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As políticas de investimento social: a melhor solução para combater a exclusão social?

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Academic year: 2021

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MESTRADO EM SOCIOLOGIA

As Políticas de Investimento Social:

a melhor solução para combater a

exclusão social?

José Eduardo Barbosa de Oliveira

M

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José Eduardo Barbosa de Oliveira

As Políticas de Investimento Social: a melhor solução para

combater a exclusão social?

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Sociologia, orientada pela Professora Doutora Alexandra Cristina Ramos da Silva Lopes Gunes

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

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As Políticas de Investimento Social

José Eduardo Barbosa de Oliveira

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Sociologia, orientada pela Professora Doutora Alexandra Cristina Ramos da Silva Lopes Gunes

Membros do Júri

Professor Doutor José Virgílio Borges Pereira Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Professora Doutora Maria do Pilar Esteves Gonzalez Faculdade de Economia da Universidade do Porto

Professora Doutora Alexandra Cristina Ramos da Silva Lopes Gunes Faculdade de Letras da Universidade do Porto

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Sumário

Declaração de honra ... 8 Agradecimentos ... 9 Resumo ... 10 Abstract ... 11 Índice de gráficos... 12 Índice de tabelas ... 13

Lista de abreviaturas e siglas ... 14

Introdução ... 15

Capítulo 1 – Sobre a pobreza e a exclusão social: clarificação de conceitos e mecanismos ... 19

1.1. Conceptualização da pobreza e da exclusão social ... 19

1.2. Mecanismos da pobreza e da exclusão e inclusão social ... 23

1.3. A importância da medição na identificação dos socialmente excluídos e no planeamento do combate à exclusão ... 25

Capítulo 2 – O papel do Estado no combate à situação de pobreza ou exclusão social . 28 2.1. Contextualização histórica dos Estados-Providência no âmbito europeu .. 30

2.1.1. O regime nórdico ou social-democrata ... 33

2.1.2. O regime liberal ou anglo-saxónico ... 34

2.1.3. O regime continental ou conservador ... 36

2.1.4. O regime da Europa do Sul ou mediterrânea ... 38

2.2. A especificidade do caso português: origem e desenvolvimento do Estado-Providência ... 40

2.3. O Estado do Investimento Social e a importância da capacitação na redução da exclusão social ... 48

Capítulo 3 – Modelo de análise e metodologia ... 58

3.1. A proposta de Hemerijck: as três funções da política do investimento social ... 58

3.2. Modelo de análise: relação entre conceitos, dimensões e indicadores ... 60

Capítulo 4 – Apresentação e discussão dos resultados ... 70

4.1. Breve descrição das situações de pobreza ou exclusão social ... 71

4.2. A função de fluxo: facilitando o fluxo no mercado de trabalho ... 78

4.2.1. O caso português ... 86

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4.3.1. O caso português ... 98

4.4. A função de amortecimento: assegurando a proteção e a distribuição de rendimentos ... 101

4.4.1. O caso português ... 105

4.5. Interações entre as três funções e os resultados em termos de diminuição da pobreza ou exclusão social ... 106

4.5.1. O caso português ... 114

Considerações Finais ... 122

Referências Bibliográficas ... 129

Anexos ... 131

Anexo 1 – Metainformação relativa à função de fluxo ... 132

Anexo 2 – Metainformação relativa à função de stock ... 135

Anexo 3 – Metainformação relativa à função de amortecimento... 137

Anexo 4 – Metainformação relativa à dimensão da exclusão social ... 139

Anexo 5 – Tabelas de correlações relativas aos dados dos sete países para a função de fluxo ... 140

Anexo 6 – Tabelas de correlações relativas aos dados de Portugal para a função de fluxo ... 155

Anexo 7 – Tabelas de correlações relativas aos dados dos sete países para a função de stock ... 169

Anexo 8 – Tabelas de correlações relativas aos dados de Portugal para a função de stock... 175

Anexo 9 – Tabelas de correlações relativas aos dados dos sete países para a função de amortecimento ... 182

Anexo 10 – Tabelas de correlações relativas aos dados de Portugal para a função de amortecimento ... 184

Anexo 11 – Tabelas de correlações relacionando as três funções com a dimensão da exclusão social relativas aos dados dos sete países ... 186

Anexo 12 – Tabelas de correlações relacionando as três funções com a dimensão da exclusão social relativas aos dados de Portugal... 201

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Declaração de honra

Declaro que a presente dissertação é de minha autoria e não foi utilizado previamente noutro curso ou unidade curricular, desta ou de outra instituição. As referências a outros autores (afirmações, ideias, pensamentos) respeitam escrupulosamente as regras da atribuição, e encontram-se devidamente indicadas no texto e nas referências bibliográficas, de acordo com as normas de referenciação. Tenho consciência de que a prática de plágio e auto-plágio constitui um ilícito académico.

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Agradecimentos

Primeiramente, gostaria de agradecer à minha orientadora, a Professora Doutora Alexandra Lopes, por toda a sua ajuda, disponibilidade e partilha de conhecimentos. Graças à sua orientação pude descobrir novos caminhos teóricos para tratar a temática que mais me entusiasmava.

Em segundo lugar, gostaria de agradecer aos meus pais pelo seu apoio incondicional ao longo de todo o meu percurso académico, permitindo-me sempre explorar as áreas do conhecimento que me foram suscitando mais inquietação.

À Raquel, por todo o seu amor, paciência e por sempre me ter ajudado a pensar e a definir o caminho seguir. E por último, a toda a minha família e amigos que, direta ou indiretamente, foram contribuindo para a minha formação, tanto académica como enquanto pessoa.

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Resumo

A temática da pobreza ou exclusão social e das formas para a mitigar é um assunto que está longe de gerar um consenso no seio académico. As divergências vão desde a sua concetualização e formas de medição até à definição de responsabilidades no processo de fuga a esta situação. O propósito deste estudo é o de discutir a nova proposta de providência estatal, cujo paradigma se designa Investimento Social e o qual delega maiores responsabilidades aos indivíduos do que aquela tida como tradicional, esperando-se que o Estado faça investimentos na população (sobretudo na sua ativação, através do incremento do seu capital humano e do consequente esperado aumento na taxa de emprego) tendo em vista ter um retorno proveitoso no futuro em termos de redução da pobreza ou exclusão social. De forma a debater tanto teoricamente como, e sobretudo, empiricamente os pressupostos, os resultados e as críticas deste novo paradigma de política, foram recolhidos dados, do Eurostat e da Unesco, de alguns países europeus com diferentes tipos de previdência social (Portugal, Espanha, Itália, Alemanha, França, Reino Unido e Suécia), entre 2007 e 2015, de forma a testar a proposta de Hemerijck (2015) sobre as três funções independentes e complementares da política do investimento social. Para tal compara-se os resultados obtidos através da análise dos dados referentes aos sete países com aqueles obtidos para o caso português, com o objetivo de confirmar se este é um paradigma político totalmente operacional com retornos benéficos para toda a população. No que respeita à análise dos dados globais, corroboram-se empírica e genericamente os pressupostos e os efeitos advogados pelos teóricos do paradigma do investimento social quanto às vantagens do investimento em capital humano no aumento da taxa de emprego e na redução da taxa de exclusão social da população, o que não acontece para Portugal.

Palavras-chave: investimento social, Estado-Providência, exclusão social,

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Abstract

The issue of poverty or social exclusion and the ways to mitigate them is far from generating consensus within the academia. The divergences range from its conceptualization and forms of measurement to the definition of the responsibility mix in the process of escaping this situation. The purpose of this study is to discuss the new proposal of state providence, whose paradigm is called Social Investment and which delegates greater responsibilities to the individuals than the traditional one, expecting the State to invest in the population (especially in their activation, through the increase of their human capital and the consequent expected increase in the employment rate) to have a beneficial return in the future in terms of poverty or social exclusion reduction. In order to debate both theoretically and empirically the assumptions, results and criticisms of this new policy paradigm, data of some European countries with different types of social security systems (Portugal, Spain, Italy, Germany, France, the United Kingdom and Sweden), between 2007 and 2015, were collected, from Eurostat and Unesco, to test Hemerijck's (2015) proposal on the three independent and complementary roles of social investment policy. To do so, it has been made a comparison between the results obtained for the data analysis of the seven countries and those obtained for the Portuguese case, in order to confirm if this is a fully operational political paradigm with beneficial returns for the entire population. Concerning the analysis of the global data, the assumptions and effects advocated by the theorists of the social investment paradigm are corroborated both empirically and generically by the many advantages of the investment in human capital in the increase of the employment rate and the reduction of the social exclusion rate, which is not the case for Portugal.

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Índice de gráficos

Gráfico 1: Média da taxa de pobreza ou exclusão social dos sete países, por género .... 72 Gráfico 2: Taxa de pobreza ou exclusão social em Portugal, por género ... 72 Gráfico 3: Média da taxa de pobreza ou exclusão social dos sete países, por escalão etário ... 73 Gráfico 4: Taxa de pobreza ou exclusão social em Portugal, por escalão etário ... 73 Gráfico 5: Média da taxa de pobreza ou exclusão social dos sete países, por nível de escolaridade ... 74 Gráfico 6: Taxa de pobreza ou exclusão social em Portugal, por nível de escolaridade 74 Gráfico 7: Média da taxa de pobreza ou exclusão social dos sete países, por escalão etário e estatuto laboral ... 75 Gráfico 8: Taxa de pobreza ou exclusão social em Portugal, por escalão etário e estatuto laboral ... 75 Gráfico 9: Impacto das transferências sociais (excluindo pensões) na redução da taxa de pobreza ou de exclusão social ... 76 Gráfico 10: Média da proporção dos pensionistas em risco de pobreza dos sete países, por género ... 77 Gráfico 11: Proporção dos pensionistas em risco de pobreza em Portugal, por género. 77

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Índice de tabelas

Tabela 1: Função de fluxo ... 61

Tabela 2: Função de stock ... 64

Tabela 3: Função de amortecimento ... 66

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Lista de abreviaturas e siglas

CEE – Comunidade Económica Europeia PIB – Produto Interno Bruto

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Introdução

Em 2008, a linha de pobreza relativa em Portugal, ou seja, o limiar de rendimento equivalente abaixo do qual se considera que um indivíduo está em situação de risco de pobreza, foi de 414€ por mês e 17,9% da população residente no país encontrava-se abaixo desse limiar, ou seja, encontrava-se em situação de risco de pobreza (após transferências sociais) (INE, 2010). O facto de quase um quinto da população residente em Portugal se encontrar inserido numa situação que é uma das formas mais comuns de exclusão social (a pobreza monetária) deve constituir uma grande preocupação tanto para nós enquanto cidadãos, como para os decisores políticos que possuem meios para intervir e alterar o rumo dos acontecimentos, uma vez que, estando a exclusão social conectada com a combinação de graves problemas interligados como o desemprego, a falta de competências, os baixos rendimentos, e os ambientes altamente associados a atividades criminais e separações familiares, quem está nesta situação vê-se impedido de participar de forma significativa na sociedade, seja devido à falta de recursos (económicos, sociais, políticos, educacionais, etc.) ou devido ao ambiente ou ao nível de vida a que este tem acesso (fracas condições de saúde, habitacionais, familiares, entre outras), encontrando-se, portanto, numa situação de extrema injustiça e carência social (Warwick-Booth, 2013).

A melhor forma de ajudar a população a sair destas situações de pobreza ou exclusão social tem estado no centro da discussão académica e política, uma vez que as mudanças conhecidas nas últimas décadas a nível da sociedade têm produzido vários efeitos, seja na forma de organização da vida económica, social e laboral da população, seja na sua própria demografia ou na forma como esta se relaciona com o Estado. Desde o início do século XXI que muitos dos regimes políticos estão empenhados em alterar as fronteiras do seu mix de responsabilidades, redesenhando o conteúdo da cidadania social na direção das políticas de investimento social, endereçando mais responsabilidades aos mercados, às famílias e ao setor voluntário no que diz respeito à produção de bem-estar. Ao invés do “velho” Estado-Providência, que tinha como objetivo a equidade social, ao proteger as pessoas do mercado e fazer face a riscos sociais tidos como tradicionais (como o desemprego, a doença, a incapacidade, a velhice e o esforço financeiro de criar crianças), e cujas despesas sociais tinham uma função passiva e demasiada orientada para o presente (fazer face a necessidades correntes), o Estado de Investimento Social tem

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como principal objetivo a luta contra a exclusão social e a igualdade de oportunidades de vida, cobrindo, além dos já referidos riscos tradicionais, novos riscos sociais relacionados com as novas sociedades baseadas no conhecimento (tais como a erosão de competências e a reconciliação entre a vida familiar e a vida laboral, as famílias monoparentais, ou a existência de uma cobertura insuficiente da segurança social), cujas despesas se baseiam em investimentos (especialmente no capital humano e na ativação) das quais se esperam resultados alocados no futuro que se traduzam em ganhos a nível de produtividade, de coesão social e de sustentabilidade do sistema de proteção social: como consequência do envelhecimento populacional e das transições ao longo do curso da vida (que vão desde a mudança da educação para o primeiro trabalho até à criação de filhos enquanto se tenta estabelecer uma carreira estável) se terem tornado cada vez mais críticas, os Estados-Providência veem-se obrigados a fornecer (além de provisões de segurança social compensatórias mínimas) serviços sociais verdadeiramente capacitantes com o objetivo de equipar e ajudar a população a inserir-se no mercado laboral e, através disso, mitigar os riscos imprevisíveis que podem enfrentar e assegurar a sustentabilidade dos sistemas de providência estatal. (Jensen & Saint-Martin, 2003; Vandenbroucke & Vleminckx, 2011, Hemerijck, 2015).

Dada a importância desta temática, a problemática deste trabalho, de base exploratória e crítica, prende-se precisamente com a verificação empírica da eficácia do investimento social no que diz respeito à redução do número de pessoas que se encontra em risco de pobreza ou exclusão social. De um modo geral, pretende-se aqui confirmar se o paradigma do investimento social é um paradigma político totalmente operacional com verdadeiras vantagens em relação a outras formas de produzir bem-estar social, ou seja, se este é o meio mais apropriado para os Estados-nação fazerem face às injustiças prementes dos seus cidadãos mais necessitados ao mesmo tempo que asseguram a sustentabilidade do seu sistema de proteção nesta era de envelhecimento populacional. Mais concretamente, deseja-se entender se, nas economias baseadas no conhecimento dos tempos atuais, a melhor forma de ajudar a população a sair da condição de pobreza ou exclusão social é através do desenvolvimento de políticas de ativação (baseadas sobretudo no investimento em capital humano via educação e formação ao longo da vida) que permitam à população ter as competências adequadas ao mundo de trabalho contemporâneo, aumentando a sua taxa de emprego e, consequentemente, possibilitando

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que os indivíduos saiam, por eles próprios, da situação onde se encontram (aumento do seu poder, mas também da sua responsabilidade). Importante referir que além de endereçar responsabilidades de bem-estar relacionados com os novos riscos sociais (relacionados com a existência de novas formas familiares, com a erosão das competências, com a sustentabilidade dos sistemas de providência e com as transições críticas da ciclo da vida) para os indivíduos e famílias via mercado laboral através da capacitação dos trabalhadores, o Estado do Investimento Social tem também por objetivo fornecer uma provisão mínima de garantia de rendimentos, a qual é indispensável para que a população, que se encontra em risco de pobreza ou exclusão social, faça face às suas necessidades correntes enquanto não possui as ferramentas para conseguir obter os recursos por si mesmo. Além de testar a eficácia dos postulados do paradigma do investimento social em geral, este trabalho pretende igualmente situar as dinâmicas do Estado de bem-estar social português em relação ao panorama europeu, ou seja, pretende verificar se as regularidades encontradas no âmbito mais geral também se confirmam em Portugal.

Esta dissertação está estruturada em quatro capítulos distintos que têm por objetivo responder às indagações acima referidas. No primeiro capítulo é feita uma concetualização do estado de pobreza e de exclusão social, explorando as diferenças entre os vários conceitos que se interligam nestas matérias; uma breve descrição sobre alguns dos mecanismos da exclusão social e da pobreza, bem como das formas de fuga da população a estes estados subalternos; e uma demonstração da importância que a medição (e dos indicadores utilizados nesta) tem no processo de decisão política relacionado com a exclusão social.

No segundo capítulo é tratado o papel que o Estado tem no processo de mitigação dos estados de pobreza ou exclusão social. Para tal, o capítulo é iniciado com uma contextualização histórica dos vários tipos de Estado-Providência existentes no âmbito europeu, tendo por base a tipologia construída por Esping-Andersen (1990), explicitando as suas diferenças e os seus principais resultados performativos; segue-se a especificação do modelo de providência existente em Portugal, feita através da descrição da sua evolução histórica; o último subcapítulo trata do paradigma do Investimento Social enquanto a nova forma dos Estados abordarem o seu papel na produção de bem-estar

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social, explorando os seus principais pressupostos e assunções, ao mesmo tempo que apresenta quais as suas principais falhas e críticas.

O terceiro capítulo enquadra a análise feita no capítulo subsequente, começando por expor o quadro consolidado proposto por Hemerijck (2015) acerca das três funções de bem-estar complementares e independentes da política do investimento social (função fluxo, stock e amortecimento) que serve de base para a análise empírica. O subcapítulo seguinte expõe o modelo da análise, informando a relação entre os conceitos, os objetivos pretendidos e os indicadores utilizados para a sua operacionalização, bem como as fontes de onde os dados foram recolhidos, os critérios da recolha e os principais perigos e lacunas a ter em conta.

O quarto e último capítulo refere-se à análise dos dados propriamente dita, ou seja, às principais relações entre os indicadores escolhidos, explicando o seu significado e as suas implicações, tanto para o nível europeu geral como para o caso português. Deseja-se explorar aqui as escolhas e medidas políticas que podem Deseja-ser implementadas para Deseja-se perseguir o objetivo do investimento social da redução das situações de risco de pobreza ou exclusão social, com a pretensão de que este estudo auxilie as comunidades políticas nas tomadas de decisão sobre o bem-estar social.

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Capítulo 1 – Sobre a pobreza e a exclusão social: clarificação

de conceitos e mecanismos

Apesar de, ao longo do século XIX e XX, terem ocorrido enormes inovações e melhorias a nível civilizacional, tanto no que diz respeito à atividade produtiva como às condições de vida da população, continuam a existir muitas situações de injustiça social na contemporaneidade. Algumas dessas situações estão relacionadas com a situação de pobreza ou de exclusão social, assunto que continua a ser o centro de sérios e acesos debates sociológicos. Como exemplo temos a discussão sobre o facto do aceleramento do processo de globalização ter motivado ou não o crescimento das situações de privação e das disparidades a níveis de rendimento e oportunidades da população, onde observamos que não há um consenso, mas antes várias perspetivas sobre a influência da globalização na evolução destas situações: existem académicos que defendem que a incidência das situações de pobreza e de disparidade de rendimento diminuíram, ora abrupta, ora moderadamente, com o acelerar do processo, outros postulam que estas aumentaram (Ravallion, 2003). Isto deve-se à utilização de noções e conceitos distintos por parte dos autores com posições ideológicas diferentes nas suas análises, conforme lhes for mais favorável. Definir e medir a exclusão social e a pobreza torna-se, portanto, bastante complexo, uma vez que estes termos podem ser descritos e medidos das mais variadas formas: importa, então, clarificar e explicitar alguns dos conceitos mais utilizados a este nível.

1.1. Conceptualização da pobreza e da exclusão social

Os conceitos relativos à pobreza diferem em vários aspetos consoante o nível de análise que se pretende utilizar, pelo que se torna imperativo distinguir algum deles, nomeadamente a pobreza absoluta da relativa, a pobreza objetiva da subjetiva, a pobreza tradicional da nova, e a pobreza temporária da duradoura.

A noção de pobreza absoluta está ligada à impossibilidade de satisfação das necessidades básicas dos indivíduos, ou seja, à situação de privação extrema de certos recursos primários (não só relacionados com rendimentos, como também com acesso a serviços), tais como água potável, comida, educação ou informação, enquanto a pobreza

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relativa remete para uma análise da pobreza num contexto de privação das pessoas face a um certo nível de vida mínimo considerado aceitável numa dada sociedade – estes conceitos possuem uma relação de complementaridade e não de antagonismo (Rodrigues et al., 1999). A pobreza absoluta é geralmente utilizada para medir a pobreza entre países e em diferentes alturas temporais, e está associada a um certo valor fixado internacionalmente que representa uma linha de pobreza objetiva – por exemplo, o Banco Mundial (2005) define os pobres absolutos como sendo aqueles que vivem com menos de 1,25 dólares por dia –; a pobreza relativa é usualmente utilizada para medir a pobreza dentro dos países e representada por uma linha de pobreza relativa geralmente associadas a uma percentagem da mediana nacional do rendimento disponível equivalente após transferências sociais (Warwick-Booth, 2013).

A pobreza objetiva baseia-se num padrão de referência (um padrão de vida mínimo que seja considerado como suficiente para satisfazer as necessidades humanas básicas, tais como a alimentação, a saúde, a energia, o vestuário ou a habitação), corporizado na construção de uma linha de pobreza absoluta ou relativa que tipifica as situações de pobreza, permitindo identificar e caracterizar objetivamente os pobres (quem está abaixo é pobre, quem está acima não o é); no caso da pobreza subjetiva são as representações da pobreza construídas pelos atores e grupos sociais que estão em causa (Ravallion, 2003; Rodrigues et al., 1999). A perceção subjetiva da pobreza, tanto pelo lado dos pobres como pelo lado dos não-pobres, reveste-se de especial importância: a perceção dos primeiros é importante devido a serem os próprios pobres os primeiros a reconhecer e experimentar as suas situações de privação e a manifestarem vontade de as superar; a dos segundos é importante pois constitui um fator que pode ser de encorajamento ou travagem das políticas de combate à pobreza (Silva, 2010).

A pobreza tradicional está ligada a uma situação crónica que enquadra um estatuto inferior e desvalorizado, geralmente localizada no mundo rural, que deriva de uma escassez básica de recursos conectadas com a baixa produtividade da agricultura e com a falta de outras atividades económicas alternativas; já a nova pobreza está relacionada com as reestruturações económicas e tecnológicas e com os seus efeitos no sistema produtivo, expressos no crescimento do desemprego estrutural e na precariedade do emprego. Por último, a pobreza temporária está relacionada com fluxos de saída e entrada na pobreza

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delimitados no tempo; e a pobreza duradoura remete para a reprodução social e para o processo cíclico da reprodução da pobreza. (Rodrigues et al., 1999).

Importa também distinguir o conceito de pobreza do conceito de desigualdades sociais. A pobreza, genericamente, pode ser entendida como uma situação de privação por falta de recursos, sendo que estas duas dimensões são distintas, quer na sua natureza, quer na forma como poderão ser resolvidas: se a privação pode ser, por exemplo, solucionada por intermédio de apoio monetário (subsídios, transferências socias, etc.), esta via pode não resolver a questão da falta de recursos (económicos, educacionais, culturais, etc.) que possibilitem uma certa autossuficiência. Já as desigualdades sociais estão ligadas a diferenças nos rendimentos, recursos, poderes e estatutos entre e dentro das sociedades, sendo estas desigualdades mantidas por aqueles que se encontram nas posições mais poderosas através das instituições e dos processos sociais. As desigualdades revestem-se de grande importância porque representam e são sentidas como uma injustiça social: isto diz respeito não só a diferenças absolutas na distribuição dos rendimentos, recursos e poderes, mas também a desigualdades relativas que estão relacionadas com os nossos próprios níveis de felicidade (e, consequentemente, conotadas com um certo nível de subjetividade) – mesmo que tenhamos quase todas as nossas necessidades satisfeitas, se virmos a maior parte das pessoas com muitos mais recursos do que nós, sentiremos isso como uma injustiça social. A importância das desigualdades deriva igualmente do que delas podem resultar, nomeadamente das suas consequências a nível de problemas sociais e de saúde, do seu impacto negativo a nível da estabilidade política, do crescimento económico, da vulnerabilidade de grupos mais necessitados e do bem-estar subjetivo (Carmo, 2009; Warwick-Booth, 2013). Dorling (2009), citado por Warwick-Booth (2013), afirma que a persistência das desigualdades nas sociedades contemporâneas se deve à existência de cinco males: a eficiência do elitismo; a necessidade da existência da exclusão para as elites terem sucesso; a naturalidade do preconceito, dirigida a classes inferiores; o louvor da ganância, essência do sucesso do capitalismo; e a inevitabilidade do desespero, que não está correlacionada com o nível de desenvolvimento económico dos países, como os decisores políticos fazem transparecer. Apesar de se poder estabelecer uma associação entre os conceitos de pobreza e de desigualdades, nem sempre um cenário de maior desigualdade significa uma situação generalizada da pobreza (podem haver situações de altos níveis de desigualdade em

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indivíduos que não se encontram em situação de pobreza, bem como acontecer o contrário).

Também o conceito de exclusão social difere relativamente ao conceito de pobreza: Warwick-Booth (2013) cita a Social Exclusion Unit (1997) britânica para definir a exclusão social como sendo um rótulo para o que pode acontecer quando certos indivíduos ou áreas sofrem uma combinação de problemas interligados, tais como o desemprego, a falta de competências, baixos rendimentos, fracas condições habitacionais e de saúde, e ambientes altamente associados a atividades criminais e separações familiares. A exclusão social pode ser entendida de variadas formas e tem três domínios: exclusão por recursos (económicos, materiais, sociais e acesso a serviços públicos e privados); exclusão de participação (económica – geralmente através do mercado de trabalho –, social, educacional e política); e exclusão por nível de vida (relacionado com a saúde e o bem-estar, assim como com o ambiente no qual se vive) (Warwick-Booth, 2013). A pobreza representa uma forma de exclusão social, não existindo pobreza sem exclusão social. O inverso não pode ser tido como verdade – existem algumas formas de exclusão social que não implicam pobreza (por exemplo, o caso do isolamento social a que os idosos estão sujeitos nas sociedades ocidentais capitalistas contemporâneas). (Carmo, 2009). “Concebe-se a pobreza como um dos fenómenos integrantes da exclusão social, sendo aquela mais uma forma do que um resultado desta última, uma vez que a exclusão abrange formas de privação não-material, ultrapassando a falta de recursos. A ausência ou insuficiência de recursos sociais, políticos, culturais e psicológicos é enquadrada teoricamente pelo conceito de exclusão social.” (Rodrigues et al., 1999, p. 69). Posto isto, existem estudos e instituições que conceptualizam a pobreza como sendo a outra face da mesma moeda da exclusão social, como é o caso do Eurostat (2016): aqui a população em risco de pobreza ou exclusão social é definida como aquelas pessoas que se encontram em pelo menos uma das seguintes três situações: viver num agregado familiar cujo rendimento disponível equivalente se encontra abaixo do limiar do risco de pobreza (correspondente a 60% da mediana nacional do rendimento disponível equivalente após transferências sociais), estando este indicador associado ao conceito de pobreza; viver em privação material severa, ou seja, viver sob condições de vida constrangidas por falta de recursos e experiências em pelo menos 4 dos seguintes 9 itens de privação – não conseguir pagar a renda ou contas utilitárias a tempo, não conseguir

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manter a casa quente, não conseguir fazer face a despesas inesperadas, não conseguir comer carne, peixe ou um equivalente proteico a cada dois dias, não conseguir tirar uma semana de férias fora de casa, não conseguir ter um carro, não conseguir ter uma máquina de lavar, não conseguir ter uma TV a cores, e não conseguir ter um telefone (incluindo telemóvel) –; ou viver em agregados familiares com uma intensidade de trabalho muito baixa, isto é, população que tem entre 0 e 59 anos e vive em agregados familiares onde, em média, os adultos (18-59 anos), excluindo estudantes, trabalharam menos de 20% do seu potencial total de trabalho durante o ano anterior. De notar que o número de pessoas em risco de pobreza ou de exclusão social é mais pequeno do que a soma do número de pessoas de cada uma das três formas de pobreza ou exclusão social consideradas, uma vez que existem pessoas que são simultaneamente afetadas por mais do que uma destas situações. Por ser necessário uma coerência e uma certa harmonização tanto na concetualização como na metodologia e nas formas de medição da exclusão social, assim como dos seus indicadores, de modo a que se disponha de informação suscetível de permitir comparações entre países europeus e a respetiva evolução, este trabalho baseia-se nesta noção do Eurostat de risco de pobreza ou exclusão social, baseia-sendo praticamente todos os indicadores recolhidos desta fonte.

1.2. Mecanismos da pobreza e da exclusão e inclusão social

A exclusão social é um processo dinâmico, associado a uma trajetória que conduz à marginalização, que pressupõe a acumulação de várias deficiências (ruturas familiares, carências habitacionais, isolamento social, etc.). (Rodrigues et al., 1999). A reprodução do estado de exclusão opera-se através da manutenção dos estados de privação, a sua produção está associada a uma mobilidade social descendente e a sua eliminação a uma mobilidade social ascendente – pode, então, ser herdada (reprodução da própria sociedade) ou adquirida (através de fatores como a saúde, o trabalho, a instrução e os níveis de posse, etc.). Para a fuga a esta situação é essencial que, com a terciarização das sociedades contemporâneas, os indivíduos se revistam de “habilidades vendáveis”, que dão acesso a um trabalho melhor remunerado e a sistemas privilegiados de relação social. Então, a fuga ao estado de exclusão social faz-se, essencialmente, através da rejeição da habituação e da afirmação de projetos de saída. A eliminação da pobreza obriga a vencer

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a marginalidade e a dependência através de um movimento em que se associam a ação individual e a participação coletiva, e a converter a passividade em mobilização e o isolamento em organização. Assim, a superação da pobreza não pode apenas provir da intervenção do Estado na economia, mas terá que ser igualmente fruto da desalienação das pessoas, do reforço organizacional e da progressiva difusão do poder. Importa instaurar uma igualdade de oportunidades que pressupõe que todos disponham de capital material e de capital humano, indispensáveis à sua promoção com êxito (Fernandes, 1991). A integração social pressupõe, então, uma delegação de poder: os socialmente excluídos devem ter uma participação ativa no funcionamento de grupos sociais organizados, sendo uma condição básica para se operar a integração. A possibilidade da integração passa pela interação entre quatro sistemas: o sistema político-jurídico, que opera a integração cívica e política; o sistema económico, que pressupõe a integração socioeconómica; o sistema de proteção social, que proporciona a integração social e o sistema familiar, comunitário e simbólico, que realiza a integração na família e na comunidade mais abrangente. As políticas de combate à pobreza e exclusão assentam na noção de integração social, que é utilizada para designar o processo que caracteriza a passagem das pessoas de situações de exclusão para as de participação social e de cidadania (Rodrigues et al., 1999).

Simmel defende que a tradicional assistência de rendimentos que alguém recebe publicamente da coletividade, determina a sua condição sociocultural de ser pobre, ou seja, de pertencer a uma camada específica da sociedade inevitavelmente desvalorizada, definida pela desigualdade e dependência dos demais. O pobre recebe da coletividade sem poder definir-se através de uma relação de complementaridade e de reciprocidade e desaparece como fim da ação, sendo outras as motivações que mobilizam o ato da “doação”, que estão relacionadas com a manutenção do status quo social (no caso das famílias, são as eventuais preocupações dos membros da família com a sua reputação; no caso das caixas de desemprego, são a proteção dos salários de uma dada categoria de trabalhadores; e no caso da assistência pública do Estado, são os supostos riscos da pobreza à ordem social). (Ivo, 2008). No processo de reprodução da pobreza, a consciência do pobre da sua desqualificação social é reforçada pelo assistencialismo: as instituições assistenciais, criadas para promover a erradicação da pobreza, acabam por reforçá-la, pois a perpetuação destas está associada à reprodução de situações de

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necessidade. Somente uma assistência tornada prática pode promover uma ação transformadora das situações existentes, procurando converter o pobre em agente da sua própria promoção, mediante um processo mimético ou autopropulsor. (Fernandes, 1991). No centro do debate académico sobre o papel do Estado na ajuda à população socialmente excluída têm estado as políticas de reforma social baseadas no novo paradigma de políticas de investimento social, transcendendo a conceptualização

keynesiana do Estado-Providência e o liberalismo de mercado. Este assunto estará em

foco e será explicitado no capítulo 2 deste trabalho.

1.3. A importância da medição na identificação dos socialmente excluídos e no planeamento do combate à exclusão

A escolha da medição é muito importante, tanto no que diz respeito à identificação da população em situação de pobreza ou exclusão social, como no planeamento e decisão política para fazer face a estas situações. Diferenças nas definições e nos instrumentos de medição originam trabalhos com resultados e conclusões diversas mesmo quando pretendem tratar o mesmo assunto: exemplificando, e genericamente falando, aqueles que defendem que a globalização tem sido boa para os pobres, tendem a usar medidas absolutas, enquanto quem diz o contrário, tende a pensar em termos relativos. Para se medir a pobreza é necessário traçar uma linha de pobreza que difere consoante as diferentes ideias que se têm acerca da pobreza. (Ravallion, 2003) Ainda que, medir recursos financeiros se mantenha como central no estudo da pobreza, obter informação sobre privação material possibilita-nos captá-la de melhor forma, uma vez que estes indicadores não monetários podem ajudar-nos a melhorar a identificação dos indivíduos pobres e perceber as suas causas (Nolan & Whelan, 2010).

A exclusão tem dois elementos centrais: a impossibilidade de participar e não possuir recursos adequados. Se medirmos a pobreza apenas pelo rendimento, falharemos na identificação daqueles que não conseguem participar na sociedade devido à falta de recursos. Os indicadores não monetários permitem capturar a multidimensionalidade da pobreza e da exclusão social (baixos rendimentos e recursos financeiros, baixos níveis de educação, fraca saúde e acesso a serviços médicos, habitação desadequada e exclusão do mercado de trabalho). Incorporar o rendimento e a privação no processo de medição é

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uma das formas de melhorar a identificação de quem é socialmente excluído. Usar indicadores não monetários para distinguir as diferentes dimensões de privação ajuda a perceber o processo causal subjacente a cada tipo de privação e a enquadrar respostas políticas apropriadas (que podem variar consoante a natureza dos problemas), e ajuda a captar a multidimensionalidade da pobreza e da exclusão, e a extensão da desvantagem cumulativa (Nolan & Whelan, 2010).

No centro do debate académico estão novas propostas de métodos de medição de pobreza alternativos aos clássicos. A medição oficial da pobreza nos Estados Unidos tem muitos problemas metodológicos cruciais associados por força da sua desatualização face às sociedades contemporâneas atuais (a linha de pobreza atual corresponde a três vezes o custo da dieta mínima considerada adequada ajustada pela inflação) e limita o contributo da sociologia para o entendimento das causas e dos efeitos da pobreza (Brady, 2003, Couch & Pirog, 2010). Tendo em conta isto, Brady (2003) sugeriu que os académicos deveriam cultivar medidas de pobreza que obedeçam a cinco critérios: deve medir efetivamente a variação histórica comparativa; deve ser uma medida relativa e não absoluta; a pobreza deve ser conceptualizada como exclusão social; os índices de pobreza devem medir a profundidade e a desigualdade entre pobres; e devem ser incorporados os impostos, as transferências e os benefícios estatais no cálculo dos recursos dos agregados (Couch & Pirog, 2010).

Já Alkire e Foster (2011) propõem a utilização de um método de contagem para identificar os pobres e de uma versão ajustada do índice Foster-Greer-Thorbecke para refletir a amplitude, a profundidade e a gravidade da pobreza multidimensional. É por eles aqui introduzida uma abordagem intuitiva para identificar os pobres: identifica-se, de uma série de dimensões de privação (saúde, educação, trabalho, condições de vida, empoderamento, etc.), as pessoas que estão numa situação de privação em cada umas das dimensões, e estipula-se um número mínimo de dimensões que o indivíduo precisa de se situar em privação para ser considerado pobre. Este sistema de identificação de pobres dá claramente prioridade àqueles que sofrem de múltiplas privações e funciona bem com um grande número de dimensões. A medida do FGT ajustado proposto pelos autores aplica-se a dados ordinais e fornece informação sobre a amplitude das múltiplas privações do pobre, tendo uma interpretação natural como uma medida de “não-liberdade”. A metodologia aqui utilizada satisfaz uma variedade de propriedades úteis: uma

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propriedade-chave para a política é a decomponibilidade, permitindo decompor o índice por subgrupo populacional (como por região ou por etnia) e mostrando as características da pobreza multidimensional para cada grupo; além disso, o índice pode ser descompactado de forma a revelar as privações dimensionais que mais contribuem para a pobreza para qualquer dos grupos.

Como já referido anteriormente, por uma necessidade de harmonização e coerência em termos de definição de variáveis, medição, análise e comparação de dados, o estudo aqui realizado incidirá sobre a conceção do Eurostat das situações de risco de pobreza ou exclusão social.

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Capítulo 2 – O papel do Estado no combate à situação de pobreza ou exclusão social

A questão do bem-estar social está associado à problemática da satisfação das necessidades1 de indivíduos ou grupos de indivíduos numa dada sociedade e dos arranjos sociais que são precisos criar para tentar fazer face a essas necessidades. O bem-estar social pode ser fornecido às pessoas através de quatro mecanismos: a família (e amigos), o mercado, as organizações não-governamentais (associados ao setor voluntário e a instituições de caridade) e o Estado-Providência. Quando falamos do combate a situações de pobreza ou exclusão social, falamos obviamente de fazer face a necessidades sociais2 básicas relacionadas com o bem-estar social, onde as políticas sociais assumem um papel nuclear no que diz respeito à forma de como cada um dos mecanismos ou instituições acima referenciados afetam e produzem o bem-estar dos indivíduos e grupos (Manning, 2008).

Se historicamente a família pode ser vista como uma instituição de bem-estar social arquetípica (no sentido em que desde sempre o desenvolvimento de crianças teve longos períodos de dependência dos adultos), as restantes instituições de bem-estar social afluíram de desenvolvimentos modernos resultantes de mudanças a nível da evolução das civilizações. De facto, as formas atuais das instituições de bem-estar social evoluíram paralelamente ao desenvolvimento da sociedade industrial: no século XIX, muitas construções inovadoras como hospitais, escolas, lojas, transportes e fábricas floresceram com o objetivo de cumprir uma enorme variedade de funções, tornando a satisfação e o combate de necessidades e problemas sociais uma ação muito mais complexa. Com estas mudanças, emergiram igualmente alterações em dois mecanismos relevantes e concorrentes de bem-estar social: o mercado e as organizações não-governamentais. Referentemente ao mercado, mais concretamente ao laboral, muitos trabalhadores começaram a mudar-se, cada vez mais, da agricultura para a indústria assalariada,

1 O conceito de necessidade distingue-se do conceito de desejo – existem coisas que queremos, mas não

precisamos delas e existem coisas que necessitamos, mas não as desejamos – e do conceito de preferências no sentido em que estas últimas só são reveladas quando fazemos alguma escolha (por exemplo, através do consumo de bens e serviços) (Manning, 2008, p.28).

2 Necessidades sociais distinguem-se de outros tipos de necessidades pelo facto de serem puramente sociais,

isto é, não dizem respeito a causas e experiências individuais mas sim a problemas da sociedade como um todo (por exemplo, o modo como a distribuição da pobreza difere em vários grupos sociais, as razões dessas diferenças, e os processos e estruturas sociais através dos quais estas podem ser mitigadas) (Manning, 2008, p.29).

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traduzindo-se no aparecimento de novas ameaças à segurança da população relacionadas com a falta de emprego ou com indisponibilidade (por doença ou invalidez, por exemplo) para trabalhar; além de mudanças associadas ao mercado laboral, temos as relacionadas com o mercado de bens e serviços, através do qual, pela sua expansão a nível de produtos como a comida, a roupa ou os cuidados de saúde, a população teve a oportunidade de satisfazer cada vez mais as suas necessidades (que anteriormente eram superadas apenas pela autossuficiência ou através da família). Paralelamente a estas alterações a nível do mercado, desenvolveram-se as organizações não-governamentais, em muito às custas das falhas associadas a esses mercados, nomeadamente na sua capacidade para fornecer salários e bens e serviços a preços adequados: como exemplo de ONGs temos as associações mutualistas, que surgiram para distribuir benefícios pelos seus membros e fazer face às necessidades sociais que emergiam, e os movimentos habitacionais e higienistas, que surgiram não só para melhorar as condições de vida da população trabalhadora, mas principalmente para evitar que as consequências que advêm de viver sob condições de pobreza, tais como as epidemias, se espalhassem por todas as classes sociais (Manning, 2008).

Nos finais do século XIX, tornou-se consensual que era necessário a regulação das atividades dos mercados e das ONGs; regulação essa que, no século XX, evoluiria para o provisionamento de ajuda financeira e de serviços públicos de bem-estar, devido a variados motivos, entre eles as preocupações humanitaristas com a satisfação das necessidades sociais e com o medo que os problemas sociais ameaçassem a ordem da sociedade em geral, e a noção de que os custos da reprodução social (da produção biológica das crianças para serem a futura força de trabalho e do restabelecimento diário das capacidades para trabalho) são organizados de uma forma mais eficiente se for através dos mecanismos de Estado (Manning, 2008). Torna-se útil, a partir de então, o conceito de “arquitetura do bem-estar”, que reflete as decisões e as diferenças de como produzir o bem-estar numa dada sociedade: através da sua compra (mercados), através da reciprocidade de parentesco (famílias), através da ajuda coletiva comunitária (setor voluntário/ONG’s), ou através da solidariedade pública (o Estado-Providência). A arquitetura do bem-estar depende largamente de como é feita a estruturação do mix de

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responsabilidades (dimensão-chave dos regimes de cidadania3), definindo as fronteiras das responsabilidades do Estado e distinguindo-as daquelas que são da responsabilidade dos mercados, das famílias e das comunidades (Jensen & Saint-Martin, 2003). O foco do subcapítulo seguinte está precisamente ligado à evolução histórica das responsabilidades e dos mecanismos de bem-estar social do Estado no contexto europeu.

2.1. Contextualização histórica dos Estados-Providência no âmbito europeu Considerando-se uma sociedade como sendo um sistema social complexo que articula instituições e grupos sociais diversos que, ao cooperarem, formam um conjunto social simultaneamente integrante e conflitual, tanto na produção e distribuição de bens e serviços como na tomada de decisões, conceptualiza-se um sistema político como sendo um processo dinâmico, de fluxo contínuo e entrelaçado de comportamentos dos agentes sociais, económicos e políticos, que visa ser capaz de integrar e responder às exigências e pressões do meio ambiente e, ao mesmo tempo, alterar e adaptar as suas configurações ao que é produzido pelos diferentes setores da própria sociedade. Posto isto, o processo de funcionamento de um sistema político é resultante da interação entre o conflito e a integração, e baseia-se num sistema social com lógicas (de democracia e de mercado) diferentes que se articulam entre si, condicionando as medidas de regulação do Estado referentes ao funcionamento dos mercados e da economia que afetam os valores e as exigências das esferas políticas e sociais: a evolução da estrutura política (desde o Estado de Direito até à configuração do Estado-Providência) é visto, então, como uma resposta aos problemas que derivam da crescente complexidade das sociedades. Neste contexto, a formação dos Estados-Providência é equacionada como um produto da modernização geral das sociedades, ou seja, da crescente diferenciação e expansão de atividades e setores produtivos, por um lado, e do processo de mobilização social e política, por outro (Mozzicafreddo, 1992).

3 Regime de cidadania é definido como os arranjos institucionais, as regras e os entendimentos que orientam

e moldam as decisões políticas e as despesas dos Estados, as definições de problemas dos cidadãos e dos Estados, e as reivindicações dos cidadãos (Jensen & Saint-Martin, 2003, p.80).

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Um paradigma político totalmente operacional4 especifica como os decisores políticos devem entender os problemas que a sociedade enfrenta, quais os objetivos que devem ser perseguidos e que tipos de técnicas devem usar para os alcançar. Contudo, uma teoria política, por si só, mesmo que empiricamente e academicamente corroborada, nunca será suficientemente forte para ser uma fonte primária de mudança política, sendo necessário que essas teorias se traduzam em soluções reais para os problemas políticos predominantes. Posto isto, devemos entender a revolução económica keynesiana do pós-Segunda Guerra Mundial à luz dos problemas existentes na altura: num tempo histórico onde reinava uma grande pobreza e instabilidade, a teoria keynesiana revelou (para além de fornecer uma técnica de como gerir a economia de mercado da altura) como é que era possível atingir o pleno emprego através de uma gestão da procura, modificando a perceção das elites políticas dominantes, pela alteração das categorias básicas através das quais se devem observar as realidades económicas e sociais, e estabelecendo, consequentemente, um compromisso de classes entre o capital e o trabalho organizado, que serviu de base (e permitiu) a expansão dos Estados-Providência da altura. Para além disto, revelou-se igualmente fundamental a transformação do alívio da situação dos pobres (precedente à Guerra) no fornecimento de uma ampla gama de direitos sociais de cidadania (no pós-Guerra), o que viriam a traduzir-se num seguro social abrangente (que ideologicamente teve origem no famoso relatório de Beveridge5) que funcionava como uma espécie de estabilizador económico (da procura), protegendo as famílias das dificuldades económicas e dos ciclos de desemprego (Hemerijck, 2015).

No entanto, a partir de 1970 e à luz das crises petrolíferas dessa década, este tipo de Estado-Providência revelou-se ineficaz, nomeadamente no que diz respeito à gestão dos problemas de estagflação: as prioridades de política macroeconómica passaram a ser o fortalecimento das moedas e dos orçamentos, levando a que os Estados-Providência se reorientassem na direção do neoliberalismo, uma vez que as causas do crescimento do desemprego em massa apareciam conectadas ao problema (microeconómico) da distorção do mercado de trabalho, devido às provisões de bem-estar demasiado generosas

4 Um paradigma político totalmente operacional é caraterizado como um conjunto de ideias que traz consigo

a compreensão das relações causais entre os esforços e os resultados políticos, e a mobilização política por trás do conjunto das prioridades económicas e sociais (Hall, 1989, citado por Hemerijck, 2015).

5 Uma parcela do compromisso Keynesiano-Bevedgeriano baseava-se no facto do pleno emprego dos

homens ser sustentando a nível familiar pelas mulheres que trabalhavam como domésticas não remuneradas e tomavam conta das crianças e dos familiares mais velhos e debilitados (Hemerijck, 2015).

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fornecidas aos trabalhadores que impediam o crescimento e a competitividade. A ideia da desregulação do mercado de trabalho e da contenção das despesas associadas com o Estado de bem-estar social começaram, então, cada vez mais, a ser as principais preocupações e recomendações das organizações internacionais. Como resultado disto (em conjunto com a progressiva desindustrialização), houve uma reorientação das responsabilidades do coletivo para o individual e as famílias passaram por grandes adaptações no que diz respeito à prestação de assistência social: as mulheres entraram massivamente no mercado de trabalho (para compensar as perdas salariais e de benefícios dos homens) dificultando a reconciliação entre a vida familiar e laboral. A partir disto, surgem os novos riscos sociais associados ao desemprego jovem e de longo prazo, à insuficiente cobertura da assistência social, ao emprego precário e à pobreza no trabalho, à erosão de competências e à instabilidade familiar, levando a que muitas pessoas no meio académico defendessem uma reorientação da política social na direção das políticas de investimento e de ativação para fazer face às dificuldades encontradas pela política neoliberal orientada para o mercado (que era considerada como insuficientemente voltada para os novos problemas sociais) (Hemerijck, 2015).

Apesar da evolução do pensamento e da ação da política social dos Estados-Providência capitalistas desenvolvidos terem seguido, de um modo geral, os traços acima descritos, há particularidades em alguns clusters de países europeus pelas quais se podem identificar regularidades e distinções, no que diz respeito a este tipo de políticas de bem-estar, passíveis de se traduzirem na construção de uma tipologia. A obra de Esping-Andersen “Three Worlds of Welfare Capitalism” de 1990 é considerado um marco histórico e um clássico nesta matéria, na medida em que a sua investigação tentou preencher as lacunas existentes nas teorias sobre as diversidades e as especificidades dos vários regimes de Estado-Providência com um vasto trabalho empírico comparativo que visava revelar adequadamente as propriedades fundamentais que unem ou dividem os diversos tipos de Estado-Providência modernos. Para o autor, um Estado de bem-estar social não pode ser visto apenas como o total da soma das políticas sociais de uma dada nação, mas antes como um complexo de caraterísticas legais e organizacionais que estão sistematicamente entrelaçados, sugerindo que os Estados-Providência se aglomeram em torno de três tipos de regime muito diversificados, constituídos segundo diferentes lógicas de organização, estratificação e integração social. Conceptualizando a sua visão, o autor

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começa por referir que as caraterísticas históricas dos estados (especialmente a história das alianças das classes políticas) têm um carater determinante na emergência dos Estados de bem-estar social, identificando três fatores determinantes segundo os quais os regimes se diversificam: a natureza da mobilização de classes (principalmente a classe trabalhadora), a estruturação da ação da classe política e a evolução histórica da institucionalização dos regimes. Como resultado da sua pesquisa empírica, o autor conseguiu identificar e distinguir com sucesso três tipos de regimes de Estados-Providência, com características diferentes no que diz respeito ao grau de desmercantilização (o grau de independência dos indivíduos do mercado e o grau que os serviços sociais são vistos como direitos de cidadania), ao tipo de estratificação social (promovidas pelas políticas públicas) e à amplitude das solidariedades sociais (construídas pelo Estado-Providência): o conservativo ou continental, o liberal ou anglo-saxónico e o social-democrata ou nórdico/escandinavo. De notar que apesar de esta tipologia ser construída sob a noção de ideias-tipo e que no mundo real não encontraremos em nenhuma nação algum caso puro desta tipologia, mas antes casos híbridos, ela revela-se útil como um instrumento de classificação de Estados-Providência e como um meio para atingir um fim, ou seja, para atingir uma explicação para as diferentes trajetórias seguidas pelas nações (Arts & Gelissen, 2002).

2.1.1. O regime nórdico ou social-democrata

Os tipos de Estados-Providência nórdicos ou sociais-democratas caracterizam-se por ter um grau de desmercantilização elevado, por ter um princípio de estratificação social direcionado para um (generoso) sistema de benefícios universal altamente distributivo (independentemente do nível de contribuições individuais), e por construir uma vasta rede de solidariedade em torno do Estado-Providência que tende a expulsar o mercado da arquitetura de bem-estar social (Arts & Gelissen, 2002). As políticas sociais deste tipo de regimes têm o objetivo de maximizar as capacidades dos indivíduos tendo em vista a sua independência, fornecendo uma grande amplitude de serviços sociais públicos, que se traduzem em oportunidades de empregos em larga escala e flexíveis (até para população com competências modestas) e na provisão de respostas efetivas adequadas às necessidades de cuidados das famílias, socializando os seus custos (incluindo o das crianças), e seguindo medidas ativas no mercado laboral que procuram

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maximizar o emprego, tanto masculino como feminino (as mulheres, quer tenham filhos ou não, são encorajadas a participar no mercado laboral, especialmente no setor público) (Arts & Gelissen, 2002; van Kersbergen & Hemerijck, 2012). Por sua vez, o financiamento público da educação terciária e da formação profissional (sustentável através de uma elevada base tributária) fomenta a inovação e aumenta a produtividade no setor tecnológico, que por sua vez permite oportunidades de emprego no setor de trabalho privado para população com elevadas competências. As orientações políticas do mercado de trabalho destes tipos de Estado estão altamente ligadas à estratégia do investimento social, na medida em que estes reduzem cada vez mais os benefícios passivos compensadores do desemprego à medida que promovem ativamente altas taxas de empregabilidade, garantindo, ainda assim, um rendimento mínimo para salvaguardar a população da pobreza e da exclusão social e para fazer face a súbitas quebras de carreiras e situações de desemprego. A alta taxa de participação no mercado de trabalho (além do grande investimento em formação) permite igualmente o alívio financeiro do sistema de pensões (van Kersbergen & Hemerijck, 2012).

As suas performances são, sem dúvida, notáveis: os países nórdicos foram capazes de enfrentar as crises económicas, conseguindo manter os seus orçamentos estáveis e as suas economias dinâmicas, além de manterem um alto nível de emprego e baixas taxas de pobreza. Alguns autores, como Bonoli (2007), citado por van Kersbergen e Hemerijck (2012), justificam o sucesso destes países com a sua preparação para fazer face aos novos riscos sociais que advêm da pós-industrialização (relacionados com as sociedades envelhecidas, com a mudança das estruturas familiares e com a transição para a economia baseada no conhecimento) através da sua socialização precoce. Segundo a tipologia proposta por Esping-Andersen (1990), inserem-se dentro deste regimes a Áustria, a Bélgica, a Holanda, a Dinamarca, a Noruega e a Suécia (Arts & Gelissen, 2002).

2.1.2. O regime liberal ou anglo-saxónico

Os tipos de Estados-Providência liberais ou anglo-saxónicos combinam um baixo grau de desmercantilização com uma forte autoconfiança individualista. Baseiam-se, então, no individualismo e na primazia do mercado: a operabilidade do mercado é encorajada pelo Estado ativamente (através do fornecimento de subsídios a esquemas de bem-estar privados) e passivamente (através da provisão de benefícios means-tested –

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benefícios disponibilizados a indivíduos sob uma condição, neste caso, sob a condição do seu rendimento estar abaixo de um certo nível – relativamente modestos para os mais necessitados, como os desempregados, os inválidos ou doentes crónicos e os mais idosos). A redistribuição de rendimentos é muito reduzida, a amplitude de direitos sociais bastante limitada, e o baixo grau de desmercantilização e a aplicação do princípio liberal de estratificação leva a uma divisão populacional entre uma minoria de pessoas com baixos rendimentos que depende do estado e uma maioria de pessoas que tem a possibilidade de pagar e obter planos privados de segurança social. As mulheres são encorajadas a participar no mercado de trabalho (principalmente na área dos serviços) (Arts & Gelissen, 2002).

Observando o exemplo clássico deste tipo de Estados-Providência, o Reino-Unido, verificamos que a partir de 1998 (e do New Deal), os governos britânicos têm tentado desenvolver uma versão liberal da política de investimento social baseadas em políticas de ativação, tentando que isso não aumente a população em risco de pobreza. Segundo Weishaupt (2010), citado por van Kersbergen e Hemerijck (2012), os arranjos deste novo acordo estavam centrados na redução de benefícios passivos e no aumento de benefícios no trabalho, fazendo com que os desempregados, para poderem receber os benefícios, tenham de procurar emprego ativamente, com a ajuda de centros de emprego eficientes, de serviços de apoio mais personalizados e de uma melhor formação de competências nucleares como a literacia, a numeracia e a autoapresentação. Aumentaram igualmente a despesa pública em políticas direcionadas para os jovens, oferecendo àqueles que estavam desempregados quatro (limitadas) opções de emprego ou formação (tendo esta última opção o objetivo de aumentar as competências), suspendendo ou terminando com os benefícios de quem não cumprisse com as regras acordadas – este esquema acabaria estendido a adultos desempregados e a outros grupos vulneráveis, tais como as famílias monoparentais, os trabalhadores mais velhos e as pessoas cronicamente inválidas. De acordo com Nachtwey e Heise (2006) e Brucker e Konle-Seidl (2006), citados por van Kersbergen e Hemerijck (2012), outro pilar da estratégia de “tornar o trabalho compensador” do Estado-Providência britânico foi introduzido em 1999 pelo programa do Crédito Tributário para Famílias Trabalhadoras com o objetivo de compensar as famílias trabalhadoras (aumentando os créditos tributários para estas em quase dez vezes) – estas políticas dos créditos tributários, juntamente com a política do salário mínimo,

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teria como consequência um rendimento acima da linha da pobreza para qualquer pessoa que trabalhasse pelo menos 30 horas por semana. Além disto, foram tomadas medidas para tentar reconciliar a vida familiar e laboral, entre elas, o fornecimento de mais e melhores cuidados infantis, de direitos de licença maternais e paternais pagas, e a extensão do tempo de trabalho flexível (Clasen, 2005, citado por van Kersbergen & Hemerijck, 2012). Além do clássico exemplo do Reino Unido e segundo Esping-Andersen (1990), inserem-se neste grupo de Estados de bem-estar social a Austrália, o Canadá, os Estados Unidos, a Nova Zelândia e a Irlanda (Arts & Gelissen, 2002).

2.1.3. O regime continental ou conservador

Os tipos de Estados-Providência continentais ou conservadores caracterizam-se por terem um nível modesto de desmercantilização e por terem sido moldados segundo um legado histórico de política social Católica, por um lado, e pelo corporativismo e estatismo, por outro. Esta mistura teve importantes consequências em termos de estratificação social (Arts & Gelissen, 2002). Estes tipos de regimes confiam em benefícios de reposição de rendimentos relativamente altos, relacionados com o historial de emprego dos beneficiários e da sua situação familiar, e são descritos por Esping-Andersen (1996) como um sistema que fornece bem-estar sem trabalho, estando completamente desconectados com a ideia do investimento social: isto está ligado ao facto de, historicamente, a prevalência de um “familiarismo” cristão ter encorajado as mulheres a ficar em casa (a tratar das lides domésticas e dos cuidados com as crianças e os idosos frágeis da família) ao invés da sua participação no mercado de trabalho, induzindo, consequentemente, grandes salários e benefícios para os homens trabalhadores (os ganha-pão da família). Por sua vez, os elevados salários levaram a que a criação de emprego fosse extremamente reduzida (especialmente nas áreas de baixa produtividade e nos serviços com baixas necessidades de competências), o que se agravaria com as políticas de acomodação baseadas na expansão de esquemas de reformas antecipadas em face da restruturação industrial dos anos 1970 e 1980. A espiral negativa autorreforçada que resultou da intensificação dos processos da desindustrialização e da globalização tiveram um grande impacto negativo nos trabalhadores com menos competências, nas mulheres e nas crianças. Além disso, as pressões orçamentais da época, relacionadas com a redução dos esquemas de reposição de rendimentos, contrastavam com as novas

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exigências de proteção social, resultando isto no decréscimo das estruturas familiares tradicionais e no insucesso da expansão dos serviços dos setores público e privado (van Kersbergen & Hemerijck, 2012).

A agenda de reformas destes tipos de Estado-Providência foi, por isso, extremamente complexa: houve uma contenção das despesas sociais através do corte de benefícios passivos e da introdução de incentivos ativos, uma expansão dos cuidados infantis e das licenças paternais, um aumento dos benefícios means-tested e uma redução dos encargos com as folhas de pagamento. No que diz respeito a programas de ativação, houve uma tentativa de expansão dos níveis de emprego das mulheres, dos jovens, dos grupos com poucas competências e dos trabalhadores mais velhos (tendo em vista a sustentabilidade futura dos sistemas de bem-estar social), que teve como consequência o aumento dos gastos públicos com políticas ativas do mercado de trabalho e o aumento das pressões sobre os desempregados para aceitarem ofertas de trabalho adequadas ou para participar em educação e formação. Isto teve igualmente tradução na progressiva mudança dos privilégios e benefícios dos trabalhadores inseridos no mercado de trabalho (ou seja, dos homens ganha-pão e dos seus dependentes) na direção daqueles que ainda não encontravam inseridos. Estes tipos de Estados de bem-estar social continentais transformaram-se muito mais do que os nórdicos ou os liberais, com a adoção da ideia de investimento social a impor-se através do ajustamento de duas políticas nucleares: a manutenção do estatuto na política social e o apoio à família tradicional foram transformadas na promoção da igualdade de oportunidades e na redução da pobreza através do fomento da participação no mercado laboral, desenvolvendo-se, assim, um Estado-Providência “ativador” que tem em vista melhorar os direitos sociais e a empregabilidade das mulheres e dos grupos com poucas competências (van Kersbergen & Hemerijck, 2012). Segundo a tipologia proposta por Esping-Andersen (1990), inserem-se dentro destes tipos de Estados-Providência a Itália, o Japão, a França, a Alemanha, a Finlândia e a Suíça (Arts & Gelissen, 2002).

A tipologia construída por Esping-Andersen (1990) foi, contudo, alvo de algumas críticas, nomeadamente, por alguns autores que, apesar de reconhecerem os seus méritos, defendem que esta não é exaustiva nem exclusiva, necessitando uma revisão. Algumas classificações alternativas foram então constituídas tendo em vista ultrapassar as lacunas na construção de Esping-Andersen, especificamente aquelas ligadas com as alegadas

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Tabela 1: Função de fluxo 9
Tabela 2: Função de stock 10
Tabela 3: Função de amortecimento 12
Tabela 4: Exclusão social 13
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Referências

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