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MARIA DE FÁTIMA SILVEIRA PAVEI INFLUÊNCIA DO TÍTULO NA INTERPRETAÇÃO DE CHARGE: ESTUDO DE CASO COM BASE NA TEORIA DA RELEVÂNCIA

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MARIA DE FÁTIMA SILVEIRA PAVEI

INFLUÊNCIA DO TÍTULO NA INTERPRETAÇÃO DE CHARGE: ESTUDO DE CASO COM BASE NA TEORIA DA RELEVÂNCIA

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MARIA DE FÁTIMA SILVEIRA PAVEI

INFLUÊNCIA DO TÍTULO NA INTERPRETAÇÃO DE CHARGE: ESTUDO DE CASO COM BASE NA TEORIA DA RELEVÂNCIA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Ciências da Linguagem como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Ciên-cias da Linguagem.

Universidade do Sul de Santa Catarina. Orientador: Prof. Dr. Fábio José Rauen

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MARIA DE FÁTIMA SILVEIRA PAVEI

INFLUÊNCIA DO TÍTULO NA INTERPRETAÇÃO DE CHARGE: ESTUDO DE CASO COM BASE NA TEORIA DA RELEVÂNCIA

Esta dissertação foi julgada adequada à obtenção do grau de Mestre em Ciências da Linguagem e aprovada em sua forma final pelo Curso de Mestrado em Ciências da Lin-guagem da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Tubarão – SC, 01 de Julho de 2005.

______________________________________________________ Prof. Dr. Fábio José Rauen

Universidade do Sul de Santa Catarina

_____________________________________________________ Prof. Dra. Hilda Gomes Vieira

Universidade Federal de Santa Catarina

____________________________________________________ Prof. Dra. Mariléia Silva dos Reis

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Dr. Adair Bonini

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Ao meu esposo João Batista Pavei, meus filhos Bruno e Filipe e a minha mãe que mesmo longe continua presente.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Dr. Fábio José Rauen, por ter me conduzido à conclusão deste trabalho, em cada passo, com a maior dedicação possível.

Aos Professores: Dra. Hilda Gomes Vieira, Dra. Mariléia Silva dos Reis e Dr. Adair Bonini, pelas inestimáveis con-tribuições e críticas na qualificação desta dissertação.

A meu marido, João Batista, pela paciência, apoio e cari-nho que teve comigo neste período.

Ao meus filhos, Bruno e Filipe, que me entenderam e sou-beram compartilhar todas as minhas necessidades.

Aos meus amigos pelo companheirismo e apoio em todas as dúvidas e incertezas desta longa caminhada.

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RESUMO

Este estudo de caso analisou, com base na Teoria da Relevância, a influência do título na interpretação da charge “Fome Zero” por dez alunos da 8ª série do ensino fundamen-tal da Escola Básica Municipal Quintino Rizzieri do Município de Içara, SC, divididos em grupo experimental (presença do título) e de controle. Conforme os dados do corpus, os con-ceitos de forma lógica, explicatura e implicatura de Sperber e Wilson (1986, 1995) e Carston (1988), permitiram descrever e explicar adequadamente os processos ostensivo-inferenciais envolvidos na interpretação. Os resultados apontaram que o título exerceu influência categóri-ca na interpretação, uma vez que se constituiu estímulo ostensivo explícito para modalizar todas as interpretações do grupo experimental. Além disso, os dados permitiram afiançar que as interpretações de ambos os grupos são consistentes com a presunção de relevância ótima, desde que se considere na avaliação o preenchimento de suposições implícitas.

Palavras-chave: Pragmática, Teoria da Relevância, cognição, compreensão,

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ABSTRACT

This case study analysed, based on Relevance Theory, the influency of the title on the comprehension of “Fome Zero” cartoon by ten third year high school students of 8ª série do ensino fundamental da Escola Básica Municipal Quintino Rizzieri, Içara, SC, divided into experimental (title presence), and control groups. According to the corpus, the Spencer and Wilson’s (1986, 1995) and Carston’s (1988), concepts of logical form, explicature and impli-cature let describing and explaining rightly the ostensive-inferential processes involved in the interpretation. The results have demonstrated that the title has had categorical influence on the interpretation, because it had constituted an explicit and ostensive stimulus to bias all experi-mental group interpretations. Besides, the information let to ensure that the interpretation of both groups is consistent with the presumption of relevance, since considered on the evalua-tion the fulfilling of implicit assumpevalua-tions.

Keywords: Pragmatics, Relevance Theory, cognition, comprehension, cartoons’

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 9

2 REVISÃO TEÓRICA... 20

2.1 CONTEXTO TEÓRICO... 20

2.1.1 Da teoria de código à teoria inferencial de Grice... 21

2.1.2 Da teoria de Grice à Teoria da Relevância... 28

2.1.3 Contexto e conhecimento mútuo ... 30

2.1.4 Inferências não-demonstrativas... 33

2.1.5 Mecanismo dedutivo ... 35

2.1.6 Ambiente cognitivo e efeito contextual ... 41

2.2 A TEORIA DA RELEVÂNCIA... 44

2.2.1 Relevância e Princípio da Relevância ... 44

2.2.2 Intenção informativa e intenção comunicativa... 46

2.2.3 Comunicação ostensiva e inferencial ... 47

2.2.4 Forma lógica, explicatura e implicatura ... 48

3 ANÁLISE DOS DADOS... 54

3.1 PROCEDIMENTOS DE COLETA E ANÁLISE DOS DADOS... 54

3.2 ANÁLISE DO CARTUM E DA CHARGE... 57

3.2.1 O cartum... 57

3.2.2 A charge: o título como divisor de águas? ... 63

3.3 INTERPRETAÇÕES DO GRUPO DE CONTROLE... 65

3.3.1 Análise da interpretação 1... 65

3.3.2 Análise da interpretação 2... 69

3.3.3 Análise da interpretação 3... 71

3.3.4 Análise da interpretação 4... 76

3.3.5 Análise da interpretação 5... 79

3.4 INTERPRETAÇÕES DO GRUPO EXPERIMENTAL... 83

3.4.1 Análise da interpretação 1... 83 3.4.2 Análise da interpretação 2... 87 3.4.3 Análise da interpretação 3... 90 3.4.4 Análise da interpretação 4... 94 3.4.5 Análise da interpretação 5... 97 4 CONCLUSÕES ... 100 REFERÊNCIAS ... 105

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1 INTRODUÇÃO

Promover um ensino conectado à realidade do aluno, respeitando sua individuali-dade e favorecendo o seu desenvolvimento, este deve ser o caráter da educação numa perspec-tiva sócio-histórica que vise à evolução do educando por intermédio da interação com o meio e com os demais. Com base nesse ideal, foram formulados tanto os atuais Parâmetros Curricu-lares Nacionais (PCNs, 2000) quanto a Proposta Curricular de Santa Catarina (PCSC, 1998).

De acordo com tais pressupostos, no caso do ensino da Língua Portuguesa, faz-se necessário trabalhar com a linguagem em sua dimensão concreta, onde a palavra deve estar inscrita na realidade, ou seja, inserida no contexto do aluno. Desse modo, é preciso que a lin-guagem faça sentido ao educando e que ele aprenda: a relacionar o que é tratado em sala de aula com as suas experiências, com sua história; e a interpretar o que lhe é apresentado em seu cotidiano. “É fazendo sentido que a linguagem opera sobre o sujeito, fornecendo-lhe uma i-magem da história de sua sociedade” (PCSC, 1998, p. 55).

É a linguagem o instrumento de mediação entre o educando e o grupo em que este está inserido. Por intermédio dela, acontece a interação com o outro e o conseqüente desen-volvimento da subjetividade deste. O nível de progresso nas sociedades humanas pode ser atribuído com razoável margem de segurança, à maior ou menor capacidade de comunicação entre o povo, pois o próprio conceito de nação se prende à intensidade, variedade e riqueza das comunicações humanas.

Assim, a linguagem é considerada toda comunicação compreensiva, de pessoa a pessoa, sendo que linguagem é comunicação e porque os limites da linguagem constituem os

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limites do conhecimento. Para se ter uma boa comunicação, faz-se necessário o hábito da lei-tura. Leitura é a arte de colher idéias (Penteado, 1969, p. 185) e interpretar símbolos gráficos, de maneira a compreendê-los.

A leitura constitui uma das cinco atividades filológicas básicas: pensar, falar, ou-vir, escrever e ler. Essas atividades lingüísticas são relacionadas entre si: o pensamento ex-presso pela fala, transmitido pela audição, gravado pela escrita e interpretado pela leitura.

A tarefa do ouvinte/ leitor, nesse contexto, é construir hipóteses interpretativas a partir do contato com um conjunto de suposições. Segundo Sperber & Wilson (apud SIL-VEIRA e FELTES, 1999, p. 125-126), pressupõe-se que a comunicação seja efetivada pela codificação e decodificação. Contudo, o exercício da leitura e da apreensão do conhecimento necessita que uma terceira etapa seja cumprida: a interpretação1, a qual interessa à proposta deste trabalho.

No tocante à interpretação, esta é eficaz quando alcança o conhecimento. No âm-bito comunicativo, as regras lexicais associam os termos da linguagem a significados (e vice-versa). As regras de restrição selecionam as possíveis combinações entre os termos da lingua-gem, tendo em vista seus significados.

A mente humana funciona e processa informação. Há implicações contextuais on-de as informações apresentadas processam-se no contexto das informações dos fenômenos comunicacionais. Deve-se, então, levar em conta que a coesão e a coerência, nos moldes lin-güísticos tradicionais, não são condições necessárias e suficientes para a textualidade, uma vez que parece haver evidência de que são as relações de relevância que estão subjacentes à

1

Aqui há uma distinção entre uma interpretação, que é um processo de decodificação de significados e uma outra forma de interpretação, esta advinda de inferências (de representações não-semânticas), visto que regras inferenciais não são regras de decodificação, embora necessitem delas para serem produzidas.

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boa formação do texto. Um código (palavra) faz parte da competência lingüística dos falantes de um grupo social. Essa competência, ao associar sinais lingüísticos a significados (e vice-versa), contribui para o processo comunicativo.

Sperber e Wilson centram o enfoque da relevância no enfoque do hiato existente entre as representações semânticas das sentenças e os pensamentos realmente comunicados pelos enunciados. Este deve ser preenchido não pela codificação, mas por inferência. A lin-guagem, assim, deve estar subjacente à cognição humana e não ao código.

A tarefa do ouvinte (leitor/ receptor), nesse ínterim, é construir uma hipótese in-terpretativa de um conjunto de suposições. Assim, a partir de um princípio comunicativo “de-fault” de relevância – a suposição de que os seres humanos normalmente pretendem comuni-car informações relevantes - poderá inferir a representação conceitual intencionada pelo falan-te/ emissor (nesse caso, autor/ emissor).

Seguindo esse princípio, no ensino da Língua Portuguesa, a utilização de textos é fator preponderante para se fazer a relação entre o cotidiano do aluno e os conhecimentos re-passados pela escola. Dentre estes, estão inseridos exemplos concretos do uso da linguagem, os ditos gêneros textuais. Entre os gêneros textuais, cabe destacar, ainda, a utilização na esco-la da charge e do cartum.

CHARGES E CARTUNS

Entre a charge e o cartum, existem diversos aspectos semelhantes. Ambos, segun-do Marques de Melo (1994, p. 168), são ramificações da caricatura, pois: contêm, por serem peças humorísticas, uma crítica a uma determinada situação real ou a um costume ou situação

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social; reúnem, em sua constituição, elementos imagéticos/pictóricos e textuais; e têm objeti-vos diversos.

Historicamente, cabe salientar que as charges e as caricaturas são herdeiras do chamado jornalismo ilustrado2 surgido na Inglaterra e na França dos séculos XVIII e XIX. Elas têm suas raízes na iconografia da Idade Média e na atividade dos ateliês de pintura dos séculos XV e XVI (NERY, 2003, p. 1-3). O cartum, segundo Nery, era o estágio final da série de esboços que serviriam para a realização das grandes obras renascentistas. Ao longo de seu trabalho, a autora não diferencia cartuns e charges, asseverando que os mesmos adquirem um formato que é familiar já no século XVII: representações pictóricas, freqüentemente legenda-das, que satirizam uma personagem ou episódio de conhecimento público.

Essas estampas fundiam as conquistas técnicas do desenho, especialmente a pers-pectiva, a um novo experimento: a caricatura, que é uma espécie de retrato exagerado de um personagem específico, também subjacente à temporalidade e ao contexto, só é inteligível por quem vivenciou a situação ou pelo estudioso que a utiliza como documento histórico (DAN-TAS, 1998, p. 5).

Freqüentemente, a charge contém a viva expressão da opinião do jornal ou do tunista sobre um fato ocorrido. Gurgel (2003, p. 2) destaca a distinção feita por Caruso entre car-tum, charge e caricatura, comparando-os à fotografia. Rabaça e Barbosa (1978), em seu Dicioná-rio de comunicação, definem a caricatura como “uma forma de arte que se expressa através do

2

Acerca da trajetória do chamado jornalismo ilustrado no Brasil, cabe fazer uma observação. De acordo com Francisco das Chagas Frazão Costa Filho (2001, p. 2-17), o consumo de charge ou caricatura, não possuiu maior abrangência incorporada pelos jornais de cunho informativo. Do contrário, destacou-se por meio do surgimento de uma imprensa particular, especializada, em fins da primeira metade do século XIX. Os jornais, ou periódicos ilustrados (também revistas) não se limitavam na apresentação dos desenhos humorísticos, mas veiculavam outros assuntos como as abstrações filosóficas, metafísicas e poéticas. Porém, tinham a caricatura como destaque. A incorporação da ilustração, na imprensa periódica, refletia em grande parte os antagonis-mos políticos e os ideais republicanos e liberais, na segunda metade do século, bem como doutrinas filosófi-cas e cientificistas européias como o positivismo, o marxismo e o evolucionismo. Na imprensa caricata, o au-tor frisa que, em alguns casos, a linguagem jornalística esteve paralela ao estilo de desenho caricatural, uma

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desenho, da pintura, da escultura, etc., e cuja finalidade é o humor”. O cartum, aqui, seria como uma máquina fotográfica focada no infinito. Por retratar uma realidade genérica, sua possibilidade de compreensão é muito maior.

A charge, por sua vez, focaliza uma certa realidade, geralmente política, fazendo dela uma síntese. Somente os que conhecem essa realidade a entendem. Desse modo, o cartum consti-tui uma crítica de costumes, genérica e atemporal; já a charge é crítica a um personagem, fato ou acontecimento político ou social específico, tendo, por sua natureza jornalística uma limitação temporal (MARQUES DE MELO, 1991, p. 169).

Por vezes, pode ocorrer que a charge diga respeito a temas sociais mais amplos, mas está sempre sujeita à temporalidade. Para Marques de Melo (1994, p. 164), há aqui uma subdivisão básica, a qual denota uma ligação indireta com as notícias em destaque na edição do jornal. Segundo o autor, o cartum não compõe um gênero jornalístico, uma vez que nem sempre se refere a um fato que realmente ocorreu, centrando-se na dimensão crítica, sem, no entanto, ter um caráter referencial e verídico.

Conforme Ferrara, os gêneros charge e cartum sempre trarão um estranhamento, uma incongruência, o que ocasiona, a “quebra” dos esquemas cognitivos e culturais, provo-cando o riso, uma vez que se testa, através da sátira, um conhecimento cultural (e, portanto, contextual, enciclopédico) comum a um grupo. Nesse sentido, a interpretação de tais gêneros implica uma relação entre uma representação presente e outras representações possíveis, e-ventuais ou virtuais (cf. FERRARA, 1997, p. 6).

A referida quebra de esquemas já é esperada pelo receptor cujas inferências giram em torno da crítica exposta na charge e no cartum, pois a crítica a um momento e/ou

vez que não se tratava de um jornal informativo, mas sim de caráter crítico e literário. Assim, as críticas se revezavam, ora na estilização do desenho, ora nas conotações satíricas e jocosas do texto.

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gem específico e verídico e a sátira dos costumes de um grupo que desenvolvem, respectiva-mente, é a essência desses gêneros (BARROS apud BRUNCKHARDT, 2001, p. 14-19).3

O TÍTULO COMO DIVISOR DE ÁGUAS

Nesta dissertação, escolheu-se a charge “Fome Zero” que se caracteriza como tal precisamente pela presença de seu título (ver figura 1). Uma vez retiradas as entradas lexicais “Fome Zero”, o restante da peça comunicativa comporta-se como cartum.

Esta pesquisa parte da hipótese de que a presença/ausência do título nessa peça comunicativa gera efeitos de interpretação, uma vez que ausente a pista que vincula a mensa-gem verbal e não-verbal, que compõe o cartum, com a questão política do Programa “Fome Zero” do Governo de Luís Inácio Lula da Silva, o leque de interpretações do leitor tenderá a ser mais amplo dada a sua atemporalidade.

Figura 1 – Charge Fome Zero (Revista Bundas, agosto de 2003)

3

Sobre a relação crítica-humor, Barros destaca a afirmação de Millôr Fernandes, para quem as abordagens hu-morísticas servem não para fazer rir, mas para fazer pensar, para suscitar uma reflexão. Ela menciona tam-bém a opinião de Ziraldo, para quem o humor é um caminho para se conhecer a verdade, o que evidencia a dimensão crítica da charge e do cartum como peças de humor.

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O PROGRAMA FOME ZERO

No dia 30 de janeiro de 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou o Programa Fome Zero, carro-chefe da campanha eleitoral do então candidato do Partido dos

Trabalhadores. Inicialmente, o programa obteve ótima repercussão internacional, consistindo numa política integrada de segurança alimentar para o país, abrangendo geração de emprego, renda mínima, distribuição de alimentos e alfabetização de adultos. Para gerenciar as ações do programa, foi criado o Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome, atualmente aglutinado ao Ministério do Desenvolvimento Social.4

O projeto propõe ações em diversas frentes, criando canais alternativos de comer-cialização mais barata de alimentos, convênios com supermercados e sacolões, criação de cooperativas de consumo, apoio à agricultura alimentar, incentivo à produção para autocon-sumo, combate ao desperdício, aumento de renda através de política de emprego, reforma agrária, programas bolsa-escola e renda mínima. Há ainda as ações específicas, como o cartão de alimentação, através do qual cada família cadastrada recebe diretamente do governo o va-lor de R$ 50,00 para serem gastos com gêneros alimentícios.

De acordo com dados do Governo Federal, ao longo de 2003, o Programa Fome Zero teve o mérito de colocar o tema da fome na pauta política, como foco de um projeto na-cional, além de propiciar a melhoria dos indicadores sociais dos 1.227 municípios em que ele foi implantado. A medida viabilizou 110 mil pequenas propriedades mantendo estas famílias no campo, através da aquisição de produtos agrícolas e de leite de pequenos produtores rurais.

4

O Instituto Ethos, entidade empresarial associada ao ‘Fome Zero’, afirma que, em julho de 2003, 46 milhões de brasileiros vivem com menos de um dólar por dia, o que os torna oficialmente miseráveis.

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Mais de 17 mil cisternas para captação de água da chuva foram implantadas no semi-árido e a qualidade da merenda em escolas, creches e entidades filantrópicas foi melhorada.

Além disso, a retomada do crescimento econômico e o aumento do consumo de alimentos, roupas e calçados, como revela, por exemplo, uma pesquisa da Confederação Na-cional da Indústria (CNI), pode ser um dos reflexos da melhoria dos programas sociais do governo. A análise é do ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ana-nias. Segundo ele, somente os programas de transferência de renda repassam, todo mês, quase R$ 3,5 bilhões às famílias necessitadas.5

A peça comunicativa em destaque, como se pode constatar, configura-se como uma opinião crítica sobre o referido programa. A presença do Título “Fome Zero”, qualifi-cando a peça como charge, por relacioná-la uma situação real específica, faz com que o leitor construa o sentido a partir da interpretação que se faz de um fato noticiado (os baixos índices de erradicação da fome atingidos pelo Programa Fome Zero, por exemplo). Assim, sua inter-pretação é dependente da situação a que a peça faz alusão. Retirado o título, a peça comunica-tiva é interpretada em sua configuração de cartum, ou seja, não estando subjacente a um dado acontecimento, visto que este aborda uma situação genérica e já conhecida do leitor/receptor (a miséria a que estão relegados milhares de brasileiros). Logo, o título “Fome Zero” pode-se constituir como um “divisor de águas”.

A QUESTÃO DA INTERPRETAÇÃO

Para a Teoria da Relevância de Sperber e Wilson (1986, 1995), a interpretação não pode se circunscrever apenas a uma dimensão de decodificação ou a uma dimensão

5

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inferencial. Para os autores, ambas dimensões são complementares e desempenham um papel importante no processo de interpretação: a inferência opera a partir da decodificação.

A decodificação dos elementos verbais e não-verbais de um texto compõe o pri-meiro passo em direção à interpretação. Além disso, é preciso associar os elementos decodifi-cados com o conhecimento enciclopédico. O processo interpretativo pressupõe a intersecção entre o conteúdo do texto e o conhecimento anterior que o leitor possui, ou seja, seu contexto cognitivo. Porém, nem um nem o outro, dissociados, são capazes de construir a interpretação. Tal premissa é corroborada por Blass no artigo Relevance theory (1990, p. 8).

The most important type of cognitive effect achieved by processing an input in a context is a contextual implication, a conclusion deducible from the input and the context together, but from neither input nor context alone. For example, on seeing my train arriving, I might look at my watch, access my knowledge of the train time-table, and derive the contextual implication that my train is late (which may itself achieve relevance by combining with further contextual assumptions to yield further implications).

A interpretação de um texto, como destacam Silveira e Feltes (1999, p. 77), é algo altamente dependente do contexto cognitivo, dado que esse conhecimento intervém na tarefa do leitor/receptor, cabendo a ele recuperar adequadamente, através de processos inferenciais, a intenção pretendida pelo autor. Ao exemplificar como ocorre a interpretação de charges à luz da Teoria da Relevância, as autoras (p. 90) destacam que, pelo fato de expressar uma opi-nião, a charge já se torna intrinsecamente interpretativa. Isso se dá pela releitura que a charge promove acerca de uma realidade estabelecida no tempo e no espaço; e, por sua natureza jor-nalística, inscrita na realidade. O atrativo da charge para esse fim é a utilização de elementos imagéticos/pictóricos como aliados do input verbal. Essa combinação caracteriza o estímulo ostensivo que fundamenta o processo de interpretação, marcadamente inferencial.

A interpretação de ambos, cartum e charge, exige a combinação da decodificação do estímulo ostensivo (verbal e não-verbal) com o conhecimento enciclopédico do leitor. É

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essa combinação que fundamenta a interpretação e, dado que a charge se caracteriza por um input privilegiado adicional (o título), que vincula a peça comunicativa com um fato

específi-co, esse input deve exercer significativa influência no output interpretativo.

Para a interpretação, assumiu-se que a tarefa do ouvinte (leitor/receptor) é cons-truir hipóteses interpretativas de um conjunto de suposições a partir de um princípio comuni-cativo default de relevância – a suposição de que os seres humanos normalmente pretendem comunicar informações relevantes. Para Sperber e Wilson, o ato de comunicar consiste em requisitar a atenção de outrem por meio de um estímulo ostensivo. Desse modo, comunicar é implicar que determinada informação comunicada é relevante, o que, segundo Silveira e Fel-tes garante a relevância ótima. Aqui, os interesses dos componenFel-tes do processo comunica-cional (falante/autor e ouvinte/leitor/receptor) são levados em conta para a presunção da rele-vância ótima, uma vez que o princípio de relerele-vância torna manifesto, através da ostensão, a intenção do falante (e no caso da charge, do autor e/ou do veículo de comunicação em infor-mar, cabendo à audiência realizá-la).

Com base nesse pressuposto, Sperber e Wilson (1986, 1995) e Carston (1988) hi-potetizam três níveis representacionais para a interpretação, quais sejam: a) o nível forma ló-gica (dependente da decodificação); b) o nível da explicatura (enriquecimento da forma lóló-gica por meio de processos pragmáticos de complementação); e, c) o nível da implicatura (elabo-ração de suposições derivadas da combinação das informações explicadas com o conhecimen-to enciclopédico do ouvinte/leiconhecimen-tor).6 Precisamente essa trajetória é que pode fundamentar a análise do produto interpretativo da charge e do cartum, de modo a descrever e a explicar a provável influência do título nesse processo.

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OBJETIVO DO TRABALHO

Isso em mente, o objetivo geral desta dissertação é: analisar, por meio da Teoria da Relevância, a influência do título na interpretação de uma charge intitulada ‘Fome Zero’ por alunos da 8a série do ensino fundamental da Escola Básica Municipal Quintino Rizzieri do Município de Içara, SC.

Do ponto de vista operacional, esta pesquisa pretende, sob a perspectiva da Teoria da Relevância, averiguar como ocorre a interpretação da charge “Fome Zero” por dois grupos de alunos da 8a série do ensino fundamental da Escola Básica Municipal Quintino Rizzieri, Içara, SC, analisando as referidas interpretações com base nos conceitos de forma lógica, ex-plicatura e imex-plicatura de Sperber e Wilson (1986,1995) e Carston (1988).

Para dar conta dessa tarefa, esta dissertação possui mais três capítulos dedicados: à exposição da Teoria da Relevância (capítulo dois); à apresentação da análise dos dados (ca-pítulo três); e, à elaboração das conclusões (ca(ca-pítulo 4).

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2 REVISÃO TEÓRICA

Partindo dos estudos de Filosofia da Linguagem, sobretudo os realizados por Paul Grice por intermédio da noção de implicaturas, a Pragmática abriu uma nova perspectiva para a abordagem do processo comunicacional. Nesse caminho, surge a Teoria da Relevância de Dan Sperber e Deirdre Wilson (1986, 1995). Este capítulo procura apresentar a Teoria e foi dividido em três seções. Na primeira seção, apresenta-se o contexto teórico de onde emerge a questão da relevância. Na segunda seção, apresenta-se a teoria propriamente dita, demons-trando de que modo a relevância é buscada e alcançada em processos mentais. Na terceira seção, apresentam-se os níveis representacionais desde a forma lógica, lexical e gramatical-mente determinada, até a forma proposicional da implicatura, passando pelo enriquecimento da forma lógica ou explicatura.

2.1 CONTEXTO TEÓRICO

Esta seção visa apresentar as teorias de comunicação baseadas na codificação e decodificação das mensagens e a Teoria de Grice, que se constituem como o contexto teórico de onde surge a Teoria da Relevância. Além disso, essa seção apresenta os fundamentos cog-nitivos da Teoria da Relevância.

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2.1.1 Da teoria de código à teoria inferencial de Grice

Veja-se o enunciado a seguir num momento em que é aguardada uma ação diante de algo, que dispositivos permitem interpretá-lo adequadamente?

(1) (A) Precisamos interpretar essa charge?

Uma solução plausível seria buscar o mecanismo de decodificação. Esta aborda-gem é denominada Modelo de Código. Neste, a idéia central é a de que a comunicação se re-sume a codificar e decodificar mensagens, não se requerendo, para isso, nenhuma habilidade comunicativa ou cognitiva adicional. Na visão de Silveira e Feltes (1999, p. 19) “Essa idéia está presente no conceito de conteúdo de uma mensagem como algo que nela está contido”.

Contudo, sabe-se que a comunicação humana não funciona assim. Num exemplo hipotético, no qual um aluno aguarda ansioso que a professora lhe dê instrução acerca de uma atividade a ser feita em sala de aula, ele pode se encontrar em dúvida mesmo após a professo-ra já haver explicado o que deveria ser feito. Então, questiona:

(1) (A) Precisamos interpretar a charge?

E ela responde:

(B) O que você acha?

Analisando a resposta da professora sob a perspectiva do modelo de código, dian-te de uma pergunta fechada, caberia a ela duas respostas, conforme fosse ou não necessário interpretar a charge.

(B’) Sim; ou (B”) Não;

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Todavia, a resposta (B) aparentemente não responde a questão e se trata de um comportamen-to que não se explica somente pela decodificação da mensagem.

A resposta da professora exige do aluno uma habilidade interpretativa que envolve um raciocínio inferencial. Esse fenômeno impossível de tratamento a partir do modelo de có-digo é abordado por Grice (1967, 1975), cabendo ao aluno inferir qual é a mensagem implíci-ta na fala da professora.

Para Grice, nesse exemplo, o aparato teórico do modelo de código não explica es-se processo comunicacional, porque a conversação ocorre com baes-se no princípio de coopera-ção, cuja formulação é a que se segue.

Princípio de Cooperação: Faça sua contribuição conversacional tal como é

reque-rida no momento em que ocorre, pelo propósito ou direção do intercâmbio conversa-cional em que se está engajado.

Na concepção griceana do processo de comunicação, os indivíduos são orientados por meio desse princípio, que é desenvolvido em máximas e submáximas dispostas em quatro categorias, a seguir.

Máximas Conversacionais

I. Categoria de qualidade: esta máxima diz respeito a se falar somente o que se a-credita ser verdadeiro. “Procure afirmar coisas verdadeiras”.

(a) Não diga aquilo que você acredita ser falso.

(b) Não afirme algo para o qual você não possa fornecer evidencia adequada. II. Categoria de quantidade: esta máxima refere-se a contribuição de ambos os in-terlocutores no processo comunicacional.

(a) Faça sua contribuição tão informativa quanto é requerido.

(b) Não diga aquilo para o qual você não dispõe de evidencia adequada III. Categoria de relação: seja relevante

IV. Categoria de maneira: seja claro. (a) Evite obscuridade de expressões. (b) Evite ambigüidade.

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(c) Seja breve. (d) Seja ordenado.

O aluno, no exemplo em questão, faz uma implicatura conversacional particulari-zada, porque sua interpretação do que a professora queria dizer com aquilo que disse é sobre-maneira dependente do contexto. Supondo-se que ele se distraiu com algo enquanto a profes-sora dava as instruções e, diante do fato de ter recebido a charge, ele pode inferir que ela não tinha explicado o exercício a ser feito com a charge. Todavia, numa situação análoga, ela po-deria pela entonação de voz, mostrar-se irritado ao responder “O que você acha?”, nesse caso o aluno poderia inferir que deveria interpretar a charge.

Há três tipos de implicaturas de Grice: a) implicatura conversacional particulari-zada – quando a interpretação do enunciado depende da situação comunicativa; b) implicatura conversacional generalizada – quando a interpretação do enunciado depende de pistas lingüís-ticas; e, c) implicatura convencional – quando o significado lingüístico dos enunciados contri-bui direta e decisivamente para a interpretação adequada do contexto.

Neste trabalho, cabe atentar aos exemplos que aludem às máximas de Grice, para compreender de que modo se dão as implicaturas a partir do contexto em que estas ocorrem.

1 – Máxima da Qualidade

(2) (A) Você sabe qual é a função de Carlos no jornal? (B) Carlos é chargista.

(A) infere que (B) está respeitando a máxima de qualidade, dizendo algo que sabe ou acredita ser verdadeiro.

2 – Máxima da Quantidade

(3) (A) Os alunos já foram? (B) Alguns saíram.

(24)

(A) infere que (B), se está respeitando a máxima de quantidade, implicou que nem todos saíram, ou que alguns ficaram.

(4) (A) Qual é a cor da casinha do cachorro nesta charge? (B) Amarela.

(A) infere que (B) implica que a casinha é totalmente amarela.

(5) (A) Você tem quantos professores? (B) Três.

Depreende-se que (B) está implicando “três e somente três”.

3 – Máxima da Relação

(6) (A) Você vai fazer a interpretação hoje à tarde? (B) Não, preciso trabalhar.

(A) infere que (B), se está respeitando a relevância na sua negativa, implica que precisa trabalhar naquela tarde e que isto é a causa mais relevante de não fazer a interpretação.

4 – Máxima de Modo

(7) (A) Por que Carlos está triste? (B) Ele não fez a prova e reprovou.

(A) depreende que (B), se está respeitando a ordem do que disse, está implicando que Carlos não fez a prova e então reprovou.

(8) (A) Carlos vai participar do concurso sobre charges? (B) É possível que sim.

(A) infere que (B), se está respeitando a máxima da clareza, está implicando “não é necessário que ele participe”.

Esses exemplos parecem ser, sem dúvida, casos de implicatura conversacional standard, à medida que não são convencionais, nem quebram, explicitamente, máximas.

(25)

deu sinais positivos disso? Uma resposta razoável para isso seria essa: “(A) julgou que (B) deveria estar implicando (Q), caso contrário, ele estaria desrespeitando as máximas”. Alguém poderia fazer a objeção de que, ao dizer que a casinha do cachorro da charge era amarela, (B) não estaria deixando de oferecer a informação requerida, desde que não houvesse outra cor.

Em um caso clássico definido no texto original de Grice, o interlocutor (A) é ca-paz de inferir uma implicatura conversacional por julgar que (B) está respeitando a máxima “seja relevante” ou, pelo menos, o princípio da cooperação. O exemplo abaixo é ilustrativo:

(9) (A) Você me chamou?

(B) Sim, preciso saber mais sobre o programa ‘Fome Zero’.

Aqui, (A) está autorizado a inferir que (B) precisa da informação naquele momen-to, embora ele não tenha dito isso. Ocorre que (A) julga que, se (B) o chamou e disse que pre-cisa da explicação, seu enunciado será relevante se quiser implicar (Q) “preciso da informa-ção agora”.

Grice observa que os exemplos de quebra de supermáxima de relação são mais ra-ros. Consideremos os diálogos abaixo:

(10) (A) Que horas são?

(B) Não há mais tempo para fazermos a interpretação?

Nesse caso, (A) julga que o enunciado de (B) parece ser irrelevante para a sua pergunta, mas como acredita que ainda, assim, ele está cooperando, busca a implicatura que (B) deve estar transmitindo e infere que (B) deve estar implicando que, se ainda houvesse tempo, (A) não deveria perguntar a hora. Parece ser o típico exemplo de implicatura conver-sacional por quebra. Mas veja-se uma situação menos típica.

(11) (A) Que horas são?

(26)

Aqui, (A) percebe que (B) não respondeu um enunciado relevante a menos que ele (B) queira implicar algo. Efetivamente, (A) infere que (B) quis implicar que já era mais de 9h:30min. Esse exemplo parece ser um pouco diferente do anterior, à medida que dá a im-pressão de ter sido uma quebra mais fraca da relevância.

Examinemos mais algumas implicaturas que poderiam ser inferidas a partir da mesma máxima.

(12) (A) Você viu o que aconteceu?

(B) A professora chegou e Carlos guardou a revista.

Aqui, (A) julga que a segunda oração do enunciado complexo de (B) parece não ser relevante em relação à primeira a não ser que, com ela, (B) queira implicar algo. De fato, (A) infere que (B) implicou que Carlos não queria que a professora o visse lendo a revista em sala de aula.

(13) (A) Carlos estava no grupo de Fernanda?

(B) Não, estava no grupo de Marta.

(14) (A) Carlos estava no grupo de Fernanda?

(B) Não, estava no grupo de Pedro.

Nesses dois casos, a resposta de (B) demonstra que ele inferiu a implicatura de-corrente da acentuação de (A) sobre Maria em (13) e sobre João em (14), por julgá-la (a acen-tuação) relevante para o conteúdo da pergunta de (A).

Cabe analisar mais detidamente essas diversas situações, as quais parecem recair na máxima de relação. Em (9), (A) infere a implicatura “preciso obter mais informações sobre o ‘Fome Zero’ agora”, ao julgar a relevância, como relação entre o conteúdo do enunciado de (B) e seu ato comunicativo. Tanto é verdade que “agora” é uma expressão indicial de tempo acrescida ao dito. Caso (B) não tivesse pretendido implicar “agora” seu enunciado não seria o mais relevante possível, tendo em vista a irrelevância do ato comunicativo. “Preciso obter

(27)

mais informações sobre o ‘Fome Zero’” diz “algo” que se torna mais relevante porque é uma “dúvida” a ser respondida naquele momento.

Em (10), (A) julga que (B) disse algo irrelevante, porque o conteúdo de seu enunciado parece não ter conexão semântica com o enunciado dele (A). Entretanto, ao considerar que (B) está cooperando, (A) infere a implicatura “não há mais tempo para fazermos a interpretação”, que é relevante para o tópico de sua conversação, embora não o seja para o conteúdo de sua pergunta. Aqui, a relevância, como relação enunciado tópico da conversação, pode estar sugerindo a mudança do tópico.

No exemplo (11), (A) julga que a resposta de (B) não é totalmente relevante no que se refere ao conteúdo de sua pergunta; mas, ao julgar a implicatura “já são mais de 9h30min”, conclui que aquele era o enunciado mais relevante possível para (B) sem quebrar a máxima da qualidade. Nesse caso, a relevância é vista como relação entre o conteúdo dos e-nunciados de (A) e (B), dentro do mesmo tópico, e o princípio da cooperação.

Em (12), (A) julga que o enunciado complexo de (B) parece não conter uma rele-vância intra-enunciativa, a partir da relação entre o conteúdo semântico da primeira e da se-gunda partes. A partir disso é que depreende a implicatura. A relevância, aqui, é vista como relação necessária entre as partes de um mesmo enunciado.

Já no caso de (13) e (14), a relevância é vista a partir da relação necessária entre a acentuação de um enunciado e seu conteúdo. Observa-se que, aqui, a relação entre a forma da expressão e o dito é externa ao conteúdo semântico.

O que se pretende em última análise demonstrar, é que, mesmo no caso da rele-vância tomada como supermáxima da categoria de relação, a implicatura surge para harmoni-zar relações entre funções diversas do jogo comunicativo:

( 9 ) Relação entre o dito e o ato comunicativo; (10) Relação entre o dito e o tópico da conversação;

(28)

(11) Relação entre o dito e o princípio da cooperação; (12) Relação no Intradito (dito versus dito); e,

(13 – 14) – Relação entre a forma e o conteúdo do dito.

Dentro do modelo griceano, as implicaturas podem ser produzidas mediante dois tipos de comportamento comunicativo. Ou o falante, ao dizer (E) sugere (Q), por estar respei-tando as máximas e o princípio da cooperação, ou o falante, ao dizer (E) sugere (Q), por estar desrespeitando as máximas sem deixar de estar obedecendo ao princípio da cooperação. No primeiro caso, chamamos de implicaturas do tipo standard; no segundo caso, do tipo quebra. O papel da relevância parece ser diferente em cada um dos casos.

Para Sperber e Wilson, há três ordens de impropriedade da distinção de Grice em com respeito à interpretação inferencial. Primeiro, porque o lingüista não considera o enrique-cimento da forma lógica como inferência em nível explícito. Segundo, porque Grice apenas expõe como se comunicam as atitudes proposicionais, não considerando o explícito e o implí-cito alusivo a elas. Por fim, porque Grice não releva os graus de explicitude de um enunciado.

Vejamos, então, qual a alternativa proposta pela Teoria da Relevância.

2.1.2 Da teoria de Grice à Teoria da Relevância

Tendo como base o modelo inferencial de Grice (1975), Sperber e Wilson (1986, 1995) desenvolvem uma teoria da comunicação particularmente voltada para a compreensão de enunciados, a Teoria da Relevância. O termo relevância aqui, não equivale ao termo ordi-nário ‘relevância’.

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We are not trying to define the ordinary English word ‘relevance’. ‘Relevance’ is a fuzzy term, used differently by different people, or by the same people at different times (SPERBER; WILSON, 1995, p. 119).

O termo refere-se à relação de equilíbrio entre efeitos cognitivos e esforço de processamento, que explica como os indivíduos interpretam informações em contextos comunicativos.

O aspecto distinto entre a teoria de Grice e a de Sperber e Wilson é o de que, para Grice, tudo o que não é explicitado num enunciado é uma implicatura. Ele destaca três tipos de implicaturas: as decodificadas são as ‘implicaturas convencionais’, as inferidas são as ‘não-convencionais’, e as que se assemelham às da Teoria da Relevância são as ‘conversacio-nais’. Grosso modo, as implicaturas ‘conversacionais’ de Grice são as ‘implicaturas’ de Sper-ber e Wilson, e as ‘convencionais’ de Grice, as explicaturas de SperSper-ber e Wilson.

Para Sperber e Wilson, a impropriedade da teoria de Grice em relação à interpre-tação inferencial se dá por três razões: em primeiro lugar porque o lingüista não considera o enriquecimento da forma lógica como inferência em nível explícito; em segundo lugar, por-que Grice apenas expõe como se comunicam as atitudes proposicionais, sem considerar o explícito e o implícito alusivos a elas; e, em terceiro, porque não releva os graus de explicitu-de explicitu-de um enunciado. Sobre a explicituexplicitu-de da comunicação, postulam:

Generally speaking, we see the explicit side of communication as richer, more infer-encial, and hence more worthy of pragmatic investigation than do most pragmatists in the Gricean tradition (SPERBER; WILSON, 1995, p. 183).

Sperber e Wilson, então, partem da concepção de comunicação de Grice, na qual o ouvinte calcula as intenções do falante por meio de inferências, acrescentam a essa concep-ção uma faceta cognitiva e a reinterpretam à luz da Teoria da Relevância.

Cabe ressaltar, no entanto, que, embora a comunicação puramente inferencial e-xista, e o modelo inferencial é produtivo para dar conta de algumas formas de comunicação, a maioria das situações comunicativas implica a utilização de um código. Sobre isso, Sperber e

(30)

Wilson defendem que uma teoria inferencial forte de comunicação é empiricamente inade-quada (1995, p. 27). Mesmo que houvesse uma teoria de comunicação unicamente inferencial, haveria de existir um código, como um conjunto de convenções a ser compartilhado por todos que participam do processo comunicacional.

Por isso, os autores defendem a utilização complementar das duas modalidades de comunicação, codificada/decodificada e inferencial. Nesse sentido, a Teoria da Relevância descreve os fenômenos de compreensão de mensagens em geral, e não especificamente das mensagens verbais. A informação relevante num ato comunicativo pode não ser transmitida lingüisticamente, ou tão-somente lingüisticamente.7

2.1.3 Contexto e conhecimento mútuo

Na proposta de Sperber e Wilson, o contexto está intrinsecamente relacionado com os ambientes cognitivos. Diferentemente da hipótese de que é uma pré-condição para a compreensão, o contexto vai sendo construído no curso do processo comunicacional. Consti-tui-se, então, como o conjunto de premissas – informações mentalmente representadas – utili-zado na interpretação de enunciados.

Essa concepção não é compatível com os modelos fundamentados no código e com a hipótese do conhecimento mútuo na qual o contexto é uma pré-condição para a com-preensão. A idéia de um contexto dado é rejeitada por Sperber e Wilson, sobretudo pela

7

Como não poderia deixar de ser, dadas as circunstâncias das interpretações das charges produzidas pelos gru-pos experimental e de controle, os atos comunicativos analisados neste trabalho foram explicados a partir da linguagem verbal e da não-verbal.

(31)

inviabilidade psicológica de pressupor a certeza de conhecimentos compartilhados entre fa-lante e ouvinte para o êxito da comunicação.

O contexto é, em essência, um subconjunto de suposições sobre o mundo do ou-vinte, que foi adquirido no decorrer da vida e renovado a cada processamento de informação. Ele afeta, e mesmo determina, a sua compreensão do mundo. Essas suposições mentalmente representadas interagem com a informação recentemente encontrada no ambiente cognitivo e dá origens a mudanças de crenças e comportamentos. O contexto, então, pode incluir infor-mação por intermédio do ambiente físico, das suposições armazenadas na memória de curto prazo do ouvinte e das suposições armazenadas na enciclopédia mental. Daí supor que o con-texto não é de todo dado de antemão, antes vai se renovando no processo comunicativo.

Em outras palavras, os autores defendem a condição de ambientes cognitivos

mutuamente manifestos, em vez do conhecimento mútuo no processo comunicativo. O

co-nhecimento mútuo implica uma certeza relativa à mutualidade de coco-nhecimento entre os fa-lantes, especificamente sobre suposições contextuais envolvidas na enunciação. E como esta certeza não pode ser garantida, a hipótese desta manifestabilidade mútua não pode ser susten-tada. Um esquema para possíveis checagens dessas informações seria este:

(i) F sabe que P; (ii) O sabe que P; (iii) F sabe que (ii); (iv) O sabe que (i); (v) F sabe que (iv); (vi) O sabe que (iii);

e, assim, indefinidamente.

Veja-se o diálogo da charge:

(15) (A) Mãe, fazia tempo que a gente não comia carne, né? Guarda os ossinho que eu vô jogá pro cachorro!

(32)

Na charge, quando o menino senta-se à mesa para almoçar, ele e mãe trocam al-gumas palavras, e ele diz a mãe que guarde os ossos para o cachorro e a mãe lhe responde através de uma única palavra “Cachorro!”. Esse exemplo ilustra algo muito comum na comu-nicação do dia-a-dia: as falhas na comucomu-nicação. No momento em que a mãe responde “Ca-chorro!”, percebe-se que há um salto de sentido entre a primeira proposição e a segunda. Isso talvez por ela estar servindo no almoço o cachorro ou, o que é mais provável, ela ter proposi-talmente mudado a direção do assunto a fim de evitar frustrações no filho.

Na concepção de Silveira (1997), o ocorrido na charge pode ser considerado uma falha na comunicação. Sobre isso a autora explica.

A interpretação do comportamento comunicativo, como a interpretação da evidência em geral, está sempre sujeita a risco, uma vez que há sempre formas alternativas de interpretar um ato comunicativo de evidência, mesmo quando todos os procedimen-tos correprocedimen-tos para a interpretação são aplicados. Mesmo a melhor hipótese seleciona-da pode não ser a correta, isto é, a pretendiseleciona-da pelo comunicador, e a comunicação pode falhar (SILVEIRA, 1997, p. 133).

Nesse caso, mesmo havendo um conhecimento mútuo de informações entre o fi-lho e a mãe, este conhecimento não daria conta de fazer com que a mãe acessasse o conjunto de suposições perfeitas para aquela situação, a não ser que a fala do menino fosse mais explí-cita. Sobre a não apreensão da hipótese pretendida pelo falante, Sperber e Wilson dizem.

On this approach, failures in communication are to be expected: what is mysterious and requires explanation is not failure but success (1995, p. 45).

Segundo os autores, duas pessoas podem compartilhar as mesmas informações, mas, a partir delas, fazerem suposições diferentes. A manifestabilidade mútua constitui-se numa abordagem mais plausível ao defender que esses falantes são capazes de inferir as mesmas suposições, mas não necessariamente têm a obrigação de fazer isso. Nesse caso, em-bora a condição da manifestabilidade mútua seja mais plausível com atos comunicativos que

(33)

ocorrem na comunicação diária, é forte para explicar não apenas o sucesso da comunicação, mas também as freqüentes falhas comunicacionais. O exemplo (15) ilustra o que os autores reconhecem, o fato de a comunicação envolver indeterminâncias e poder falhar, como ocorre no nosso dia-a-dia.

A aplicabilidade de um conhecimento mútuo na interpretação, mesmo por meio de esquemas de checagens, revela algumas restrições, quais sejam: primeiro, tomaria um tempo que excederia a rapidez efetiva dos processos de produção e compreensão de um enunciado; segundo, não daria garantias de que a comunicação seria bem-sucedida; terceiro, o fato de duas pessoas olharem para a mesma coisa, e poderem identificá-la de modos diferentes e não reconhecer ou compreender os mesmos fatos; e, por último, embora possível definir os con-textos potenciais restringidos pelo conhecimento mútuo, restaria ainda a incógnita sobre como o contexto real é selecionado ou atualizado.

2.1.4 Inferências não-demonstrativas

O modelo de comunicação por ostensão de Sperber e Wilson é um modelo essen-cialmente inferencial e estritamente ligado à ciência cognitiva. Partindo do pressuposto de que o processo comunicativo apóia-se na cognição humana, os autores defendem duas hipóteses gerais sobre o processo de compreensão inferencial. Em primeiro lugar, descrevem esse pro-cesso como não-demonstrativo, uma vez que, sob as melhores circunstâncias, a comunicação pode falhar: o ouvinte pode não decodificar ou não deduzir a intenção comunicativa do falan-te. O ouvinte pode, entretanto, construir uma suposição com base na evidência provida pelo

(34)

comportamento ostensivo do comunicador, e esta suposição, por sua vez, pode ser confirma-da, mas não provada.

A segunda hipótese geral sobre o processo de compreensão inferencial refere-se ao fato de ela ser central, em vez de local. Nessa concepção, os autores utilizam-se do pressu-posto teórico de Fodor (1983), que postula que, enquanto os processos locais – inputs percep-tuais ou periféricos – são livres de contexto e sensíveis apenas à informação contextual de algum domínio específico, os globais têm acesso livre a toda informação conceitual armaze-nada na memória.

Nesse caso, no processo de compreensão inferencial, qualquer informação concei-tualmente representada disponível para o ouvinte pode ser usada como uma premissa para obtenção de conclusão. É o que ocorre nos processos dedutivos. Eles têm livre acesso à in-formação contextual, ou seja, não partem somente de premissas fixadas, são considerados globais.

A mente, numa concepção fodoriana8, é descrita como sistemas modulares que envolvem sistemas de input, porque funcionam no sentido de enviar informação aos processos centrais. E cabe aos processos centrais, por sua vez, integrar entre si essas informações advin-das dos diferentes módulos. Tanto os sistemas de inputs como os sistemas centrais são com-putacionais porque realizam operações de inferência (SILVEIRA e FELTES, 1999, p. 135).

Enfim, a Teoria da Relevância leva em conta a existência necessária de um processamento central de pensamentos. Enquanto estudos são realizados particularmente no

8

Os autores divergem de Fodor em alguns aspectos: (a) para os autores, os módulos não são totalmente impene-tráveis, pois seus outputs podem ser submetidos ao mecanismo central e estes podem submeter seus outputs ao módulo, em movimentos sucessivos e continuados, diacronicamente, na história do processo interpretati-vo. Dessa forma, os processos pragmáticos não são modulares, visto que a pragmática se preocupa em expli-car como a tarefa do ouvinte pode ser realizada; (b) os autores discordam do cepticismo de Fodor quanto ao tratamento científico dos processos centrais, pois defendem a compreensão inferencial como um processo global que envolve a formulação e a confirmação de hipóteses, embora com algumas diferenças em relação à teorização científica (SILVEIRA; FELTES, p. 145-147).

(35)

nível dos sistemas de percepção, muito pouco é conhecido sobre os processos de pensamento denominados centrais. Os fundamentos teóricos dos estudos de Sperber e Wilson evidenciam uma forte relação entre lógica e cognição no tratamento das inferências não-demonstrativas, por meio dos mecanismos formais e cognitivos.

2.1.5 Mecanismo dedutivo

No processo interpretativo, conforme a Teoria da Relevância, a mente passa por um mecanismo dedutivo para dele derivar conclusões implicadas, quando da efetivação do modelo ostensivo-inferencial. Considerando as particularidades cognitivas da compreensão humana, esse mecanismo hipotetizado pelos autores – para elucidar as habilidades inferenci-ais espontâneas – explica os componentes lógico-cognitivos que constituem a base da nature-za essencialmente inferencial da comunicação humana.

Nesse mecanismo dedutivo, o processo de compreensão é não-demonstrativo, uma vez que não pode ser provado, apenas confirmado. E as inferências seguem um cálculo não-trivial onde

a verdade das premissas torna a verdade das conclusões apenas provável, através de um processo de formação de hipóteses – que supõe raciocínio criativo, analógico e associativo – e de confirmação de hipóteses – que se ajusta ao conhecimento de mundo do indivíduo e às evidências disponíveis a ele (SILVEIRA; FELTES, 1999, p. 34).

Cabe ressaltar, porém, que o mecanismo dedutivo utilizado na comunicação hu-mana não é um sistema lógico, no sentido da lógica pura. Ele é, na verdade, computacional,

(36)

limitado em suas operações não somente pelas regras dedutivas que aplica, exclusivamente interpretativas, mas também pelo modo como as aplica.

Vejamos como se dá a aplicabilidade dessas regras dedutivas. Durante o processo comunicativo, algumas suposições se tornam mais ou menos manifestas para falante e ouvinte – obviamente, nem sempre as mesmas para um e outro. Esse conjunto de suposições, embora apenas mentalmente representado, fornece as informações necessárias para a comunicação, que são as informações contextuais.

No processo comunicativo, o processamento dedutivo de informação toma como input o conjunto de suposições acessível ao ouvinte (informações contextuais) e

sistematica-mente dele deduz todas as conclusões possíveis. Isso porque cada suposição é formada por conceitos – constituintes pequenos sensíveis às regras dedutivas.

Segundo Sperber e Wilson, os conceitos são uma espécie de endereço ou de “eti-queta” que ligam a informação que está sendo processada às informações de natureza lógica,

enciclopédica e lexical. As informações de natureza lógica, constituídas por um conjunto

finito, pequeno e constante de regras dedutivas que se aplica às formas lógicas das quais são constituintes, são de caráter computacional.9 A entrada enciclopédica consiste nas informa-ções sobre a extensão ou denotação do conceito – objetos, eventos e/ou propriedades que o instanciam; são de caráter representacional e variam ao longo do tempo e de indivíduo para indivíduo. E a entrada lexical consiste de informações lingüísticas sobre a contraparte em lin-guagem natural do conceito – informação sintática e fonológica, de caráter representacional.

Nessa perspectiva, as regras dedutivas são sensíveis aos conceitos, encarregados de acessar as informações de natureza lógica, enciclopédica e lexical que aparecem na propo-sição que está sendo processada no decorrer do ato comunicativo.

(37)

Esses conceitos, estruturados em conjuntos, constituem as suposições que utiliza-mos na interpretação de enunciados. Sobre isso, os autores esclarecem.

It seems reasonable to regard logical forms, and in particular the proposition forms of assumptions, as composed of smaller constituents to whose presence and struc-tural arrangements the deductive rules are sensitive. These constituents we will call

concepts. An assumption, then, is a structured set of concepts (SPERBER;

WIL-SON, 1995, p. 85).

Assim, a construção do conteúdo de um enunciado envolve habilidade para não só identificar as palavras que o constituem, como também para recuperar os conceitos a elas as-sociados e também aplicar as regras dedutivas às suas entradas lógicas.

No momento, então, em que um conjunto de suposições é colocado na memória de um dispositivo dedutivo, todas as regras dedutivas acopladas à entrada lógica (referentes a ele) são acessadas. Vejamos o exemplo a seguir:

(16) (A) O Presidente Lula promete acabar com a fome.

(B) O povo está passando fome.

(C) Então o Presidente Lula está enganando o povo.

A conclusão por dedução (1a) acontece por dois motivos. Em primeiro lugar, por-que este mecanismo é equipado por um conjunto finito, pepor-queno e constante de regras deduti-vas que se aplica às formas lógicas das quais são constituintes. E, em segundo lugar, porque (este mecanismo) permite derivar conclusões advindas de premissas construídas no curso do processamento, e não necessariamente premissas pré-fixadas.10

As regras dedutivas pertencem a duas classes formalmente distintas, chamadas de analíticas e sintéticas. Uma regra analítica toma como input uma só suposição de uma

9

Para Sperber e Wilson, computacional é um sistema capaz de transformar um conjunto de representações em outro conjunto de representações, conforme alguma regra ou procedimento.

10

Nesse caso, em se seguindo a lógica padrão, a conclusão (1c) não seria plausível, uma vez que não deriva diretamente das premissas (1a-c). ‘O Presidente Lula está enganando o povo’ deveria constituir uma premissa já localizada em (1), o que não é o caso. Todavia, sabemos que, inferencialmente, (4a-c) mantém uma ligação implícita.

(38)

coordenada, por exemplo, a eliminação do “e”.Uma regra sintética toma como input duas suposições separadas, por exemplo, a regra modus ponendus ponens,11 que toma uma suposi-ção condicional e seu antecedente como inputs.

Sobre a implicação analítica os autores dizem:

A set of assunptions P analytically implies an assumption Q if and only if Q is one of the final theses in a deduction in which the initial theses are P, and in which only analytic rules have applied (SPERBER; WILSON, 1999, p. 104).

A propriedade dessas implicações é reflexiva, de tal forma que cada uma delas implica a si mesma. Assim, qualquer conclusão obtida de um conjunto inicial de suposições por derivação no qual apenas regras analíticas são usadas é dito analiticamente implicado por aquele conjunto de suposições. Assim, toda implicação que não é analítica será sintética. So-bre a sintética os autores dizem:

A set of assunptions P synthetically implies an assunption Q if and only if Q is one of final theses in a deduction in which the initial theses are P, and Q is not an ana-lytic implication of P (SPERBER e WILSON, 1999, p. 104).

Na prática, isso significa que uma implicação sintética é o resultado da derivação de pelo menos uma regra sintética.

Assim, Sperber e Wilson defendem a existência apenas de regras de eliminação do tipo modus ponendo ponens e eliminação do “e”. Elas produzem conclusões não-triviais que esclarecem como se dá o processo de transição das premissas às conclusões. Na interpretação 4 do Grupo Experimental o estudante ao analisar a charge produz a seguinte fala:

(17) Lula é igualzinho a todo político.

De acordo com a Teoria da Relevância, essa conclusão foi alcançada por meio da regra (3):

11

Para maiores esclarecimentos sobre as regras de eliminação do “e” e do modus ponendo ponens, conferir em Rauen, 2002, p. 42.

(39)

(18) Input: (i) PÆQ (ii) P

Output: Q

Em (3), dada uma relação de implicação entre duas proposições, quando a primei-ra é afirmada P, segue-se necessariamente a segunda Q. A regprimei-ra de eliminação da implicação, demonstrada em (3), modus ponendo ponens, toma como input o conjunto de premissas for-mado por P e Q e como output o conseqüente do condicional PÆ Q, ou seja, Q, o qual faz parte do conjunto de premissas iniciais. Vejamos (4):

(19) O povo está passando fome.

Se o Presidente Lula promete acabar com a fome então Lula é igual a todo político

O Presidente Lula promete acabar com a fome Lula é igual a todo político.

No caso (4), dada uma relação de implicação entre as proposições ‘O Presidente promete acabar com a fome’ e ‘O povo está passando fome’, quando a primeira é afirmada, segue-se necessariamente a segunda. Assim, lembrando-se da maioria dos políticos, e de que eles enganam o povo, e vendo que o Presidente Lula promete acabar com a fome, mas o povo está passando fome, o estudante pode ter concluído que ele é igual a todos os políticos por meio da regra dedutiva modus ponendo ponens.

Em (5), apresento a eliminação do “e”, a partir da regra:

(20) Input: P e Q

Output: P

Eliminando-se a conjunção “e”, em (5), que liga as duas proposições coordenadas, cada uma das proposições isoladamente é verdadeira. Assim em (6):

(21) Lula é igual a todo político e Lula promete acabar com a fome.

(40)

A partir da regra de eliminação, em (6), o estudante pode supor que “Lula é igual a todo político” e também que ‘todo político promete acabar com a fome’. Ambas suposições, mesmo separadas, consistem em verdades para o estudante.

Para os autores, uma vez que as regras de eliminação apresentam caráter intertativo, a mente se utiliza delas na compreensão dos atos comunicativos. O conteúdo das pre-missas, então, submetido a essas regras é analisado e explicado num cálculo dedutivo, indo além das propriedades puramente formais das suposições. Assim, ao enunciar (7c), da inter-pretação da charge o aluno 5 do grupo experimental diz:

(22) (a) O presidente Lula promete acabar com a fome.

(b) O povo está passando fome.

(c) Lula é igual a todo político.

É possível que o estudante tenha acessado as potenciais suposições armazenadas na memória:

Estudante1: Os políticos enganam o povo.

Estudante2. Lula também engana o povo.

Estudante3: Os políticos fazem promessas e não as cumprem.

Estudante4: Lula também faz promessas e não as cumprem.

E concluído

Estudante5 Æ Conclusão Implicada: Lula é igual a todo político.

Nesse caso, potencialmente, o estudante teria motivos para associar o Presidente Lula aos políticos que fazem promessas ao povo e os enganam.

Como foi visto, as conclusões por dedução aconteceram porque o mecanismo dedutivo é equipado por um conjunto de regras que se aplica às formas lógicas das quais são constituintes e porque permite derivar conclusões de premissas construídas no curso do

(41)

processamento. É bem visível, pois, que o modelo cognitivo da Teoria da Relevância é essen-cialmente dedutivo.

Assim, por realizarem uma grande economia na estocagem de representações ceituais do mundo, por se portarem como uma ferramenta que refina as representações con-ceituais do mundo e denuncia inconsistências e imprecisões nas representações concon-ceituais, as regras dedutivas de processamento são consideradas, pelos autores, uma hipótese empírica.

2.1.6 Ambiente cognitivo e efeito contextual

Durante o processo comunicativo, algumas suposições se tornam mais ou menos manifestas para falante e ouvinte. Esse conjunto de suposições manifestas em graus diversos constitui o que os autores chamam de ambiente cognitivo. Embora esse ambiente cognitivo seja um conjunto de suposições mentalmente representado e considerado verdadeiro, ele for-nece a informação for-necessária para a comunicação. Num ato comunicativo, o que se visa é à alteração dos ambientes cognitivos dos interlocutores.

O efeito contextual consiste no tipo de resultado que um estímulo recentemente recebido tem de produzir, já interagindo com algumas das suposições pré-existentes no siste-ma cognitivo, para poder ser considerado relevante para o sistesiste-ma.

Nesse sentido, as relações de relevância, por meio de inferências, modificam e a-perfeiçoam o conjunto de representações do mundo armazenado na memória dos indivíduos. Esse processo, além de evitar um acúmulo dispendioso de informações para o raciocínio,

(42)

proporciona o efeito contextual,12 que consiste na alteração de crenças do indivíduo, base do processo comunicativo.

Uma informação só será relevante para o ouvinte nos seguintes casos: se houver uma combinação dela com as suposições que o ouvinte já tem sobre o mundo, e dessa combi-nação resultar uma nova suposição; ou se essa informação nova der mais evidência a uma já existente; ou ainda se essa informação contradisser uma já existente, resultando, nesse caso, na eliminação da mais fraca.

Na interpretação de uma charge, esses efeitos têm fator preponderante, visto o ca-ráter crítico do estímulo. Em outras palavras, uma suposição só será relevante se houver efei-tos contextuais, que podem ocorrer por meio de implicação contextual, do fortalecimento (ou enfraquecimento) de suposições e da eliminação de suposições contraditórias.

No caso da implicação contextual, suposições nascem da soma da combinação de informações novas e velhas. As informações velhas formam o conjunto de suposições que constituem o ambiente cognitivo do indivíduo. A informação nova (P – os elementos dispos-tos na charge, por exemplo) inscreve-se no contexto de suposições (C – informações anterio-res sobre pobreza e fome para ambos os grupos, e, para o grupo experimental, informações adicionais sobre o Programa ‘Fome Zero’). Essa inscrição é chamada de contextualização de P em C.

No caso do fortalecimento, há um fortalecimento de suposições já existentes. A-qui, não se obtém uma informação nova derivada, apenas se reforça (ou se enriquece) uma informação já existente.

12

Segundo os autores, por que o efeito contextual implica mudanças e aprimoramento nas crenças do indivíduo, ele é um efeito cognitivo. Por este motivo, na edição de 1995, a expressão ‘efeito contextual’ passa a ser substituída por ‘efeito cognitivo’. Optei pela expressão antiga.

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Por fim, no enfraquecimento ou na eliminação, a suposição nova entra em con-tradição com as suposições existentes e, conforme sua força, pode enfraquecer o conhecimen-to anterior ou eliminá-lo. Em outras palavras, a eliminação de suposições ocorre quando entre duas suposições contraditórias a mais fraca (a que se tem menos evidência) é descartada.

O ser humano pode obter informações de quatro diferentes formas: por input per-ceptual – através de evidências de fontes sensórias (visual, auditiva, olfativa, tática, etc); por

input lingüístico – através da decodificação de sinais lingüísticos; pela ativação de suposições

estocadas na memória ou esquemas de suposições (completados com suposições contextuais);

e, por deduções – processo pelo qual se derivam as suposições adicionais.

Os efeitos contextuais alteram o conhecimento sobre o mundo armazenado na memória do indivíduo. Em sua produção, há dispêndio de energia mental. No que se refere ao esforço de processamento, os fatores dominantes são a complexidade lingüística e acessibili-dade do contexto.

Ao interpretar um enunciado, a seleção do contexto é parte do processo de inter-pretação e é direcionada pela busca da relevância no processamento de informação. Nenhuma suposição é relevante em si mesma, pois deve envolver pessoas com suas individualidades, podendo diferir de pessoa a pessoa em diferentes circunstâncias. Nesse trabalho, isso poderá ser visto nas interpretações da charge realizadas pelos dos grupos, a partir da explicatura.

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2.2 A TEORIA DA RELEVÂNCIA

A Teoria da Relevância é uma abordagem pragmático-cognitiva que parte da idéia de que prestamos atenção naquilo que nos interessa, isto é, que vem ao encontro de nossos interesses ou que se ajusta às circunstâncias do momento.

Sperber e Wilson (1986, 1995) basearam-se no modelo inferencial de Grice. O modelo de Grice destacou a complexidade do conceito de relevância e sua importância dentro do quadro de uma abordagem pragmática, propondo a noção de relevância como a única má-xima da categoria de relação, expressa pela fórmula “Seja Relevante”.

A relevância de um enunciado é encontrada mediante seu confronto com informa-ções antigas, o contexto. A visão de que o contexto é formado pelas proposiinforma-ções explicita-mente expressas no mesmo discurso, mesmo que confirmada em muitos casos, em outros de-monstra ser incompleta, pois uma suposição nova pode necessitar do acesso a outras proposi-ções, que não as imediatamente anteriores a ela, para produzir efeitos no contexto.

2.2.1 Relevância e Princípio da Relevância

A relevância consiste na relação entre uma suposição e um contexto. É considera-do um critério de consistência que permite escolher a suposição apropriada para uma interpre-tação adequada. Então, uma informação é relevante para o ouvinte na medida em que ela se combina com as suposições que este tem sobre o mundo, resultando numa nova suposição.

Referências

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