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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

FACULDADE DE PSICOLOGIA

Trabalho de Conclusão de Curso – Profa. Regina Sonia Gattas Fernandes do Nascimento

Avaliação de pacientes portadores do Transtorno

Obsessivo-Compulsivo pelo método de Rorschach: um

estudo piloto de quatro casos antes da intervenção

cirúrgica.

Marcelo Camargo Batistuzzo

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Marcelo Camargo Batistuzzo

Avaliação de pacientes portadores do Transtorno

Obsessivo-Compulsivo pelo método de Rorschach: um

estudo piloto de quatro casos antes da intervenção

cirúrgica.

Trabalho de conclusão de curso como exigência parcial para graduação no curso de Psicologia, sob orientação da Profª. Drª. Regina Sonia Gattas Fernandes do Nascimento

Pontifícia Universidade Católica – Faculdade de Psicologia São Paulo

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“Os testes são meios, não a finalidade”.

Miriam Debieux Vargas Silva

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Agradecimentos

À minha família, em especial ao meu pai pelas contribuições e à minha mãe que tanto suportou o escritório ficar de “cabeça para baixo”. À minha avó, inesgotável fonte de reforçamentos positivos.

Ao PROTOC por todo o conhecimento e crescimento. O “obsessivo” Dante por estar sempre ali quando eu precisava; Vitor, meu grande auxiliar; à “oficineira” Aline Sampaio, à Alice de Mathis pela “dívida”; Marcelo Q. Hoexter e Antonio Carlos Lopes pelo auxilio; Anita Taub, alinhadora de pensamentos e à Carina D. Chaubet, por todo apoio e incentivo.

Agradeço à grande contribuição que os companheiros das reuniões realizadas às quartas-feiras tiveram no estudo dos melindres da classificação do Sistema Compreensivo, em especial à Tatiana Sato e Guilherme Brunoni.

À minha orientadora, Regina Sonia sempre me prendendo ao chão.

À minha parecerista, Ciça Vilhena pelos ensinamentos, pelos comentários e ajustes que fizeram desse TCC um verdadeiro trabalho.

Aos pacientes que colaboraram para a realização desta pesquisa.

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Área de conhecimento: Ciências Humanas 7.07.01.00 – 8 – Fundamentos e Medidas da Psicologia

Título: Avaliação de pacientes portadores do Transtorno Obsessivo-Compulsivo pelo método de Rorschach: um estudo piloto de quatro casos antes da intervenção cirúrgica.

Data: 05/11/2007

Orientando: Marcelo Camargo Batistuzzo

Orientadora: Profª. Drª. Regina Sonia Gattas Fernandes do Nascimento

Palavras-chave: Rorschach, TOC, Neurocirurgia e Perseveração.

Resumo

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Notas sobre o objeto de estudo

Sempre considerei a psicometria instigante. Afinal de contas, devemos entender os seres humanos a partir do que eles têm de singular e individual ou podemos percebê-los como seres que podem alcançar os mesmos parâmetros, sendo passíveis de comparação? Essa questão me fez refletir acerca do uso dos testes dentro da psicologia. Atualmente existe uma diversidade enorme de instrumentos com objetivos completamente diferentes, divididos até por abordagens. A validação de métodos e técnicas de avaliação psicológica é regulamentada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) e é responsabilidade exclusiva do psicólogo, segundo o § 1º do Art. 13 da Lei nº 4.119/62. Apesar disso, essas medidas não garantem resultados precisos: é preciso que o aplicador tenha familiaridade com o instrumento e domine-o completamente. E ainda assim, a precisão não é absoluta (e é muito difícil que seja algum dia). Nas universidades, em alguns cursos de psicologia, há uma lacuna na formação com relação aos testes e, mesmo assim, os profissionais poderão comprá-los e utilizá-los em suas clínicas.

Quando mudamos o foco da clínica para a pesquisa, a qualidade dos exames tende a aumentar, já que o responsável irá publicar seus achados: há maior preocupação com detalhes como a padronização do teste, sua fidedignidade e validade. Dentre as avaliações psicológicas que me foram apresentados no curso de psicologia, o

que mais me surpreendeu foi o Rorschach1. Minha aproximação e afinidade com esse

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humana, o ser humano, o seu comportamento. Dificilmente conseguiremos prever comportamentos: essa não é a função do teste - e nem do psicólogo. Se algum dia conseguirmos essa façanha (prever o futuro, seja através de teste ou não), estaremos abrindo mão de um de nossos maiores atributos: a liberdade. Nossa profissão se atém à análise do que já ocorreu, visando compreender os atos das pessoas. Não há pretensão em prever certos comportamentos, mas sim de oferecer subsídios para o prognóstico ou fazer uma estimativa da probabilidade de que um comportamento venha a ocorrer. Mas isso não se baseia unicamente no instrumento que estamos utilizando, e sim provém de diversas fontes de informações. Se a predição acontecesse frequentemente, a psicologia teria conseguido superar o ser humano, esgotando todas as suas possibilidades, o que está muito longe de acontecer.

Desde que comecei a pensar no tema deste trabalho passei por vários sujeitos e problemas diferentes: já pensei em estudar os índices comuns às respostas dos superdotados; fazer um estudo teste-reteste com pessoas hipnotizadas que responderiam às pranchas em duas oportunidades sem se lembrarem da primeira aplicação; ou até utilizar colegas meus como sujeitos da minha pesquisa... Pensava eu que havia chegado a uma conclusão a respeito do desenho do meu estudo no segundo semestre de 2007. Nada disso. Devido ao curto espaço de tempo para realizar a pesquisa, não consegui realizar o último desenho de estudo (teste - reteste) e tive que mudar meus objetivos para conseguir finalizar o trabalho. A minha proposta, que ainda espero concluir em outra oportunidade, era analisar e comparar os protocolos do mesmo paciente portador de TOC grave antes da intervenção cirúrgica (último recurso utilizado no tratamento desses pacientes) e decorrido um ano da intervenção.

No final, o presente estudo ficou diferente, porém, refletindo sobre isso, cheguei à conclusão de que não importavam os sujeitos, as respostas ou o desenho da pesquisa desde que eu estivesse manejando e pesquisando o Rorschach.

Essas diversas abordagens me atraem e sobretudo o teste me atrai: a capacidade de saber mais sobre determinada pessoa através do que ele pensa,

percebe e nos conta. Nas palavras de minha orientadora, o Rorschach “é mais do que

um teste. É uma maneira de raciocinar” (Nascimento, 1993, p. 51).

1Na literatura acham-se diversas nomenclaturas para o Rorschach tais como: psicodiagnóstico, teste,

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Índice

INTRODUÇÃO... 9

CAPÍTULOS TEÓRICOS ... 12

HISTÓRICO DO PSICODIAGNÓSTICO DE RORSCHACH... 12

O MÉTODO DO RORSCHACH... 16

APROXIMAÇÃO COM A TEORIA PSICANALÍTICA – APROJEÇÃO... 20

APROXIMAÇÃO COM A TEORIA COGNITIVISTA –APERCEPÇÃO... 23

OTRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO... 28

FISIOPATOLOGIA E TRATAMENTO DO TOC...32

CAPSULOTOMIA VENTRO-CAPSULAR E VENTRO-ESTRIATAL POR RAIOS GAMMA...34

TOC E RORSCHACH ... 37

PERSEVERAÇÃO... 44

Perseveração no Sistema Compreensivo... 45

Escala de Repetições e Perseverações de Perry ... 46

Estereotipia...46

Perseverações ...47

Repetições Associativas ...51

Considerações Finais Sobre Perseverações... 51

OBJETIVOS... 53

MÉTODO ... 54

MATERIAL... 54

COLETA DE DADOS... 55

PARTICIPANTES... 56

ANÁLISE DOS RESULTADOS... 58

CONSIDERAÇÕES ÉTICAS: ... 59

ANÁLISE DOS CASOS ... 60

CASO 1... 60

CASO 2... 67

CASO 3... 77

CASO 4... 85

DISCUSSÃO... 93

ASPECTOS DA IDEAÇÃO... 98

PERSEVERAÇÕES E ESTEREOTIPIAS... 102

LIMITAÇÕES DO ESTUDO... 103

CONCLUSÃO ... 104

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:... 105

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA... 113

ANEXO 1: MINI EXAME DO ESTADO MENTAL... 114

ANEXO 2: VERSÃO ADAPTADA PARA APOSTILA DE ATENDIMENTO (GUY, 1976) ... 116

ANEXO 3: ESCALA OBSESSIVO-COMPULSIVO YALE-BROWN... 117

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Introdução

Apesar de ser um instrumento polêmico até mesmo com relação à sua definição o Rorschach tem um parecer favorável do CFP, o que autoriza os psicólogos brasileiros comprarem e utilizarem esse método. Desde sua criação, já foram desenvolvidos muitos sistemas e formas diferentes para se trabalhar com as respostas dos sujeitos, partindo de pressupostos diferentes, visões distintas acerca do ser humano, de seu comportamento e de seu sistema psíquico (quando considerado). O estudo desse campo da Psicologia, portanto, não requer a adesão a um específico pressuposto teórico-metodológico: podemos ora olhar cognitivamente, comportamentalmente e ora olhar psicodinamicamente. Há quem diga que ele é um teste de personalidade, outros não acreditam na idéia de personalidade, mas também o utilizam, alguns falam em projeção e outros ainda falam em um teste de percepção.

Especialmente em relação às duas últimas categorias citadas, o teste é confundido pelos leigos e por isso o tema será aprofundado ulteriormente. O que adiantamos agora é que até meados da década de setenta o teste era “mal-visto” pela comunidade científica de orientação positivista (ou pela teoria crítica da psicologia), já que suas qualidades psicométricas - validade externa, validade interna, validade de predição, fidedignidade e confiabilidade - eram muito contestadas. Hoje, apesar de algumas críticas (na maioria por desconhecimento do funcionamento do teste e do método clínico de modo geral), o Rorschach tem sua validade aceita, em grande parte

graças ao trabalho de Exner, além de muitos estudos interculturais2 e das pesquisas de

normatização, inclusive da população brasileira (Nascimento, 2005).

Pautada em extensas pesquisas feitas no mundo todo, a utilização desse método na prática clínica foi crescendo e se difundindo, tendo que ser “aceita” pelos seus críticos. A importância do método das manchas de tinta na avaliação clínica, portanto, é notória atualmente; mesmo assim, muitas pesquisas ainda procuram refinar o que era o objetivo principal de Hermann Rorschach: diferenciar os protocolos de pessoas “normais” daqueles produzidos pelos pacientes psiquiátricos.

Estudos recentes procuram ir além do simples rótulo de teste projetivo e caracterizam o Rorschach como um instrumento neuropsicológico (Rosenthal et al., 2004; Perry et al., 1996, 1997, 2005), capaz de detectar disfunções cognitivas através

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do processo de percepção feito pelo sujeito ao ver a prancha e, especialmente, quando ele é requisitado a responder “o que isso poderia ser?”. Esse recente modo de se abordar o teste surge tanto da força que a neuropsicologia tem ganhado nos últimos anos como da expansão do Rorschach em diversas áreas de atuação. Porém, apesar disso, o foco ainda é o mesmo daquele proposto pelo autor: o método procura selecionar as respostas que seriam produzidas por pacientes psiquiátricos.

Assim, o presente estudo procurou analisar pacientes com Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), refratários às formas de tratamento mais usuais, através do método de Rorschach sob a perspectiva das visões abordadas acima. Depois de terem tentado, sem sucesso, a terapia e a medicação, esses pacientes são indicados, em último caso, para a neurocirurgia. Apesar da gravidade sintomatológica dos pacientes (que por vezes chegam a passar mais de oito horas por dia ritualizando) eles mantêm a crítica durante todo o curso do transtorno e possuem grande disponibilidade de ajudar nas pesquisas, o que faz do Rorschach um instrumento útil para ser utilizado nessa população.

Atualmente o Transtorno Obsessivo-Compulsivo é, em freqüência, o quarto maior distúrbio psiquiátrico, acometendo cerca de 2 a 3% da população geral. Seu diagnóstico é elaborado através da SCID (Del-bem, et al., 2001), uma escala específica advinda do DSM IV (APA, 1994), mas apenas é confirmado por um psiquiatra ou psicólogo experiente. Outra escala de capital importância para a fundamentação do diagnostico dessa patologia é a Y-BOCS (Goodman et al., 1989), que visa quantificar os sintomas separando-os em obsessões e compulsões. Volto a salientar que o diagnóstico é dado apenas pelos médicos ou psicólogos experientes que se utilizam dessas escalas para fundamentar sua decisão.

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anteriores de Antúnes e de Rosenthal o presente trabalho busca contribuir para a compreensão dos casos graves deste Transtono e, se possivel, contribuir para a elaboração de um diagnóstico diferencial, que provenha de diversas fontes de informações, inclusive o método de Rorschach.

Os estudos longitudinais são muito importantes nos casos de alteração orgânica, portanto este estudo se configura como o início de uma pesquisa que deverá acompanhar por anos os pacientes operados. Segundo Rosenthal (1997) o estudo longitudinal que acompanha casos de pacientes operados por anos, especialmente atentando para possíveis efeitos negativos sobre a cognição ou personalidade, é de suma importância.

Não pretendemos aqui neste estudo, nos estender por mais de um ano – como fez Rosenthal (1995, 2000, 2007). Porém, sou favorável ao acompanhamento de casos como esses e procuraremos fazer o possível, dentro das nossas limitações, para compreender essas pessoas e contribuir para a sua saúde. Apesar de finalizada a pesquisa tal como ela se encontra escrita para o Trabalho de Conclusão de Curso, pretende-se continuar o acompanhamento desses casos e de novos que aparecerem e forem encaminhados para a cirurgia. Futuras publicações darão seqüência a esta pesquisa, que pode ser considerada como um estudo piloto.

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Histórico do Psicodiagnóstico de Rorschach

No dia oito de novembro de 1884 nascia Hermann Rorschach, o famoso autor do teste que leva seu nome. Sempre estudou na Suíça, país onde nasceu; formou-se médico psiquiatra pela Universidade de Zurique em 1910, apesar de seu interesse por arte e literatura. Talvez motivado por esse interesse, Rorschach começou os seus estudos com as manchas de tinta em 1911, unindo seus conhecimentos artísticos, psiquiátricos e psicológicos (Bohm, 1970). Seu foco central sempre foi o estudo da personalidade utilizando-se da interpretação das manchas de tinta no campo da percepção e da apercepção (Russo, 2004, Rorschach, 1921/1967). Em alguma data não muito clara entre 1918 e 1920, estimulado, entre outros, pelo trabalho de Symon Hens (Freitas, 2005), o psiquiatra criou 15 pranchas feitas com borrões de tinta acidentalmente3 produzidos, com formas fortuitas: “Rorschach colocou tinta em um

papel e dobrou-o de forma a produzir formas simétricas, mas maldefinidas” (Pervin &

John, 2004, p. 105). As pranchas possuem diferentes cores, sendo algumas exclusivamente pretas, outras pretas e vermelhas e algumas coloridas.

Empiricamente, Rorschach selecionou cuidadosamente dentre uma enorme variedade de borrões, os 15 que suscitavam mais respostas e que se diferenciavam quando comparadas entre grupos de pacientes com controles. Antes de conseguir um impressor, durante dois anos foram seis ou sete rejeições por parte dos editores (Bohm, 1970). Quando finalmente conseguiu uma tiragem de 1.200 exemplares, poucos foram vendidos e o livro, a princípio, foi um fracasso: a qualidade da impressão estava tão ruim a ponto das manchas de tinta apareceram borradas. Porém, essa inesperada introdução de diferentes tons nas manchas foi uma falha que o próprio Rorschach, muito perspicaz, iria aproveitar mais tarde em seus estudos (Nascimento, 1993). Outra reformulação ocorrida, logo antes do teste ser utilizado em larga escala, partiu de uma exigência do impressor: por motivos financeiros, as pranchas que eram em número 15 tiveram que ser reduzidas para 10.

A morte precoce e abrupta ocorreu em 1922, quando Rorschach estava quase completando 38 anos e apenas um ano após a difícil publicação do seu livro

Psicodiagnóstico: Método e resultados de uma experiência diagnóstica de percepção

(interpretação de formas fortuitas)” (Rorschach, 1921/1967; Bunchaft, 1996). Apenas

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cerca de 10 a 15 anos depois da sua morte, a técnica começou a ser utilizada de forma um pouco mais difundida, chegando aos Estados Unidos da América e fugindo de um esquecimento póstumo (Rosenthal, 2007). Hoje a sua notória obra é reconhecida e utilizada em todo o globo terrestre (Bohm, 1970).

Até a época da publicação desse método, muitos outros estudos já podiam ser encontrados na literatura envolvendo manchas de tinta (Freitas, 2005). O grande diferencial de Rorschach foi achar uma determinada maneira de olhar para as respostas (valendo-se de uma interpretação inédita) que as pessoas davam aos cartões e a partir delas compreender o modo de seu funcionamento psíquico e comportamental. Dessa maneira, na recém criada análise das respostas, eram enfatizadas as características formais das produções conceituais. Isso distinguia e diferenciava o novo método, dado que o essencial ficava por conta de como o sujeito manuseava os estímulos e não diretamente sobre o que ele via, ou seja, os conteúdos, que eram o foco das pesquisas anteriores (Rorschach, 1921/1967; Nascimento, 1993). Assim sendo, para classificar as respostas encontradas, além dos conteúdos, Rorschach estabelece critérios como Localização (onde o sujeito vê; a que parte da mancha ele atenta) e Determinantes (o que faz parecer isso que o sujeito vê) [Exner, 1999,2003]. É importante ressaltar, também, que os estudos de Rorschach inovaram por serem administrados nos muitos hospitais pelos quais ele passou. Isso ocasionou um ecletismo nos sujeitos de sua pesquisa, contemplando respostas de crianças, estudantes de medicina, enfermeiros e pacientes: ele chegou a coletar respostas de 288 pacientes psiquiátricos e 117 “não-pacientes”.

Nunca é demais lembrar que Hermann Rorschach foi um dos membros

fundadores da Sociedade de Psicanálise de Zurique4 sendo, portanto, influenciado pela

escola psicanalítica (Bunchaft, 1996) e, conseqüentemente, por seus conceitos de aparelho psíquico, inconsciente, projeção, enfim toda uma visão dinâmica da personalidade (Pervin & John, 2004). Para Weiner (2000), partindo-se de uma perspectiva psicanalítica, as respostas envolvem também processos de associação, atribuição e simbolização. Portanto, além de fazer referências a Freud, a Jung e a Bleuler, entre outros (Rorschach, 1921/1967, p. 17, 84, 85), Rorschach se valia dos conceitos da recém criada Psicologia do Inconsciente ao fazer as interpretações das respostas dos sujeitos.

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Mas a aproximação com a “psicologia profunda” teve seu tempo. Rorschach também foi um crítico das idéias psicanalíticas e não concordava com certas afirmações de Freud (Freitas, 2005). Em seu livro Psicodiagnóstico (Rorschach, 1921/1967), o autor não considera o teste como um método para se penetrar no Inconsciente de outrem, tal qual a associação livre ou a interpretação dos sonhos. Hoje há autores que defendem que o método possa ser visto muito mais como uma forma de se desvendar o funcionamento psíquico da pessoa (como ela reage a situações e a determinados problemas), do que um modo de se alcançar os desejos reprimidos e outras confabulações advindas do Inconsciente (Bunchaft, 1996). Mesmo assim, ainda existem diversas vertentes teóricas que utilizam um olhar psicodinâmico ao analisar o método de Rorschach (Rosenthal, 2007), valendo-se dele como uma maneira de acesso ao inconsciente, a partir de uma atenção particular aos conteúdos das respostas (Rorschach, 1921/1967) - o que, retomando, o autor não procurou fazer em vida, embora não descartasse de todo essa possibilidade.

A variedade de critérios e teorias utilizadas para classificar as respostas do Rorschach constituem um problema para a área, que em parte foi concentrado no trabalho de John E. Exner Jr. de 1974, quando sistematizou cinco grandes autores (que possuíam modos diferentes de interpretar as respostas) no que chamou de Sistema Compreensivo (Weiner, 2000). Ele revisou a literatura e, procurando os aspectos mais sólidos e confiáveis das teorias de “Beck, Hertz, Klopfer, Piotrowisky e Rapaport. Realizou estudos de normas de aplicação, categorias de classificação e interpretação, atualizando inclusive os parâmetros estatísticos” (Rosenthal, 2000, p. 20). Segundo

Antúnes (2004c, p. 29), “Exner elaborou um método visando homogeneidade e

objetividade de aplicação, classificação e interpretação, determinando linguagem e

compreensão comuns, o que facilita o diálogo entre os pesquisadores”.

A eficácia do Sistema Compreensivo (SC) serviu como uma resposta para esclarecer algumas incertezas em relação à validade e à fidedignidade psicométrica do teste que o acompanhavam até o início da década de 70, e também para consolidar a sua utilização clínica e em pesquisas. Muitos estudos normativos foram desenvolvidos ao redor do mundo e extensas pesquisas estatísticas realizadas. Hoje, o SC

encontra-se em sua quarta edição5 (2003) já tendo passado por diversas revisões e alterações.

Esse modo de codificação e interpretação do Rorschach preenche os quatro critérios

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para ser considerado um teste científico (Weiner, 1997): (1) examinadores treinados podem alcançar resultados semelhantes na pontuação das variáveis; (2) atende aos requisitos de confiabilidade, ou seja, os escores obtidos se aproximam dos escores considerados “verdadeiros”; (3) possui conclusões identificando suas propostas para o que ele é validado e (4) dispõe de dados normativos consistentes com uma amostra estatisticamente significativa para uma determinada população – para que o indivíduo possa ter seus dados comparáveis aos do grupo referência. Por permitir um resultado seguro, rápido e independente da linha teórica que embasa o método do aplicador e

por ser “um instrumento de avaliação psicológica reconhecido como um dos mais

eficientes na descrição da personalidade e no diagnóstico diferencial” (Silva, 1986, p.

98) o Rorschach continua muito em voga atualmente.

Hoje o instrumento é mundialmente reconhecido e teve a sua inserção no Brasil, graças ao trabalho dos Professores Aníbal Silveira6 e Antonio Miguel Leão

Bruno7, ambos fundadores da Sociedade Rorschach de São Paulo, em 1952. Outros

dois autores que contribuíram enormemente na divulgação inicial do método, com publicações em nosso país, foram a Dra. Aniela Ginsberg e o Prof. Fernando Villemor Amaral (Nascimento, 1993; Rosenthal, 2000). Nos primórdios da inserção do teste no Brasil, os profissionais que atuavam com o método tinham que promover sua formação sozinhos, por meio da ajuda de livros estrangeiros (Sousa, 1982) e de autodidatismo. Apesar disso, o mesmo autor destacou em seu livro, o quão cuidadosa deve ser a formação de um técnico rorscharchiano: três meses de lições teóricas e práticas é o mínimo necessário para aprendizagem da aplicação. Já a interpretação necessita de dois a três anos de estudo, o que demonstra a complexidade e a seriedade do método. Além de todo esse tempo, o profissional necessita de uma formação anterior que abranja dois anos de experiência clínica (seja em psicologia ou em psiquiatria), conhecimento sobre os conceitos de personalidade e da teoria psicopatológica. O SC chegou ao Brasil em 1990, através de Efraim Rojas Boccalandro, psicólogo venezuelano. Em 11/20038, o CFP concedeu ao Rorschach o status de um “teste”

válido e plausível de aplicação na população brasileira.

6 Médico psiquiatra e psicólogo, um dos membros fundadores da Sociedade Internacional de Rorschach. 7 Médico e advogado, presidiu a Sociedade Rorschach de São Paulo.

8 Data relativa à tradução brasileira do Manual de Codificação do Sistema Compreensivo de Exner

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O método do Rorschach

A explicação por parte do aplicador do teste deve ser curta: “Eu vou lhe mostrar

alguns cartões com manchas de tinta e quero que você me diga com o que se parecem

para você” (Exner, 1999, 2003, p.14). De acordo com Nascimento (2005), a instrução

inicial do teste em português deve ser ligeiramente diferente (mais longa do que no inglês). Por questões culturais, tais como a familiaridade ao responder testes (que é

muito maior na população estado-unidense) e a exposição do Rorschach na mídia9, a

instrução brasileira deve ser: “Eu vou mostrar para você alguns cartões com manchas

de tinta. Tente me dizer com o que eles podem ser, com o que eles parecem. Você pode olhar os cartões do jeito que você quiser. Você fala e eu farei as anotações.

Quando você terminar, devolva-me o cartão. Podemos começar?”.

Dentro da situação de teste, portanto, à questão a qual o sujeito deve responder é simples; a única coisa que o examinador deve fazer é entregar o cartão na posição correta e perguntar somente: “o que isto poderia ser?”. A instrução em si já é um problema que o examinando deve solucionar, pois ele deve ver algo na prancha e reconhecer, ao mesmo tempo, que são apenas manchas de tinta (Weiner, 2000). Para

Exner (1994 apud Rosenthal, 2007) a pessoa sabe que a instrução a força a ver algo

que não está na mancha. É um problema que exige certa violação da realidade para ser solucionado e, ao mesmo tempo “cobra” que a pessoa mantenha a sua própria coerência pessoal. Por diversas razões, a frase que deve ser dita pelo aplicador é padronizada e em hipótese alguma deve ser trocada por “o que isto te lembra?” ou “o que seria isto?”. A única variação aceita é “apenas diga-me o que você vê ai”.

A segunda parte do teste, o Inquérito, é muito importante pois é nela que o examinador garante uma boa codificação das respostas, o que é essencial para que a interpretação ocorra sem problemas posteriormente. É preciso muita experiência para garantir que a codificação seja tão correta quanto possível. É o tempo do aplicador buscar os determinantes da resposta que ainda não tenham ficado claros, ou seja, se certificar como foi que o examinando chegou àquela tal resposta. É esse o tempo de revisar e esclarecer as informações, aonde foram vistas as respostas e o que levou o sujeito a ver a mancha daquele determinado jeito (quais foram os determinantes). Assim, as perguntas básicas que devem ser feitas no inquérito são: “o que fez com que

9 Certa vez uma prancha foi mostrada em uma novela do canal Globo. Também podemos facilmente

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se parecesse com isso?” e “onde você está vendo?” Outras variações que os examinadores freqüentemente usam para esclarecer as respostas são: “não tenho certeza se estou vendo do mesmo modo como você, por favor, me ajude” ou “me ajude a ver com os seus olhos” (Exner, 1999, 2003; Weiner, 2000). Essa parte do exame é a mais importante e o aplicador deve permanecer atento e calmo, perguntando apenas o que ainda não ficou claro. Se feito de maneira incorreta, o inquérito pode induzir tipos de respostas específicos. Perguntas diretas do tipo “a cor ajudou?” ou “eles estão fazendo algo?” estão vetadas, pois elas fazem o sujeito responder tendenciosamente, influenciando no resultado (Exner, 1999, 2003). Desse modo, a recomendação de não se perguntar além do essencial para saber a localização e os determinantes deve ser seguida, a fim de evitar distorções nos resultados (Nascimento, 2007 - comunicação pessoal). Ao perguntar muito, mesmo de forma correta, o aplicador começa a “sugar” respostas do examinando que não seriam dadas, o que também deve ser evitado.

Segundo Sousa (1982, p. 17) “verifica-se empiricamente que diferentes

indivíduos sempre vêem cousas diferentes nas manchas” o que nos dá uma pista de

quão individual é o teste. Continuando, o autor menciona o quanto “as interpretações

das manchas envolvem complexíssimo processo de que participam, primariamente, a

senso-percepção e os dados aperceptivos mnêmicos” dado que elas são respostas

extremamente peculiares do sujeito, que podem nos revelar parte de sua personalidade. O estado psicológico da pessoa que é submetida ao teste também pode influenciar as suas respostas, dependendo da intensidade e do impacto sobre o indivíduo (Rosenthal, 2007); em casos de pessoas com depressão grave, se registrou um maior índice de código especial mórbido (MOR), porém, essas mesmas pessoas quando saíam da crise reduziam a proporção de respostas mórbidas.

Como um contra-argumento à individualidade do teste, podemos perceber que

há diversos protocolos com respostas semelhantes: são as ditas respostas Populares10

(os famosos morcegos e borboletas). Essa observação colabora com a idéia de tentar achar algo comum a todos os seres humanos. E isso tem sido tema de grandes discussões: afinal, é interessante que o indivíduo veja assim como vêem todos os outros, mas se ele apenas der respostas populares não temos como interpretá-las. De outro modo, se o sujeito vê apenas respostas com qualidade formal negativa (o que poderia ser considerado de uma originalidade notória), isto pode ser um índice de que

10 Num protocolo “comum” são esperadas de 3 a 4 respostas P. de acordo com a normatização

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ele não vê as coisas como as outras pessoas, aproximando-se então de traços esquizofrênicos. De todo modo, não podemos esquecer as características próprias dos estímulos dado que alguns são mais definidos, de natureza mais “fechada” como as pranchas I e V nas quais frequentemente temos respostas de “morcego” ou de “borboleta” e outros, como as pranchas IX e X são mais dispersos e evocam menos respostas semelhantes.

Trocando em miúdos, a questão central que está por trás dessa discussão é a afirmação de que o Rorschach faz florescer os processos psíquicos que são normais na maioria das pessoas. Nos casos de psicopatologias esses processos seriam acentuados, dado que: “o pressuposto básico do teste é que a maneira como os indivíduos formam as suas percepções está relacionada com a maneira como eles geralmente organizam estruturam os estímulos em seus ambientes” (Pervin & John, 2004, p. 106). Temos a partir disso dois grandes grupos, abordagens, jeitos de se olhar o ser humano. Dentro da perspectiva idiográfica, podemos colocar o método como um jeito de se debruçar sobre a história pessoal do indivíduo, considerando suas peculiaridades e sua singularidade. Essa visão dá preferência à interpretação das imagens temáticas em lugar da estrutura perceptiva (Weiner, 2000), dado que os aspectos associativos das respostas são exclusivos do estado mental do sujeito, do indivíduo.

Já a perspectiva nomotética (ou nosográfica), aborda mais a questão do coletivo, do geral e do comum a um mesmo grupo: pode ser uma série de características (sintomas) que definem a patologia do indivíduo (esquizofrenia, depressão ou qualquer outra patologia). Essa visão comporta a idéia de que alguns aspectos perceptivos são compartilhados por boa parte dos indivíduos e por isso permitem interpretações nomotéticas (mais fáceis de serem validadas pelo CFP) que comparam os sujeitos a normas ou a padrões (Weiner, 2000). Os estudos normativos e os interculturais indicam que há uma influência por parte da cultura nas respostas dos sujeitos. Também, não poderia ser diferente, já que algumas variáveis foram produzidas enquanto representações normativas e estatísticas: Localização (D, Dd), Qualidade formal (Fo e Fu) e Respostas Populares (Exner, 1999, 2003; Nascimento 2006).

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normativa para a amostra brasileira se constituiu a partir da pesquisa de Nascimento (2007, no prelo) com 409 sujeitos (200 de São Paulo e 209 de cidades do interior) entre 17 e 65 anos de idade. Atualmente a autora está desenvolvendo a tabela para adolescentes: sujeitos com idades entre 13 a 17 anos.

Dentre os autores que estudam o teste Rorschach na atualidade, existem diferentes abordagens para se fazer a interpretação, que dependem do jeito de se ver o mundo: há aqueles, para os quais a essência da personalidade consta na individualidade e na unicidade de cada pessoa. Outros acham que o aspecto básico da personalidade reside no que há de comum entre o funcionamento das pessoas, traços e dimensões do comportamento. O mais interessante é que o teste abarca essas duas visões de mundo diferentes constituindo-se excelente fonte de dados para qualquer um dos casos. Bunchaft (1996) completa ressaltando que estudiosos de diversas linhas se utilizam deste instrumento em sua prática clínica: desde os psicanalistas, passando pelos comportamentais, os cognitivistas e mesmo os fenomenólogos. Creio que

Rausch de Traubenberg (1991 apud Paisan, 2000, p. 27) dá um rumo à discussão fiel à

opinião do autor deste trabalho:

O Rorschach mobiliza em nós momentos perceptivos e momentos fantasmáticos, representações e afetos, conflitos e defesas em articulações refinadas, muito sutis, diferentes de acordo com o tipo de organização do sujeito, diferentes ainda segundo o estado psicológico atual, função também de cada uma das situações estimuladoras apresentadas. Em síntese, estas articulações permitem caracterizar um funcionamento psíquico individual, que pode ser relacionado, em um segundo momento, a um quadro nosogáfico. Nós compreendemos o processo da resposta (...) dentro das interferências entre o real e o imaginário, dentro da ação conjunta das atividades perceptivas e fantasmáticas...

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Aproximação com a Teoria Psicanalítica – A Projeção

Dada a intimidade de Hermann Rorschach com a psicanálise, é necessário refletir acerca do conceito de projeção para o autor do teste. Realmente, ele difere um pouco do mecanismo de projeção que Freud propõe em 1895. Segundo Silva (1983) o termo foi utilizado inicialmente para descrever um mecanismo da paranóia: uma defesa primária que constitui num abuso de um mecanismo normal que é o de buscar no exterior a origem do desprazer. Para Freud, a projeção inicialmente era uma defesa do ego: é a atribuição a outro (sujeito ou objeto) de sentimentos, qualidades, desejos que a própria pessoa rejeita, não tolera e não reconhece em si mesma (Silva, 1986; Silva, 1983; Antúnes, 2004c).

Para Silva (1986), a projeção à qual se refere Rorschach está ligada ao fato de que o sujeito, perante o estímulo das manchas, tende a aplicar toda a sua atividade mental. Estas, por sua vez, poderão ser lidas e interpretadas por meio dos cuidadosos olhos do aplicador experiente. Assim, é possível que, além das características de personalidade, o examinador acesse também os padrões cognitivos e afetivos ou emocionais do sujeito (Weiner, 2000). O indivíduo estrutura a sua realidade ou a interpreta de acordo com suas próprias características (Silva, 1983) e de acordo com suas experiências anteriores com o meio ambiente – sua história de vida.

Segundo Rosenthal (2000, p. 24), devemos considerar processos projetivos do

Rorschach, aqueles que “envolvem uma interpretação mais pessoal do estímulo, como

é no caso das respostas de forma menos freqüentes ou distorcidas, ou as respostas com determinante de movimento, as quais trazem à tona ou revelam aspectos e elaborações mais particulares de um indivíduo”. Silva (1983, p. 5) afirma que “as técnicas projetivas procuram favorecer ao máximo o aparecimento do mundo interno do testando, fornecendo a este o mínimo de elementos externos suficientes apenas para elucidar a resposta e permitir uma avaliação do contato do indivíduo com a realidade

externa”. Em abordagem claramente psicanalítica, Roy Schafer enxerga no processo

de formação de resposta tanto os impulsos advindos do ID como os esforços defensivos do EGO (Em: Nascimento, 1993). Para esse autor, a situação do teste – com figuras ambíguas – permite uma livre associação que evoca imagens do Inconsciente.

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seja – tanto por parte do aplicador como do examinado – em que não apareçam aspectos projetivos do sujeito. Isso ocorre pois, ao formular a resposta olhando para as manchas não tão estruturadas, o indivíduo resolverá esse “problema” de maneira única, como se sua personalidade “contaminasse” a resposta. No sentido lato, a projeção acontece quando as pessoas atribuem suas próprias características internas a objetos ou eventos externos sem justificativa e sem consciência disso. Geralmente, são as respostas ligadas a movimento humano (M) [e também a movimento animal {FM} e a movimento inanimado {m}] ou ao determinante forma distorcida (F -) [Weiner, 2000],

respostas percebidas inadequadamente (FQ -) ou muito enriquecidas

(superelaborações), pois o que é declarado não está presente no estímulo: são as preocupações e atitudes internas. O autor é cauteloso ao afirmar que não há um grau certo relativo à projeção no método, algumas pessoas colocam mais conteúdos, outras menos, e ela é apenas uma pequena parte de outros inúmeros processos que ocorrem durante o teste (Weiner, 2000).

Outro fator importante de ser lembrado é que o Rorschach não é examinado através de uma só resposta, mas em um conjunto delas, a soma total das respostas do sujeito. Assim, podemos ter uma idéia de como o indivíduo se porta em relação ao seu ambiente, por uma análise cuidadosa e qualitativa das suas respostas. Esse teste, pela classificação funcional do uso do material, seria uma técnica na qual o sujeito estrutura um material não estruturado (Silva, 1983). Classificando-o segundo os aspectos da personalidade, ele seria uma técnica visual de interpretação de desenhos ou manchas.

Segundo Rosenthal (2007, p. 32), a prova das manchas de tinta “por muito

tempo foi considerada representante de uma abordagem idiográfica da personalidade

sendo classificada como um método projetivo. Bunchaft (1996), porém, nos traz uma visão interessante e pertinente à continuação do estudo. Segundo essa autora, na situação dos testes “ditos” projetivos, os aspectos cognitivos e perceptuais funcionam em maior grau em relação aos aspectos projetivos, que não deixam de aparecer, só que em menor grau. A visão de que o processo produzido pelo sujeito mistura cognição e percepção parece ser consenso na atualidade. Atualmente, o Rorschach é considerado um teste projetivo, mas também de percepção e apercepção: é raro se achar autores que defendam radicalmente apenas a análise de aspectos temáticos do Rorschach e esses quase não são citados na literatura (Weiner, 2000). Para Bellak

(1947, apud Silva, 1983) a apercepção é um processo normal que não implica

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projeção. A apercepção para este autor é o conceito de projeção utilizado na área das técnicas de investigação da personalidade: a projeção interpretativa e não a defensiva (semelhante ao conceito considerado pelos autores: Silva, 1983; Weiner, 2000; Rosenthal, 2000 e 2007; Antúnes 2004c).

Os chamados testes projetivos, portanto, são aqueles nos quais o sujeito se depara com estímulos ambíguos numa situação à qual se espera que ele reaja e responda como ele o faria em outras situações. Se os estímulos forem estruturados, eles favorecem o predomínio dos fatores externos (o campo da estimulação); já se forem pouco estruturados, levam ao caminho dos fatores internos - a intensidade das necessidades do indivíduo (Silva, 1983). Para se aproveitar ao máximo o potencial projetivo do teste, é necessário que as instruções do aplicador também favoreçam a liberdade de respostas sobre o material apresentado. Induções e explicações teóricas sobre o método são a todo custo evitadas e podem invalidar um protocolo (Silva, 2005 - comunicação pessoal).

Alguns exemplos de outros testes projetivos que encontramos hoje são o Teste

de Apercepção Temática (TAT) de Murray, o Wartegg de Ehrig Wartegg, o House Tree

Person de Jonh Buck (HTP - Casa, Árvore e Pessoa), o Teste de Szondi (no qual

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Aproximação com a Teoria Cognitivista – A Percepção

O pressuposto básico do funcionamento do Rorschach, como já foi dito anteriormente é de que o indivíduo forma as suas percepções de maneira parecida ao modo como organiza e estrutura os estímulos em seu ambiente (Pervin & John, 2004).

O próprio autor do teste fez questão de dedicar um capítulo inteiro de

Psicodiagnóstico” apenas sobre percepção, intitulado “A interpretação das figuras do

ponto de vista da percepção”. A primeira idéia que Rorschach apresenta em seu livro é

a questão da generalização de que o teste figura como uma prova de imaginação. Ele não gostava dessa visão, que era a mais vigente na época e contra-argumentava:

quem possuir imaginação fará uso dela e quem não a possuir poderá até mesmo

desculpar-se pela omissão... a interpretação de imagens fortuitas situa-se, ao contrário,

sob o conceito da percepção e das idéias” (Rorschach, 1921/1967, p. 17). Desse modo,

destacar-se-ia, para Rorschach, o mecanismo de percepção na formação das respostas, enquanto a projeção seria estimulada de forma apenas secundária (Rorschach 1921/1967; Bunchaft, 1996). Seu método fundamenta-se na codificação e delineamento dos estilos individuais de estruturação cognitiva e o autor deixa claro o importante papel da percepção nessa tarefa, “que por sua vez traduz-se no aspecto

predominantemente formal e estrutural” (Brunoni, 2006, p. 21).

Ao citar E. Bleuler11 (1916 apud Rorschach, 1921/1967, p. 17), Rorschach deixa claros três processos que ocorrem na percepção (sensação, evocação e

associação) e acaba definindo-a como “uma assimilação associativa de engramas

disponíveis (imagens recordação) a complexos de sensações recentes”. Logo em

seguida ele coloca que “é esta percepção intrapsíquica, equivalente imperfeita do complexo de sensações e do engrama, que dá à percepção o caráter da interpretação”. Ou seja, as respostas dos sujeitos submetidos ao Rorschach são interpretações destes que devem fazer um esforço em ver algo que não está na prancha (Weiner, 2000). É importante ressaltar que há pessoas, principalmente pacientes psiquiátricos, que não conseguem fazer esse trabalho de abstração e ainda se surpreendem ao saber que outros são capazes de fazê-lo (Rosenthal, 2007; Sousa 1982). Nas palavras de Rorschach (1921/1967, p.18) “deve existir um limiar a partir do qual a percepção, assimilação sem consciência do trabalho assimilativo, transforma-se em interpretação,

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isto é, numa percepção que inclua consciência do trabalho de assimilação”. O centro dessa discussão para o autor era que há certas populações, como por exemplo os dementes senis, os maníacos e os dementes mentais que respondem não ver nada além da mancha de tinta na prancha (Rorschach, 1921/1967).

Característica marcante que Rorschach observou nos ditos ”meticulosos” é a observação de que o examinando está apenas interpretando a mancha, mas sabe (e por vezes verbaliza e se incomoda) que o objeto real é diferente daquilo. Talvez por essa necessidade de precisão, de encaixar as pranchas o máximo possível dentro de uma resposta que lhes pareça mais conveniente, os obsessivos apresentam, uma característica que está diretamente associada ao Transtorno, que é a demora em responder ao protocolo inteiro.

A conclusão do capítulo sobre percepção vem destacada em caracteres

escuros: “as diferenças entre a percepção e a interpretação só podem ser de natureza

individual e gradual e não de natureza geral e essencial; e com isto, a interpretação só

pode ser um caso especial de percepção” (Rorschach, 1921/1967, p. 18). Com isso ele

defende a idéia de que este teste de interpretação de formas seja uma prova de percepção.

Destarte, devemos ter um enorme cuidado na hora de entregar a prancha e nunca dizer frases como “o que isto te lembra?” ou “o que seria isto?”, pois essas perguntas remetem mais ao associativo do que propriamente com o perceptivo (Weiner, 2000), fogem à padronização do teste (Exner, 2003) e evocam explicitamente uma maior utilização da memória. Outras funções cognitivas muito próximas à percepção e que estão envolvidas nesse processo são a atenção e a memória de curto prazo. As três estão diretamente ligadas: perceber é ter memória de curto prazo, porém sem atenção, não conseguiremos perceber nada (Xavier, 2007). Para Weiner (2000) os processos cognitivos associados ao Rorschach são a atenção, a percepção, a

memória, a tomada de decisões e a análise lógica. Para Goldberg (2002, apud

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mancha de tinta e, de acordo com a própria instrução do teste, deve des-perceber, desidentificar a mancha como sendo apenas um borrão de tinta.

O que é a percepção então? Quais processos cognitivos estão envolvidos na percepção? Dada a importância da percepção para entendermos o método de Rorschach, há uma necessidade premente de discorrer mais sobre ela e seus conceitos em voga atualmente. Quando vemos determinado estímulo, por exemplo uma bola de futebol, nosso cérebro registra em áreas diferentes os diversos componentes desse estímulo. A cor, a forma e o movimento são enxergados separadamente e nosso cérebro faz o esforço de juntar todas essas características para que possamos entender o que está se passando (Xavier, 2007). Lesões cerebrais podem afetar apenas uma dessas características, justamente porque as regiões envolvidas numa mesma percepção estão localizadas distantes umas das outras no cérebro, mas são ativadas simultaneamente, em consonância.

Desta maneira, para cada objeto no mundo forma-se um percepto. Se porventura não se tem o percepto, mas há a presença física do objeto, a pessoa que não percebe pode estar cega, surda ou com algum outro problema em sua percepção. Se ocorrer o contrário: há o percepto e não o objeto, pode-se estar diante de um caso de alucinação, como nas esquizofrenias. O interessante é que um objeto pode gerar mais de um percepto, como por exemplo no caso

do cubo na figura ao lado: ele esta voltado para cima ou para baixo? Nesses casos, não falamos em alucinação, e sim em ilusões, que ocorrem freqüentemente no dia-a-dia. Retomando, as alucinações acontecem apenas quando não há objeto ou estímulo algum. Para perceber algo, é necessário que o objeto chegue à nossa consciência.

Na situação do teste, a tarefa se torna mais complicada ainda, pois além de o estímulo evocar um percepto, existem outras fases. São, no total cinco fases distintas no período entre o momento em que o examinando vê a prancha e até ele dar a sua resposta (Exner 1985 apud Bunchaft, 1996; Weiner, 2000; Perry and Potterat, 1997; Rosenthal, 2007).

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mancha!”12. Num segundo momento, ocorre a classificação deste estímulo: os dados são armazenados e ocorre um processo na memória de curto prazo que começa a classificação em algumas respostas em potencial. A memória de longo prazo também é evocada nesse momento e utilizada como referência para a articulação de uma

resposta: “Tá bom, é uma mancha. Mas se parece com o quê”?

A terceira e a quarta etapa são relativas à eliminação das respostas que porventura o indivíduo acha inadequadas. A terceira é relativa à eliminação de respostas potenciais por ordenação hierárquica: parece haver um princípio de

economia na elaboração/apresentação das respostas: “Já que ninguém falou que

precisa dar mais de uma resposta...”. Esse princípio pode ser movido por defesas, por

eficiência ou por seleção entre respostas parecidas: “Essa parece mais um morcego do

que uma borboleta”. A quarta etapa envolve a eliminação por censura, que envolve diversas variáveis da aplicação, como: o rapport estabelecido, preconceitos (a pessoa acha que não deve falar certo tipo de resposta por ser uma situação de teste, formal) ou o juízo de valor.

Por último é realizada a seleção final, a decisão e a articulação da resposta, que ocorre quando a pessoa acaba por verbalizá-la. Nesse estágio, estilos e traços pessoais dão o tom de individualidade detectado pelo teste. São características psicológicas dominantes do indivíduo que expressam o seu jeito de ser e de se

comportar perante ao mundo. Segundo Exner (1985 apud Bunchaft, 1996), essas fases

do processo de resposta ao Rorschach são, predominantemente, de cunho cognitivo, sendo as respostas projetivas pouco usuais.

Fazendo uma revisão, durante a história da humanidade tivemos diversos métodos para se estudar a percepção, listados a seguir:

1-) A filosofia sempre se posicionou de tal maneira que perceber é receber, conhecer o mundo. Podemos reconhecer isso na célebre frase do filósofo Irlandês

George Berkeley: “Esse est percent” (Ser é ser percebido).

2-) A forma mais antiga depois da filosofia para se avaliar a percepção é a que se realiza por meio dos testes neuropsicológicos. O estudioso Alexander Lúria contribuiu e muito para o desenvolvimento desses testes: na guerra, quando ele não podia levar seus testes para avaliar os soldados, ele desenvolveu uma série de

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técnicas valendo-se apenas de papel e caneta para diagnosticar o estado em que a pessoa se encontrava (Lúria, 1981).

3-) Com aparelhos como eletroencefalograma (EEG) ou por meio de ressonância magnética funcional (RMf), de tomografias computadorizadas (TC), de

“single photon emission computed tomografhy” (SPECT), além de outras técnicas de

neuroimagem (Rocha et al., 2001).

4-) Alguns, mais recentes, utilizam também modelos matemáticos para tentar entender as relações neuronais ou a nova modalidade chamada Psicofísica, um método indireto de se inferir o que se passa dentro da cabeça do sujeito.

5-) E por último, mas não menos importante, o método de Rorschach, o qual muitos consideram um teste projetivo, mas que desde o início de sua utilização esteve próximo da análise da percepção do sujeito (Rorschach, 1921/1967).

Resumindo, a interpretação do Rorschach pode ser estrutural, pois nela levam-se em consideração os aspectos formais das respostas. Por outro lado, ela é também temática, já que por meio do conteúdo pode-se fazer uma interpretação simbólica, que é mais difícil e menos segura do que a primeira (Sousa, 1982). O teste envolve tanto a percepção, quanto a projeção e cabe ao aplicador examinar e se aprofundar nas características que lhe convêm. Weiner (2000) diz ser possível associar ambas as perspectivas dentro do método: a idiográfica e a nomotética.

A interpretação do protocolo fica por conta do psicólogo e frente a ela o profissional se depara com um enigma: decifrá-lo significa compreender o sujeito (Silva,

1986). Independentemente da abordagem, “o teste de Rorschach, pode ser aceito

dentro de quase todos os sistemas. Representa apenas um meio de estudar o indivíduo. Seu valor é instrumental e já foi comparado ao do microscópio dentro das

ciências naturais” (Sousa, 1982, p. 4). É por meio desse método que pretendo buscar

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O Transtorno Obsessivo-Compulsivo

O transtorno obsessivo compulsivo (TOC) é uma síndrome que acomete cerca de 2 a 3% da população geral (Miguel et al., 2001), sendo atualmente, o quarto transtorno mais comum na população, ficando atrás apenas das fobias, da dependência e abuso de drogas e da depressão maior (Del Porto, 2001). Estudos com populações mundiais indicam uma taxa de prevalência do TOC de 2,5%, ou seja 25 em cada 1000 pessoas no mundo sofrem com esse transtorno em algum momento da vida (ASTOC, 2007, acessado em 08/07). Del Porto discute esse achado argumentando que os entrevistadores eram leigos e que outra estimativa de prevalência durante a vida na população era de 0,6% com TOC e 0,6% com TOC subclínico. A Associação Brasileira de Tiques, Síndrome de Tourrete e Transtorno Obsessivo-Compulsivo (ASTOC) rebate estimando que haja cerca de 4.500.000 brasileiros portadores dessas enfermidades (2007, acessado em 08/08).

Dentro do espectro do Transtorno Obsessivo-Compulsivo, podemos ter algumas variações entre os sintomas obsessivos. Algumas pessoas relatam possuir este tipo de sintomas obsessivos ou compulsivos (SOC) e pontuariam ligeiramente na Y-BOCS13, porém não sofrem com isso nem não passam mais de uma hora por dia nos seus rituais e, portanto não podem caracterizar nenhuma patologia. Além delas, há outros que desenvolvem um TOC subclínico, no qual possuem SOC e sofrem com eles ou gastam mais de uma hora por dia nos rituais. Esses casos também costumam pontuar discretamente na Y-BOCS. Já o Transtorno de Personalidade Obsessiva Compulsiva pode nem pontuar nessa escala e é caracterizado naquelas pessoas que possuem sentimentos exagerados de dúvida, cautela, preocupação com ordem, perfeccionismo e rigidez nas condutas (Del Porto,1996). A diferença marcante é que pessoas com TPOC não se preocupam com isso, enquanto no TOC é garantido o incômodo com o transtorno.

Diferentemente da maioria dos outros transtornos (incluindo os de ansiedade), o TOC parece não fazer distinção ao acometer homens e mulheres na população: ambos são atingidos igualmente na idade adulta (Del Porto, 2001). Sua origem ainda não está totalmente explicada pela ciência médica ou psíquica, mas atualmente é consenso, no meio científico, a existência de uma multiplicidade de fatores contribuintes para o

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aparecimento do TOC. Alguns fatores apontam para uma predisposição genética: a mesma prevalência em diversas partes do mundo e a universalidade de alguns sintomas como lavar as mãos, não pisar em riscas ou impulsos agressivos e sexuais (Del Porto, 2000). Outros corroboram que o ambiente é crucial para o desenvolvimento do transtorno: existem formas de expressão da doença únicas que só podem ter ocorrido devido a constantes reforços provindos do meio no qual a pessoa vive.

Muitos estudos de gêmeos com SOC até hoje foram realizados justamente para se analisar a interação entre genes de maior e menor efeito com fatores ambientais. Apesar das diferentes metodologias e dos resultados variados, esses estudos têm mostrado convincentemente que os SOC são hereditários com contribuições genéticas médias de 45 a 65% em crianças e de 27 a 47% em adultos. A maior freqüência de familares acometidos pode ser explicada pela presença de um componente genético (Rasmussen and Tsuang, 1986), porém, como a herdabilidade não é de 100%, os mesmos achados também sugerem que a variabilidade dos resultados encontrados implicam na participação de fatores ambientais.

Segundo Mathis (2007), a prevalência do TOC nos diferentes sexos tem sim um perfil bimodal de acordo com a idade de início do quadro, sendo que o sexo masculino estaria mais associado ao início precoce dos sintomas e à presença de tiques. Em sua pesquisa, a autora encontrou mais homens abaixo de 10 anos com TOC e um aumento na incidência em adolescentes mulheres chegando a uma proporção de 1:1 na idade adulta, assim como Del Porto (2001). Este perfil bimodal de distribuição das prevalências de TOC que é citado pela autora e caracterizado por dois picos distintos - na infância com incidência maior no sexo masculino e na adolescência com incidência maior no sexo feminino - reforça a idéia de que o TOC é um transtorno heterogêneo e que o início precoce do quadro poderia subdividir os pacientes em subgrupos mais homogêneos.

O primeiro caso descrito na literatura é de autoria de Esquirol (1772-1840), aluno de Pinel (1745-1826). Além de ser conhecido por cunhar o termo “alucinação”, foi em 1838 que esse psiquiatra francês publicou seu trabalho no qual o TOC aparecia com o

nome “monomanie raisonnante” (monomania raciocinante). Hoje, essa síndrome está

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alguma parte do dia) a pessoa portadora do TOC sente um desejo irresistível de realizar as compulsões e não escolhe quando as obsessões vêm à mente, elas simplesmente aparecem – mesmo contra a vontade do indivíduo.

O diagnóstico desse transtorno (um conjunto de sintomas) é feito clínicamente por meio da caracterização das obsessões e compulsões: neste estudo, além de passar por uma entrevista com profissionais experientes na área, o sujeito precisa preencher os critérios estabelecidos no questionário SCID (Structured clínical interview for DSM-IV - Del-Ben et al., 2001), que possibilita uma sólida fundamentação para o diagnóstico diferencial do TOC, algo que o Rorschach não nos traz (Rosenthal, 2000), relembrando que, em última instância, é o profissional experiente (médico ou psicólogo) quem fecha o diagnóstico. De todo modo, é bem difícil delimitar clínicamente a tênue linha que separa as obsessões das fobias (Dalgalarrondo, 2000), por exemplo: um paciente que lava as mãos muitas vezes pode estar com uma obsessão de limpeza ou ter fobia de sujeira, de contaminação. As fobias se caracterizam por serem medos mais intensos, enquanto as obsessões são mais recorrentes e não meras preocupações excessivas com problemas do dia-a-dia, apesar de serem produtos da mente da própria pessoa (ASTOC, 2007, acessado em 08/08).

As obsessões às quais me refiro são idéias, imagens ou impulsos que surgem e invadem a consciência do indivíduo, e são vivenciadas com angústia. Esses pensamentos repetitivos causam grande sofrimento para a pessoa, que embora perceba o seu caráter irracional e absurdo, dificilmente consegue afastá-los (Miguel et al., 2001). Já as compulsões são comportamentos repetitivos e estereotipados que o indivíduo é levado a executar, em resposta a uma obsessão, para reduzir a ansiedade ou prevenir algum evento temido (Smaira e Torres, 2001). Elas ocorrem, portanto, na tentativa de aliviar o incômodo causado pelos pensamentos obsessivos.

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casos, a pessoa mantém a crítica intacta e sofre por saber que seus sintomas não têm sentido, (Miguel et al., 2001). É bastante comum as pessoas com TOC relatarem um sentimento de estranheza, ou que estão ficando “loucas”, guardando apenas para si os sintomas. Devido à falta de conhecimento e divulgação do transtorno, e muitas vezes ao desconhecimento por parte da família, os indivíduos levam muito tempo para procurar ajuda de um profissional da saúde; assim, o paciente convive com o transtorno por um tempo maior (Miguel et al., 2001). Estudos indicam uma demora média de dez anos desde o início da doença até o diagnóstico de TOC pelo especialista (Hounie e Miguel, 2005).

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Fisiopatologia e tratamento do TOC

Tekin & Cummings (2002), em uma revisão da literatura, ressaltam a importância de regiões cerebrais tais como o núcleo caudado, o putâmen ou o córtex orbitofrontal que, se forem lesadas, podem levar ao surgimento de sintomas obsessivo-compulsivos (SOC). Estudos de neuroimagem funcional, empregando técnicas de tomografia por emissão de pósitrons, tomografia por emissão de fóton único e ressonância magnética funcional, em sua maioria também sugerem que o núcleo caudado, o giro do cíngulo anterior e os giros orbitofrontais encontram-se hiperfuncionantes entre pacientes com TOC, quando comparados a controles normais (Rauch, 2003). As estruturas citadas acima são importantes na medida em que fazem parte de um circuito denominado fronto-estriado-tálamo-cortical. Outras estruturas importantes e que aparentemente também estão associadas a estes sintomas são: o giro do cíngulo posterior, a amígdala, o córtex pré-frontal dorsolateral e o tálamo (Aouizerate et al., 2004).

Estudos neuroanatômicos empregando traçadores retrógrados e anterógrados comprovaram a existência de alças neuronais que conectam o córtex a estruturas sub-corticais. Elas partem do córtex pré-frontal projetando-se em direção ao estriado (caudado, putâmen e núcleo acumbente), o globo pálido, e a substância negra, para finalmente chegarem ao tálamo e retornarem ao córtex. Cinco circuitos cerebrais são formados desta maneira: o motor, o óculomotor, o pré-frontal dorsolateral, o órbito-frontal (lateral e medial) e o cingulado. Os circuitos fronto-estriado-tálamo-corticais estão envolvidos em funções importantes como: atribuição de significado às conseqüências das ações; situações de tomada de decisão entre diversas possibilidades ou no processamento de informações relevantes (Tekin & Cummings, 2002).

Estudos neuropsicológicos complementam as evidências de disfunções nestes circuitos mediante a observação do desempenho cognitivo comprometido dos pacientes com TOC, em testes que avaliam funções executivas, planejamento, flexibilidade mental, controle inibitório, etc. Estes achados sugerem que há alguma anormalidade especialmente nos circuitos pré-frontal dorsolateral e no pré-frontal orbitomedial (Taub et al., 2007).

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pacientes refratários a medicamentos e a TCC de alguma forma atuam na desconexão do circuito córtico-estriado-tálamo-cortical.

Dentre as formas de tratamento com as quais contamos atualmente para o TOC, têm sido mais comumente utilizadas (Miguel et al., 2001 e Shavitt et al., 2001): as diferentes terapias (focalizando principalmente na terapia cognitivo-comportamental em grupo – TCCG), o tratamento medicamentoso (inibidores de recaptação da serotonina, a clomipramina e combinações medicamentosas), estimulação magnética transcraniana repetitiva (rTMS ainda em fase de estudo, mas muito promissora), neurocirurgias e, por último, mas não menos importante, o carinho, a generosidade e a solidariedade, que juntos, constituem o apoio para a luta contra o TOC. Independentemente do tratamento a ser seguido, a família tem um papel importante no tratamento do TOC, já que ela pode ajudar o paciente a lidar com os sintomas.

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Capsulotomia ventro-capsular e ventro-estriatal por raios gamma

A neurocirurgia não constitui modalidade de tratamento convencional para uma doença mental. Antes dela, como já apontado anteriormente, os tratamentos com medicação e com terapia são utilizados, sozinhos ou combinados. Porém, nos raros casos de pacientes refratários a esses métodos, a neurocirurgia pode e vem sendo utilizada, desde que a resistência aos tratamentos convencionais tenha sido realmente comprovada. Nos pacientes com TOC, os inibidores de recaptação da serotonina e a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) são tratamentos que atualmente contam com uma taxa de resposta entre 60% a 80% (Lopes, 2007). Atualmente, o PROTOC (Projeto Transtorno do Espectro Obsessivo-Compulsivo do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP) desenvolve um projeto de pesquisa no qual são avaliados pacientes que passaram pela capsulotomia ventro-capsular e ventro-estriatal por raios gamma. É importante citar que a maioria dos pacientes sofre muito no dia-a-dia com a sua doença e procura desesperadamente qualquer ajuda possível, ainda que seja uma cirurgia com danos irreversíveis no cérebro. Todos assinam um termo de consentimento informado e esclarecido que autoriza e comprova o conhecimento de todos os critérios, detalhes e conseqüências da cirurgia. Mesmo assim, a taxa de pessoas que procura a neurocirurgia é muito maior do que aquela que preenche os critérios para, de fato, submeter-se ao procedimento. Mais adiante citaremos os critérios de inclusão/exclusão/refratariedade.

Este procedimento neurocirúrgico consiste na focalização de 201 feixes de raios gamma no braço anterior da cápsula interna por várias horas, lesando bilateralmente as porções anteriores e inferiores destas regiões do cérebro. Nesse procedimento a área de lesão é tão precisa que permite poupar danos a tecidos vizinhos saudáveis. Outra grande vantagem desse tipo de modalidade neurocirúrgica é não necessitar a abertura do crânio do paciente operado, o que evita possíveis complicações tais como infecções do Sistema Nervoso Central (SNC) ou hemorragia cerebral. Dados preliminares sugerem que este procedimento é eficaz no tratamento de até 70% dos pacientes com TOC refratário, induzindo poucos efeitos colaterais (Lopes, 2007). Mesmo com a precisão radiocirúrgica, alguns pacientes podem vir a desenvolver sintomas frontais (Lopes, 2007; Taub et al., 2007).

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medicação e a TCC (Lopes, 2004). Outras formas de neurocirurgia ainda utilizadas são: a cingulotomia anterior estereotáxica, que utiliza termo-lesões ao redor do cíngulo, a tractotomia subcaudado ou lesão estereotáxica da “substantia innominata” localizada no lobo frontal e a leucotomia límbica, que combina técnicas da tractotomia subcaudado com lesões na região do cíngulo (Lopes, 2004). A semelhança entre essas intervenções é o fato de todas serem invasivas, por necessitarem a abertura do crânio. Este estudo avaliará pacientes que se submeteram a um novo procedimento

neurocirúrgico: capsulotomia ventro-capsular e ventro-estriatal por raios gamma

“Gamma Knife”.

Mesmo com a precisão radiocirúrgica, a cirurgia especificada, por lesar áreas cerebrais envolvendo projeções de circuitos fronto-estriatais, pode levar a mudanças na personalidade (Lopes, 2001). Além disso, esse tipo de lesão é inédita e seus efeitos benéficos e maléficos necessitam ser avaliados e estudados cautelosamente. Segundo Grace & Malloy (2001), lesões localizadas no córtex pré-frontal estão associadas a diversos tipos de mudanças comportamentais de caráter marcante, tais como instabilidade, distratibilidade, apatia e desinibição. Lopes (2001) acrescenta ainda a perda de iniciativa e a agressividade como possíveis decorrências do procedimento. Stuss e Benton (1986 apud Rosenthal et al., 1995) também relatam que um efeito possível da neurocirurgia é o aumento da impulsividade, o que poderia influenciar numa mudança na personalidade da pessoa.

Todos esses efeitos colaterais podem ocorrer porque lesões no lobo pré-frontal

podem interromper circuitos subcórtico-frontais responsáveis por esses

comportamentos. Existem duas maneiras pelas quais lesões desencadeiam alterações no comportamento: a-) devido à proximidade de estruturas envolvidas no comportamento em questão; b-) pelo fato de a estrutura lesionada ser parte de um circuito implicado nesse comportamento. Mesmo assim, a literatura científica indica baixas taxas desses eventos adversos pós-cirurgia: são raros os casos de pacientes que apresentaram alguma alteração neuropsicológica ou de personalidade relevantes (Rück et al., 2003; Rück, 2006; Lopes, 2007).

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controles. Uma possível explicação para isso é a alta freqüência de obsessões e compulsões que podem vir a atrapalhar os comportamentos dessas pessoas.

Imagem

Tabela 1: Comparação das perseverações entre pacientes esquizofrênicos e controles
Tabela 2: Escores finais da classificação de perseverações brutos (B) e divididos pelo total de respostas (D).
Tabela 4: Índices mais relevantes nos protocolos antes da intervenção cirúrgica.

Referências

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