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O monitoramento eletrônico e o repúdio aos efeitos dessocializadores do cárcere

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Academic year: 2021

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MARINA FERRI RITTER 5c

O MONITORAMENTO ELETRÔNICO E O REPÚDIO AOS EFEITOS DESSOCIALIZADORES DO CÁRCERE IJUÍ (RS) 2011

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Início contagem p

MARINA FERRI RITTER

O MONITORAMENTO ELETRÔNICO E O REPÚDIO AOS EFEITOS DESSOCIALIZADORES DO CÁRCERE

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Patrícia Borges Moura

IJUÍ (RS) 2011

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z

MARINA FERRI RITTER

O MONITORAMENTO ELETRÔNICO E O REPÚDIO AOS EFEITOS DESSOCIALIZADORES DO CÁRCERE

Trabalho final do Curso de Graduação em Direito aprovada pela Banca Examinadora abaixo subscrita, como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito e a aprovação no componente curricular de Trabalho de Curso.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas

Ijuí, 05 de dezembro de 2011. _________________________________________ Patrícia Borges Moura – Mestre - UNIJUI _________________________________________ Diolinda Kurrle Hannusch – Mestre – UNIJUÍ

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Dedico este trabalho às pessoas mais especiais da minha vida, que incentivaram-me

com suas mensagens de otimismo,

perseverança, com suas experiências de vida, auxiliando-me, inclusive financeiramente, nos momentos em que eu não dispunha de

recursos ao longo da minha jornada

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AGRADECIMENTOS

A Deus, acima de tudo, por iluminar sempre meus caminhos sob a Sua proteção.

A minha mãe Inês Terezinha Ferri, pelo amor incondicional, por sua luta e dedicação, seu carinho consolador, suas esperas e incentivo nos momentos mais difíceis. Obrigada por permitir a realização dos meus sonhos.

A minha dinda Lurdes Terra, minha segunda mãe, que ensinou-me a praticar a paciência.

Aos meus anjos, Sandra Vogel e

Rosane Becker, que,

desinteressadamente, estenderam-me

suas mãos nos momentos mais ásperos, torcendo e acreditando no meu sucesso.

A minha amiga especial Karina Wolfgruber e as minhas colegas de jornada acadêmica jurídica Elisa de Bortoli Keller, Bárbara Cavalheiro e Alilian Kieling, que sempre me arrebataram.

A minha orientadora Patrícia Borges Moura, por ter me guiado com o seu conhecimento, dedicando-me seu tempo com muita disponibilidade.

A todos que colaboraram de uma maneira ou outra durante a trajetória de construção deste trabalho, fica meu agradecimento.

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Nisto está a resposta para a diminuição da criminalidade: crescimento econômico, sucesso

no combate ao desemprego e política educacional eficiente. [...] O Direito Penal deve

ser mínimo e a pena de prisão reservada para os crimes realmente graves. O que deve ser

máximo é o Estado Social. Aury Lopes Júnior

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cm p RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica aborda aspectos basilares do Direito Penal, a importância de seus princípios e da orientação de suas penas em critérios respeitadores da dignidade da pessoa humana. Descreve a crise institucional do sistema penal do ponto de vista da não concretização dos valores proclamados, da repercussão negativa dos seus efeitos e da ilusão jurídica estabelecida em seu discurso formal. Faz referência às políticas criminais contemporâneas, de modo a permitir a observação das formas empregadas diante dos problemas que se apresentam na esfera jurídico-penal. Discute a implementação da prática monitorada no Direito Penal brasileiro, analisando as definições, conceitos, considerando também o direito comparado e as experiências internacionais de aplicação da medida. Nessa perspectiva, tece as opiniões doutrinárias quanto ao uso das tornozeleiras/braceletes eletrônicos, por tratar-se de matéria emergente no país, que tem originado os mais variados questionamentos e críticas acerca da incorporação do modelo internacional no contexto brasileiro.

Palavras-Chave: Direito Penal. Crise Institucional. Monitoramento Eletrônico. Direito Comparado.

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ABSTRACT

The present monographic research paper discusses basic aspects of Criminal Law, the importance of its principles and of the guidance of its sentences on criteria that respect the dignity of the human being. It describes the institutional crisis of the penal system from the standpoint of not achieving the proclaimed values, the negative repercussion of its effects, and the juridical illusion established in its formal speech. It makes reference to contemporary criminal policies in order to allow observation of the ways employed in face of problems that arise in criminal legal sphere. It discusses the implementation of monitored practice in Brazilian Criminal Law by analyzing the definitions, concepts, also considering the comparative law and international experiences of implementing the measure. From this perspective, it illustrates the doctrinal opinions on the use of electronical anklets/bracelets, because it is an arising matter in the country that has produced the most varied questionings and criticisms about the incorporation of the international model in the Brazilian context.

Keywords: Criminal Law. Institutional Crisis. Electronic Monitoring. Comparative Law.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...09

1 ESTADO PENAL: A CRISE DESLEGITIMADORA ...11

1.1 A Dignidade da pessoa humana e a imperatividade dos princípios penais ...11

1.2 A violência institucional do sistema penitenciário a contribuir para a crise de legitimidade do sistema penal ...21

1.3 Políticas criminais brasileiras contemporâneas ...26

2 MONITORAMENTO ELETRÔNICO: AVANÇOS OU RETROCESSOS ...36

2.1 Rastreamento eletrônico: conceitos, definições e críticas ...36

2.2 Experiências internacionais no direito comparado...46

2.3 O monitoramento eletrônico no Brasil: limites, usos e natureza jurídica ..51

CONCLUSÃO ...59

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa monográfica dedicar-se-á a explorar a nova medida de monitoramento eletrônico dos presos, que recentemente ganhou implementação no Brasil, tornando-se devidamente regulada por legislação, o que derivou em muitas discussões polêmicas e divergentes.

Esta análise requer ênfase no valor máximo do Estado Democrático de Direito, qual seja, a dignidade da pessoa humana, no sentido extremo de seu aspecto valorativo.

Ademais, as normas que compõem a dogmática jurídica são elaboradas com base em preceitos axiológicos, que são os princípios, de suma importância, ao lado da Constituição Federal de 1988, instrumento consagrador de limites punitivos ao Estado, primando o respeito aos direitos e garantias fundamentais.

Inicialmente, e estender-se-á a abordagem para a crise enfrentada no sistema penal, revelada através da ineficácia das penas que, por ter o cárcere efeitos dessocializadores, atinge assim a idoneidade do sistema no momento em que permite-se violências geradas com a estigmatização através da pena privativa de liberdade. O problema penitenciário coloca em crise a legitimidade do Estado em sua pretensão punitiva, pois a violência resta institucionalizada.

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Ainda, no primeiro capítulo, serão estudadas as principais políticas criminais contemporâneas, seguidas das opiniões doutrinárias quanto às estratégias buscadas para viabilizar um direito penal efetivo.

Num segundo momento, o trabalho desenvolverá a temática principal, definindo e conceituando a prática monitorada como medida alternativa à pena privativa de liberdade e à prisão preventiva que, por sua vez, não possibilita a ressocialização ou a reeducação/reintegração do apenado.

A pesquisa também englobará as experiências realizadas no cenário mundial, com as práticas implementadas no direito comparado e as formas de aplicação adotadas por cada país. Por fim, será analisada a legislação vigente no âmbito nacional e também no estado do Rio Grande do Sul.

Novas discussões e metodologias devem ser apreciadas para melhorar os resultados da prestação jurisdicional, sobretudo na esfera penal. A partir da análise dos diversos argumentos doutrinários será possível identificar a utilidade/necessidade do monitoramento eletrônico, caracterizando o uso de tornozeleiras/braceletes, visualizando se o método configura-se medida repressivista ou minimalista, se a dignidade da pessoa humana resta prejudicada ou não pelo novo instrumento punitivo.

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1 ESTADO PENAL: A CRISE DESLEGITIMADORA

A análise do Direito Penal requer seja dada ênfase aos valores primordiais que devem orientar sua atuação, seus princípios e a supremacia do respeito à dignidade da pessoa humana. Em conseqüência da ineficácia de diversas medidas penais, o sistema enfrenta uma crise de legitimidade punitiva, o que se percebe pelos efeitos negativos decorrentes da sua execução. Para compreender o Estado Penal no contexto atual, torna-se necessário estudar e assimilar as políticas criminais contemporâneas, explanando como o Estado se porta diante dos problemas da criminalidade e quais valores procura tutelar através de suas recomendações.

1.1 A dignidade da pessoa humana e a imperatividade dos princípios penais

Os princípios constitucionais e as garantias individuais devem atuar, no entendimento de Capez (2008, p. 13): “como balizas para a correta interpretação e a justa aplicação das normais penais”.

Nesse passo, leciona Mello (apud CAPEZ, 2008, 12-13), que é mais grave transgredir um princípio do que a própria norma, pois ao violar um princípio, está-se atingindo também todo o sistema:

Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. E é a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa ingerência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

Para além da importância normativa, faz-se necessário elucidar a supremacia dos princípios no ordenamento jurídico, sua relevância na análise das questões penais, como fonte inclusive da própria positividade das leis. Dentre as fontes do

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Direito, também os princípios têm a sua força imperativa, conforme se manifesta Pinho (2006, p. 58):

Os princípios são dotados de normatividade, ou seja, possuem efeito vinculante, e constituem regras jurídicas efetivas. Existe uma tendência moderna no direito constitucional denominada pós-positivismo, adotada por Paulo Bonavides e Ruy Spindola, em que há valorização jurídica e política dos princípios enunciados nos textos legais.

Os princípios gerais de Direito são normas orientadoras do julgador, que auxiliam a interpretar os conceitos abstratos e concretos do Direito. Nos dizeres de Venosa (2005, p. 53): “[...] por esses princípios, o intérprete investiga o pensamento mais alto da cultura jurídica universal, buscando uma orientação geral do pensamento jurídico.”

Bastos (2001, p. 55) afirma que as normas podem ser tanto princípios quanto preceitos, estando ambos num mesmo nível hierárquico, podendo um princípio sobrepor-se ao preceito quando, no caso concreto, este perde sua densidade semântica. Com função transcendental dentro da Constituição Federal, os princípios não criam direitos, mas servem como diretrizes, pois deles é que surgem as diversas normas, critério que auxilia na interpretação destas, tornando algumas inconstitucionais quando divergirem diretamente com um princípio. O conceito de Bastos (2001, p. 58) para princípio, estabelece que

Princípio é, por definição, o mandamento nuclear de um sistema, ou, se preferir, o verdadeiro alicerce deste. Trata-se de disposição fundamental que irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência. O princípio, ao definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, acaba por lhe conferir a tônica e lhe dar sentido harmônico.

Portanto, todas as normas do Direito Constitucional devem ser compreendidas conforme estes princípios. É a norma que deve estar adequada ao princípio e não o contrário, pois este embasa aquela. Somente após o pós-positivismo é que os princípios ganharam status de direito, consagrados pelo texto constitucional, que lhe dota de força normativa. Nos dizeres de Bonavides (2003, p. 264): “As novas Constituições promulgadas acentuam a hegemonia axiológica dos

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princípios, convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais.”

Para Bonavides (2003), o princípio é uma norma primária, utilizado no ordenamento jurídico para aferir o conteúdo constitucional na normatividade mais elevada. Nas suas palavras, os princípios são “normas-chaves”, contribuindo para a valoração e a eficácia dos pressupostos constitucionais.

Miranda (apud SILVA, 2002, p. 96) aborda o princípio como uma função ordenadora do conjunto normativo, que tem ação imediata, sendo diretamente aplicável e capaz de conformar as relações constitucionais e políticas. Em seus ensinamentos: “ação imediata dos princípios consistem em primeiro lugar, em funcionarem como critério de interpretação e integração, pois são eles que dão coerência geral ao sistema.”

O conteúdo axiológico dos princípios permite a estruturação do Estado Democrático de Direito, transformando o operador do direito em intérprete da norma, para além da dogmática jurídica.

Na seara penal, o princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade, estabelece que a lei penal terá atuação como última resposta, quando necessária e impossível a tutela por outra via menos gravosa, por isso também denominado ultima ratio.

Em conformidade com a lição de Prado (2004, p. 140-141):

Aparece ele como uma orientação político criminal restritiva do jus puniendi e deriva da própria natureza do Direito Penal e da concepção material de Estado de Direito Democrático. O uso excessivo da sanção criminal (inflação penal) não garante uma maior proteção de bens: ao contrário, condena o sistema penal a uma função meramente simbólica e negativa.

Assim, a inversão da atuação da lei penal na realidade social, apenas tumultua o exercício jurisdicional, impedindo respostas efetivas nos ilícitos que demandam maior rigor e mais rapidez na persecução.

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Ferrajoli (apud CARVALHO, 2008, p. 83) elabora categorias para justificar a responsabilização penal e a aplicação da pena, criando o sistema garantista baseado nas condições seguintes: pena, delito, lei, necessidade, ofensa, conduta, culpabilidade, juízo, acusação, prova e defesa. A intervenção do Estado deve ser mínima, limitando o arbítrio punitivo com propostas políticas que torne desnecessária a incidência de normas penais naquelas condutas menos ofensivas.

Além dos princípios da intervenção mínima ou subsidiariedade, também serão vistos outros tão importantes quanto os primeiros, quais sejam: dignidade da pessoa humana, lesividade, proporcionalidade ou razoabilidade, humanidade das penas, individualização das penas, legalidade e igualdade. Há referência ao movimento dos Direitos Humanos, pois foi através deste que a dignidade da pessoa humana consolidou-se como princípio supremo e universal, conforme se mencionará a seguir.

O princípio da dignidade da pessoa humana, por sua vez, é para Thums (2006, p. 96) um princípio estruturador, que viabiliza a democratização do Estado de Direito, reconhecendo o valor dos direitos humanos como principal preocupação do ordenamento constitucional.

O direito previsto pela legislação de execução penal não consegue efetivar-se no cumprimento das medidas impostas, o que destaca a reprodução institucional da violência e a violação de princípios fundamentais, como o da dignidade da pessoa humana, no entendimento de Thums (2006, p. 95):

Mesmo assim, há várias situações concretas que flagrantemente violam o princípio fundamental da ordem jurídica, a dignidade da pessoa humana. A propósito, veja-se apenas um exemplo, representado pelo sistema carcerário, que deveria ser administrado segundo uma moderna Lei de Execuções Penais (Lei n.º 7.210/84), mas que, na verdade, afronta a dignidade da pessoa humana de forma gritante [...]

Note-se que este princípio constitucional atua inclusive limitando o poder punitivo estatal. Sua relevância é tamanha que tornou-se prioridade para as Nações Unidas, pauta em Direito Internacional, com status universal de direito fundamental.

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Nesse sentido, Thums (2006, p. 104) discorre acerca da importância da dignidade da pessoa humana enquanto matriz de direitos, por seu valor ético e conteúdo fundamentador dos direitos humanos, conceituando

[...] a dignidade da pessoa humana é a matriz dos direitos fundamentais, ou seja, é a fonte jurídico-positiva destes direitos. Nas palavras de Jorge Miranda seria a fonte ética que confere unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema dos direitos fundamentais, ou ainda, na lição de Pérez Lunõ, a dignidade da pessoa humana é o valor básico (Grundwert) fundamentador dos direitos humanos.

O princípio da lesividade muito interessa aos próximos itens que serão examinados a seguir. Estabelece que “à conduta puramente interna, ou puramente individual – seja pecaminosa, imoral, escandalosa ou diferente – falta a lesividade que pode legitimar a intervenção penal.” (BATISTA, 2001, p. 91).

As funções principais do princípio da lesividade, segundo Batista (2001, p. 92-94), são:

Proibir a incriminação de uma atitude interna. [...] proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor. [...] proibir a incriminação de simples estados ou condições existenciais. [...] proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico.

O princípio da proporcionalidade ou razoabilidade é aplicado considerando três elementos: necessidade, adequação e proporcionalidade. Para Coelho (apud LENZA, p. 138) o princípio:

[...] consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente de idéias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo, e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive de âmbito constitucional; e ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico.

Referido princípio garante a legitimidade das restrições de direitos, o que é de suma importância para garantir a dignidade da pessoa humana durante a aplicação de toda e qualquer medida de execução penal.

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O princípio da humanidade das penas garante que, no Brasil, não haja pena de tortura, pena cruel, de trabalhos forçados ou até mesmo pena de morte, o que consta do próprio texto constitucional. O movimento histórico iluminista foi o grande fomentador da extinção das penas de tortura e dos castigos, afastando esses suplícios corporais, repudiando as condutas degradantes em relação ao ser humano.

A pena, como consagrada em nosso ordenamento jurídico, não pode violar a integridade física ou moral do agente criminoso. Não se aceitam penas que tenham alguma forma de crueldade, desumanidade ou degradação ao ser humano. O agente que está em custódia pelo Estado tem direitos que devem ser respeitados. (WEINMANN, 2004, p. 363).

O princípio da legalidade, também denominado por Batista como princípio da reserva legal, surgiu durante a revolução burguesa e tornou-se a concretização da luta pela positividade jurídica, pois durante o período histórico absolutista houveram muitos abusos, o que fomentou a necessidade de previsão da reação penal. Nas palavras de Batista (2001, p. 65), referido princípio “constitui a chave mestra de qualquer sistema penal que se pretenda racional e justo”. Localiza-se, na legislação brasileira, no artigo 1º do Código Penal, prevendo que não há crime sem lei anterior que o defina, não há pena sem prévia cominação legal.

Além de assegurar a possibilidade do prévio conhecimento dos crimes e das penas, o princípio garante que o cidadão não será submetido a coerção penal distinta daquela predisposta na lei. Está o princípio da legalidade inscrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos. (BATISTA, 2001, p. 67).

Para Lucas, Maders e Argerich (2008, p. 60), o princípio da legalidade não deve ser confundido com o princípio da reserva legal, o que também defende Silva (2002). Explicam que o primeiro traduz-se na submissão e no respeito à lei, enquanto que o segundo estabelece que a regulamentação de determinados assuntos e matérias deve-se fazer por meio de uma lei formal.

O princípio da igualdade também merece referência no desenvolvimento deste trabalho. Não menos importante que os demais, representa o maior signo da democracia, podendo ser oponível sobretudo ao legislador, pois dele exige-se que

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as leis se pautem sobre critérios de razoabilidade e não por disposições arbitrárias. A igualdade pode ser formal (diante da lei) ou material (igualização das condições dos desiguais). Moraes (apud LUCAS; MADERS; ARGERICH, 2008, p. 60-61), atribui finalidade tríplice a este princípio, quais sejam:

a) Limitação ao legislador – o legislador no exercício de sua função constitucional de edição normativa, não poderá afastar-se do princípio da igualidade, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.

b) Limitação ao intérprete/autoridade pública – não poderá aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar as desigualdades arbitrárias. Ressalta-se que, em especial, o Poder Judiciário, no exercício de sua função jurisdicional de dizer o direito ao caso concreto, deverá utilizar os mecanismos constitucionais, no sentido de dar uma interpretação única e igualitária às normas jurídicas.

c) Limitação ao particular – o particular não poderá pautar-se por condutas discriminatórias, preconceituosas ou racistas, sob pena de responsabilidade civil e penal, nos termos da legislação em vigor.

Com o advento da Lei n.º 7.210/84, a execução penal exige o respeito a uma série de direitos assegurados aos apenados, apesar de perceber-se atualmente o quanto o discurso ganha conotação idealizadora, distanciando-se da realidade apresentada pelos presídios, onde deveria estar retratada a aplicação da referida disposição legal.

No texto constitucional também se encontra explícito o Princípio da Individualização das Penas. Conforme o entendimento de Weinmann (2004, p. 363), este princípio é “um freio legal aos abusos que eventualmente podem advir do Estado”. O Código Penal estabelece critérios para a fixação da pena considerando características próprias e individuais do agente delituoso, conforme o artigo 59, caput.

A Constituição Federal de 1988 aponta cinco fundamentos em seu art. 1º, que servem como parâmetro na organização da sociedade e na ordem jurídica, que devem estar estruturados a partir da soberania do Estado, a cidadania dos direitos tanto políticos quanto civis, a dignidade da pessoa humana, que é um princípio

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absoluto, extensivo a todos, a valorização do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político.

Os princípios da proporcionalidade, da intervenção mínima, da legalidade, da dignidade da pessoa humana, da igualdade, são todos orientadores da matéria penal, por isso, o Direito Constitucional está vinculado a todos os demais ramos do direito, interferindo nas relações jurídicas como norma soberana e limitadora das demais, não podendo qualquer norma estar em conflito com o texto constitucional de 1988.

É relevante a influência constitucional no Direito Penal quando os bens jurídicos em questão forem àqueles tutelados pela Constituição como é a vida, a liberdade, a personalidade, etc. Portanto, ter-se-á que levar em consideração o texto constitucional para cada medida que seja aplicada no direito penal, sob pena de estar violando direitos fundamentais, correndo-se o risco de coibir ilícitos com uma violência maior do que aquela própria que se pretende punir.

Direitos Humanos não devem ser confundidos com direitos fundamentais. Ambos são de especial importância, juntamente com os princípios no sentido de garantir uma execução penal adequada, sem violações. Para estudar posteriormente o monitoramento eletrônico, será debatida a execução penal da medida e quais direitos estão implicados nesta prática.

Os Direitos Humanos surgiram na Idade Moderna, a partir da luta contra o absolutismo estatal. São de extrema relevância para o estudo do monitoramento eletrônico, haja vista que deles decorreu a consagração da dignidade da pessoa humana como valor supremo na orientação de qualquer tipo de execução penal.

Podemos então afirmar que do Estado Democrático de Direito parte o princípio da dignidade da pessoa humana, orientando toda a formação do Direito Penal. Qualquer construção típica cujo conteúdo contrariar e afrontar a dignidade humana será materialmente inconstitucional visto que atentória ao próprio fundamento da existência de nosso Estado. (CAPEZ, 2008, p. 11).

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Bobbio (apud CORREA, 2002, p. 197) apresenta três fases na história das declarações de direitos, sendo a fase das teorias filosóficas, fase das Declarações de Direitos do século XVIII (onde as declarações estavam restritas aos Estados que as reconheciam) e a fase da Declaração de 1948.

Com esta última fase, estavam positivados os Direitos Humanos, que passaram por um processo de internacionalização, regulação esta que surge após a segunda guerra mundial, a partir da criação da ONU. Nesta perspectiva, surge um conceito de Direitos Humanos, que em síntese, segundo Santos Junior (apud CORREA, 2002, p. 197):

[...] consistem na defesa do direito à vida; significam direito à saúde, educação, moradia, lazer, alimentação, transporte, trabalho, salário justo e terra para quem nela trabalha, além de segurança contra a violência da própria polícia e contra a da criminalidade.

A universalização dos Direitos Humanos consagrou para além das Constituições a proteção à dignidade da pessoa humana, projetando a garantia que já era constitucional a um status internacional, de direito universal. Na Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seus trinta artigos, com sete considerações, fica reconhecida de forma solene:

[...] a dignidade da pessoa humana, como base da liberdade, da justiça e da paz; o ideal democrático com fulcro no progresso econômico, social e cultural; o direito de resistência à opressão; finalmente, a concepção comum desses direitos. (SILVA, 2002, p. 163).

Portanto, a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, CF/1988) deve orientar, nas palavras de Capez (2008, p. 12): “o legislador no momento de criar um novo delito e o operador, no instante em que vai realizar a atividade de adequação típica.”

A perspectiva para o século XXI é de um novo constitucionalismo ou neoconstitucionalismo, ou ainda, como denomina Lenza, constitucionalismo pós-positivismo.

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Cada vez mais está se buscando dar vida a preceitos fundamentais, que embora válidos não estejam eficazes. Isto se soma a idéia do constitucionalismo do futuro que vai consolidar os direitos humanos de 3ª dimensão: fraternidade, solidariedade e outros.

[...] buscar a eficácia da Constituição, deixando o texto de ter um caráter meramente retórico e passando a ser mais efetivo, especialmente diante da expectativa de concretização dos direitos fundamentais. (LENZA, 2010, p. 55).

O ideal neoconstitucional é promover os valores que estão explícitos, é procurar mecanismos para a sua concretização, conforme o entendimento de Lenza (2010, p. 57). O grande desafio constitucional encontrado é de efetivamente garantir as condições dignas mínimas ao ser humano. Esta pretensão de eficácia deverá ser atingida através de uma nova dogmática de interpretação constitucional.

Os direitos fundamentais não são apenas os previstos no artigo 5º da CF/1988. A manifestação do STF – Supremo Tribunal Federal é no sentido de que estes direitos possam estar no texto constitucional de forma expressa e inclusive sendo garantidos por princípios constitucionais e aqueles derivados de tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil faça parte.

Direitos e garantias fundamentais são distintos, conforme Lenza (2010, p. 780):

[...] os direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados.

Nesse sentido, a dignidade da pessoa humana orienta todos os demais princípios dela derivados: legalidade, insignificância, alteridade, confiança, adequação social, intervenção mínima, fragmentariedade, proporcionalidade, humanidade, necessidade e ofensividade. (CAPEZ, 2008, p. 13).

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A atuação dos princípios, especialmente o da dignidade da pessoa humana, busca efetivar as normas constitucionais, seus direitos e garantias fundamentais, nos seguintes termos:

[...] o enfoque a ser conferido não é o de um instrumento opressivo em defesa do aparelho estatal, mas o de um complexo de regras punitivas tendentes a limitar o arbítrio e a excessiva atuação do Estado na esfera da liberdade do indivíduo. (CAPEZ, 2008, p. 13-14).

Nas palavras de Hauser (2010), pode-se perceber o quanto o direito penal contemporâneo viola os princípios basilares, orientadores do instituto, o que prejudica a legitimidade do Estado, em sua pretensão punitiva, ao permitir que sua aplicação reproduza a violência que o ente estatal deve coibir:

Nesta era, marcada pela globalização dos crimes e dos criminosos, pela hipertrofia legislativa, consolida-se um novo Direito Penal, caracterizado, especialmente, pela violação de princípios clássicos, como a intervenção mínima, a legalidade, a lesividade, a proporcionalidade, entre outros. (HAUSER, 2010, p. 23).

O próximo item abordará os reflexos negativos do direito penal, que enfrenta uma crise de legitimidade, pois o Estado não consegue aplicar as medidas de execução penal garantindo o respeito aos princípios, em especial da dignidade da pessoa humana e à própria Constituição Federal, o que torna ineficazes as tentativas de ressocializar ou reeducar o agente delitivo, infiltrando-o em uma subcultura criminal.

1.2 A violência institucional do sistema penitenciário a contribuir para a crise de legitimidade do sistema penal

Em 1984 foi elaborada a exposição de motivos da nova parte geral do Código Penal, editada pela Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984. O item 05 revela que àquela época já havia preocupações do legislador acerca da realidade institucional formada nos presídios. Havia a consciência de que a lei penal não acompanhava as demandas sociais.

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Apesar desses inegáveis aperfeiçoamentos, a legislação penal continua inadequada às exigências da sociedade brasileira. A pressão dos índices de criminalidade e suas novas espécies, a constância da medida repressiva como resposta básica ao delito, a rejeição social dos apenados e seus reflexos no incremento da reincidência, a sofisticação tecnológica, que altera a fisionomia da criminalidade contemporânea, são fatores que exigem o aprimoramento dos instrumentos jurídicos de contenção do crime, ainda os mesmos concebidos pelos juristas da primeira metade do século. (CÓDIGO PENAL. Exposição de Motivos da Nova Parte Geral. 2009)

A execução da pena, legalizada pela Lei nº 7.210/1984, estabeleceu garantias fundamentais ao apenado, limitando o poder punitivo do Estado. Este instrumento visou a impedir o excesso ou o desvio no cumprimento da pena cominada, evitando, por conseqüência, comprometer princípios como o da dignidade da pessoa humana e o da humanidade das penas, hoje em consonância com o atual texto constitucional.

Portanto, é reconhecida a extensão dos direitos constitucionais aos presos, tais como enumera Mirabete (2000, p. 237): direito à vida, direito à integridade física e moral, e tantos outros, sejam decorrentes da força normativa, axiológica ou dos próprios princípios.

Aury Lopes Jr. (2005, p. 12, grifo do autor), em sua crítica ao processo penal, revela que “é mais barato excluir e encarcerar do que restabelecer o status de consumidor, através de políticas públicas de inserção social”. Ironiza que os presídios brasileiros são “mestrados profissionalizantes”. Reforça, ainda, que a concepção de prevenção geral da norma penal é mínima ou inexistente. O estigma está exatamente quando o infrator é solto, após cumprir sua pena, pois sai rotulado e com poucas chances de se reabilitar.

Há que se perceber que a pena privativa de liberdade não atinge o objetivo da norma penal, enquanto instrumento punitivo. Em concordância, Mirabete (2000, p. 60) assevera:

[...] a experiência tem demonstrado que nenhuma espécie de tratamento penitenciário tem produzido os efeitos esperados quanto à readaptação do condenado. A prisão tem servido apenas para reforçar valores negativos e falhou completamente em seu propósito de modificar as pessoas. Está comprovado que, na maioria dos casos, a existência de uma “subcultura” presente entre os presos, característica das instituições prisionais de

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grande porte, torna-os impermeáveis a qualquer tipo de tratamento, cuja ideologia vem sendo abandonada.

Ainda, aduz o referido autor quanto à situação prisional da superpopulação carcerária, que é excedente às condições de espaço físico oferecidas pelo Estado:

São desaconselháveis as prisões de grandes dimensões, sejam destinadas ao cumprimento em regime fechado ou semiaberto, não convindo exceder a sua capacidade de abrigar 350 condenados, limite máximo geralmente indicado pelos estudos penitenciários. (MIRABETE, 2000, p. 237).

O direito penal que se revela atualmente no país foge a todo o propósito clássico que o legitima. A idéia da utilização do direito penal como ultima ratio, foi substituída pelo entendimento de que o direito penal deixa de ser instrumento subsidiário para ser a primeira resposta considerada como remédio à violência e ao abalo da ordem. Com esse pensamento, mais leis são editadas, inflando o conjunto legislativo de normatização, que não mais pune o estritamente necessário, mas diversas condutas que fogem da ultima ratio por não buscarem outros tipos de respostas que não as do direito penal.

Esse processo desencadeia uma funcionalização do direito penal, em que a definição de novas condutas típicas aparenta ser uma possibilidade de redução da criminalidade. No entanto, afirma-se com toda a convicção que novas figuras criminais somadas ao aumento de prisões se traduz unicamente na violação de mais direitos, no distanciamento do objetivo ressocializador, na fragilidade do sistema que já não consegue atender a toda a demanda que ele próprio estereotipa.

Jesus (2000) aborda o tema das penas alternativas, referindo quanto às soluções alternativas à prisão e à reinserção social dos delinquentes, às penas substitutivas da prisão. Este tema foi objeto da Resolução nº 45/110, elaborada pela Assembléia das Nações Unidas – ONU. Nela estão contidas as regras mínimas para a elaboração de medidas não-privativas de liberdade, também denominadas Regras de Tóquio. Estas resoluções expedidas no âmbito internacional têm o objetivo de orientar os Estados nas suas condutas internas sobre assuntos específicos. Significa dizer que, em âmbito internacional, há um intercâmbio de experiências

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mundiais para a formação de princípios básicos a fim de regular a aplicação de medidas de reinserção social:

Quando necessário, deve ser prestada aos delinqüentes assistência psicológica, social e material, e oferecidas oportunidades para fortalecer os vínculos com a comunidade e facilitar sua reintegração social. (apud JESUS, 2000, p. 250-251).

Zaffaroni (2001, p. 16) caracteriza o sistema penal como falso, e usa o termo crise para definir o estágio de desconfiguração do discurso pela imposição da realidade, nestas palavras: “[...] ‘crise’ para nós, portanto, é o momento em que a falsidade do discurso jurídico-penal alcança tal magnitude de evidência, que esta desaba, desconcertando o penalismo da região”. Com isso, explica que o discurso jurídico-penal é impossível, o que o torna utópico.

Em crítica à pena privativa de liberdade, Carvalho (2008) usa a expressão “genocídio em massa” para exemplificar o que acontece no sistema penitenciário. As correntes garantistas dizem que a recuperação do apenado por meio da pena privativa de liberdade é um mito, pois não respeita os direitos humanos na execução desta. Logo, é preciso buscar discursos que estejam ligados à realidade, que aproximem a operação do objetivo. Buscar estas alternativas possibilita ao infrator mais chance de ressocialização por vias proporcionais, humanas e coerentes. Do contrário os crimes não serão erradicados e a violência institucionalizada continuará sendo reproduzida com o aval do poder estatal.

Quanto às expectativas da sociedade, Sá (1996, p. 40) manifesta-se arrolando que a punição deve estar acompanhada, além da pretensão em si de punir, também de valores reeducativos: “espera-se a punição e a reeducação do infrator com a simultânea proteção da sociedade, isto é, ações de natureza punitiva, pedagógica e protetora.”

Após a idealização, referido autor assevera em relação à pena privativa de liberdade que: “Levando-se em conta que as tecnologias da punição, da educação e da segurança sejam incompatíveis entre si, presume-se e constata-se que as finalidades múltiplas atribuídas à pena privativa de liberdade jamais serão atendidas.” (SÁ, 1996, p. 40).

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Ou seja, a violência está institucionalizada a partir do momento em que a execução penal não atende aos objetivos da pena, deixando de concretizar os princípios que devem balizar a aplicação penal, tal como a dignidade do preso, haja vista que o próprio sistema tem exposto o apenado à criminalidade da qual, em tese, o pretende retirar. Assim, refere doutrinariamente que:

Nas prisões brasileiras, por exemplo, a garantia da integridade física do prisioneiro não vai além do discurso legal. Além da deformação da imagem corporal provocada por pancadas, privação de relação heterossexuais, a violência sexual também constitui ameaça permanente. (SÁ, 1996, p. 41).

Acrescenta, ainda, sobre a instituição carcerária, que se pode “considerar a prisão como um sistema, ao mesmo tempo, de controle social, de aglutinação de interesses, de criação e recriação de cultura delinquente, bem como de socialização.” (SÁ, 1996, p. 143).

O caráter institucional da violência está expresso no retrocesso do preso a partir do momento em que este ingressa no sistema carcerário. Isto se evidencia ainda mais pelo discurso de Suxberger (2006, p. 4) no sentido de reforçar o argumento de que o Estado utiliza uma legislação estigmatizante (rotuladora) e não passa de mero instrumento simbólico:

O direito penal relaciona-se, outrossim, com importante categoria sociológica: a violência. Munoz Conde ressalta que a característica fundamental de todos os casos com que lida o direito penal é a violência, pois são violentos todos os casos por ele tratados, como também é violenta a forma pela qual ele os soluciona – a pena.

Com o estudo das políticas criminais contemporâneas, que serão comentadas no próximo item, será possível visualizar as diversas correntes doutrinárias que se formaram, mais dissuadidas a partir dos anos cinquenta, no sentido de elaborar estratégias para a transformação do sistema, com sugestões de reformas e de modificações adequadas a proporcionar um direito penal compatível com a realidade social e mais coerente em sua efetividade.

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1.3 Políticas criminais brasileiras contemporâneas

A política criminal ampliou sua designação nas últimas décadas, incluindo como seu objeto “não somente os problemas de repressão ao crime, mas todo o conjunto de procedimentos/estratégias através dos quais o corpo social organiza as respostas ao fenômeno criminal.” (HAUSER, 2010, p. 7).

A crescente politização do problema criminal, bem como a sua generalizada discussão, provocada pelo movimento de reforma penal que por toda a parte se fez sentir a partir dos anos cinqüenta, alargaram substancialmente o foro da política criminal. (DIAS; ANDRADE, 1997, p. 106).

Não se confundem política criminal e criminologia. São distintas as análises uma vez que, a primeira, por tratar-se de um discurso político, não limita-se à realidade, mas a utiliza apenas como referência de adequação, é o que explica Dias; Andrade (1997, p. 112-113, grifo do autor): “É a partir do que é que a criminologia avança juízos de dever-ser; e é a partir do que deve ser que a política criminal se propõe a transformar o que é.”

Conceitualmente, a política criminal “constitui-se no estudo e sistematização das estratégias, instrumentos e meios de controle social da criminalidade, sejam eles penais ou não penais.” (HAUSER, 2010, p. 9).

Nesse sentido, a política criminal vai estabelecer a programação de como o Estado deve agir para prevenir ou reprimir o crime, criando estratégias para o controle da criminalidade e apresentando propostas como reação ao crime. (HAUSER, 2010, p. 9-10).

Batista (2001, p. 34) refere-se à política criminal como sendo “princípios e recomendações para a reforma ou transformação da legislação criminal e dos órgãos encarregados de sua aplicação.”

Referido doutrinador refere-se a três principais enfoques da política criminal, podendo ser integrada pela política de segurança pública (enfatizando a instituição

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policial), política judiciária (com ênfase na instituição judicial) e política penitenciária (instituição prisional). Adverte que a criminologia apenas interpreta determinada realidade, enquanto que a política criminal estuda as possibilidades de sua transformação. (BATISTA, 2001, p. 34).

A constatação, pela pesquisa empírica nos últimos cinqüenta anos, do fracasso da pena privativa de liberdade com respeito a seus objetivos proclamados, levou a uma autêntica inversão de sinal: uma política criminal que postula a permanente redução do âmbito de incidência do sistema penal. (BATISTA, 2001, p. 36).

Muito embora se defenda a redução de incidência do Direito Penal, conforme asseverado acima por Nilo Batista, a realidade político-criminal contemporânea reflete “um uso ampliado e simbólico do Direito Penal. Trata-se de um novo Direito Penal que se constitui a partir de uma política criminal de cunho repressivista e que coloca em questão garantias individuais construídas historicamente” (HAUSER, 2010, p. 32).

Por isso é importante perceber que esta política criminal que defende um Direito Penal mais rigoroso e interventor, afronta diretamente os preceitos do Estado Democrático de Direito, consagrados pela Constituição Federal de 1988, que inovou dispositivos visando a limitação do poder punitivo estatal, conforme fora abordado no item 1.1 deste capítulo.

[...] em que pese ter autorizado o uso do Direito Penal como instrumento de enfrentamento dos problemas sociais mais graves (crimes hediondos, ambientais, econômicos), optou por modelo punitivo baseado no respeito à pessoa humana e na lógica da mínima intervenção penal. (HAUSER, 2010, p. 32).

Hauser (2010, p. 13) classifica as políticas criminais em dois grupos distintos: punitivistas/repressivistas (máxima intervenção punitiva do Estado) e não intervencionistas (descriminalização, despenalização, desprisionização cautelar, desconstitucionalização e a diversificação das respostas aos conflitos sociais).

Por conseguinte, há também a classificação de Gomes, Molina e Bianchini (apud HAUSER, 2010, p. 14) que destaca três movimentos político-criminais: punitivistas ou repressivistas, abolicionistas e minimalistas.

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Consoante entendimento de Paulo Queiroz (2005, p. 45), são duas as vertentes político-criminais modernas a serem consideradas para analisar as funções da pena:

as teorias legitimadoras e as teorias deslegitimadoras. As primeiras – tradicionais – reconhecem, sob os mais diversos fundamentos (absolutos, relativos ou mistos), legitimação ao Estado para intervir sobre a liberdade dos cidadãos, por meio do direito penal, com vistas à “defesa social”. As segundas, ao contrário, negam semelhante legitimação, por considerá-lo desnecessário, imediata (perspectiva abolicionista) ou mediatamente (perspectiva minimalista radical).

O que se percebe nitidamente com a expansão do Direito Penal, é a insegurança e o medo que ficam acentuados na política criminal contemporânea, cujas principais características são apontadas por Gomes, Molina e Bianchini (apud HAUSER, 2010, p. 23-25), salientam:

a) Deliberada política de criminalização em lugar da descriminalização ou despenalização; [...] b) freqüentes alterações da legislação penal; [...] c) maior rigor repressivo em relação aos delitos clássicos; [...] d) ampla criminalização das figuras de direito abstrato; [...] e) baixa preocupação e efetividade dos princípios da igualdade, proporcionalidade e lesividade; [...] f) endurecimento da execução penal, expansão da prisão e privatização/terceirização de presídios.

A corrente da criminalização defende maior rigor punitivo, maior intervenção do Estado na esfera penal, na ideologia de lei e ordem, determinando maior interferência na liberdade dos cidadãos. Para Hauser (2010, p. 16), “por criminalização entende-se o processo que reconhece formalmente a ilicitude de uma conduta, descrevendo-a como infração penal”.

A descriminalização, por sua vez, elimina o caráter de ilícito penal. É uma corrente bastante consensual entre os juristas. No entanto, o que se observa no direito penal é o aumento da incorporação de condutas criminosas, ao oposto daquilo que deveria estar acontecendo. Dentre os óbices mais apontados para a descriminalização, Hauser (2010, p. 18) destaca:

a criminalização pode ser facilmente empregada pelo legislador como aparente solução para um problema social;

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a criminalização de comportamentos típicos de determinados grupos sociais tem sito utilizada como instrumento de dominação entre os diferentes extratos e classes da sociedade.

Dias e Andrade (1997, p. 399), conceituam a descriminalização:

Por descriminalização, em sentido estrito, entende-se aqui a desqualificação duma conduta como crime. Do que se trata é, pois, duma redução formal – sc. legal – da competência do sistema penal em relação a determinadas expressões do comportamento humano.

Referem, ainda, que a descriminalização não pode ser confundida com o movimento abolicionista, pois não se trata se abolir o sistema penal, mas simplesmente de reduzir a sua esfera de atuação nas liberdades individuais. É o cuidado necessário no momento de eleger as condutas ilícitas.

Dentro desta abordagem quanto à descriminalização, atribui-se parte da responsabilidade ao legislador, que é quem escolhe as condutas a serem tipificadas, e deve fazê-lo considerando a lesividade destas: “Segundo o entendimento praticamente unânime, só assumem dignidade penal as condutas que lesem bens jurídicos ou, noutros termos, que sejam socialmente danosas.” (DIAS; ANDRADE, 1997, p. 405).

A hipertrofia do direito criminal justifica o movimento de descriminalização na concepção de Dias e Andrade (1997, p. 435). Aduzem os referidos autores que, embora necessária a descriminalização, quando se percebe as novas tecnologias do mundo globalizado, surge também a necessidade de uma “neocriminalização”:

À parte esta abusiva hipertrofia do direito criminal – que, como vimos, está na origem e justifica o movimento da descriminalização -, a verdade é que as transformações do mundo em que vivemos (transformações tecnológicas, econômico-sociais, políticas e culturais – vêm reclamando um ajustamento, vale dizer um alargamento, do espaço coberto por este específico sistema de controle social. Na verdade, as conhecidas ameaças do progresso técnico – tanto aos indispensáveis equilíbrios ecológicos, como à integridade física e moral do homem, como à sua reserva de privacidade – trouxeram estes valores para o primeiro pleno das preocupações, recomendando-se muitas vezes o recurso à tutela criminal. (DIAS; ANDRADE, 1997, p. 435-436).

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A penalização, conforme o entendimento de Hauser (2010, p. 20), “significa privilegiar a pena de prisão, ou penas mais rigorosas, como respostas adequadas para o controle de determinadas condutas desviadas.”

A despenalização, por sua vez, “contende hoje, sobretudo, com a substituição da pena de prisão por outras sanções criminais não detentivas e tem encontrado grande eco por parte das organizações internacionais como a ONU e o Conselho da Europa.” (DIAS; ANDRADE, 2010, p. 401-402).

As políticas criminais repressivistas/punitivas são as que consideram a pena e o Direito Penal o principal instrumento de controle social, favorecendo a idéia de que mais rigor, mais leis proibindo determinadas condutas e menos garantias penais/processuais, ou seja, de um direito penal máximo. Destacam-se dentro desta política criminal os movimentos de Lei e Ordem e o Direito Penal do Inimigo.

O Movimento de Lei e Ordem surgiu nos Estados Unidos, na década de 60, como reação ao aumento de criminalidade, tornando as normas mais rígidas. No Brasil, ganhou espaço na década de 90, com a elaboração de diversas normas, tais como a dos crimes hediondos (Lei nº 8.072/1990). (HAUSER, 2010, p. 35).

O Direito Penal do Inimigo trata-se de um código, elaborado pelo penalista alemão Jakobs, em 1985, que teria como objeto os indivíduos que delinqüem “por princípio e de forma sistemática”. (HAUSER, 2010, p. 41). Defende que o Estado deve agir de forma implacável contra este indivíduo considerado inimigo por desrespeitá-lo. Sugere a elaboração de dois modelos, um dirigido ao cidadão com as garantias penais/processuais e outro ao inimigo, sem as garantias e com extremo rigor da lei.

Ao operar tal divisão Jakobs resgata a dicotomia simplista “bem” versus “mal” e propõe a estruturação explícita de beligerância (guerra) como base para o direito e o processo penal (do inimigo). Para identificar o inimigo sugere que sejam observados alguns sinais característicos, notadamente a habitualidade e a profissionalização no cometimento de crimes, o que pode ser facilmente identificado em relação àqueles que participam de organizações criminosas. (HAUSER, 2010, p. 41).

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Assevera Hauser (2010, p. 43) que o Direito Penal do Inimigo não está constituído em um sistema, mas naquelas normas do ordenamento que acabam violando os direitos e garantias fundamentais da pessoa, “as práticas arbitrárias e desmedidas que marcam os sistemas penais contemporâneos, notadamente quando tais sistemas operam sem o necessário respeito às normas legais.”

As políticas criminais não repressivistas podem ser abolicionistas ou minimalistas, também conhecidas como teorias deslegitimadoras. A corrente abolicionista questiona a legitimidade do Estado em seu poder punitivo, destacando:

[...] a disparidade entre o discurso e a prática penais, bem como a circunstância de o direito penal criar mais problemas do que os resolver, sendo criminógeno, arbitrariamente seletivo e causador de sofrimentos estéreis ou inúteis. (QUEIROZ, 2005, p. 60).

O abolicionismo insurge contra a existência do próprio direito penal, aduzindo sua substituição por outras formas de resolução dos conflitos. Para Hulsmann (apud HAUSER, 2010, p. 52), o sistema penal é “incontrolável, desigual, seletivo, estigmatizador, expropriador dos direitos das vítimas, além de distribuir sofrimentos desnecessários a todos.”

Hulsmann (apud HAUSER, 2010, p. 53) também sugere modelos alternativos para a resolução de conflitos: “a) a substituição da linguagem penal; [...] b) a devolução dos conflitos às pessoas.” O referido doutrinador vê a possibilidade de resolução até mesmo na esfera cível e administrativa, através do diálogo entre a vítima e o imputado. Esta corrente é não intervencionista, pois acredita que a própria sociedade possa resolver seus conflitos sem a interferência do Estado.

Carvalho (apud HAUSER, 2010, p. 55) tece críticas ao movimento abolicionista, problematizando quanto “a possibilidade de transformação do sistema formal de controle penal em modelos desregulamentados de resolução dos conflitos com fundo disciplinar, selvagem ou em instâncias formais distanciadas das garantias típicas do processo penal.”

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Para análise do movimento minimalista, encontram-se propostas elaboradas por Alessandro Baratta, e por Luigi Ferrajoli, principais representantes da corrente político-criminal não repressivista.

A discussão está pautada na crise de legitimidade penal, que segundo Baratta (apud HAUSER, 2010, p. 70), revela a realidade seletiva, estigmatizadora, ilegal e altamente violenta dos sistemas penais contemporâneos.

O autor reconhece a dificuldade política e cultural de superação, a curto e médio prazo, do modelo punitivo/institucional de controle, propondo um modelo penal de intervenção mínima, em que sejam resguardados, ao máximo, os direitos dos apenados e, a partir do qual, possa se conter a violência punitiva protagonizada pelos sistemas penais contemporâneos. (HAUSER, 2010, p. 70).

O minimalismo entende que o sistema penal não compõe ou resolve os conflitos, exercendo um papel meramente de repressão, agravando por diversas vezes o conflito que pretensamente desejaria resolver. Acredita que o sistema é incapaz de efetivar a defesa da sociedade e o controle do crime.

Baratta (apud HAUSER, 2010, p. 76), sugere uma série de medidas alternativas e estratégias a serem utilizadas em etapas, tais quais: “ampliação do sistema de medidas alternativas, de suspensão condicional da pena, de livramento condicional, do regime semiliberdade, etc.” Sugere também um processo de reinserção social dos apenados como alternativa aos efeitos dessocializadores provocados pelo cárcere.

Neste sentido, os princípios do Direito Penal mínimo representam uma fórmula teórica a partir da qual o autor considera possível lutar, no espaço jurídico, pela afirmação das garantias jurídicas do Estado de Direito e pela limitação ao máximo da violência institucional e, no espaço extrassistêmico (político-social), pela superação do modelo punitivo de controle construído pela modernidade. (HAUSER, 2010, p. 76).

O Direito Penal mínimo, nesta concepção, deve estar pautado e construído com base nos direitos humanos. Ao avaliar a situação atual do sistema punitivo prisional percebe-se que muito mais viola-se direitos humanos do que os respeita.

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Ferrajoli (apud HAUSER, 2010, p. 84-85), com discurso de cunho garantista, afirma que a pena não tem o único fim de prevenir delitos, “mas também os castigos excessivos e arbitrários”. Atribui outra finalidade, que não esta, à pena, qual seja o respeito também aos interesses dos desviados, com a defesa dos interesses individuais. “A tutela dos direitos humanos constitui, deste modo, o fundamento incondicional do modelo de justificação proposto por Ferrajoli.”

Da mesma forma que Baratta, Ferrajoli também estabelece como modelo ideal de Direito Penal aquele fundado em um Direito Penal mínimo, que assegure ao mesmo tempo “o máximo bem-estar possível para os não desviados e o mínimo mal-estar para os desviados.”

A ilusão de um direito penal efetivo é decorrente de um conjunto de ações negativas que dificultam a aplicação da norma. Dentre elas, Thums (2006, p. 278) destaca: “[...] pode-se reconhecer como inconstitucional a incriminação de uma conduta sem necessidade [...]”

A incriminação de condutas deve se basear na análise da lesão ou perigo concreto ao bem jurídico. Thums (2006, p. 117) atribui ao legislador parcela de culpa pela inflação legislativa, referindo que:

É justamente a forma de produção legislativa que merece questionamento, visto que o legislador brasileiro é pródigo em editar leis penais. A cada dia surgem novos tipos penais, e quanto mais leis penais, maiores são o descontrole e a falta de eficácia do Direito Penal, bem como é freqüente a edição de leis sem qualquer critério no tocante à cominação de pena e o bem jurídico tutelado.

A este retrocesso que permeia a legislação penal, Carvalho (2008, p. 82) sugere uma racionalidade do sistema jurídico para que menos condutas sejam consideradas delitivas, permitindo que a lei penal possa ter sua aplicação de forma mais efetiva.

O atual processo de ampliação normativa, deflagrado em grande parte pelos discursos de emergência, gera espécie de “panoptismo legal”, ou seja, o alargamento brutal das possibilidades de incidência da lei penal nas condutas sociais. No momento em que desvios sociais passam a ser tipificados, independentemente da lesão ou perigo concreto ao bem jurídico, e qualquer conduta pode ser arbitrariamente considerada delitiva, é definido

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um modelo de controle administrativizado com incidência desigual nos diversos estratos sociais e sem os vínculos à lei característicos do direito e do processo penal.

Ao referir-se à inflação legislativa, Carvalho (2008, p. 80) denomina “esquizofrenia legislativa” a postura adotada pelo legislador que, diante de situações de emergência, produz mais leis, maximizando um direito penal que, por sua gênese, deveria ser mínimo.

[...] com a assunção por parte do direito penal da esquizofrenia legislativa na abundante produção de leis, o sistema penal é acometido por gradual e substantiva perda de legitimidade, (re)estruturando-se a partir de uma concepção penal funcionalista-eficientista que delega à pena e à criminalização uma forma bizarra de processo pedagógico.

A corrente de doutrinadores garantistas defende que apenas as condutas necessárias devem ser penalizadas. O ideal minimalista age em conjunto com a opinião de descriminalização, que refletirá na redução da população carcerária e, inclusive, na concessão de efetividade jurisdicional da tutela de condutas mais gravosas, que exijam o rigor do direito penal para a garantia da ordem social.

[...] concebe-se o programa político-criminal minimalista como estratégia para maximizar os direitos e reduzir o impacto do penal na sociedade, diminuindo o volume de pessoas no cárcere pela restrição do input do sistema penal através de processos de descriminalização e despenalização. (CARVALHO, 2008, p. 86).

O princípio da intervenção mínima do Direito Penal decorre do princípio da necessidade. Ambos centralizam o entendimento de reservar a lei penal, com a adoção de mais critérios no momento de valorar as condutas que realmente não prescindam da tutela penal.

[...] o primeiro critério de intervenção mínima na teoria da lei penal advém do princípio da necessidade (nulla lex poenalis sine necessitate). Trata-se de um critério de economia que procura obstaculizar a elefantíase penal, legitimando proibições somente quando absolutamente necessárias. Os direitos fundamentais, neste caso, corresponderiam os limites do direito penal. (CARVALHO, 2008, p. 89).

O garantismo vislumbra limitar a extensão do poder do Estado em sua atividade sancionadora, ou seja, estabelecendo limites ao poder punitivo. Conforme menciona Thums (2006, p. 278):

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O modelo garantista, na lição de Salo de Carvalho, recupera a funcionalidade da pena na restrição e imposição de limites ao arbítrio sancionatório judicial e administrativo. Para sublimar os objetivos incongruentes das teorias da pena, o modelo garantista estrutura-se no argumento da pena mínima necessária.

Para conceituar o pensamento garantista, Carvalho (2008, p. 89) utiliza a seguinte definição:

O garantismo caracteriza-se como uma tecnologia dirigida à satisfação de valores substanciais, selecionando-os, explicitando-os e incorporando-os normativamente como condições de legitimação jurídica das proibições e das penas, com o escopo de minimizar o poder punitivo.

O Estado deve se voltar para a elaboração de medidas extrapenais, que instituam uma política criminal preventiva, em que os objetivos pedagógicos, de inserção social, possam ser concretizados, dissuadindo os crimes sem a implicação de medidas punitivas de extremo rigor.

Essa proteção social seria realizada sob a noção de periculosidade, aliada ao conjunto de medidas extrapenais destinadas a neutralizar o delinqüente, seja pela eliminação/segregação ou pela aplicação de métodos curativos/educativos. Assim, o modelo de controle conduziria à promoção de uma política criminal que atribuiria importância particular à prevenção individual, operando como sistema de dissuasão dos crimes e tratamento dos delinqüentes (ressocialização), apoiando-se no estudo do fato criminoso e da personalidade do agente sob o método empirista. (CARVALHO, 2008, p. 72).

Compreendendo as políticas criminais contemporâneas é possível iniciar a discussão da temática principal, uma vez que já expostas as críticas ao sistema penal, e tendo sido sintetizadas algumas das estratégias propostas pelos doutrinadores, torna-se mais fácil de verificar no próximo capítulo se a medida da prática monitorada pode estar enquadrada como pena constitucionalmente admitida, se virá a contribuir para melhorar a atuação do direito penal, tão problematizada no contexto atual, e que necessita urgente de reforços no sentido de superar a crise e iniciar um processo de recuperação das tutelas fundamentais.

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2 MONITORAMENTO ELETRÔNICO: AVANÇO OU RETROCESSOS

Este capítulo refere-se ao tema específico do trabalho desenvolvido, analisando os conceitos e definições do monitoramento eletrônico, salientando as discussões doutrinárias nos seus aspectos favoráveis e desfavoráveis. Após, o estudo se direciona à pesquisa das experiências realizadas em outros países, nos diversos contextos internacionais. Finaliza-se a abordagem com a interpretação dogmática da legislação formulada no Brasil para a implementação do monitoramento eletrônico e suas hipóteses de cabimento e aplicabilidade.

2.1 Rastreamento eletrônico: conceitos, definições e críticas

Os primeiros projetos pilotos foram desenvolvidos em Washington, Virgínia e Flórida, nos Estados Unidos, ano de 1979, para aplicação do dispositivo eletrônico. Partindo da idealização do magistrado norte-americano Jack Love (Novo México), o modelo de bracelete inspirou-se na história em quadrinhos do Homem-Aranha, em que o vilão fixa o bracelete no herói para tentar localizá-lo. (JAPIASSÚ; MACEDO, 2008, p. 14).

Os testes começaram em 1983, com o auxílio do engenheiro Michael Goss, que desenvolveu um sistema de monitoramento experimentado em cinco apenados. A primeira pulseira denominou-se “Gosslink”, sobrenome do engenheiro que a criou. (JAPIASSÚ; MACEDO, 2008, p. 14).

Para Machado (2008, p. 186), o conceito formulado com base no modelo francês é o de que:

[...] o monitoramento eletrônico é uma medida de controle judicial composta por um sistema eletrônico de controle à distância de uma pessoa em determinado lugar ou de sua ausência de um local determinado por decisão judicial.

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