e filho:

“Se, finalmente se trata de uma mãe dita normal, o nascimento de um filho doente não pode deixar de ter incidências sobre ela. Com efeito, em resposta à demanda da criança, ela deverá prosseguir, de certo modo, uma eterna gestação (que realiza um desejo no plano da fantasia inconsciente), e acabará por deixar esse filho, que não pode separar-se dela por agressividade, em estado adnâmico, tal como a ave chocando um ovo que nunca poderá vingar. Tais mães ficam marcadas pela provação e chegam a assumir um aspecto esquizóide à força de se comportarem, também elas, em resposta ao filho, de uma maneira atônica adnâmica”. (p.6)

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Neste tipo de relação a criança pode apresentar um estado de entorpecimento que leva à aquisição de automatismos, de modo que ela não se movimentará e nem será estimulada no sentido de exercitar e de adquirir uma autonomia progressiva (que de acordo com o dicionário Aurélio representa a faculdade de se governar por si mesmo), continuando sempre numa mesma posição que é a de um objeto a ser cuidado. Poderá também se manifestar como um sujeito que deseja, sendo que neste caso apenas o seu corpo estará alienado. Em ambas as situações é comum que as mães sugiram um estado de despreocupação, como se suas crianças, mesmo estando “fora” de um corpo e da relação com o Outro, estivem bem, estivessem adaptadas.

Ainda relacionado a essa dificuldade de aquisição da autonomia do filho portador de deficiência, e no que ela representa, penso que um indício da existência da mesma também pode ser verificado num dado que Faria (2003) traz, quando diz que muitos pais impedem que seus filhos exerçam e desfrutem de sua sexualidade, sob disfarces protetores, não deixando que eles vivam a mesma como uma experiência da vida adulta, e tratando-os assim como se fossem eternos púberes. Penso que este fato pode ser entendido como uma barreira ao exercício da autonomia, na medida em que a sexualidade também faz parte de um exercício de aquisição progressiva da mesma.

Em relação aos sentimentos da mãe, Mannonni (1985) descreve-os como sendo ambivalentes, já que a relação de amor entre a mãe e o filho com deficiência terá também, além dos sentimentos ambivalentes existentes em qualquer relação, sempre um indício de morte, disfarçado de amor, ou recusa consciente ou indiferença patológica.

Encontros e desencontros dentro da prática de intervenção de cunho psicanalista. Marilia Cecília Corrêa de Faria é uma psicanalista que realiza um amplo trabalho que articula a prática e a pesquisa da clínica psicanalítica, no atendimento de pessoas portadoras de necessidades especiais, em especial a deficiência mental. Esta autora defende a possibilidade de realizar um trabalho de análise com esta população, alegando a facilidade da instalação da transferência entre o analista e analisando.

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deficiência mental toda a responsabilidade e cuidado ligado ao atendimento das mesmas.

O prejuízo desta crença se dá na medida em que ela impede que essa população possa se beneficiar do trabalho clínico nas linhas psicodinâmicas, e na medida em que o trabalho focado no treinamento, que é realizado no sentido de fazer com que os comportamentos dessas pessoas sejam mais aceitos socialmente, poderia, segundo a visão da psicanálise Winnicottiana, facilitar a instalação de um falso self, impossibilitando o indivíduo de entrar em contato consigo mesmo.

Relacionando essa crença de aparelho mental rudimentar, à escassez da produção de pesquisas de base psicanalítica com sujeitos portadores de deficiência mental, Faria (2002) trabalha o conceito de ferida narcísica, já apresentado aqui como estando relacionada aos pais de pessoas com necessidades especiais, sendo dessa vez introduzida pela mesma autora, como ligada (“pertencente”) aos profissionais (principalmente psicólogos) que trabalham com os mesmos.

Como já dissemos anteriormente no capítulo I, as pessoas temem o imprevisível, o incontrolável, têm dificuldades de lidar com o inesperado e com aquilo ou aqueles que saem da norma. Esta dificuldade se reflete no trabalho que é realizado junto à população portadora de necessidades especiais quando os profissionais também se aprisionam nessas questões e por tal motivo não ousam inovar, ou serem criativos. Isso ocorre porque quando se pensa criativamente, abre-se espaço para lidar com o inesperado e com o imprevisível que pode surgir, dando mais trabalho e proporcionando certo desconforto ao profissional, que por tais razões acaba por escolher um sistema mais normativo em sua abordagem, agindo, dessa forma, contratransferencialmente. (Faria, 1997)

Além disso, muitos dos psicoterapeutas apresentam o que Faria (2002) chamou de recusa interna frente ao atendimento psicoterapêutico, disfarçadas de justificativas lógicas do tipo: ”este paciente necessita que quem o atenda seja um especialista no campo das deficiências”, sem se darem conta que através de tais justificativas eles estão falando do próprio preconceito em relação às pessoas que portam algum tipo de deficiência mental.

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“normalidade” e também certo manejo do paciente pela culpa vinda de sua “incapacidade”.

A partir de tais evidências, de que os profissionais que trabalham com tal população são facilmente afetados num plano narcísico, produzindo inclusive resistências em relação ao desenvolvimento deste trabalho, alguns autores que defendem o desenvolvimento do atendimento clínico nas linhas psicodinâmicas, atentam para alguns cuidados que se fazem necessários no atendimento desta população, além do desenvolvimento da conscientização de suas próprias resistências.

É necessário, por exemplo, que os psicanalistas que trabalham com pessoas portadoras de deficiência mental, tenham tido experiências com atendimento infantil, estando assim mais instrumentalizados para lidar com um discurso não verbal, e também pelo fato dos mesmos geralmente darem atenção à contratransferência que se faz bastante presente no atendimento da população aqui falada. (Sinason, apud Faria, 2003, p.105).

Racker, apud Faria (2003, p.117), aponta que no atendimento de um portador de deficiência mental existiria uma dupla contratransferência, que este autor denominou de contra-transferência concordante e complementar. Nela, o analista está contratransferencialmente atingido pela deficiência de seu paciente, sentindo-se culpado por sua normalidade, o que pode obscurecer sua percepção durante as sessões, além da contratransferência que está relacionada ao material apresentado pelo paciente, e que poderia servir como um elemento a mais a ser interpretado, compreendido e levado em conta numa sessão.

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CAPÍTULO III - DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

ATIVIDADES DE INCLUSÃO DO GAN ADAR

Em relação às atividades de inclusão propostas pela parceria entre Gan Adar e Gan Nurit, como o número de crianças deste último era bastante superior ao do Gan Adar e acreditava-se que todos tinham o direito de participar e se beneficiar de tais atividades, foram pensados diferentes tipos de agrupamentos de alunos, sendo que a maioria deles apresentava diferentes propostas.

Atividades que incluíam todas as crianças do J1 e do J2

Existiam dois encontros semanais em que todas as crianças das duas instituições se encontravam. A proposta do primeiro deles era um recreio em conjunto do J1 e do J2, num único espaço que era o pátio do J1. Eram utilizados vários brinquedos que ficavam espalhados pelo pátio de forma que as crianças ficavam livres para escolher e brincar com o que quisessem. A maioria desses brinquedos, como um tubo feito de tecido, que as crianças passavam por dentro, degraus de espuma, cama elástica (que em conjunto com os outros brinquedos formavam um percurso), além dos brinquedos fixos do pátio, como o escorregador, o banco de areia, a cesta de basquete, eram tipos de brinquedo que propiciavam a interação das crianças, de um modo mais natural, de forma que neste momento as educadoras, apesar de estarem presentes naquele espaço, pouco intervinham.

O outro encontro que ocorria com a presença de todos os alunos das duas instituições, se passava dentro do J2. A atividade proposta era a “roda do bom dia”, coordenada pela educadora chefe do J1. Nessa atividade as crianças sentavam em cadeiras que já estavam dispostas no formato de uma grande roda. Os lugares não eram pré-estabelecidos. Desse modo as crianças do J1 sentavam, às vezes voluntariamente e às vezes involuntariamente (quando indicavam pra elas onde se sentarem), intercaladas com os alunos do J2, mas geralmente os alunos do J1 tinham ao seu lado, no mínimo, um aluno de sua instituição, o que também não sei se era ou não proposital, se as crianças buscavam sentar próximas àquelas com quem estavam mais habituadas a conviver ou se elas, desde o começo da implementação desta atividade começaram a ser dispostas desta forma e acabaram se habituando a ela.

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do J2 eram convidados a vestir um fantoche de joaninha em uma de suas mãos, todos os alunos cantavam a música da joaninha e os alunos com os fantoches tinham que passar de criança em criança e interagir com as mesmas, realizando algumas ações (com os fantoches) que a letra da música da joaninha estivesse descrevendo. Nesta atividade algumas das crianças do J1 (as mais comprometidas pelo distúrbio) que eram escolhidas para vestir o fantoche da joaninha, tinham que ser acompanhadas por algum educador.

Ainda na roda de bom dia a educadora contava histórias para as crianças, que eram baseadas na estação do ano em que nos encontrávamos, ou em festividades judaicas que se aproximavam, ou então eram ensinadas coreografias em que todas as crianças dançavam.

Atividades com todas (ou quase todas) as crianças do J1 e algumas crianças do J2 Essas atividades de inclusão, que tinham propostas distintas entre si, ocorriam também em diferentes dias da semana.

Na primeira atividade que vou descrever, todos os alunos do J1 se juntavam a um agrupamento fixo, ou seja, formado sempre por sete determinados estudantes do J2, para participarem de uma aula de música. Nesta aula a professora ensinava novas músicas, cantava e acompanhava com o som do órgão as crianças a cantarem músicas já conhecidas. Além disso, a professora também trazia diferentes instrumentos e ensinava as crianças a acompanharem a música cantada, utilizando-os, e em alguns momentos os alunos também dançavam.

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Atividades com a participação de agrupamentos do J1 e de agrupamentos do J2

As três crianças consideradas mais bem adaptadas do J1, que apresentavam maior facilidade para se envolver com o que era proposto, para se socializar e se integrar às crianças do J2, participavam de mais atividades de inclusão que as demais crianças do Gan Adar. Dessa forma, uma vez por semana elas participavam de mais uma atividade com mais 5 crianças do J2. O agrupamento do J2 que participava desta atividade também era fixo, de forma que as crianças que participavam eram sempre as mesmas. Tal atividade ocorria dentro do J1 e era coordenada pela “segunda” educadora desta mesma instituição.

Abaixo estão descritas algumas das atividades realizadas neste encontro de inclusão que juntava pequenos agrupamentos de ambos os Jardins de Infância, visando integrá-los. A integração, nessas atividades, se dava de tal forma que as possíveis dificuldades que as crianças apresentavam passavam despercebidas, por não serem focadas.

- Jogo das flores.

Material utilizado: rádio e várias flores grandes, de papel, espalhadas pelo chão. Desenvolvimento: Ao som de uma música as crianças dançam e cada vez que a educadora para a música, um aluno diferente fala uma parte do corpo para colocar sobre as flores de papel.

- As bolas de jornal

Material utilizado: bolas de jornal

Desenvolvimento: em duplas, um aluno joga uma bola de jornal para sua dupla. Depois se faz um circulo com todas as crianças e se joga batata quente. As crianças junto com a educadora também cantam uma música que vai falando o ritmo no qual se deve passar a bola. (eu passo a bola devagar, devagar, devagar e parou; ou rápido, rápido, rápido e parou!).

- O que podemos fazer com jornal?

Material utilizado: blusas, chapéis e embrulho, todos feitos de jornal.

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