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"Previsão, embelezamento, fluidez" : saberes e práticas em disputa na formação do urbanismo em São Paulo entre as décadas de 1890 e 1910

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

RAQUEL OLIVEIRA JORDAN

“Previsão, embelezamento, fluidez”: saberes e práticas em disputa na formação do urbanismo em São Paulo entre as décadas de 1890 e 1910

Campinas 2019

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RAQUEL OLIVEIRA JORDAN

“Previsão, embelezamento, fluidez”: saberes e práticas em disputa na formação do urbanismo em São Paulo entre as décadas de 1890 e 1910

Dissertação apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em História na área de Política, Memória e Cidade.

Orientadora: Profa. Dra. Josianne Frância Cerasoli

Este exemplar corresponde à versão final da Dissertação defendida pela aluna Raquel Oliveira Jordan, e orientada pela Profa. Dra. Josianne Frância Cerasoli.

Campinas 2019

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Cecília Maria Jorge Nicolau - CRB 8/3387

Jordan, Raquel Oliveira,

J766p Jor"Previsão, embelezamento, fluidez" : saberes e práticas em disputa na formação do urbanismo em São Paulo entre as décadas de 1890 e 1910 / Raquel Oliveira Jordan. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

JorOrientador: Josianne Frância Cerasoli.

JorDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

Jor1. Cidades e vilas. 2. Urbanização - História. 3. Obras públicas. 4. Urbanização - Legislação - Brasil. I. Cerasoli, Josianne Frância, 1972-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: "Prediction, beautification, fluidity : knowledge and practices in

dispute in the formation of urbanism in São Paulo between the 1890s and 1910s

Palavras-chave em inglês:

Cities and towns Urbanization - History Public works

Urbanization - Legislation - Brazil

Área de concentração: Política, Memória e Cidade Titulação: Mestra em História

Banca examinadora:

Josianne Frância Cerasoli [Orientador] Maria Stella Martins Bresciani

Ivone Salgado

Data de defesa: 20-02-2019

Programa de Pós-Graduação: História Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0002-0358-5222 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/5339362728161468

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 20 de fevereiro de 2019, considerou a candidata Raquel Oliveira Jordan aprovada.

Profa. Dra. Josianne Frância Cerasoli Profa. Dra. Maria Stella Martins Bresciani Profa. Dra. Ivone Salgado

A Ata de Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertações/Teses e na Secretaria do Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

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Agradecimentos

Reconhecer em poucas linhas as generosas leituras, colaborações, e ensinamentos recebidos ao longo dos três anos que essa pesquisa transcorreu parece um ato pouco representativo da acolhida concedida a este projeto, que concretiza uma vontade antiga de enfrentar os desafios da academia. Os agradecimentos que seguem, no entanto, buscam registrar com o risco de eventuais esquecimentos, algumas pessoas e instituições partes desse processo, sobre as quais essa, agora também autora, será sempre devedora.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, à qual agradeço pelo financiamento. A partir dessas condições foi possível visitar arquivos, bibliotecas e participar de eventos acadêmicos, ações fundamentais para a condução deste trabalho.

À Josianne Cerasoli, agradeço por acolher desde o início um projeto permeado por afirmações e por me instigar, ao longo desses anos, a valorizar mais as dúvidas e as incertezas. Entre muitos ensinamentos, agradeço pelas sempre ricas reuniões de orientação e a presença constante e interessada. Agradeço ainda por me mostrar que a academia – construída também por nós – pode ser um espaço aberto, por “fazer-se” das nossas curiosidades, dúvidas, colaborações, enfim. À Stella Bresciani e Lindener Pareto, agradeço as leituras cuidadosas no exame de qualificação, além de preciosas indicações de estudo e de escrita. À Stella, presente do início e até a defesa desse aprendizado de transformar algumas ideias em uma pesquisa e finalmente em um texto, agradeço por compartilhar reflexões e caminhos sempre entusiasmados sobre as cidades. Contar com a sua interlocução e o interesse compartilhado sobre São Paulo são privilégios que não posso transpor nessas poucas linhas. À Ivone Salgado, pela disposição em compor a banca dessa dissertação e por compartilhar o interesse nos estudos sobre o urbanismo. Aos professores José Geraldo Simões Júnior e Lindener Pareto pela participação como suplentes na defesa.

Às professoras que tanto contribuíram com ensinamentos e reflexões ao longo desse processo, em especial às professoras da linha de pesquisa de Cultura e Cidade, Izabel Marson e Stella Bresciani agradeço pelo exame cuidadoso do projeto inicial e por indicar novos caminhos para esse trabalho. Aos professores do programa de pós-graduação em história da Unicamp, agradeço especialmente ao professor José Alves e à

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professora Luana Saturnino, pelos ensinamentos teóricos e sempre instigantes nos estudos de história. Também, aos funcionários da Secretaria de Pós-Graduação do IFCH-Unicamp, em especial ao Leandro e ao Daniel pelo apoio fundamental no cotidiano das questões administrativas e na pronta resolução dos imprevistos.

Aos apoios recebidos nos arquivos e bibliotecas por seus atenciosos profissionais que também apontaram caminhos quando a pesquisa parecia encontrar obstáculos desanimadores. Agradeço especialmente à Tomico e Vera, zelosas servidoras do Arquivo Histórico Municipal de São Paulo, pela dedicação que sempre pude contar durante minhas visitas. À Tomico em especial, por compartilhar do privilégio que é poder vasculhar esse nosso arquivo. À Maria Luiza pela especial atenção recebida na visita ao Arquivo e Biblioteca da Escola Politécnica. À Fabiana Silva do Centro Histórico Cultural Mackenzie pela dedicação com que me apresentou o acervo histórico dessa instituição. E à Gisele Ferreira, bibliotecária chefe da Seção Técnica de Materiais Iconográficos da Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, pela cuidadosa atenção durante a pesquisa nesse acervo. Por fim, aos atenciosos funcionários da Biblioteca Octavio Ianni, por também fazerem desse espaço um lugar acolhedor.

Aos amigos da Unicamp, revisores e interlocutores desse trabalho, agradeço por me mostrarem que por meio de bastante esforço, eventualmente, se atinge novas e animadoras pistas e questões. Em especial aos amigos Thainã Cardinalli, Leonardo Novo, Monique Borin, Ana Carolina Alves, Suelen Simião e Clécia Gomes, agradeço por ouvirem minhas dúvidas e angústias de pensar São Paulo e suas instigantes questões historiográficas. À Thainã, agradeço pela generosa amizade, constantes leituras, preciosas indicações de estudos e também por compartilhar mais do que cabe nos espaços da academia. Ao Léo, agradeço pelo modo afetuoso e sempre entusiasmado que recebeu minhas dúvidas e pedidos de ajuda. À Monique, agradeço pelas dedicadas interlocuções e por compartilhar esse caminho, um tanto errático de pensar São Paulo. Aos amigos do nosso GEL (Grupo de Estudos e Leituras do CIEC) pelas instigantes leituras e provocações.

Agradeço às amigas que para além dos nossos antigos tempos de FFLCH permanecem e alimentam uma amizade permeada de encontros sempre renovadores – à Carol, Aline, Érica, Laura e Bruna pelo carinho e presença constante. Apesar de tudo, persistimos. Às amigas Raquel e Juliana, agradeço pela sempre calorosa companhia. Às

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irmãs Bruna e Dione, pela inspiração em perseguir mais essa jornada. À Bruna, por me mostrar pelo seu esforço e entusiasmo que as melhores partes da vida acontecem quando seguimos nossos sonhos. À Dione, pela delicadeza e curiosidade com que me apresenta suas reflexões e me permite fazer parte das suas descobertas.

Ao Rafael, agradeço pelo carinho e pelo entusiasmo que compartilha comigo a realização desse trabalho. Seu estímulo constante para que eu iniciasse esse estudo só não foram maiores do que a paciência com que recebeu as, por vezes, longas ausências durante esses três anos. Agradeço por apoiar e permanecer ao meu lado. Aos meus pais, Maria Célia e José Carlos, agradeço pelo apoio irrestrito ao longo desses anos. À Maria Célia, por me mostrar desde cedo que não há um único caminho e ao José Carlos pelo constante incentivo à leitura e por partilhar comigo o gosto pela história. À ambos por fornecerem as bases que me permitiram chegar até aqui.

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Resistir é manter uma situação, criar para si mesmo um espaço no interior do sistema para não ser absorvido por ele (mas até quando?). Divergir é sair do sistema, deixar de lado suas estruturas, empreender rumos inéditos.

Resistir é permanecer para defender o que se é.

Divergir é desenvolver, a partir daquilo que se é, aquilo que se pode chegar a ser. Provavelmente, a diferença entre essas duas interpretações provêm da origem de seus defensores: a partir do centro, as margens não podem ser vistas como geradoras de projetos, mas apenas, talvez, como refúgio. A partir das margens tudo é – ou deveria ser – projeto. Marina Waisman, O interior da história, 2013.

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RESUMO

A presente pesquisa investiga o papel da circulação e dos usos dos saberes especializados do urbanismo em um período de intensos debates sobre as suas dimensões teóricas e práticas. Para isso, são analisadas discussões em torno de iniciativas de melhoramentos urbanos na cidade de São Paulo, entre as décadas de 1890 e 1910. São focalizadas propostas para a sua área central envolvendo as regiões do vale do Anhangabaú, várzea do Carmo e Sé, bem como são mapeadas e examinadas negociações de intervenções nas diversas partes da cidade. A partir da análise de defesas e repercussões de variados projetos o objetivo deste estudo é compreender e discutir as articulações entre profissionais engenheiros e engenheiro-arquitetos, poderes públicos e setores da população em disputas pela autoridade e consolidação de pensamentos e práticas urbanísticas. Ao problematizar a circulação e a configuração de saberes e práticas do urbanismo, a hipótese deste estudo se fundamenta na percepção de dois pontos de tensão entre os diversos agentes envolvidos: a definição de uma autoridade e pensamento urbanístico em um plano de melhoramentos para a área central, envolvendo disputas por um protagonismo na sua apresentação ao debate público; e a busca da consolidação dessa autoridade, práticas e pensamento urbanístico nos dispositivos legais voltados a esse plano e nas discussões sobre outras partes da cidade. Para tanto, além das propostas, examinadas nos projetos, intervenções e negociações nas esferas governamentais, tais disputas são abordadas em periódicos técnicos e de grande circulação na cidade de São Paulo, debates parlamentares e dispositivos legais voltados a essas iniciativas.

Palavras chave: Cidades e vilas; Urbanização - História; Obras públicas; Urbanização – Legislação – Brasil.

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ABSTRACT

The present research investigates the role of circulation and the uses of the specialized knowledge of urbanism in a period of intense debates about its theoretical and practical dimensions. To this end, discussions on urban improvement initiatives in the city of São Paulo are analyzed, between the decades of 1890 and 1910. Proposals are focused on its central area involving the Vale do Anhangabaú, Várzea do Carmo and Sé, as well as the mapping and examination of interventions in various parts of the city. From the analysis of the defenses and repercussions of the various projects in dispute, the objective of this study is to understand and discuss the articulations between professional engineers and engineer-architects, public authorities and sectors of the population in disputes over authority and consolidation of urbanistic thoughts and practices. The hypothesis of this study is based on the perception of two points of tension between the various agents involved: the definition of an authority and the urbanistic thinking in a plan of improvements for the central area, involving disputes for a protagonism in the presentation of these improvements to the public debate; and the search for the consolidation of this authority, practices and urbanistic thinking in the legal devices directed to this plan and in other parts of the city. Therefore, in addition to the proposals, examined in the projects and discussions in the governmental spheres, such disputes are approached in technical journals and of great circulation in the city of São Paulo, political debates and legal dispositions directed to these initiatives.

Keywords: Cities and Towns; Urbanization – History; Public Works; Urbanization – Legislation – Brazil.

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ABREVIATURAS

AHM – Arquivo Histórico Municipal

AHM – FCMSP – Arquivo Histórico Municipal – Fundo Câmara Municipal de São Paulo AHM – FDO – Arquivo Histórico Municipal – Fundo Diretoria de Obras

AHM – FPMSP – DOV – Arquivo Histórico Municipal – Fundo Prefeitura Municipal de São Paulo – Grupo Diretoria de Obras e Viação

CP – Jornal O Correio Paulistano EPSP – Escola Politécnica de São Paulo OESP – Jornal O Estado de São Paulo PRP – Partido Republicano Paulista

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SUMÁRIO

Introdução 13

I. São Paulo: cidade em questão 28

1. O atual (ir)rompe do passado? Melhoramentos e discursos de origem 33

2. Multiplicidade e dissenso 56

II. Usos plurais de uma disciplina em formação: questão técnica e política 76 1. Revistas especializadas: conhecendo práticas, debatendo a teoria 81

III. Previsão, circulação, salubridade e embelezamento: instrumentos em negociação 102

1. Aterrar, prolongar, interligar 107

2. Alargar, embelezar, criar um “centro cívico” 119

IV. “Melhoramentos” na cidade: (re)conhecimentos e disputas sobre o território 138 1. Melhoramentos, não só de propostas e planos de conjunto 143

2. Expandir, comunicar, “preencher os claros” 163

Considerações finais 180

V. Referências 189

VI. Anexos

1. Apontamentos sobre trajetórias 197

2. Tabela 1.2 209

3. Caderno de imagens 209

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Introdução

São Paulo andava aborrecida.

Isso foi no começo do século, lá por volta de 1910. A cidade crescia em população. Bairros novos surgiam, aqui e acolá. Mas, toda gente procurava, para o trabalho de cada dia e para a diversão de cada noite, a exígua planura do “Triângulo”, no alto da colina. Aí se concentravam o alto comércio, os estabelecimentos bancários, os escritórios, os bares, os cinemas, os restaurantes. Nas ruas estreitas, mal calçadas, em que circulavam desordenadamente bondes, carros, tílbures e até automóveis, a gente da Paulicéa se acotovelava, resmungando contra a Prefeitura, que não dava um geito naquilo. Nos Quatro Cantos, então, a confusão era do outro mundo: imagine-se o cruzamento das ruas Direita e São Bento recebendo correntes de pedestres de quatro direções – da Luz, de Vila Buarque e Santa Ifigênia, da Sé, Liberdade e Bexiga, e do Brás e Belenzinho, para só citar os velhos burgos – e avalie-se o pandemônio. Lá em baixo, rastejando o Triângulo, uma miserável rua Líbero Badaró, casario velho, de um lado debruçado para a chácara do Ananás, no Vale do Anhangabaú, e na qual se dizia ter havido cultura de chá, o que deu nome ao velho Viaduto.

Depois de muito resmungo, a população passou a falar alto aos Poderes Públicos. Se a Municipalidade não tinha dinheiro para acabar com aquela angústia, que lhe viesse em auxílio o Estado. A “city” é que não podia ficar assim congestionada. (...)

Dos planos de melhoramentos apresentados naquela época (...) não é preciso nomear aquêles que, realmente, foram levados a efeito: êles aí estão, conhecidos de tôda gente, da velha e da nova geração.

O que aí ficou contado, veiu-nos à lembrança em dia do mês passado, quando se comemorou universalmente o “Dia do Urbanismo”. Afigurou-se-nos curioso que os fatos narrados tenham ocorrido justamente quando nos países europeus e na América do Norte, os engenheiros e arquitetos lançavam os primeiros fundamentos da “arte de construir cidades”, ou “urbanismo” como depois se veiu a chamar.

Naquela época – dissemos – São Paulo estava aborrecida, e queria que se fizesse “urbanismo”.1

O longo trecho desse artigo voltado às comemorações do dia do urbanismo em dezembro de 1950 pelo Instituto de Engenharia de São Paulo, sugere a remissão para uma coincidência com outra data considerada pelo seu autor importante de recordar: certa atualidade técnica em relação à discussão internacional sobre iniciativas de melhoramentos urbanos notadas nas ações da municipalidade de São Paulo na década de 1910. 2 Embora não seja

1 Apesar de não ser possível afirmar sua autoria, no entanto, pode-se sugerir que o artigo tenha sido elaborado pelo

engenheiro-civil pela Escola Politécnica de São Paulo Álvaro Pereira de Souza Lima, pela aproximação de suas iniciais com o indicado pela revista e também, pela sua atuação no período na presidência do Instituto de Engenharia. [P.L.]. São Paulo andava aborrecida. Revista do Instituto de Engenharia. São Paulo, v. 9, n. 100, dez. 1950, p. 137-138.

2 Optou-se pelo termo melhoramentos pela referência ao seu uso na época em que essas discussões foram feitas.

Ora melhoramentos materiais, melhoramentos da capital, ou só melhoramentos, na documentação da administração pública, nas revistas especializadas e nos jornais o uso do termo é disseminado a partir de uma clara

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possível afirmar a autoria destas linhas sua relevância para a questão não perde em importância. Além das distintas propostas são rememoradas no artigo, conflitos pelos limites apontados sobre o crescimento da cidade, relações entre estado e município pela sua transformação, a consolidação do meio técnico voltado às questões urbanas nos saberes dos engenheiros e dos arquitetos e a definição da década de 1910 como o momento em que se deram tais movimentos e discussões.

Quais motivações guardaria o discurso difundido pela Revista do Instituto de Engenharia ao retomar essas disputas em dezembro de 1950? A sua publicação um mês após a comemoração mundial do urbanismo e no mesmo ano em que ocorria na cidade a 1º. Semana de Urbanismo organizada pelo Departamento de Urbanismo da prefeitura, podem trazer pistas para a questão. Também pela sutileza em sugerir uma identificação entre um momento inaugural desse saber em países europeus e na América do Norte e, as controvérsias entre propostas para a área central de São Paulo na década de 1910.3

Embora o artigo mencione a existência de conflitos tanto pelas consequências da vida em uma cidade em constante crescimento quanto pela presença de disputas entre as diversas propostas para a área central na década de 1910, figura sugerido no recorte destas questões a organização de modo consensual das soluções aos problemas apontados. O reforço a um marco de origem do urbanismo na cidade de São Paulo a partir do protagonismo de planos de melhoramentos na solução dos problemas urbanos, aliado a uma identificação com um momento inaugural em países europeus e norte-americanos sugerem buscas por uma contínua valorização e legitimação desse saber na gestão das questões urbanas.

noção valorativa, como se a própria palavra já trouxesse em si uma definição positiva das iniciativas em discussão. Uma noção, portanto, nem um pouco neutra como seus empregadores gostariam de transmitir. Para uma discussão sobre os usos da palavra e as polêmicas em torno de seu emprego como um “lugar-comum”, ver: BRESCIANI, Maria Stella Martins. Melhoramentos entre intervenções e projetos estéticos: São Paulo (1850-1950). In: BRESCIANI, M.S.M. (Org.). Palavras da cidade. Porto Alegre: Ed. Universidade; UFRGS, 2001. p. 343-366.

3 O dia mundial do urbanismo tem sido celebrado no dia 8 de novembro e foi criado em 1949 por Carlos Maria

Della Paolera, figura controversa do urbanismo como discute Alicia Novick. A 1ª. Semana de Urbanismo organizada pelo Departamento de Urbanismo da prefeitura de São Paulo ocorreu entre 8 e 16 de novembro, um mês antes da publicação do artigo pelo Boletim do Instituto de Engenharia. O Departamento de Urbanismo era recente e havia sido criado na prefeitura a partir do decreto-lei municipal n. 431 de sete de julho de 1947, no entanto o termo aparece na estrutura da organização municipal na década de 1920 quando são criadas as Seção de Cadastro e Urbanismo na Diretoria de Obras e Viação, regulamentadas pela lei n. 2.898 de 10 de agosto de 1925.A edição de novembro de 1950 da Revista Acrópole dedicou boa parte de suas páginas a comentar o evento, inclusive com um artigo de abertura pelo próprio Paolera. Entre as diversas solenidades é relevante perceber a inauguração de uma “Biblioteca Especializada de Urbanismo” e uma Exposição Municipal de Urbanismo, ambas organizadas por esse departamento técnico. NOVICK, Alicia; PICCIONI, Raúl. Carlos María della Paolera o la amnesia del urbanismo argentino. In: Anales IAA, nº 29, p. 111-145, Buenos Aires, 1998. p. 144-148.; ACROPOLE. São Paulo: Max Gruenwald & Cia, ano xviii, n.151, nov. 1950. p.170-188.

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Percorrer a construção dessas narrativas em torno da obtenção de consensos, em como diversos agentes especializados ou não buscaram a defesa de suas propostas para a cidade configuram os objetivos iniciais dessa dissertação. Por meio dessas argumentações e disputas buscou-se investigar os diferentes usos dos saberes do urbanismo em formação nesse período. A narrativa difundida por um periódico que nesse momento da organização dos serviços municipais sobre questões urbanas congregava esforços de diversos especialistas para definições sobre o tema apoia os argumentos explicitados nas próximas páginas sobre a impossibilidade de existir nas negociações sobre o urbano um discurso isento de intenções. Da mesma maneira, pensar os debates sobre o urbanismo nesse período a partir da sua formação ou construção remete aqui, menos às buscas por eventos significativos de um momento tido por inaugural da disciplina. Antes, a variedade dos usos desse saber e a intensidade de seus debates na e pela gestão das questões urbanas em São Paulo sustentam a investigação dos possíveis consensos sobre essas intervenções como algo provisório, sempre aberto a novas discussões.

Como uma cidade que “estava aborrecida” eram destacadas questões de circulação, abertura de novos bairros e limitações observadas no crescimento da cidade como o aumento do trânsito de pedestres, bondes e automóveis. Sentimento também levantado a partir da participação da população em reivindicações por melhoramentos aos poderes públicos. Ao invés de apresentarem um consenso entre preocupações e intenções sobre a cidade percebe-se nos temas e questões destacados nesse discurso indícios da presença de conflitos. Tratam-se de dissensos sobre as intervenções na cidade que em nosso caso são tomados como ponto de partida para a investigação.

Assim, a despeito da identificação desse consenso a percepção das limitações materiais da cidade e sua suposta inadequação diante das consequências do crescimento das atividades urbanas impulsionaram a apresentação, discussão e contestação de diferentes propostas de transformação da área central de São Paulo na passagem do século XIX ao século XX. Elaboradas pelos poderes públicos, profissionais da iniciativa privada e agentes especialistas, fundamentados na certeza da influência do ambiente na saúde e comportamento humano.4 A

partir da disputa entre seis propostas de melhoramentos para a área central de São Paulo nos

4 Emprego o termo “profissionais especializados” a partir do proposto por Josianne Cerasoli, por indicar a

dimensão histórica da atuação profissional no setor construtivo, sua oscilação entre uma formação acadêmica e prática. CERASOLI, Josianne Francia. Modernização no plural: obras públicas, tensões sociais e cidadania em São Paulo na passagem do século XIX para o XX. 2004. 423 p. Tese (Doutorado em História Social) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP. Disponível em: <http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000317502>. p. 11.

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anos de 1906 e 1912, tiveram suas dimensões transformadas em uma polêmica pela presença de diferentes posições para as transformações nessa parte da cidade

A primeira foi publicada em 1907 pelo engenheiro e vereador Augusto Carlos da Silva Telles a partir de suas indicações na Câmara Municipal de São Paulo no ano anterior. A segunda, pelos engenheiros Victor da Silva Freire e Eugène Guilhem, diretor e vice-diretor da Diretoria de Obras Públicas Municipais, apresentada ao Prefeito Antonio Prado em dezembro de 1910.A terceira, dirigida na forma de petição às esferas governamentais em novembro do mesmo ano por um grupo de profissionais e empresários, ficou a cargo do engenheiro-arquiteto Alexandre Albuquerque. Já a quarta proposta, apresentada em janeiro de 1911 sob encomenda do Governo do Estado ao engenheiro Samuel Augusto das Neves, provoca um embate entre os poderes municipais e estaduais pela autoridade na concessão e direção de obras desse porte na capital. Como saída a essa disputa, a Câmara Municipal aprova um projeto do vereador Alcântara Machado autorizando o prefeito a contratar Joseph-Antoine Bouvard, arquiteto francês – especialista responsável pelas reformas engendradas pela municipalidade de Buenos Aires em anos anteriores, estando em passagem pelo Brasil nesse período –, resultando na definição da quinta proposta apresentada em maio de 1911. Embora as indicações de Bouvard tenham sido pretendidas como definitivas pela municipalidade, uma sexta proposta é apresentada por Adolpho Augusto Pinto no jornal O Estado de S. Paulo em novembro do ano seguinte. 5

Estariam as discussões sobre o urbanismo em São Paulo nesse período configurados como um saber e um prática exclusivamente científica e consensual entre especialistas, parlamentares, administradores públicos e leigos como indicado no longo trecho da Revista do Instituto de Engenharia? É possível pressupor uma ausência de posições divergentes, interesses de várias ordens ou ainda preocupações que ultrapassam os apontados limites técnicos desse saber em formação nesse período? Ao associar as distintas propostas em disputa com a celebração mundial do dia do urbanismo, tais iniciativas veem-se sutilmente inseridas no rol dos marcos iniciais da formação desse saber no mundo ocidental.

As escolhas de temas para recordação para esse dia feitas pelo autor não remetem, no entanto, para uma mera coincidência, mas antes apontam para a criação de uma memória em torno da disputa entre distintas propostas de melhoramentos para a área central da cidade de São Paulo no início do século XX como um marco de origem dos usos dos saberes do urbanismo em construção nessa cidade. Sugerem a incidência de intenções que possivelmente ultrapassam

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a objetividade pretendida nas soluções aos problemas urbanos levantados nessas rememorações.

Dessa forma, aproximar as questões de nosso estudo a partir do trecho publicado na Revista do Instituto de Engenharia tem para nós um duplo objetivo. O primeiro pela permanência na identificação da construção de uma memória originária do urbanismo em torno da disputa entre propostas de melhoramentos para a área central de São Paulo na década de 1910 e, o segundo pela defesa ou ampla aclamação dos saberes do urbanismo como solução acertada para os problemas enfrentados nessa cidade, sobretudo pela sua autoafirmação enquanto um saber neutro e consensual.

Desse modo, pelo objetivo de investigar o que permitiu a permanência das avaliações acerca de uma posição consensual e um caráter exclusivamente técnico sobre essas iniciativas, buscou-se mapear e problematizar os usos e a circulação dos saberes especializados no urbanismo nesse momento de intensas discussões de suas dimensões teóricas e práticas. A partir das pressões em torno das transformações urbanas da área central da cidade de São Paulo nas décadas de 1890 e 1910, as propostas de melhoramentos urbanos em disputa nesse período são entendidas como uma maneira de evidenciar os embates, envolvendo distintos agentes e poderes públicos, estreitamente relacionados com os conflitos da administração pública e a definição de suas ingerências ainda em formação.

Pela polêmica entre essas distintas propostas, dois pontos de tensão podem ser notados. O primeiro, circunscrito ao meio técnico e esferas governamentais, desenvolve-se em torno da definição de uma autoridade e concepção urbanística para a área central da cidade de São Paulo em um plano de melhoramentos; e o segundo envolve diversos agentes especialistas ou não, mobilizados pela busca da consolidação dessa autoridade, práticas e concepções técnicas nos dispositivos legais que incidiram sobre estas transformações. A partir da análise das aproximações e divergências de propostas para a cidade na Câmara Municipal e nas revistas especializadas, buscou-se compreender de que formas diversos agentes e poderes públicos se articularam e/ou se posicionaram na defesa de seus interesses e concepções. A hipótese levantada é de que ao contrário de um contínuo aperfeiçoamento ou um processo permeado por fatores decisivos externos ou correlatos à cidade, a formação do urbanismo nesse período se realiza em meio disputas e negociações entre defensores de práticas e concepções urbanísticas distintas entre si.

Embora a definição de um plano de melhoramentos urbanos por Bouvard tenha fomentado distintos dispositivos legais para a transformação da parte central da cidade de São

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Paulo nesse período, as discussões em torno destes instrumentos não nos permitem identificar nesse processo a organização de um consenso em torno destas ações. Por um lado, o estudo de suas indicações pela Diretoria de Obras Municipais e a aprovação de seus pontos de intervenção em seções separadas por meio de variados dispositivos legais (alinhamento, prolongamento, alargamento, embelezamento e orientações estéticas e sanitárias para edificações), na Câmara Municipal e na imprensa do período, indicam disputas por distintos interesses e concepções de cidade. Por outro, apontam para a relevância destas discussões para a configuração de dispositivos legais norteadores de iniciativas de transformações urbanas no período.

Embora distintos, esses conflitos indicam a percepção dos agentes envolvidos sobre a necessidade de consolidação de uma concepção urbanística para a transformação desses espaços, de forma a subsidiar investimentos e a expansão da cidade, bem como a busca dessa consolidação pela mediação dos poderes públicos. O tom da polêmica, portanto, além de articular saberes do urbanismo em formação, também se estabelece na busca de uma autoridade no desenho desses melhoramentos, em que as esferas governamentais passam a disputar entre si, e com a iniciativa privada o controle dessas concepções e mudanças. A partir desse jogo de forças identificamos que a polêmica em torno da concorrência entre essas distintas propostas e a definição de um conjunto de obras pelo arquiteto Joseph-Antoine Bouvard não constitui o desfecho desse processo, que prossegue em meio aos dispositivos legais da municipalidade, prolongando conflitos que articulam concepções de cidade e de usos variados dos saberes do urbanismo em formação.

No entanto, consideradas marcos inauguradores de uma nova fase de melhoramentos para a área central da cidade e, apesar de distintas, essas iniciativas têm sido destacadas na historiografia pela busca da superação dos limites de circulação e de expansão da cidade, sendo a área central apreciada pelo seu valor histórico, comercial e político. Estaria a permanência da validade do urbanismo nas questões urbanas relacionada com sua própria narrativa fundadora enquanto um saber exclusivamente científico decorrente dos avanços tecnológicos e dos problemas enfrentados nas grandes cidades?

A partir da argumentação de uma neutralidade científica, o urbanismo configura-se na segunda metade do século XIX, segundo Donatella Calabi, na relação entre uma “ciência aplicada à transformação do quadro de vida e os projetos políticos que a sustentam”. É construído nessa ótica, portanto, como uma ciência política abarcando um “conjunto de instrumentos de projeto e organização do espaço físico urbano”. Para a pesquisadora, os momentos de institucionalização do urbanismo podem ser encontrados no ensino, na formação

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de institutos profissionais, nos momentos de controle e desenvolvimento da profissão, na aprovação de instrumentos técnicos e nos tópicos abordados pelos profissionais voltados às questões urbanas6. Tais reflexões a aproximam de Bernardo Secchi, ao afirmar que “(...) a mais

de um século os urbanistas têm procurado construir uma gramática e uma sintaxe analítica (...) a fim de poder fazer comparações pertinentes em situações diversas (...)”. Uma atuação salientada pelo autor que não se resume às definições teóricas ou a produção de obras e normatizações, mas a um “vasto conjunto de práticas”, fomentadas em um jogo contínuo com os conhecimentos teóricos.7

Sobre a configuração desse campo de saber, identificam a emergência de um fenômeno de internacionalização na passagem do século XIX para o XX, capaz de “organizar circunstâncias propícias para comparações e trocas”, apontando instituições, urbanistas e canais de circulação e discussão desses saberes. Na perspectiva dos autores o saber desenvolvido na promessa de proporcionar soluções às consequências da vida nas grandes cidades configura-se assim, como campo de conhecimentos compartilhados, constantemente transformados pela sua circulação, distintas mobilizações e negociações em locais e situações também diversas.8 Para Béguin o entendimento sobre as crises urbanas como um problema controlável pelos saberes científicos irá buscar intervir na cidade por meio de “mega-aparelhos urbanos”, operando os seus diversos fluxos (água corrente, energia, gás) e ampliando de forma insidiosa o controle do poder público sobre o indivíduo e suas relações.9 O urbanismo vincula-se nesse sentido à perspectiva de que, ao se transformar o espaço, essas ações teriam um impacto decisivo na formação dos habitantes, constituindo-se “como um novo domínio de intervenção política”.

A institucionalização desse saber para Calabi indica inícios precisos na segunda metade do século XIX pela afirmação de uma cientificidade e pela sua “ambição de obtê-la”.10

Teria emergido, assim como uma ciência aplicada à transformação das cidades a partir de rupturas epistemológicas precisas, como o uso de termos e neologismos da “arte urbana”, entre esses o próprio vocábulo urbanismo. No entanto, apesar do propalado discurso de neutralidade

6 CALABI, Donatella. História do urbanismo europeu: questões, instrumentos, casos exemplares. Trad. Marisa

Barda; Anita Di Marco. São Paulo: Perspectiva, 2012. (Estudos; 295).p. xix-xxxi.

7 SECCHI, Bernardo. Primeira lição de urbanismo. Trad. Marisa Barda; Pedro M. R. Sales. São Paulo:

Perspectiva, 2006. (Debates; 306). p. 46-47; 131.

8 CALABI, Donatella. Op. Cit. p. 4.

9 Apesar de tratar de um período histórico distinto ao aqui proposto, a abordagem de Béguin é essencial para o

nosso estudo, pois, demonstra uma dupla dimensão, científica e política, desse campo de conhecimentos sobre a cidade, observada pelo autor em estudo acerca das pesquisas encomendadas pelo governo inglês sobre as condições de habitação dos trabalhadores operários nos anos 1840 e 1850. BÉGUIN, François. As maquinarias inglesas do conforto. Espaço e Debates. São Paulo: NERU, ano XI, n. 34, 1991. p.39-54.

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que cerca os saberes do urbanismo a partir de Françoise Choay são indissociáveis desses saberes sobre as cidades seus vínculos intrínsecos com filosofias e ideologias políticas que os constituem e agenciam, expondo, assim, seu caráter arbitrário, de “artificialidade”, como um produto de decisões humanas necessariamente mediado e estabelecido por conflitos e negociações.11

Françoise Choay introduz, desse modo, uma problematização que tem figurado como incontornável acerca das interpretações sobre a história das cidades e do urbanismo. Apesar de seu estudo abarcar um amplo arco histórico evidenciando mudanças nas visões urbanísticas ocorridas ao longo do tempo, viabiliza uma forma de “tomada de consciência” sobre o caráter de artificialidade do campo de conhecimentos do urbanismo, com o objetivo de “abolir a ilusão tradicional que nos mostra as estruturas urbanas como um dado da natureza”, – necessária, segundo a autora, para a preservação do que entendemos por cidade ou de suas dimensões e significados construídos ao longo do tempo.

Ao demonstrar os vínculos entre filosofias e projetos políticos, intrínsecos às ideias e planos de transformação urbana, permite problematizar não apenas a caracterização de neutralidade desse ramo do saber, mas, desvelar suas origens plurais, dissimuladas pelos “sedimentos da linguagem, as racionalizações do inconsciente e os artifícios da história”.12

Sobre a questão, as reflexões de Stella Bresciani complementam a proposta elaborada por Choay ao considerar o urbanismo a partir de suas características interdisciplinares. Para a historiadora o urbanismo não pode ser facilmente apreendido a partir de uma origem determinante sem recair em sua naturalização, como um fenômeno decorrente de um caráter universal das mudanças operadas no contexto histórico da revolução industrial – sendo a história, não raras vezes, mobilizada a acompanhar a evolução ao longo do tempo do desenvolvimento desse campo do saber e as operações que promove nas cidades.13

A interdisciplinaridade se coloca como noção chave para Bresciani, que propõe evidenciar, por meio do estudo dos saberes que estruturaram o urbanismo, o quanto esse processo se realiza “em solo tenso (..) no e pelo debate político”. Para a autora, “saberes já existentes comprometidos com diferentes opções políticas constituíram a questão urbana”. Dessa forma, a partir da análise dos distintos usos desses saberes, buscou-se neste trabalho problematizar o caráter de produtor de cultura dessas propostas e concepções sobre o urbano,

11 CHOAY, Françoise. O urbanismo: utopias e realidades, uma antologia. Trad. Dafne Nascimento Rodrigues. São

Paulo: Perspectiva, 2010 (1964). (Estudos; 67). p. 01-56.

12 CHOAY, Françoise. Op. Cit. p. 1-55.

13 BRESCIANI, Stella Martins. Cidade e História. In: OLIVEIRA, Lucia Lippi (Org.). Cidade: histórias e desafios.

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isto é, discutir seu papel de artifício, produto da ação humana, portanto, necessariamente envolto por objeções e pressões diversas.

Na vasta e diversa historiografia voltada ao tema são raros os trabalhos não preocupados em delimitar uma origem para a disciplina na cidade de São Paulo na década de 1910, quando são colocadas em disputa as distintas propostas de melhoramentos para a sua área central. Ainda, nos diversos trabalhos voltados aos dispositivos legais fomentados a partir dessas propostas é notável a recorrência de abordagens buscando delimitar e esclarecer as diferenças encontradas entre suas ideias e a abrangência das ações de fato realizadas pela municipalidade. Os conflitos entre as distintas propostas de melhoramentos para a área central nesse período e a distância observada entre tais ideias e realizações, antes de notados pela diversidade dos seus debates de modo frequente foram identificados em alguns trabalhos como as razões de consequências negativas percebidas no cotidiano da cidade.

Hugo Segawa, considerando essas disputas e a recente institucionalização das questões urbanas em esferas públicas e de ensino, argumenta que o “espírito de intervenções” teria se alterado e se tornara mais consciente concepções de cunho urbanístico.14 Isso pois, entre 1890 e 1910 na cidade de São Paulo diversos meios impulsionaram a circulação e discussões de saberes e experiências de transformação urbana no país e no estrangeiro, entre periódicos técnicos como a Revista Politécnica, a Revista de Engenharia, Revista de Engenharia Mackenzie, Boletim do Instituto de Engenharia, e de grande circulação, como O Estado de São Paulo e o Correio Paulistano. No período também se inaugura a formação especializada na cidade, na área de engenharia e arquitetura – pela Escola Politécnica, fundada em 1893 e pela Escola de Engenharia do Mackenzie College, de 1896 – bem como a institucionalização, pelo poder público municipal de um setor voltado às questões urbanas, por meio da Diretoria de Obras Municipais que passava a atuar em áreas antes ocupadas pela iniciativa privada15.

Para o arquiteto, a proposta de Bouvard encerra as disputas entre as distintas propostas e consolida uma concepção urbanística para a área central. Por um lado, para Segawa, a experiência do arquiteto francês nas reformas de Paris no período do prefeito Haussmann o colocava no papel de representante dessas concepções, permitindo à municipalidade questionar

14 SEGAWA, Hugo. Prelúdio da Metrópole. Arquitetura e Urbanismo em São Paulo do séc. XIX ao XX. São

Paulo: Ateliê Editorial, 2000. (1979). p. 55.

15 Importa notar sobre o papel da Escola Politécnica, que parte do seu quadro de professores e alunos terão

importantes atuações em órgãos públicos ou cargos políticos, como o caso dos professores Victor Freire e Silva Telles, respectivamente na Diretoria de Obras e na vereança paulista. A Diretoria de Obras Municipais foi institucionalizada em 1900, como órgão separado da Secretaria Geral, formada após a criação do cargo de prefeito em 1893, mas guardava relação estreita com a Intendência de Obras, criada em 1890 no início do período republicano, e subordinada à Câmara Municipal.

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as propostas de Samuel das Neves e Alexandre Albuquerque, cujas indicações para a formação de largas avenidas no vale do Anhangabaú pelo primeiro e para além da área central no segundo os aproximavam às concepções empregadas por Bouvard. Por outro, observa uma conciliação das indicações desse especialista francês com as da municipalidade, cuja proposta assinada por Victor Freire salientava posições críticas às obras de Haussmann, pelo endosso de concepções formuladas pelo arquiteto austríaco Camillo Sitte, avaliadas como mais atualizadas nesse período pelo autor.

A presença das diferentes concepções foi percebida por José Geraldo Simões, como a defesa de posições políticas que, além do afastamento de características tidas como indesejadas da herança do período colonial, buscavam consolidar-se como território exclusivo dos grupos de elite e, se realizavam na identificação com “modelos importados” dos países europeus, portadores de uma estética percebida como profundamente vinculada às posições políticas que buscavam se associar.16 Desse modo, os melhoramentos urbanos na área central da cidade nesse período se configuram para Simões como projetos políticos dos grupos de elite, em um movimento de intencional ruptura com o período anterior, marcado pelas relações de dominação colonial. Em busca de afirmação social, a construção de espaços coerentes com os preceitos civilizatórios e republicanos, implicava para esses interlocutores segundo o autor a “adoção de uma estética urbana europeia”.

Entretanto, considerando tanto a ampla circulação e discussão de experiências e referenciais do urbanismo em formação nesse período, quanto as disputas sobre as indicações de Bouvard em variados dispositivos legais, a delimitação de uma origem do urbanismo em São Paulo em 1910 e um protagonismo da Diretoria de Obras, pautada em saberes presumidamente mais atualizados como argumentado por Segawa ou o predomínio de grupos de elite profundamente vinculados ao projeto político recém implantado pelo regime republicano de acordo com Simões se mostra insuficiente para compreender as formas em que diversos agentes e poderes públicos se articularam na busca de uma autoridade no desenho e condução dessas obras. Sobre a delimitação de uma origem para as práticas avaliados como atualizadas do urbanismo em São Paulo, o convite a Bouvard, segundo Marta Enokibara, poderia representar uma contradição, pois o prestígio desse especialista estaria atado às concepções que procurou se afastar no plano apresentado à municipalidade de São Paulo. Contradição aparente, como

16 SIMÕES Jr. José Geraldo. Anhangabaú: história e urbanismo. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São

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demonstra a autora, pois a conciliação dessas propostas indica dimensões que ultrapassam os aspectos tidos como técnicos da urbanística.17

A busca sobre as formas em que os diversos agentes realizaram a defesa de suas propostas nas revistas técnicas, discussões parlamentares e relatórios de prefeitos confrontou a presença de diferentes posições sobre protagonismo e atualidade técnica. Assim, no conjunto dos discursos de especialistas, administradores públicos e parlamentares identificamos disputas por um protagonismo na discussão e proposição de melhoramentos para a área central nesse período. São discursos que, baseados em suas sugestivas posições institucionais e em um encadeamento de eventos cronológicos distintos, indicam divergências e distintas posições a respeito do seu papel nesses melhoramentos. A partir do seu cruzamento exploramos no primeiro capítulo as possíveis relações entre os discursos de especialidade – ou de afirmação – dos saberes do urbanismo nas questões urbanas e os discursos que intentam fixar uma origem para a disciplina em São Paulo na década de 1910. De um aspecto menos destacado nos objetivos iniciais desse trabalho, a presença desses conflitos por protagonismo no interesse público pela temática tornou-se central para pensar as intenções desses agentes na proposição de intervenções urbanas. Pelo apoio em diferentes encadeamentos de tempos na apresentação de propostas, os discursos desses agentes ao reivindicar um momento inaugural são significativos para pensar as disputas pela legitimidade dos saberes técnicos que prosseguem ao longo de embates sobre intervenções na cidade envolvendo agentes especialistas ou não.

A partir desses apontamentos, nesse primeiro capítulo são analisadas as propostas de melhoramentos para a área central da cidade em abordagens cruzadas com discursos que se dedicaram às disputas entre esses melhoramentos. Sobre a circulação e negociação dessas propostas em São Paulo nas décadas de 1890 e 1910, por meio das aproximações e divergências nos tópicos articulados nessas discussões, buscou-se analisar as múltiplas inserções e interesses desses agentes, em disputas por campos de atuação profissional, em instituições políticas e de ensino. São mapeados desse modo, relatórios de prefeito, relatórios da Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas, artigos em revistas especializadas, além das articulações na Câmara Municipal voltadas à organização de propostas de melhoramentos de conjunto para a cidade.

17 Importa notar a problematização da autora acerca da percepção das soluções de Bouvard como aprimoradas

tecnicamente, ou mesmo efetivas no controle da circulação viária, por indicar que essa questão se desenvolve para além da noção de progresso da técnica como fator na definição das concepções urbanísticas, incluindo interesses diversos e concepções divergentes a respeito das diferentes concepções sobre circulação. ENOKIBARA, Marta. The park systems proposed by Joseph Antoine Bouvard in the town planning for San Paolo City and Buenos Aires. In: 11th International Planning History Conference (IPHS). Barcelona: Escola Tècnica Superior d'Arquitectura del Vallès (Universitat Politècnica de Catalunya), 2004.

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As disputas pela definição de dispositivos legais para os melhoramentos da área central da cidade nos anos iniciais da década de 1910, e as divergências de concepções para estes melhoramentos foram compreendidos por Malta Campos a partir da avaliação de um afastamento entre uma dimensão teórica e uma dimensão prática desses melhoramentos.18 As

divergências entre propostas concorrentes são indicativas para Campos da configuração dessas práticas de melhoramentos urbanos como aquilo que corrompe os saberes tidos por eminentemente científicos, pela presença de intenções alheias as consideradas de interesse público. De modo frequente na historiografia o trabalho de Candido Malta é destacado em abordagens centradas na interpretação de um descompasso entre os saberes tidos por científicos e as iniciativas de melhoramentos na cidade de São Paulo, incorrendo em avaliações sobre um atraso da cidade em alcançar patamares de uma sociedade vinculada a padrões de progresso e modernidade pelo desvio ou comprometimento dessas iniciativas aos interesses de grandes proprietários.

Uma apreensão sobre a presença de negociações envolvendo interesses de particulares foi, no entanto, objeto de diversos trabalhos. A atuação do arquiteto inglês Barry Parker na Companhia City – promotora de diversos loteamentos residenciais, aberta no início da década de 1910 com a participação de Joseph-Antoine Bouvard em sua diretoria – e em negociações sobre as propostas por ele apresentadas para abertura de novos loteamentos foi levantada por Carlos Andrade também a partir das preocupações técnicas por esse profissional. Nas intenções desse arquiteto em modificar posições legislativas municipais sobre os padrões para ruas pode-se indicar a partir de Andrade uma interação entre os saberes especializados e os interespode-ses de proprietários.19 Desse modo, as reflexões do autor apoiam a perceber que mesmo uma iniciativa

por particulares ou uma presença de negociantes nos embates por melhoramentos não prescindia de discussões sobre as questões técnicas – e desse modo, a partir dessas atuações, a presença desses especialistas vinculados às iniciativas particulares também tomavam parte das disputas por legitimidade dos saberes do urbanismo em formação na gestão da cidade.

Assim, um caminho diverso buscando a percepção sobre a configuração da cidade a partir de uma dimensão política exige o reconhecimento de sua amplitude, não restrito, portanto, a iniciativas de fato realizadas em todo. Pelos usos dos instrumentos da administração pública

18 CAMPOS, Candido Malta. Os rumos da cidade: urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo: Ed.

SENAC, 2002. p. 20-21; 188-189.

19 ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de. Barry Parker: um arquiteto inglês na cidade de São Paulo. Tese

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por distintos agentes sociais na busca de apreender e participar desse processo, a cidade em “seu fazer-se” para Josianne Cerasoli aponta não para um caráter homogêneo desse processo, mas ao contrário, multifacetado. A abordagem de Cerasoli, ao indicar uma “experiência plural” das mudanças ocorridas na cidade complementa as reflexões de Choay e Bresciani, pois não propõe descrever o desenvolvimento urbano em consequência dessas concepções e iniciativas de melhoramentos, mas problematizar as argumentações que emergem das disputas entre distintos agentes, interesses e propostas.

Em busca de problematizar as afirmações de um descompasso entre ideias e realizações nesse período, sobretudo pela avaliação negativa das controvérsias e negociações constitutivos do urbanismo, no segundo e terceiro capítulos percorremos discursos sobre práticas de melhoramentos na área central de São Paulo procurando investigar não apenas os interesses de várias ordens presentes nessas ações, mas os tópicos sob os quais essa parte da cidade foi objeto de disputas. Para tanto, as discussões sobre melhoramentos urbanos são analisadas nas revistas técnicas em circulação nesse período e na Câmara Municipal sobre a aprovação ou não dos dispositivos legais a partir da proposta de Bouvard. São abordados, portanto, no segundo capítulo artigos sobre temas e questões tratados na Revista Politécnica, Revista Engenharia Mackenzie, Revista Engenharia e no Boletim do Instituto de Engenharia. Já o terceiro capítulo analisa essa pauta comum na Câmara Municipal e na Diretoria de Obras, buscando a incidência de temas e questões levantadas nessas revistas técnicas. Assim, destaca-se das oscilações entre o conhecimento sobre técnicas e as negociações sobre as práticas de intervenção a presença de outras intenções para esses melhoramentos, como as buscas por legitimar os saberes do urbanismo em construção a partir de disputas polemizadas pelos meios técnicos.

O reconhecimento da amplitude desses debates constitutivos do urbanismo, não restritos, portanto, a iniciativas em planos de melhoramentos orientou a investigação para o estudo de propostas de intervenção nas diversas áreas da cidade, uma vez que as disputas nas décadas de 1890 e 1910 priorizaram a área central. No quarto capítulo analisamos em uma primeira abordagem a distribuição dessas iniciativas em dispositivos legais ao longo do período a partir de seus diversos tipos e áreas da cidade, como alargamento, calçamento, prolongamento, construções entre outros. Uma segunda abordagem priorizou uma análise detida de leis voltadas às diferentes partes da cidade em que foram articulados temas e questões também presentes nas disputas de propostas para a área central. Assim, nesse capítulo são

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levantadas discussões sobre o mapeamento da cidade e a sua divisão em diferentes áreas e dispositivos legais visando a ocupação do seu território.

Além das análises divididas nesses quatro capítulos, constitui esse trabalho um caderno de imagens e um anexo contendo apontamentos da trajetória de diversos agentes envolvidos nessas disputas e uma cronologia de propostas de melhoramentos apresentadas nesse período. No caderno de imagens estão reunidos desenhos, perspectivas, plantas e fotografias utilizadas pelos especialistas como reforço visual e didático para o entendimento das propostas e intervenções discutidas. Formam recursos visuais entendidos como transparentes em suas intenções, mas, no entanto, segundo procuramos discutir, conservam pretensões de protagonismo e neutralidade para essas iniciativas.20 Nos apontamentos da trajetória profissional e intelectual de diversos agentes mencionados neste trabalho são indicadas ações, atribuições e obras – em cidades ou em revistas e jornais especializados – realizadas no período em que tais polêmicas se concentraram, na passagem do século XIX ao século XX. Por fim, compõe ainda os anexos uma cronologia de propostas de melhoramentos levantadas na Câmara Municipal sobre indicações realizadas ou não e, temas e questões em artigos nas revistas técnicas nesse mesmo período. Com esse levantamento, busca-se discutir a presença de uma interação entre os saberes mobilizados e as práticas de intervenção na cidade. Desse modo, a mera disposição cronológica desses materiais não indica nesse trabalho um aperfeiçoamento contínuo desse saber, mas é significativa para pensar as articulações dos diversos agentes interessados na legitimação de um saber que se fundamentava na promessa de trazer soluções aos problemas urbanos.

20 Pelo objetivo de facilitar a leitura, os números das figuras, por meio de hiperlinks, dão acesso na versão digital

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(...) a historiografia – que nasceu sob o signo da memória – apesar de querer falar em nome da razão, se edifica, voluntária ou involuntariamente, sobre silêncios e recalcamentos (...)

Fernando Catroga, Memória, história e historiografia, 2015

Ninguém hoje sabe qual será a cidade de amanhã. Talvez ela perca uma parte da riqueza semântica que possuiu no passado. Talvez seu papel criador e formador seja assumido por outros sistemas de comunicação (televisão ou rádio, por exemplo). Talvez assistamos à proliferação, por todo o planeta, de aglomerados urbanos, indefinidamente extensos, que farão o conceito de cidade perder todo o significado. (...) Mas não chegamos lá e cada dia leva-nos adiante na mitologia do urbanismo.

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I. São Paulo: cidade em questão

Estamos no anno da graça de 1911, muitos annos depois da instituição de cursos especiaes nas escolas allemans, onde só se ensina a arte de construir cidades, e dois annos depois da Universidade de Londres ter creado uma cadeira de “town planning”. (...). Manter-se pois, na ilusão de que para resolver o problema do centro de S. Paulo basta saber levantar plantas do existente, manejar o esquadro e o tira-linhas, é ter uma noção de coisas, fora de moda há quase meio século.

Victor da Silva Freire, Melhoramentos de S. Paulo, fev./mar. 1911

Pronunciado em uma conferência realizada na Escola Politécnica na noite de 15 de fevereiro de 1911 o trecho do discurso do Diretor de Obras Municipais e, também na época lente das cadeiras de Tecnologia do Construtor Mecânico e Mecânica Industrial, Motores e Fábricas nos cursos de Engenharia Civil e Engenharia Industrial da mesma escola, dirige-se de maneira distinta a vários interlocutores de um debate.21 O “problema do centro de S. Paulo” notado na fala do engenheiro sugere a existência de uma polêmica. No seu cerne a anunciada emergência de uma disciplina especializada em questões urbanas capaz de pôr fim a problemas já a muito tempo reclamados, a partir de saberes científicos e técnicas atualizadas para um período de constantes mudanças em escalas cada vez maiores.

Assistida por “seleto auditório” segundo artigos publicados nos jornais Correio Paulistano e O Estado de S. Paulo, a conferência com duração de mais de duas horas dedicava-se também às comemorações do aniversário de fundação desta escola de engenharia. Seu público dividia-se entre professores e alunos da Escola Politécnica, engenheiros civis e engenheiros-arquitetos, arquitetos, parlamentares, administradores públicos, médicos, comerciantes, entre outros ouvintes não identificados pelos jornais.22 Entre os presentes

21 Sobre os agentes especialistas, consultar anexo Apontamentos sobre trajetórias e instituições de ensino. FREIRE,

Victor da Silva. Melhoramentos de S. Paulo. Revista Polytechnica, v. 6, n. 33, fev./mar. 1911, p. 112-113; 147.

22 Embora a demarcação das trajetórias do público presente nesta conferência escape aos objetivos desse trabalho,

acrescentamos entre parêntesis a ocupação principal daqueles em que foi possível encontrar alguns traços biográficos, e que nos permitem inferir a presença na audição desta conferência. De acordo com o jornal o Correio

Paulistano, foram identificados entre os presentes: Raymundo Duprat (Prefeito de São Paulo), Carlos Garcia

(vereador de São Paulo), Manoel Corrêa Dias, Silva Telles (Engenheiro-civil, EPSP), Bernardo de Magalhães (médico), Alfredo Porchat (Engenheiro, EPSP), Rogerio Fajardo (Engenheiro, EPSP), Rodolpho Santiago (Engenheiro-civil, EPSP), Paula Sousa (Engenheiro, EPSP), Cerqueira Cesar (Ex-Presidente do Estado de São Paulo), Lucio Rodrigues (Engenheiro-civil, EPSP, Diretoria de Obras Municipais), Ernesto de Castro (comerciante, genro de Ramos de Azevedo), Carlos Gomes de Souza Shalders (Engenheiro-civil, EPSP), e José Brant de Carvalho (Engenheiro-civil, EPSP). In: Os melhoramentos de S. Paulo. Conferência do Dr. Victor Freire.

Correio Paulistano, 16 fev. 1911, p.2.; Além destes nomes o jornal O Estado de S. Paulo registrou a presença de

diversas “senhoras” e: Emílio Ribas (médico sanitarista), Adolfo Pinto (Engenheiro-civil), Mario Roxo, Clodomiro Pereira da Silva (Engenheiro-civil, EPSP), Alexandre de Albuquerque (engenheiro-arquiteto), Garcia Redondo (engenheiro e bacharel em ciências físicas, naturais e matemáticas, jornalista), Edgard de Souza, Alfredo Braga, João Duarte Junior, Arthur Fajardo, Victor Dubugras (arquiteto, EPSP), Magalhães Gomes e Augusto de Toledo. In: Melhoramentos da cidade. O Estado de S. Paulo, 16 fev. 1911, p.2.

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se uma significativa predominância de engenheiros da Escola Politécnica e autoridades públicas como o prefeito Raymundo Duprat e o ex-presidente do Estado, José Alves de Cerqueira Cesar. Já dos autores de propostas de melhoramentos para o centro foram registrados o vereador e engenheiro civil Augusto Carlos da Silva Telles, o engenheiro-arquiteto Alexandre Albuquerque e o engenheiro civil Adolpho Augusto Pinto. Não foi localizado entre os engenheiros o comparecimento de representantes da outra escola de engenharia em funcionamento na cidade no período, a Escola de Engenharia do Mackenzie College. As ocupações e formações dos ouvintes na conferência de Victor Freire nos fornecem indícios das tensões sobre as iniciativas de transformação da cidade, uma vez que, profissionais com formações distintas irão disputar espaços para sua atividade profissional por meio de propostas de melhoramentos, como também diferentes usos de saberes especializados sobre a cidade em debates do urbanismo em formação nas revistas técnicas e na Câmara Municipal.

De acordo com o relatado pelos jornais, a calorosa recepção ao orador da conferência foi quebrada ao menos uma vez com uma questão: o alinhamento projetado para uma nova praça em frente ao Viaduto do Chá entre as ruas Direita e Líbero Badaró. Contudo, os debates sobre os melhoramentos para a área central da cidade estavam longe de encerrar-se naquela noite. Nesta época notavam-se disputas entre diferentes propostas de melhoramentos para essa área. Sobre a questão, é relevante notar que ao longo da década de 1910 a demarcação do perímetro central foi alvo de diversas normativas.23 Em outubro de 1909 o perímetro de área central compreendia uma área ampliada do antigo Triângulo central formado pelas ruas Direita, São Bento e 15 de Novembro (antiga rua da Imperatriz).24 As inscrições realizadas sobre a

23 Neste estudo aborda-se períodos da mudança do perímetro central conhecido como “histórico” ou “centro

velho”, a partir da Lei n. 1.258 de 30 de out. de 1909, cuja medição das distâncias destinava-se a fiscalizações, aplicações de multas e impostos. Nessa Lei, o perímetro central é definido da seguinte maneira: “Começa à rua

General Carneiro, esquina da rua Vinte e Cinco de Março, largo do Thesouro, ruas Quinze de Novembro e Boa Vista, largo de São Bento, ruas Libero Badaró, José Bonifácio, Direita, largo e travessa da Sé, rua do Carmo e largo do Palacio, até fechar o perímetro”. Nova alteração é empregada nas Leis Orçamentárias n. 683, de 7 de

nov. de 1903, n. 1613, de 31 de out. de 1912 e n. 1.749, de 29 de out. de 1913, as quais além disso, marcavam o perímetro para funcionamento de cafés e congêneres. Compreendia o perímetro central, nessa lei, as distâncias: “Começa no largo do Palacio, rua General Carneiro, 25 de Março, Anhangabahú, até a linha do Viaducto de

Santa Ephigenia, e por este ao largo de Santa Ephigenia, rua Antonio de Godoy, largo do Paisandú, rua Amador Bueno, Ypiranga, Sete de Abril, ladeira e largo da Memoria, do Riachuelo, ladeira e rua do Riachuelo, praça João Mendes, rua do Theatro, Onze de Agosto, travessa da Sé, rua do Carmo e largo do Palacio onde começou”.

In: SÃO PAULO (Cidade). Lei n. 1.258 de 30 out. de 1909. Orça a receita e fixa a despesa do Municipio de S. Paulo para o exercício de 1910. Centro de Memória da Câmara Municipal. Disponível em: <http://documentacao.camara.sp.gov.br/iah/fulltext/leis/L1258.pdf>.; Ofício do prefeito Washington Luís, ao presidente e vereadores da Câmara Municipal, São Paulo 15 de dezembro de 1914. AHM, Caixa Leg. 41, Lei n. 1.874.

24 Alexandre M. Cococi era diplomado engenheiro em uma das primeiras turmas da Escola de Engenharia do

Mackenzie College. Havia nascido na Italia em dois de julho de 1876. Ao longo de sua carreira ocupou cargos na Comissão Geográfica e Geológica e da Carta Geral do Estado de São Paulo. Entre outros mapas foi responsável por cartas da Viação Férrea do Sul do Brasil. Foi professor substituto de Hidráulica e Estradas de Ferro da Escola

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“Planta da cidade de São Paulo” elaborada pelos engenheiros civis Alexandre Mariano Cococi e Luiz Fructuoso Costa em 1913 (fig. 01; p.210) demarcam o perímetro dessa área nesse período. Esse primeiro destaque da planta na cor vermelha corresponde, portanto, a ampliações autorizadas nas leis n. 1.258 de 30 de outubro de 1909. Configura-se no segundo destaque da planta na cor azul uma nova ampliação empregada a partir da Lei n. 1.749 de 29 de outubro de 1913 compreendendo espaços à oeste da cidade como o bairro de Santa Efigênia e Anhangabaú – alvo das distintas propostas em disputa – e que serão integrados à parte central. Áreas, posteriormente alteradas para direção aos bairros de Santa Efigênia e Vila Buarque por meio da Lei n. 1.874 de 12 de maio de 1915, deslocando a direção dessa superfície formada por um espaço de 1.210 metros quadrados. Ações tomadas como indícios das disputas sobre essa área, por incorrerem em medidas que alteravam valores de impostos e a regulação de atividades cotidianas dos habitantes como a construção de moradias e o exercício do comércio.

Do debate sobre as transformações nessa área, ocorrido nos espaços das administrações públicas, em jornais e revistas especializadas, parte da historiografia destaca a disputa entre seis propostas, sendo duas primeiras elaboradas em períodos anteriores a disputa na década de 1910, pelo engenheiro Adolpho Augusto Pinto, e outra pelo engenheiro e vereador de São Paulo, Augusto Carlos da Silva Telles. Já as apresentadas na década de 1910 são comumente destacadas as elaboradas pelo próprio Victor da Silva Freire em parceria com o engenheiro-civil Eugène Guilhem, vice-diretor da Diretoria de Obras municipais, pelo engenheiro-arquiteto Alexandre Albuquerque, pelo engenheiro agrônomo Samuel Augusto das Neves, e a última por Joseph-Antoine Bouvard, arquiteto honorário contratado pela municipalidade de São Paulo para a elaboração de um “projeto de melhoramentos da capital”, meses após a divulgação das demais propostas.25 Embora a partir da formação e atuação profissional seja possível apontar

de Engenharia Mackenzie. STEWART, C. T. Engenheiros formados pela Escola de Engenharia Mackenzie College - turmas de 1900 - 1931. São Paulo, 1933. p.3.

25 Embora a ênfase predominante na historiografia seja a de destacar essas seis propostas, alguns trabalhos

ampliaram a variedade das iniciativas apresentadas aos poderes públicos e/ou discutidas pelos jornais e revistas na passagem do século XIX e início do século XX. Segundo Candido Malta Campos, uma primeira proposta para a área central de São Paulo foi apresentada em 1906 por Luis Bueno de Miranda. Publicada no jornal Correio

Paulistano em 6 de dezembro de 1906, a proposta indicava a abertura de uma “avenida central”, a exemplo do Rio

de Janeiro, prolongando a av. Brigadeiro Luis Antonio até o Largo do Rosário. De acordo com Campos, tal proposta teria alcançado em parte seus objetivos: “Um esforço parcial nesse sentido chegou a ser empreendido

em 1906, com início da abertura da rua Cristóvão Colombo, prolongamento da Brigadeiro Luis Antonio no quarteirão entre a rua Riachuelo e o largo São Franciso”. In: CAMPOS, Augusto Malta. Os rumos da cidade:

urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo: Ed. SENAC, 2002. p. 108. A proposta de Miranda posteriormente foi publicada em livro pela Sociedade Amigos da Cidade, da qual era do seu Conselho Diretor, acompanhada de uma “planta” indicativa de transformações projetadas entre 1906 e 1923. In: MIRANDA, Luis Bueno de. Melhoramentos no centro da cidade. São Paulo: Sociedade Amigos da Cidade, 1945. Trabalho distinto foi elaborado por Pablo Hereñu a partir da análise em conjunto de propostas de melhoramentos, intervenções pontuais e projetos arquitetônicos para a área do vale do Anhangabaú. De acordo com o autor, após um período

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