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2 REVISÃO TEÓRICA

2.2 A TEORIA DA RELEVÂNCIA

2.2.4 Forma lógica, explicatura e implicatura

Para Sperber e Wilson (1986, 1995) e Carston (1988), a descrição e a explicação dos níveis de compreensão acontecem desde a forma lógica, lexical e gramaticalmente deter- minada (explicada pela gramática), até a forma proposicional da implicatura (obtida por meio de inferências). Essa trajetória pode ser dividida em três níveis representacionais, quais sejam: a) o nível da forma lógica, na dependência da decodificação; b) o nível da explicatura, em que

a forma lógica é desenvolvida através de processos inferenciais de natureza pragmática; e c) o nível da implicatura, que parte da explicatura para a construção de inferências pragmáticas.

Conforme os autores, no ato comunicativo, uma das funções dos sistemas de en- trada (perceptual, lingüístico) consiste em transformar as representações sensoriais em repre- sentações conceituais, a fim de que todas passem a ter o mesmo formato, independentemente da modalidade sensorial de que derivam.

Nesse processo, portanto, a mente envolve propriedades lógicas e não-lógicas. À cognição interessa a propriedade lógica, denominada pelos autores de forma lógica. Uma forma lógica, então

is a well-formed formula, a structured set os constituents, which undergoes formal logical operations determined by its structure” (SPERBER; WILSON, 1995, p. 72).

O que a distingue de outras operações formais é o fato de a forma lógica conservar o valor de verdade, em princípio. Por esse motivo, ela permite implicações e contradições, nas relações entre diversas outras representações mentais.

Os autores ainda classificam a forma lógica como proposicional e não- proposicional. Enquanto a forma lógica proposicional é sintaticamente bem formada e seman- ticamente completa, a forma lógica não-proposicional é sintaticamente bem formada, mas semanticamente incompleta. Assim, no processo comunicativo, a mente é capaz de, ao rece- ber uma informação em nível não-proposicional, enriquecê-la inferencialmente por meio da designação de referência e desambiguação, ou com base na informação contextual, desenvol- vendo-se esquemas de suposição organizados na memória enciclopédica, e transformá-la em forma lógica proposicional.

No momento em que uma sentença em linguagem natural é enunciada, os sistemas de input lingüístico automaticamente a decodificam em sua forma lógica, ou num conjunto de

formas lógicas (em caso de ambigüidade) que o ouvinte normalmente deverá ser capaz de esperar completar na forma proposicional supostamente intencionada pelo falante.

Veja-se o exemplo a seguir, onde Ana responde para Pedro se João havia ou não ido ao Banco pagar um boleto que só podia ser pago em uma agência. Pedro e Ana estão em casa às 21 horas, e a agência está fechada, de modo que se João não houvesse ido ao Banco, a conta não teria sido paga e Pedro deveria pagar juros de mora.

(23) Ele foi lá.

Assim que ouve Ana dizer (24) num dado momento, o enunciado se decodificará com a forma lógica não-proposicional da oração (25), que pode completar-se para produzir a forma proposicional (26), que pode, por sua vez, integra-se a uma atitude proposicional (27):

(24) /elI foy ‘la/

(25) ele foi lá (forma lógica não-proposicional).

(26) ele [João] foi lá [ao banco] ∅ [hoje] (forma lógica proposicional).

(27) [Ana afirma que] ele [João] foi lá [ao banco] ∅ [hoje] (recuperação da atitude

proposicional do falante).

Nesse caso, uma representação semântica foi escolhida, completada e enriquecida para produzir a forma proposicional expressa pelo enunciado. Partindo do termo implicatura, de Grice (1975), Sperber e Wilson (1986,1995) e Carston (1988) chegam a um nível pragmá- tico da comunicação humana, que se situa entre a decodificação lingüística e a implicação contextual: a explicatura. Em outras palavras, entre os dois pólos – dito e implicado – ocorre um nível intermediário, o de conteúdo explícito. Enquanto a implicatura é uma suposição im- plicitamente comunicada, a explicatura é uma suposição explicitamente comunicada.

É no nível da explicatura, portanto, que as operações pragmáticas, envolvendo a- tribuição de referência, desambiguação, resolução de indeterminâncias, interpretação de

linguagem metafórica, enriquecimentos devido a elipses, entre outras, concentram-se e são recuperadas por inferência.

Ao ouvinte cabe recuperar essas operações pragmáticas, que estão no nível da ex- plicatura, de três modos, quais sejam: do contexto, da forma proposicional do enunciado e da atitude proposicional expressa pelo falante. Sabendo-se, pois, que o contexto vai sendo cons- truído no curso do processo comunicativo, e que a forma proposicional é sintaticamente bem formada e semanticamente completa, resta, então, definir a que se referem os autores ao citar a ‘atitude proposicional do falante’.

Segundo Sperber e Wilson, além de os enunciados expressarem uma forma propo- sicional explícita, eles a expressam de um modo lingüisticamente determinado. A esse modo lingüisticamente determinado de expressar alguma coisa eles denominam atitude proposicio- nal, como ‘dizer’, ‘perguntar’, etc. Por exemplo, o ouvinte inferirá que o enunciado se trata apenas de uma enunciação, se este apresentar uma entonação descendente. No entanto, se essa entonação apresentar um perfil ascendente, o ouvinte inferirá que se trata de um enunciado interrogativo. Assim, embora o modo de dizer algo esteja codificado lingüisticamente, da mesma maneira que a forma lógica do enunciado determina parcialmente a forma proposicio- nal expressada, o modo determina parcialmente a atitude proposicional expressada. Cabe ao ouvinte, portanto, identificar esta atitude proposicional.

Nesse caso, a tarefa de um ouvinte é complexa: além de identificar um conjunto de intenções informativas do falante, usando como premissas uma descrição do comporta- mento do falante, da atitude proposicional junto com informação contextual, ele tem de desig- nar uma forma proposicional única ao enunciado (selecionando uma entre as representações semânticas designadas pela pragmática), designar um referente para cada expressão referen- cial e especificar a contribuição de termos vagos. No caso da ambigüidade, o ouvinte

possivelmente terá de construir um conjunto de formas lógicas a fim de conferir a que melhor se ajusta ao enunciado.

No caso do exemplo (23), Pedro tem de recuperar os referentes das entradas lexi- cais ‘ele’e ‘lá’ de modo a explicitá-las como ‘João’ e ‘à agência bancária’. Além disso, deve preencher a elipse das coordenadas temporais, possivelmente com algo como ‘hoje’ ou ‘no horário do atendimento bancário’. Repare-se que todos esses preenchimentos são governados pelo princípio de relevância que preconiza que Ana está oferecendo o estímulo mais relevante possível de acordo com suas habilidades e preferências, de modo que espera o máximo de efeitos contextuais com o mínimo de esforço justificável. Desse modo, a primeira interpreta- ção consistente com o princípio é aquela onde Ana afirma para Pedro que João foi à agência bancária no dia do enunciado, hoje, e em horário apto para pagar o boleto.

Obviamente, isso pode falhar. Ana poderia ter apostado na ida de João, ou seja, confiando que ele teria ido, mas não tem evidência para tanto. Nesse caso, sua intenção é a- calmar Pedro. Ela poderia querer dizer que ele foi lá, mas o estabelecimento bancário foi e- quivocado. Ela poderia querer dizer que João foi à agência correta, mas depois do expediente. Todavia, todas essas possibilidades de explicitação são mais fracas e, provavelmente, não teriam sido recuperadas por Pedro.

O próximo nível representacional é a implicatura. Uma implicatura é uma supo- sição comunicada, mas não de forma explícita. A implicatura é recuperada por referência às expectativas manifestas do falante sobre como seu enunciado deveria atingir relevância ótima. Assim, numa troca verbal, uma implicatura é derivada da ambientação do enunci- ado, mais especificamente, da explicitação (explicatura) desse enunciado, no ambiente cogni- tivo do intérprete. Nesse caso, essa explicatura entra no mecanismo dedutivo como uma nova

suposição e compõe uma premissa implicada de uma regra de eliminação. O produto dessa regra de eliminação é uma conclusão implicada (a implicatura).

No nosso exemplo, imagine-se que Pedro possua o conjunto (mínimo) de suposi- ções prévias (28). Ao ouvir (23) e explicitá-la como em (27), no mecanismo dedutivo, (27) passa a compor uma premissa numa derivação sintética por modus ponens, de modo a gerar (29) ou mesmo (30). Veja-se

(28) S1 – O boleto vence hoje.

S2 – O boleto só pode ser pago na agência bancária.

S3 – Atraso no pagamento do boleto gera juros de mora

S4 – João ficou de pagar o boleto hoje.

(23) ele foi lá.

(27) Ana afirma que] ele [João] foi lá [ao banco] ∅ [hoje].

(29) S5 – Se Ana afirma que João foi ao banco hoje, então João pagou o boleto

(premissa implicada por modus ponens). S6 – Ana afirma que João foi ao banco hoje.

S7 – João pagou o boleto (conclusão implicada (implicatura) por elimina-

ção da premissa antecedente).

(30) S5 – Se Ana afirma que João foi ao banco hoje, então João não pagará juros

de mora (premissa implicada por modus ponens). S6 – Ana afirma que João foi ao banco hoje.

S7 – João não pagará juros de mora (conclusão implicada (implicatura)

por eliminação da premissa antecedente).

Nesse caso, a suposição do pagamento do boleto ou mesmo a suposição do não pagamento dos juros de mora possa ser a intenção (o ser acerca do que) o enunciado de Ana tratava. Em outras palavras, ao dizer “Ele foi lá”, Ana queria dizer “João pagou o boleto” ou mesmo “Pedro, você não vai pagar juros”.

A utilização dessa metodologia de análise será a tônica nas análises que se seguem no próximo capítulo, de modo a recuperar pelas pistas lingüísticas dos enunciados da interpre- tação, as estratégias de compreensão dos informantes e a observar o viés do título da charge nessas estratégias.

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