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A burocracia disputada : expedientes e rotinas no gerenciamento da instrução (Santa Catarina, 1911 - 1940)

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

CAROLINA CECHELLA PHILIPPI

A BUROCRACIA DISPUTADA –

expedientes e rotinas no gerenciamento da instrução (Santa Catarina, 1911 –

1940)

CAMPINAS/SP 2020

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CAROLINA CECHELLA PHILIPPI

A BUROCRACIA DISPUTADA –

expedientes e rotinas no gerenciamento da instrução (Santa Catarina, 1911 – 1940)

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutora em Educação, na área de concentração Educação.

Orientador: Prof. Dr. Andre Luiz Paulilo

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA CAROLINA CECHELLA PHILIPPI, E ORIENTADA PELO PROF. DR. ANDRE LUIZ PAULILO.

CAMPINAS, 2020

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

A BUROCRACIA DISPUTADA –

expedientes e rotinas no gerenciamento da instrução (Santa

Catarina, 1911 – 1940)

Carolina Cechella Philippi

COMISSÃO JULGADORA:

Prof. Dr. Andre Luiz Paulilo (orientador) Profª. Drª. Gladys Mary Ghizoni Teive Profª. Drª. Maria Teresa Santos Cunha Profª. Drª. Heloisa Helena Pimenta Rocha Profª. Drª. Diana Gonçalves Vidal

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa de Pós-graduação em Educação da

Faculdade de Educação.

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AGRADECIMENTOS

Ainda que solitário em muitos momentos, o processo de escrita de uma tese traz também a alegria de alguns bons encontros. O primeiro, certamente, teve lugar já na orientação. Agradeço então ao professor André Paulilo pela orientação criteriosa e atenciosa que tanto acrescentou a esse processo. Obrigada pela generosidade das leituras e ponderações e, claro, pela paciência nesse longo processo de escrita.

Também outro grato encontro teve lugar nas reuniões do PROEPHE. Sílvia, Cássia, Vanessa, Rodrigo, Taís, Munir, Leandro, Matheus e Felipe: obrigada por me darem o amparado acadêmico e o conforto necessário para pensar e crescer junto.

Agradeço imensamente ao financiamento de pesquisa dado pelo CNPq, que me deu condições de exercer a carreira e o trabalho de pesquisadora integralmente.

Sou também grata à banca que aceitou de pronto o convite da leitura e para o momento de troca. Professoras Maria Teresa Santos Cunha, Gladys Teive, Heloísa Pimenta Rocha, Diana Vidal: grata pelas contribuições e pela oportunidade formativa. Não menos importantes, agradeço aos professores Vera Lúcia Gaspar da Silva, Arnaldo Pinto Júnior e Silvia Vallezi pela leitura atenta e pela disponibilidade nesse momento de defesa.

Funcionários e funcionárias do Arquivo Público do Estado de Santa Catarina: grata pela disponibilidade atenciosa e pela paciência nessa longa pesquisa. Obrigada pelo acesso cauteloso a uma documentação tão volumosa, que deu a esse trabalho o tônus e a forma que ele hoje tem.

À minha família e amigos, minha afetuosa gratidão pelo amparo e parceria. Conseguimos, juntos.

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RESUMO

Esta tese tem como objeto as rotinas e expedientes da instrução pública em Santa Catarina entre 1911 e 1940. Objetivou o rastreamento das práticas mobilizadas pelos sujeitos políticos que se articularam aos órgãos de gerenciamento do ensino no período. Foram eles: a Diretoria Geral da Instrução Pública (1911 – 1935); o Departamento de Educação (1935 – 1938) e a Superintendência Geral do Ensino (1938 – 1940). Para tanto, foi analisada uma série documental composta por ofícios expedidos e recebidos pelos supracitados órgãos, relatórios de governo, mensagens de governadores, relatórios de diretoria, jornais e periódicos educacionais. Interessou a composição de uma ampla série que proporcionasse o mapeamento das continuidades e dos desvios (CERTEAU, 2002) para apreensão da lida e da constituição da burocracia educacional como um lugar de mando no ensino catarinense. Foram centrais nessa apreensão a conceituação de práticas e sua categorização em estratégias e táticas tal qual apresentada por Michel de Certeau (2009; 1985). Importaram também os estudos acerca da burocracia, sobretudo os de Formosinho (2007) que permitiram aquilatar a configuração do campo de atuação burocrático como local de disputa e atuação política. Ao final da análise, concluiu-se ser o lugar estratégico de gerenciamento de ensino em Santa Catarina disputado e cerceado por hierarquias. Elas foram importantes para a constituição da carreira docente e burocrática do estado, como também para o estabelecimento de redes específicas de sociabilidades (SIRINELLI, 1996) em seu interior. Coube também destacar que os efeitos dessa constituição do mando atuaram catapultando ou cerceando atuações políticas de sujeitos específicos que, em alguns casos, galgaram sua movimentação funcional por outras vias.

Palavras chave: História da Educação; Reforma da Instrução Pública; Burocracia

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ABSTRACT

The objects of this thesis are the routines and management expedients of public education in the State of Santa Catarina, Brazil between 1911 and 1940. It aims to track practices employed by political subjects associated to the educational management agencies of the time. They were: the General Board of Public Instruction (1911-1935), the Department of Education (1935-1938) and the General Superintendence of Education (1938-1940). For this purpose, a documental series consisting of office letters issued and received by the aforementioned agencies, government reports, governors’ communications, board reports, newspapers and educational periodicals. It was of interest to compose a series so comprehensive as to provide the mapping of continuity and deviations (Certeau, 2002) to grasp the activity and constitution of educational bureaucracy as a place of command in the state’s education. The concepts of Michel de Certeau (2009; 1985) were central in the process of apprehension of practices and their categorization in strategies and tactics. Also very important were the studies about bureaucracy, mainly those by Formosinho (2007), which enabled the measurement of the bureaucratic venue as a place of dispute and political action. In the end of the analysis, it is concluded that the strategic place of management of education in Santa Catarina is disputable and bounded by hierarchies. Those were important for the constitution of the educator and state bureaucrat’s careers, besides the establishment of specific networks of sociability (Sirinelli, 1996) within them. It was also of relevance to highlight that such constitution of command acted by catapulting or curtailing the political actions of given subjects, who, in some cases, managed their functional movement by other ways.

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LISTA DE ORGANOGRAMAS E GRÁFICOS

Organograma 1 - Circunscrições escolares em 1914 ... 30

Organograma 2 – Organização da instrução entre 1911 e 1918 ... 32

Organograma 3 – Organização do Departamento de Educação ... 46

Organograma 4 – Organização do Instituto de Educação ... 47

Organograma 5 - Circunscrições escolares em 1918 ... 78

Organograma 6 - Circunscrições escolares em 1936 ... 92

Gráfico 1 - Número de ofícios expedidos por ano pela Diretoria Geral de Instrução Pública/ Departamento de Educação. ... 250

Gráfico 2 - ofícios expedidos pela Diretoria, Departamento e Superintendência do Ensino, divididos por ano e por remetente ... 251

Gráfico 3 - ofícios expedidos, divididos por destinatários e por ano ... 252

Gráfico 4 - Ofícios recebidos pela Diretoria Geral da Instrução Pública e pelo Departamento de Educação entre 1927 e 1940 ... 253

Gráfico 5 - remetentes dos ofícios recebidos pela DGIP e DE entre 1927 e 1940 ... 254

Gráfico 6 - destinatários dos ofícios recebidos pela DGIP e DE entre 1927 e 1940 ... 255

Gráfico 7 - relação entre o número total de ofícios recebidos pela Diretoria da Instrução, Departamento de Educação e Superintendência de ensino e o número de ofícios expedidos por diretores (de ambos os sexos) de unidades escolares ... 256

Gráfico 8 - relação entre o número de ofícios expedidos por diretores e diretoras de unidades escolares e endereçados aos órgãos de gerenciamento da instrução ... 257

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

CAPÍTULO I - Estrutura organizacional da instrução pública – rotinas, expedientes e dissidências ... 20

1.1 A Diretoria Geral da Instrução Pública – a organização das práticas .... 27

1.2 O Departamento de Educação – o gerenciamento das ações ... 45

1.3 A Superintendência Geral do Ensino – a supervisão dos fazeres ... 54

CAPÍTULO II -“Saúde e Fraternidade” - expedientes e ofícios ... 64

2.1 Inspeção e fiscalização da instrução pública ... 71

2.2 Orçamento e aparelhamento escolar ... 96

2.3 O controle burocrático do magistério ... 110

CAPÍTULO III - “Senhor Diretor da Instrução” – demandas e recebimentos ... 124

3.1 A gestão da informação ... 138

3.2 O aparelhamento da instituição escolar ... 152

3.3 A funcionarização do professorado ... 165

CAPÍTULO IV – A organização burocrática da instrução ... 183

4.1 A burocracia como estratégia ... 190

4.2 A construção da narrativa ... 214

CONCLUSÃO – As práticas do mando ... 234

5.1 A organização do mando ... 238

5.2 A verticalização da carreira ... 242

Gráficos ... 250

Fontes ... 258

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INTRODUÇÃO

Os movimentos de reforma e reestruturação de ensino em Santa Catarina não são um tema novo na historiografia. Os veios abertos pelas interpretações já endossadas assinalam para atuações de inspetores específicos e para iniciativas pontuais que se vincularam a um ou outro movimento de reforma. No primeiro caso, destacam-se as obras publicadas por Gladys Teive a respeito da trajetória e atuação de Orestes Guimarães (2008) e João dos Santos Areão (2014). Sobre o segundo item, merecem destaque as dissertações de Josiane Schweitzer (2008) e Ticiane Bombassaro (2006). Nelas, as autoras tematizam, respectivamente, a estruturação do Departamento de Educação catarinense e a organização das Semanas Educacionais, evento de formação docente que tomou corpo em meio à Reforma Trindade.

São também caras as interpretações já publicadas nas obras de João Roberto Moreira (1954) e Neide de Almeida Fiori (1975). Ambas se debruçam sobre a organização da educação pública catarinense tomando como fontes, principalmente, a documentação legislativa e abarcando um longo recorte temporal. Também lhes é comum a valorização das iniciativas de Orestes Guimarães, Inspetor Geral do Ensino no Estado pela via de contrato celebrado com o então governador Vidal Ramos. Moreira (1954) e Fiori (1975), pois, valorizam sua iniciativa pela via das remodelações feitas na Escola Normal Catarinense e na sua atuação direta nas instituições escolares. À Reforma Trindade, por sua vez, é colada a alcunha da pouca efetividade sobretudo pela pouca atuação direta nas instituições de ensino. Para Neide Fiori (1975, p. 149), há ainda um componente a mais para entendimento dos cerceamentos que a Reforma encabeçada por Luiz Trindade sofreu. Ele foi a centralidade que o Departamento de Educação adquiriu após sua remodelação em 1935, que lhe conferiu o status de órgão autônomo de gerenciamento da instrução pública.

Em que pesem as interpretações já alinhavadas pela historiografia da educação e os movimentos de reforma já bem mapeados, as rotinas de gabinetes engendradas em seu interior pouco foram tematizadas. É delas, pois, que esse trabalho se aproxima. Assim sendo, considera a já ampla produção acerca das

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Reformas as Instrução Pública catarinenses e se insere dela pela via do estudo das práticas disparadas em meio à burocracia educacional.

A tematização das rotinas mobilizadas nos expedientes burocráticos exarados e demandados dos órgãos de gerenciamento de ensino catarinenses entre 1911 e 1940 é, pois, o fio condutor desta pesquisa. À essa circunscrição do objeto articulou-se uma necessária crítica historiográfica à memória dos movimentos de renovação educacional no estado. Sendo assim, priorizou-se um recorte temporal que encampasse os principais marcos das Reformas da Instrução Pública já abordados pela historiografia1 em um reiterado exercício de

rastreamento das práticas encabeçadas pelos sujeitos políticos que a ela se articularam. Interessou, pois, a consideração da burocracia da instrução como campo de atuação política cuja legitimidade foi constituída historicamente.

Delimitou-se então a problemática a respeito das formas pelas quais os diferentes sujeitos operaram a burocracia educacional neste interim. Coube, nesse movimento, perguntar-se a respeito das operações aquilatadas pelos diretores da instrução catarinense a partir de um lugar de mando que progressivamente se delimitava e se legitimava. Para efeitos dessa problematização, entendeu-se como

lugar de mando um polo de gerenciamento estratégico legal e burocraticamente

delimitado a partir de dispositivos diversos, tais quais a legislação educacional e a expedição constante e permanente de comunicações oficias.

Esse esforço justifica-se entendendo como necessária a decomposição das iniciativas de remodelação do ensino nas diferentes práticas que elas encamparam. Isso porque apreender uma Reforma da Instrução decompondo as operações que a mobilizaram permite nuançar a construção de sua legitimidade e a movimentação dos sujeitos políticos que a povoaram (VIDAL, 2007). Permite, pois, a elaboração da burocracia para gerenciamento do ensino que progressivamente se aparelha como manobra política, superando assim perspectivas tecnicistas para seu entendimento.

A operação historiográfica para entendimento desse objeto teve seu centro na organização de uma série documental extensa. Ela foi feita de acordo com os parâmetros metodológicos já apresentados por Michel de Certeau em “A escrita

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da História” (2002). Coube, para além do entendimento do lugar de produção do historiador, assinalar os desvios das práticas rastreadas nos documentos organizados em série. Coube, pois, uma extensa pesquisa documental no Arquivo Público do Estado de Santa Catarina (Florianópolis), no repositório digital e no Setor de Obras Raras da Universidade Federal de Santa Catarina, bem como na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, da qual foram pinçados jornais e periódicos que abordassem a instrução pública em Santa Catarina. Foi, porém, do primeiro arquivo que foram listados os ofícios que deram corpo às demandas e expedientes relacionados à Diretoria Geral da Instrução Pública, Departamento de Educação e Superintendência Geral do Ensino catarinenses entre 1911 e 1940.

Foi também essa série documental que, constantemente inquirida a luz de referencial teórico condizente, pôde ser decomposta e reorganizada para entendimento da problemática de pesquisa. Esse rearranjo deu também corpo à organização do texto, aqui apresentado na forma de quatro capítulos. O primeiro deles - estrutura organizacional da instrução pública; rotinas, expedientes e

dissidências – demora-se sobre a organização estrutural dos órgãos de

gerenciamento do ensino catarinenses tais quais apresentados pelos relatórios de governo, mensagens oficiais e regulamentos da instrução. Considera, nesse movimento, a historiografia já estabelecida sobre o tema, dedicando-se a fazer um arrazoado do local burocrático de gestão operado pelos sujeitos políticos no período pesquisado. Para tanto, são elaboradas as noções que consideram a Diretoria Geral da Instrução Pública como um centro de organização das práticas avultadas nas rotinas da instrução pública. O Departamento de Educação, por sua vez, teve suas funções mais firmemente mapeadas em torno de protocolos que envolveram o gerenciamento das ações. O mesmo, após reestruturação da instrução pública, teve seu lugar de mando acometido pela Superintendência Geral do Ensino que, por sua vez, centrou-se nas demandas orçamentárias de aparelhamento escolar e controle do funcionariado.

Nos dois capítulos seguintes, procurou-se compreender dois movimentos da administração. O primeiro deles foi organizado em função dos expedientes da Diretoria Geral da Instrução Pública, Departamento de Educação e Superintendência do Ensino. Priorizou, pois, os ofícios expedidos por esses órgãos, destacando assim as práticas organizadas e aglutinadas a partir dos

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mesmos. Organizaram-se as categorias de inspeção e fiscalização da instrução, orçamento e aparelhamento escolar e, por fim, o controle burocrático do professorado. A cada uma delas foi dedicado um item desse capítulo, organizando assim sua escrita de acordo com as categorias cunhadas no exercício de pesquisa. O capítulo seguinte, por sua vez, organizou-se tematizando as demandas endereçadas aos mesmos órgãos de gerenciamento do ensino. Para tanto, listou os ofícios a eles endereçados e mapeou novas categorias para entendimento das práticas deles demandadas. São elas: a gestão da informação, o aparelhamento da instituição escolar e a funcionarização do professorado (NÓVOA, 1997, p. 17 – 19). Em ambos os capítulos intentou-se uma reorganização da lógica de guarda documental já endossada pelo Arquivo Público do Estado de Santa Catarina. Imprimiu-se, nesse movimento, uma nova ordem à série documental de acordo com a problemática levantada. Assim, foi aquilatado o objeto de estudo cercado nesse esforço de pesquisa: a organização burocrática da instrução catarinense do período que se estende de 1911 a 1940.

O quarto e último capítulo tomou corpo considerando a mesma série documental, já apresentada e categorizada nos excertos anteriores, como fonte. Para tanto, foi necessário nuançar as operações encampadas e demandadas do lugar de gestão da instrução. Essa iniciativa culminou no rastreamento de uma série de operações e movimentações que operaram com a burocracia como uma estratégia de atuação política e de projeção de carreira. Essa constatação, porém, é contrária a periódicos, relatórios e regulamentos que veicularam uma determinada narrativa acerca da memória dos movimentos de renovação educacional. Coube, pois, nuançar a narrativa endossada por esses documentos e perceber os pontos de estrangulamento e disputas presentes no interior da maquinaria burocrática da instrução.

O texto em sua completude foi organizado entendendo as práticas agenciadas pelos sujeitos políticos que povoaram a burocracia da educação catarinense como operações (CERTEAU, 1985). Por essa via, foi possível entender as distintas formas de gerenciamento da instrução e as inúmeras trajetórias funcionais que povoaram essa maquinaria. Foi também possível mapear a progressiva legitimação dos órgãos de gerenciamento da instrução e relacioná-la às crescentes iniciativas para cerceamento e funcionarização da carreira docente.

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É também essa relação entre legitimidade do gerenciamento burocrático do ensino e controle do professorado que permite acenar para a valorização de um perfil especifico de atuação profissional em seu interior. Também a essa operação de organização do mando, relacionou-se a veiculação de uma memória institucional exitosa acerca das Reformas da Instrução Pública iniciadas a partir de então. Essa narrativa laudatória, por sua vez, atuou legitimando suas iniciativas e, por conseguinte, os sujeitos políticos que as capitanearam.

Essas inventividades também ganharam forma, como bem lembra Paulilo (2019, p. 191 – 207) nas Reformas da Instrução Pública capitaneadas no Rio de Janeiro entre 1922 e 1935. Para ele, as estratégias de remodelação de ensino incorporam uma inconfessa atividade administrativa que se reelabora na lida diária com as intempéries do ofício. É também por essa via que o autor endossa a categorização de Michel de Certeau ao apreender as manobras administrativas analisadas como estratégias que permitem o acúmulo de vantagens e a aquisição de autonomia em uma situação de progressiva expansão do ensino (Idem, p. 200). O autor, por fim, elenca a série de dispositivos e manobras que permitiram não somente a organização do mando, mas a conquista e veiculação de uma imagem de crescente legitimidade, o que permite nuançar o jogo de forças políticas e seus efeitos sobre a memória dos movimentos de renovação educacional (PAULILO, 2017, p. 172)

É então defendida a tese de que a burocracia educacional se constituiu como um lugar estratégico de mando na instrução catarinense no período abordado. Essa constituição foi processual e dependeu de uma série de operações que conferiram centralidade aos diferentes órgãos de gerenciamento da instrução em diferentes momentos. Essas se deram através do crescente cerceamento da carreira docente, da legitimidade conferida a esses órgãos devido também à veiculação de uma narrativa de êxito das Reformas do Ensino responsáveis por sua estruturação. Porém, são necessárias duas ponderações: essas mesmas operações se fizeram ver, sobretudo, quando interrogadas as atuações e relações ente diretores do ensino, membros do governo, inspetores, professores e demais funcionários da burocracia. Isso porque notou-se, quando rastreadas as práticas veiculadas pelos ofícios expedidos e recebidos da Diretoria, Departamento e Superintendência do Ensino, uma perenidade de expedientes e demandas. Ou seja:

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a constituição da burocracia como um lugar estratégico de mando dependeu de sofisticadas manobras de constituição narrativa de sua legitimidade e de estruturações de carreiras em seu anterior. Todavia, essa edificação se alicerçou também em rotinas administrativas perenes. Foram elas, pois, que organizaram as categorias apresentadas nos segundo e terceiro capítulos.

Por fim, a organização do mando teve o efeito de torna-lo um lugar visado, cerceado e disputado. Coube então munir o olhar, entendendo-o como um lugar verticalizado e hierarquizado. A esse respeito, também Paulilo (2019, p. 202) defende a consideração do lugar de mando como suscetível a apropriações e circunscrição, estando inclusive exposto às manobras daqueles que lhes são externos. Foram também essas disputas e hierarquias que promoveram paulatinamente um efeito de verticalização da carreira burocrática e docente. A ela passou a se engendrar um escalonamento funcional que vetou o trânsito de alguns dos sujeitos políticos que, de distintas formas, estabeleceram contato com a burocracia educacional. Um exemplo disso é assinalado pela irrisória inserção das mulheres nessa mesma estrutura de progressão de carreira (DEMARTINI; ANTUNES, 1993, p. 5 – 14). Não por acaso, no recorte temporal e geográfico aqui apresentado, não foi mapeada nenhuma mulher que atuasse como inspetora de ensino ou diretora da instrução. A esse processo, pois, se conjugou o veto da ascensão profissional feminina, o que permite pensar que essa organização do mando teve um efeito de favorecer a ocupação de homens na carreira burocrática de gerenciamento do ensino.

Essas constatações permitem defender uma configuração politizada da burocracia. São também elas que se justificam pela necessidade de um estudo que a tematize como um campo de operações fortuito ao mapeamento das ações dos sujeitos que a ela se integraram. Em que pese a já divulgada gama de trabalhos e escritos defendidos e publicados a respeito das reformas do ensino catarinense, essa tese procura contribuir para o entendimento da ação dos sujeitos políticos a uma estrutura burocrática e hierarquizada de mando. Foram, para tanto, centrais as leituras acerca da burocracia.

Foi revisitada a tipologia das formas de dominação proposta por Max Weber (1999, p. 139 - 147) em sua abordagem cunhada em torno de tipos ideias. O mesmo autor destaca a necessidade de articulação da dominação a um quadro

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administrativo vinculado a um quadro legítimo de poder, criando categorias próprias para seu entendimento. Porém, distanciou-se de uma abordagem pela via dos tipos ideais por priorizar as práticas encampadas pelos sujeitos políticos, o que inviabiliza a generalização de categorias de análise.

A análise weberiana foi também tensionada por Crozier (1981), que propõe uma análise funcionalista da burocracia. Considera, pois, as relações humanas travadas no interior dos órgãos burocrático. Essa perspectiva trouxe o viés de questionamento da rigidez do modelo burocrático, sobretudo ao mapear e tematizar suas disfunções. Foi, porém, nos escritos de Formosinho (2007, p. 293 – 328) que a análise aqui proposta encontrou maior aproximação teórica. Ao considerar decisões burocráticas como ações políticas, nuança as operações encabeçadas em seu interior da maquinaria burocrática. Questiona também o modelo de decisão veiculado no interior da burocracia educacional como uma possível forma de legitimação de suas próprias iniciativas.

Essas concepções encontraram respaldo na leitura teórica e metodológica da obra de Michel de Certeau (2009; 1985). Interessaram suas acepções acerca da concepção das práticas como operações, esboçando o uso das categorias de táticas e estratégias. Ambas funcionam no interior de um jogo polemológico que permite seu contato e convivência de maneira que uma se organize em função da existência da outra. Sendo assim, as operações encampadas como táticas dos usuários encontram campo em meio ao território estratégico organizado e ocupado por outrem. Esse entendimento foi caro para compreender a burocracia educacional como um campo político disputado e um lugar de gerenciamento estrategicamente pensado. Todavia, pensar o campo burocrático como pelomológico é mais que replicar o entendimento de que todo sujeito que a ele se articulou – na condição de funcionário, correspondente ou diretor – é mais um estrategista. Muitos dos sujeitos rastreados na série de ofícios operaram, no interior da maquinaria burocrática da instrução, pelas vias das táticas. Isso porque o campo burocrático, uma vez disputado, reorganizou seus expedientes e rotinas de acordo com as demandas de seus atores políticos.

Metodologicamente, objetivou-se a composição de uma extensa série documental para rastreamento dos desvios (CERTEAU, 2002, p. 65 – 110). Essa investida ganhou corpo na análise dos mais de seis mil ofícios recebidos e

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expedidos pela Diretoria Geral da Instrução Pública, Departamento de Educação e Superintendência Geral do Ensino. O estudo aqui realizado deu-se pela sua catalogação e organização que permitiu a análise da documentação com vistas ao rastreamento das práticas inseridas nas rotinas de reforma da instrução pública. A lida com a sua continuidade permitiu a elaboração das categorias que organizaram o segundo e terceiro capítulo desse escrito. Os desvios pescados em suas manobras, bem como as lacunas exaradas de seus silêncios, foram listados e trabalhos no quarto capítulo.

Essa perspectiva que apreende as Reformas da Instrução Pública por meio da decomposição de suas práticas foi também aplicada e defendida por Diana Vidal (2007, p. 11 – 24). Sobretudo em artigo nomeado “O fracasso das reformas educacionais: um diagnóstico sob suspeita”, defende-se um entendimento que põe em cheque a narrativa memorialística comumente endossada por fontes legislativas. Isso possibilita o entendimento das iniciativas de remodelação da instrução pela via das práticas, sobretudo das práticas ordinárias que se alteram no interior da instituição escolar. Essa interpretação tem também o efeito de deslocar para o interior da escola o espaço de inovação e proposição de medidas educacionais, que é comumente creditado aos órgãos de gerenciamento do ensino. Apesar de essa tese circunscrever-se às demandas e expedientes dos polos organizadores da instrução pública catarinense, ela o faz tendo o amparo teórico e metodológico que os considera campos de disputa. Essas mesmas disputas, pois, podem ser rastreadas quando a burocracia educacional é considerada um campo de atuação político cujos sujeitos atuam pela operacionalização de práticas. Conversa também, portanto, com a tese de doutoramento defendida por André Paulilo, (2015) na qual é elaborada a reforma dos instrumentos de mando do Distrito Federal entre 1922 e 1935. Foram assim tematizadas as estratégias de reforma dos aparelhos da instrução pública, bem como as instituições que as encabeçaram e as práticas nas quais se apoiaram. Parte do interesse centrou-se no rastreamento dos vestígios das manobras administrativas, tematizando as principais instâncias de implementação política das reformas do ensino da época. É também respaldado pelos escritos de Michel de Certeau (2009) que o autor se ocupa das artimanhas, improvisações e invenções que ganharam corpo em meio às rotinas administrativas encampadas nos movimentos de reforma.

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Foram, por fim, também centrais as leituras acerca da carreira e profissão docente, aqui retomadas sobretudo pela via de Antônio Nóvoa (1997, p. 13 – 33), Zeila Demartini e Fátima Antunes (1993, p. 5 – 14). Do primeiro, foram caras as considerações a respeito da funcionarização do professorado, que permitiu nuançar as práticas operadas do interior da carreira docente como parte de um campo em deflagrada profissionalização. Também por essa via, pensar a crescente burocratização e aparelhamento do ensino permite também aquilatar as práticas de controle do professorado estadual e perceber sua progressiva ligação funcional a um quadro de gerenciamento e controle. Esse processo, porém, alimentou também hierarquias internas.

Ainda defendendo que a burocracia é um campo politizado e disputado, vale assinalar para os diferentes trânsitos funcionais em seu interior. Ou seja: não foram todos os sujeitos que conseguiram a longevidade e a atuação funcional pretendida. Esses desníveis de carreira, por sua vez, foram também pensados pela via proposta por Demartini e Antunes. Ao estudarem a carreira docente, constataram uma masculinização dos cargos de gestão escolar e, ao mesmo, uma feminização da docência em sala de aula. Também aqui foi perceptível a pouca ascensão profissional feminina, principalmente nos cargos mais diretamente ligados ao órgão de gerenciamento do ensino. Foram também aqui nuançados percursos funcionais, sendo que nem todos foram longevos. Em alguns deles as interdições disseram respeito às sociabilidades e alianças políticas traçadas também no interior da maquinaria burocrática. A esse respeito são consideradas as estruturas essenciais da sociabilidade tais quais apresentadas por Jean François Sirinelli (1996), que destaca a necessária arqueologia e inventário das sociabilidades de origem da intelectualidade. Também para ele, as redes de sociabilidade têm o efeito de secretar microclimas à sombra dos quais sujeitos diversos apresentam comportamentos comuns, caracterizando assim um microcosmo intelectual particular (Idem, p. 252 – 253). Cabe também destacar os contornos de edificação do lugar de mando como parte de uma rede de relações em constante atividade (Cf. PAULILO, 2019, p. 203). Essa rede compõe e organiza as práticas que integram a organização do mando de forma a constrangerem ou apoiaram decisões e atuações específicas.

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Por fim, apresentam-se como considerações finais aspectos da organização paulatina das práticas que constituíram o lugar burocrático de gerenciamento da instrução como um polo estratégico de mando. Coube apresentar os contornos políticos desse processo e defender que esse mesmo lugar foi disputado e cerceado, bem como povoado por hierarquias internas que passaram a compor a carreira burocrática e docente. Aproxima-se, pois, das ponderações já indicadas por André Paulilo (2019, p. 191 - 207; 2017, p. 159 - 175) ao circunscrever as inventivas administrativas no Rio de Janeiro nas décadas de 1920 e 1930 e nas considerações que elabora sobre a movimentação política que atua interditando ou alavancando as ideias em circulação no interior dos centros decisórios da instrução pública (PAULILO, 2017, p. 173). Coube, também aqui, a elaboração de considerações a respeito dos cerceamentos, hierarquias e disputas que circundaram a organização do mando no ensino catarinense. Nesse caso, porém, é dado foco à organização de uma estrutura burocrática que atuou conformando atuações e carreiras, facilitando procedimentos e interditando ideias em circulação. Mais que defender a burocracia como um campo político tangenciado por redes de sociabilidades, cabe entende-lo como um campo disputado que, enquanto tal, foi atravessado por teias que engendraram imbricadas relações políticas e projetos concorrentes para a educação catarinense.

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CAPÍTULO I

Estrutura organizacional da instrução pública – rotinas, expedientes e dissidências

Florianópolis, quarta feira, 23 de janeiro de 1935. A edição de número 254 do jornal A República dá destaque à manchete “A Reforma do Ensino”. Seu texto apresenta os principais pontos da Reforma iniciada naquele ano. Para isso, retoma o esforço encabeçado por Orestes Guimarães em1911, quando trazido ao estado pelo então governador Vidal Ramos2. Orestes Guimarães é apresentado como o

“primeiro professor paulista a passar as fronteiras” do estado natal levando aos demais a “experiência do ensino moderno” (A REPÚBLICA, 23 de janeiro de 1935). Santa Catarina aproveitou-se de sua iniciativa cedendo-lhe o primeiro campo de experiência, o Colégio Municipal de Joinville, em 1906 (Ibidem). Em seguida:

[...] em 1910 o governo Vidal Ramos entregava a Orestes Guimarães a Reforma da Instrução Pública do Estado. E senão fora o apoio forte do governo a crítica negativista teria, quem sabe, tornado nula a obra do reformador paulista (A REPÚBLICA, 23 de janeiro de 1935).

Salienta: a resistência de “descontentes e incrédulos” a respeito das “novas normas pedagógicas” não é novidade. Cita, dentre demais exemplos, a atuação de Miss Marcia Browne na Escola Modelo Caetano de Campos (São Paulo), em cujo início registrou-se decréscimo vertiginoso no número de matrículas na instituição. Conforme a manchete, parecia “que a rotina ia triunfar [sobre as], no momento modernas, conquistas pedagógicas”. Isso só não teria ocorrido devido ao envolvimento do Secretário do Interior, Cesário Mota, advogando a favor do novo método junto aos pais de alunos (A REPÚBLICA, 23 de janeiro de 1935).

Ainda segundo a manchete, a diminuição do número de estudantes foi uma realidade para Orestes Guimarães na gestão do Colégio Municipal de Joinville. Em relatório apresentado ao Superintendente Municipal ao findar exercício no cargo

2 Vidal Ramos (1866 –1954) foi governador de Santa Catarina entre 1910 e 1914 e senador pelo

estado entre 1915 e 1929 (PIAZZA, 1985). Quando se elegeu governador, nomeou como vice Eugênio Luís Müller, irmão de Lauro Müller. Tão logo empossado, convidou a comissão de professores paulistas chefiada por Orestes Guimarães para início da obra de remodelação do ensino no estado

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de diretor comissionado, o professor cita as “causas do decrescimento da matrícula”. Lança os dados: o número de estudantes baixou de 478 alunos, no ano de 1907, para 72, já em 1908. Para explanar os motivos de tamanha debandada cita matéria publicada pelo jornal local, Comércio:

[...] ao não ensinar-se bastante [termo grifado por Guimarães] o alemão, é ao que se deve atribuir o êxodo dos alunos no período de 1907 e 1908. [...] O ensino portanto, da língua portuguesa nas nossas escolas particulares impõe-se como necessidade de grande alcance em obediência ao Regulamento de Instrução Pública do Estado. [...] Tanto nos pesa isso quanto, por doce consolação, acabamos de ver o Colégio Municipal apresentar nesse sentido um brilhante e surpreendente resultado, muito além da nossa expectativa, não só quanto a solidez dos conhecimentos lecionados como no derramamento da língua vernácula por todas as aulas [...].”(COMÉRCIO apud GUIMARÃES, 1909, p. 2)

A reestruturação do colégio foi acordada entre governo e municipalidade; essa se encarregou do oferecimento do prédio e parte das despesas de instalação e custeio, enquanto o primeiro exercia sua direção por meio de um Superintendente e deixava a fiscalização a cargo de um delegado. No momento de sua instalação, foram suprimidas as escolas estaduais locais. Para organização, instalação e aplicação do programa de ensino foram contratados três professores paulistas dirigidos por Orestes Guimarães (COSTA, 1911, p. 85 – 86).

O cargo de diretor em comissão do Colégio Municipal de Joinville, exercido entre os anos de 1907 e 1909, colocou Orestes Guimarães no centro de um processo de “fundação de um estabelecimento de educação primária integral, na língua do país, seguindo, aproximadamente, os processos adotados nas

escolas de São Paulo” [grifo meu] (GUIMARÃES, 1909, p. 2). Para tanto o passo

inicial foi a apresentação de um regimento interno e um programa de ensino. O ensino simultâneo das línguas alemã e portuguesa foi um ponto nevrálgico da reforma proposta. Para além dessa medida, a organização institucional também sofreu mudanças. Foram elas: divisão dos estudantes conforme nível intelectual e gradação de conteúdo, reforma do prédio visando à separação dos sexos e adoção de material didático adequado. Em relação ao

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ensino, estabeleceu-se como diretriz o uso de processos intuitivos3. Para obter

promoção ao fim do ano letivo os alunos passaram a prestar exames em maio, agosto e dezembro. Os exames4 aplicados no fim do ano recebiam solenidade

especial: eram convidados pais e comunidade e era feita uma arguição pública e oral dos alunos acerca de pontos do programa de ensino.

O modelo de gestão implantado por Orestes Guimarães no Colégio Municipal de Joinville entre os anos de 1907 e 1909 é pautado na lógica de montagem da escola paulista, tal qual proposta na época. A esse respeito, Carvalho (2003a, p. 225 – 251) assinala para a politização do campo educacional e seu desdobramento nas Reformas da Instrução Pública em São Paulo e em demais estados. Entende os contornos da edificação da escola paulista no início da República como dispositivo de legitimação e consolidação de uma hegemonia. Tratava-se, para a autora, de um sistema modelar em um duplo sentido: na lógica de institucionalização e na exemplaridade. Sobre a primeira, a montagem do sistema público de ensino passa a ser atrelado ao emprego de métodos educacionais. Eles são apreendidos pela observação, sendo sua lógica centrada na reprodução de um modelo por meio de dispositivos que tornem visíveis as práticas escolares (Ibidem). É nessa engrenagem que o modelo do Grupo Escolar ganha corpo, já que condensava o modelo institucional e a produção de visibilidade propostos (Idem, p. 226).

Para Rosa Fátima de Souza (1998, p. 25 – 61), a criação dos Grupos Escolares surge no interior de um projeto político e republicano de reforma social e difusão da educação. Tais instituições, entendidas como fator de modernização educacional e cultural, caracterizavam-se pela organização de classes homogêneas e pela utilização do método de ensino intuitivo5. Nesse ensejo, foi

também dada centralidade à formação de professores. Ela deveria ter um viés

3 Segundo relatório (GUIMARÃES, 1909, Op. Cit.), os processos intuitivos são entendidos como

aqueles que têm por finalidade o despertar da atenção do discente.

4 Em ocasião de escrita do relatório ao superintendente municipal, Orestes Guimarães

referenciou-se aos exames públicos como forma de defender os esforços empregados ressaltando o crescimento no número de aprovações: “em 1907, de 219 alunos foram promovidos apenas 68. Em 1908, de 212 foram promovidos 105. O que prova que o aproveitamento geral de 1908 foi muito maior” (GUIMARÃES, 1909, p. 46).

5 Para a autora, o método de ensino intuitivo foi considerado ícone da escola moderna entre os

séculos XIX e XX. O mesmo demandou uma ampla gama de objetos pedagógicos, já que deles dependia o processo de passagem das percepções às ideias dos discentes (SOUZA, 2013, p.106).

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prático, usando para campo de formação o espaço da recém-criada Escola Modelo. Tratou-se, pois, de um arranjo pedagógico administrativo predominantemente adotado em centros urbanos. Sua importância e centralidade se dá ao relacioná-lo à representação de escola que alicerçou esse tipo específico de organização escolar pautado na ordenação sistemática, racionalizada e disciplinar do tempo e do espaço (Ibidem). Porém, a despeito da fórmula modelar empregada nos Grupos Escolares, as instituições construídas no estado de São Paulo apresentaram heterogeneidades entre si. Medidas padronizadoras foram tomadas pela Diretoria Geral da Instrução Pública local, que elaborou mecanismos coercitivos mobilizando o corpo de inspetores estaduais e convocando docentes para jornadas de formação. Elas, contudo, não foram suficientes para padronizar as instituições de acordo com o modelo pretendido e difundido (Idem, p. 59 – 60).

Na investida de Orestes Guimarães, a reforma da instituição se dá pela reorganização de sua estrutura. Para tanto, o diretor em comissão atuou em duas frentes: na apresentação e defesa dos processos intuitivos por meio de sua intervenção direta e na montagem de meios visíveis de demonstrar a eficiência de sua reforma. Na primeira, operou por aulas modelo e constante fiscalização e acompanhamento do professorado. Na segunda, o fez por meio da organização de solenidades escolares, sobretudo nos exames prestados pelos discentes ao fim do ano, e também pela escrita e veiculação de relatórios e pareceres. Nestes ele anunciava o êxito do esforço reformador por meio dos resultados obtidos nos exames dos alunos e do lento aumento no número de aprovações e índices de frequência. Os exames escolares passam a ter dupla função: de legitimação dos métodos empregados e de medição do desempenho discente e da competência docente. São, pois, dispositivo de visibilidade da reforma e meio de defender a legitimidade da aplicação do modelo paulista em terras catarinenses.

Orestes Guimarães atuou como mediador entre o modelo de escolarização paulista e a instrução primária em Santa Catarina. Aplicou, no Colégio de Joinville, mecanismos de orientação e vigilância e defendeu o uso dos processos intuitivos por meio de dispositivos de visibilidade. Atuou, então, através de práticas de

mediação cultural. Para Gomes e Hansen (2016, p. 7 – 36), elas podem ser

desenvolvidas por uma gama variada de atores. Nesta acepção, apresentam e operacionalizam o conceito de intelectual como homens de produção de

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conhecimento que atuam, direta ou indiretamente, vinculados à intervenção político social. Ao apresentarem a categoria, assinalam para a centralidade crescente das variáveis culturais em sua definição. Sendo assim, os intelectuais devem ser pensados em articulação com seus pares e com a sociedade de maneira ampla. Os fenômenos de mediação, para as autoras, são estratégicos porque fazem parte de dinâmicas de produção e difusão de bens culturais. Eles dão pistas, pois, a respeito de significados e valores atribuídos, práticas e representações socialmente veiculadas (Ibidem).

Esses apontamentos embasam o entendimento de Orestes Guimarães como um mediador entre os projetos de reforma da instrução paulista e catarinense. Ele atuou, portanto, em consonância a uma representação social de escola então veiculada. Sua atuação compõe, segundo Carvalho (2003b, p. 145), rotina administrativa recorrente nas remodelações da instrução pública no período. O empréstimo de técnicos paulistas e visitas de estudo ao estado são, pois, comuns nas primeiras décadas republicanas. Esse foi, para Souza (1998, p. 61) um processo constituído em meio aos constantes embates entre uma cultura escolar instituída e uma cultura escolar instituinte.

***

Findado o cargo comissionado de Diretor do Colégio Municipal de Joinville, Orestes Guimarães não deixou o estado Catarinense. Celebra novo contrato6 com

o Governador Vidal José de Oliveira Ramos comprometendo-se a ocupar o cargo de Inspetor Geral do Ensino Público. A Reforma Orestes Guimarães inicia-se no ano de 1911, sendo tema recorrente de estudo na História da Educação em Santa Catarina (MOREIRA, 1954; FIORI, 1975; TEIVE, 2008).

Ela foi também tema de carta publicada no Boletim do Departamento de

Educação do Estado de Santa Catarina por Vidal José de Oliveira Ramos (então no

6 Sua nomeação se dá pelo Decreto 597, de 8 de junho de 1911, assinado por Vidal José de Oliveira

Ramos (governador do Estado) e Caetano Vieira da Costa (Secretário do Interior). Para fazê-lo o governador ampara-se em no Regulamento Geral da Instrução Pública que baixou com o decreto 585, de 19 de abril de 1911, no qual resolve reorganizar a instrução pública.

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cargo de Senador da Republica)7. A mesma, de 8 de abril de 1936, teve lugar no

periódico no mês de outubro daquele ano. A ocasião de sua escrita era também o tema do restante do boletim: o 25º aniversário dessa Reforma da Instrução Pública. Conforme palavras do senador, a luta contra o analfabetismo no Estado teve seu início no ano de 1911 e foi mantida continuamente [grifo meu] ao longo do último quartel de século. Segundo ele:

Um grande quinhão da glória resultante dos triunfos que deram a nossa terra um lugar honrosíssimo no seio da federação, em matéria de ensino, cabe ao professor catarinense. Sem a sua pronta, abnegada e patriótica cooperação muito problemático seria o resultado do grande empreendimento, não obstante a felicidade que teve o governo do Estado de encontrar no saudoso professor Orestes Guimarães colaborador que nenhum outro excederia em competência técnica, capacidade de trabalho e amor ao seu nobilíssimo sacerdócio (ESTADO DE SANTA CATARINA, 1936, pag. 2).

O então saudoso8 professor Orestes Guimarães tem sua atuação celebrada

em todo o boletim. Já na página seguinte, em texto de nome “Um quarto de século”, Anfilóquio Nunes Pires lembra o cenário da instrução pública catarinense antes da Reforma de 1911:

Há 25 anos passados a Exa. [Vidal Ramos] começava nesta querida terra barriga verde [...] a pôr as primeiras pedras que alicerçavam o majestoso templo da Instrução Pública, desmantelado até então pelos processos rotineiros, empregados na velha cartilha, na palmatória e no clássico b-a-bá (ESTADO DE SANTA CATARINA, 1936, p. 3).

.

Salienta: “a instrução pública é hoje orgulho de nossa terra” (Ibidem). Tamanha mudança se deve a atuação de nomes pontuais, que lista com esmero: Vidal José de Oliveira Ramos, Orestes Guimarães, João dos Santos Areão e Luiz Sanches Bezerra da Trindade. Os dois últimos são apontados como continuadores da obra iniciada por Orestes Guimarães e Vidal Ramos, que são constantemente

7 A mesma mensagem é também veiculada no jornal A República, em 19 de abril de 1936, em

manchete de título “A Reforma do Ensino – carta que o Coronel Vidal Ramos dirigiu ao professor Luiz Trindade no dia 8 corrente”.

8 O Professor Orestes Guimarães faleceu em 30 de dezembro de 1931 e seu enterro foi noticiado

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citados nas comemorações de 25 anos da Reforma de Ensino. Em coluna de noticiário do mesmo Boletim o dia 19 de abril9 é novamente lembrado como dia

do aniversário da Reforma de Ensino de 1911. Para celebrar, o Departamento de Educação mandou imprimir cartões comemorativos a serem distribuídos em todas as escolas e foi inaugurado o Grupo Escolar José Boiteux (Estreito, município de Florianópolis) (Idem, p. 12).

O número 13 da série de Boletins do Departamento de Educação do Estado, expedido no ano de 1936, refere-se continuamente ao esforço reformador do ano de 1911. Trata-se, pois, de uma edição comemorativa. É neste movimento que os nomes de Areão e Trindade aparecem. Ambos são apresentados como continuadores de uma obra de sucesso a serviço da instrução pública catarinense. Os tensionamentos mapeados em jornais e relatórios quando da atuação de Orestes Guimarães na direção do Colégio Municipal de Joinville não aparecem na narrativa expedida pelos Boletins. Pelo contrário: seu desempenho como diretor comissionado nesta instituição é apresentado como ensaio para a reorganização que seria posteriormente proposta a nível estadual.

João dos Santos Areão10, Luiz Sanches Bezerra da Trindade11 e Elpídio

Barbosa12 são reconhecidos como os expoentes da Reforma Trindade13, iniciada

em Santa Catarina no ano de 1935. A despeito do que é apresentado nos Boletins do Departamento de Educação, sua atuação enquanto reformadores da instrução pública tem as dissonâncias em relação ao modelo proposto por Orestes

9 Data de publicação do decreto 585 (ano de 1911), no qual decide reorganizar a instrução pública

no Estado.

10 João dos Santos Areão nasceu no estado de São Paulo e chegou a Santa Catarina em 1912. Veio a

convite do então Inspetor Geral do Ensino ocupar cargo de direção do Grupo Escolar Jerônimo Coelho (Laguna). Em 1926 assumiu cargo de Inspetor Escolar do Sul do Estado. Em 1931 muda-se para a capital para assumir sua Inspetoria Escolar; posteriormente é nomeado Inspetor Federal das Escolas Subvencionadas pela União.

11 Luiz Sanches Bezerra da era catarinense, formado no Ginásio da Capital. Iniciou a carreira no

Grupo Escolar Jerônimo Coelho (Laguna). Em 1926 assumiu cargo de Inspetor Escolar e exerceu funções técnicas na Diretoria de Instrução Pública (FIORI, 1975, p. 147 – 148). Em 1930 foi nomeado Diretor da Instrução e dirigiu o Departamento de Educação entre 1935 e 1938.

12 Nasceu em Florianópolis e cursou o Colégio Coração de Jesus e, no Ginásio, o Colégio Catarinense.

Graduou-se em Direito na Universidade Federal do Paraná. Iniciou a carreira ocupando cargo de inspetoria escolar (1931 – 1934); no ano seguinte foi nomeado por Aristiliano Ramos como Subdiretor Técnico do Departamento de Educação. Em 1940, Celso Ramos o nomeia Secretário do Estado da Educação e Cultura. Fez parte do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (IHGSC) e foi o primeiro reitor da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) (ELPÍDIO BARBOSA, s/d, s/p).

13 A reforma foi assim nomeada fazendo referência ao sobrenome de Luiz Sanches Bezerra da

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Guimarães listadas na historiografia sobre o tema (MOREIRA, 1954; FIORI; 1975; BOMBASSARO, 2006; SCHWEITZER, 2008). Schweitzer (2008) estuda a criação e aparelhamento do Departamento de Educação catarinense, órgão criado em 1935 tendo Luiz Trindade como seu diretor. Para a autora, sua constituição aponta para a crescente burocratização e aparelhamento da administração educacional local, em consonância com o momento vivido nacionalmente. Ponto comum dessas análises da Reforma Trindade é também o foco concedido à formação de professores e em seu aparelhamento didático, citando-se, especificamente, o esforço empreendido na criação e realização das Semanas Educacionais (BOMBASSARO, 2006).

***

As manobras lançadas para efetivar ações administrativas na instrução pública deixam vestígios. É neles, e nos conflitos que eles permitem ver, que esta investigação se fia. O objetivo é rastrear as práticas mobilizadas na aplicação e execução das Reformas da Instrução Pública em Santa Catarina entre 1911 e 1940, situando assim seus sujeitos políticos. Neste capítulo serão então tematizados locais de gestão e expedição de demandas da instrução pública catarinense. Esse movimento permite perceber a forma como o modelo proposto de gestão educacional lida com uma exterioridade por meio de um tipo específico de saber e como o veicula. Trata-se de um lugar de gestão imbuído de uma autoridade, possuindo uma lógica de ação entendida como uma estratégia (CERTEAU, 2009, p. 91 - 108). Dialogando com este entendimento, a organização do capítulo se dará listando os locais de gestão da instrução pública com o objetivo de apreender a forma como estes se relacionaram com uma crescente agenda de intervenção e gestão. São eles: a Diretoria Geral de Instrução Pública, o Departamento de

Educação e a Superintendência Geral do Ensino.

1.1 - A Diretoria Geral da Instrução Pública – a organização das práticas

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Enquanto Orestes Guimarães atuava no Colégio Municipal de Joinville, a Diretoria da Instrução Pública catarinense tinha como diretor Horácio Nunes Pires14. Ele foi nomeado para o cargo em 3 de agosto de 1896 por Hercílio Luz e

confirmado em ofício do dia 29 de dezembro de 1898. No dia 17 de abril de 1910, o mesmo assume também a Diretoria da Escola Normal Catarinense (COSTA, 1911, p. 75). O cargo foi ocupado por ele até 1918, um ano antes de seu falecimento.

A Diretoria Geral da Instrução Pública configurou-se como um lugar central na burocracia educacional catarinense. A ela prestam conta o corpo de inspetores estaduais e o professorado catarinense, sendo seus deveres:

[...] a) organizar mensalmente os planos para trabalhos dos inspetores [...] b) tratar de questões relativas à higiene escolar, à organização pedagógica [...] expedindo aos professores instruções [...] relativas aos processos e métodos de ensino;

c) providenciar [...] a respeito dos impressos [...];

d) ter [...] o quadro estatístico das escolas isoladas, grupos escolares, complementares e normal (SANTA CATARINA, 1914, s/p).

O órgão, composto pelo Diretor da Instrução, dois oficiais e dois praticantes, tinha delimitadas as funções de supervisão e expedição de instruções e normativas. Ao seu diretor competia:

[...] 5) exercer pessoalmente a fiscalização da Escola Normal [e demais escolas por intermédio dos inspetores ou chefes escolares [...]

8) decidir o recurso dos professores contra a recusa de atestado de exercício, por parte dos chefes escolares;

9) receber queixas [...] referentes ao ensino [...];

10) promover sindicâncias e processos administrativos contra diretores, professores e funcionários da instrução [...] (SANTA CATARINA, 1914, s/p).

14 Nasceu no Rio de Janeiro em 1855 e faleceu em Florianópolis no ano de 1919. Dentre os cargos

públicos que exerceu, destacam-se: colaborador da Fazenda Provincial, Engenheiro da Província e da Secretaria do Governo, delegado literário das escolas da capital, fiscal do Teatro Santa Isabel, secretário dos exames gerais de preparatórios, delegado de Polícia da capital, professor do Liceu de Artes e Ofícios, amanuense e 2º oficial da Secretaria do Governo, diretor da Contabilidade do Tesouro Estadual, diretor Geral da instituição Pública, Inspetor Geral da Instrução e diretor da Escola Normal (EL KHATIB, Op. Cit.).

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O exercício de fiscalização das unidades escolares aparece mediado pela atividade de inspetores e chefes escolares, ao passo que suas funções de recebimento de recursos e promoção de sindicâncias não dependem de deliberações de terceiros. Há, porém, uma gama de incumbências cujo despacho depende de encaminhamento do Secretário Geral. São elas: “a) a jubilação dos professores [...]; b) a adoção de medidas [...] convenientes à boa marcha da organização do ensino; c) a criação, suspensão e supressão e conversão de escolas” (SANTA CATARINA, 1914, s/p).

Em outubro de 1910 a Reforma do Ensino público, de acordo com os “modernos processos pedagógicos” (SANTA CATARINA, 1910, p. 1) é anunciada pela lei 846. Nela são previstas as seguintes categorias de estabelecimentos de instrução: escolas ambulantes15, escolas isoladas, Grupos Escolares e Escolas

Normais. Às ultimas é dada nova organização, posteriormente apresentada pela promulgação dos decretos. Ainda no texto da lei 846 é anunciada a contratação de “até três professores de reconhecida competência, para dirigirem os primeiros grupos escolares que forem criados e auxiliarem o Governo na referida organização” (Ibidem). No dia 8 de junho de 1911 o nome de Orestes Guimarães é indicado para o cargo de Inspetor Geral do Ensino Público por Vidal José de Oliveira Ramos.

O professor passa, a partir de então, a compor a hierarquia organizacional da instrução pública catarinense, respondendo diretamente ao governador. O cargo previa funções de fiscalização do ensino primário, coordenando um corpo de inspetores (nomeados em comissão) que teriam atuação ambulante nos três distritos escolares em que o estado foi dividido. Nos municípios sua atuação seria conjunta ao do Chefe Escolar, a quem deveria também orientar e estimular (COSTA, 1911, p. 72). Essa estruturação é retomada e mantida também no Regulamento Geral da Instrução Pública de 1914, conforme o qual os distritos a serem incumbidos aos inspetores escolares estaduais ficam organizados da seguinte forma:

15 De acordo com o artigo quarenta e nove (49) do Regimento da Instrução Pública de 1914, as

escolas ambulantes seriam instaladas em lugares onde a população estivesse espalhada por longa extensão de terra ou nos centros agrícolas (SANTA CATARINA, 1914, Op. Cit.).

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É também incumbência de Orestes Guimarães a deliberação e indicação de materiais de uso didáticos considerados adequados à instrução primária local. A respeito disso, posicionou-se na promulgação de Parecer sobre a Adopção de Obras

Didácticas [sic]:

Em março de 1910, no meu parecer sobre obras didáticas explanei-me suficientemente para provar que os livros usados nas escolas primárias estavam em desacordo com os preceitos da moderna pedagogia. Nas escolas primárias reinava o regime dos compêndios [...]. Com esta adoção, e com o que aludi relativamente aos métodos e programas, a reforma foi mais que justificada à luz da pedagogia. Ela era uma necessidade inadiável, porque com tal aparelho escolar Santa Catarina não poderia tomar na federação a posição que lhe compete [...] (GUIMARÃES apud RÉGIS, 1914, p. 119).

O parecer, impresso e distribuído aos professores, advogava pelo uso de livros de leitura e cadernos considerados apropriados de acordo com os “preceitos da moderna pedagogia”. Para o inspetor, a uniformização das obras didáticas em

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muito contribuiria à Reforma da Instrução Pública no estado, já que melhoraria as condições técnicas de ensino. Para elaboração do parecer, revisou as obras aprovadas para uso nas escolas públicas do estado de São Paulo, selecionando as que lhe pareceram mais propensas ao uso nas escolas catarinenses. O Parecer se divide em quatro partes: o anexo 1 é composto de referências para pesquisa e se destina à formação da biblioteca dos inspetores escolares; no anexo 2 são listadas obras a serem empregadas diretamente nos Grupos Escolares; no anexo 3 elas já vêm descriminadas de acordo com os anos de curso dos Grupos Escolares e Escolas Isoladas; e no anexo 4 são dadas indicações para uso nas Escolas Complementares. Como indicação para ensino da linguagem nas diferentes instituições, recomenda a Série de Leitura de autoria de Francisco Viana (Leitura Preparatória; Primeiro Livro; Segundo Livro; Terceiro Livro), sendo sua adoção aprovada por decreto e divulgada por circular (GUIMARÃES, 1911, p. 26).

Vidal Ramos, em mensagem apresentada ao Congresso Representativo do Estado em julho de 1911, diz ter sido uma de suas primeiras incumbências solicitar ao senhor presidente do “adiantado estado de São Paulo” que pusesse à disposição o professor Orestes Guimarães. Esse, ainda nas palavras do governante, foi escolhido para auxiliar na reorganização do ensino primário catarinense devido ao:

[...] conhecimento de sua idoneidade, reconhecida no seu Estado Natal e comprovada, entre nós, pelo cabal desempenho que deu à comissão que lhe foi confiada pela municipalidade de Joinville, de fundar a escola municipal daquela próspera cidade (RAMOS, 1911, s/p).

Baseado em observações feitas e na experiência adquirida no exercício de seus cargos de governo, Vidal Ramos lista como escopo da reforma os seguintes pontos: fundar novo tipo de escola, dar ao professorado maior emulação e estabelecer uma fiscalização técnica e administrativa real e constante. Portanto, seus pontos fulcrais de ação foram: a criação das Inspetorias Escolares, o estabelecimento de categorias de escola de acordo com a formação do seu corpo docente, instituição de estatística escolar, organização de novo plano de habilitação de docentes provisórios, gradação do ensino nos Grupos Escolares e Escolas Isoladas e estabelecimento de diretrizes para regulamentação do ensino

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privado (Idem). Nesse sentido, coincide com o arranjo almejado por Orestes Guimarães no Colégio Municipal de Joinville.

Também conforme os parâmetros estabelecidos por Vidal José de Oliveira Ramos para organização da instrução pública catarinense, a Inspetoria Geral de Ensino passou a ocupar um lugar de destaque no gerenciamento do ensino local. A ela se sobrepunham somente a Secretaria Geral dos Negócios do Estado e o próprio governador de Santa Catarina. Assim sendo, a Diretoria Geral da Instrução Pública – que na época contava com o diminuto corpo de funcionários de dois oficiais e dois praticantes – dependia das deliberações do então inspetor comissionado, Orestes Guimarães.

João Roberto Moreira (1954, p. 21 – 33) retoma atuação de Orestes Guimarães a partir de 1911 no processo que nomeou como “organização administrativa da educação”. Para ele:

Quando, no início do segundo decênio deste século, o governador Vidal Ramos resolveu sistematizar em uma organização estadual o ensino elementar, em Santa Catarina, voltou-se para São Paulo, donde lhe foi mandado o organizador. Tratava-se do professor

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Orestes Guimarães que, chegando ao Estado, em vez de construir uma superestrutura administrativa, iniciou o seu trabalho pela base, instalando unidades escolares (MOREIRA, 1954, p. 21). Ainda segundo Moreira, a atuação de Orestes e a influência paulista no sistema educacional catarinense perduraram: sua “personalidade [...] deu, pois, marca pessoal à organização do ensino” (Idem, p. 22). Este excerto é retomado por Fiori (1975, p. 96) que ressalta: “toda a instrução pública recebeu então a influência de sua personalidade forte”. Para ela, seu plano educacional iniciou-se sem a organização de uma complexa estrutura administrativa, mas teve seu marco na proposição de um “trabalho de base” (Idem, p. 98) alavancado por atuações diretas nos estabelecimentos de ensino.

Em ambas as interpretações, o trabalho do professor paulista é exaltado devido ao seu modelo de intervenção. Sua atuação caracterizou-se, para os autores, por uma ação perene no cotidiano das instituições de ensino. Cabe, porém, matizar tais interpretações já que a elas escapa a reorganização administrativa e burocrática da instrução pública. Em ambas é valorizado o “trabalho de base” (FIORI, 1975, p. 9), centrando-se assim nas ações do Inspetor Geral do Ensino. Contudo, paralelamente à sua atuação aparelhou-se a Diretoria Geral da Instrução Pública, cuja organização burocrática inaugura novas formas de gerenciamento de práticas e abriga distintos locais de gestão. Sendo assim, para além da já constatada centralidade de Orestes Guimarães na historiografia sobre o tema, cabe aqui apresentar e entender o funcionamento da maquinaria burocrática à qual ele se articulou.

O lugar de expedição que era a Diretoria Geral da Instrução Pública apoiou-se em despachos diversos. Grande parte deles faz referência ao Secretário Geral e cumpre a função de encaminhar solicitações e pedir encaminhamentos. Horácio Nunes Pires expediu todos os ofícios acessados ao Secretário Geral dos Negócios do Estado, Caetano Vieira da Costa16. O fato é significativo e conversa com a

inserção da Diretoria da Instrução na hierarquia que envolveu o gerenciamento do ensino catarinense17. Assim sendo, o seu lugar de gestão dependeu de

16 Conferir gráfico disponível na lista de anexos dessa tese. Nele são listados os destinatários e

quantificados os ofícios expedidos.

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despachos não somente do Secretário Geral dos Negócios do Estado, mas também do governador do estado e, por conseguinte, do Inspetor Geral do Ensino. Não por acaso, vale retomar o fato de que foi o então governador estadual, Vidal José de Oliveira Ramos, o responsável pela celebração do contrato que alocou Orestes Guimarães em tão alta esfera de mando na organização da instrução. Foi também esse arranjo o responsável pelo cerceamento organizacional e burocrático dos poderes de gestão de Horácio Nunes, diretor do ensino catarinense desde 1896.

Entre 1911 e maio de 1919, Horácio Nunes Pires emitiu a Caetano Vieira da Costa mais de 800 ofícios. É visível, nessa série, a constante tematização da Escola Normal Catarinense, também dirigida por ele.

A instituição foi alvo de inúmeras remodelações. A lei 846 já previa uma nova organização para a mesma (SANTA CATARINA, 1910), sendo esta apresentada no Decreto 572 (SANTA CATARINA, 25 de fevereiro de 1911). Esse altera a distribuição de suas disciplinas, seu sistema de admissão e institui a frequência obrigatória. Menos de dois meses depois, em 22 de abril de 1911, o Decreto 586 aprova seu novo programa de ensino (SANTA CATARINA, 1911). No fim do mês seguinte o Decreto 593 aprova ainda novo regulamento, pois entende que faltam disposições claras sobre os deveres e funções do pessoal administrativo e docente (SANTA CATARINA, 1911).

A extensa legislação promulgada tendo como objeto a Escola Normal foi retomada por Vidal Ramos (1911). Para ele:

[...] como era normal e lógico, a reforma começou pela Escola Normal [através do decreto 572], destinada a formar os mestres da mocidade catarinense [...]. O citado decreto alterou a distribuição das matérias de ensino, desdobrando algumas que eram dadas insuficientemente; criou a cadeira de pedagogia e noções de psicologia [...] restabeleceu o ensino de alemão, [grifo meu] considerando, com razão, absolutamente necessário para facilitar ao professor o desempenho de sua nobre missão entre a população de origem germânica [...] restabeleceu os exames de admissão e suprimiu o exame vago [...] (RAMOS, 1911, s/p). A Reforma do Ensino, segundo relatórios, teve início pela remodelação da Escola Normal. Horácio Nunes Pires, por sua vez, foi seu diretor enquanto também era dirigente da Diretoria Geral da Instrução Pública. Da forma como aqui se entende, a Diretoria se armou como lugar de expedição de solicitações e demandas

Referências

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