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Penas de substituição - entre as reacções criminais "à la carte" e a sistematização dos elementos do juízo substitutivo

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Academic year: 2021

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DO JUÍZO SUBSTITUTIVO

*/**

Alternative measures to imprisonment and fine – between

à la carte penal sanctions and systematizing the contents

of the alternative judgement

André Lamas Leite

***

Palavras- chave: Penas de substituição; sua cumulação; interchangeability; juízo de substituição. Resumo: É habitual falar- se, a propósito das sanções substitutivas, de um movi-mento já internacional no sentido da sua interchangeability, ou seja, de vasos comunicantes entre elas, que admitiriam a respectiva combinação. O autor analisa as suas vantagens e inconvenientes, acabando por pro-pender mais para estas últimas e por oferecer um esquema sistemático dos factores a ter em conta pelo juiz na elaboração do juízo de prognose favorável de substituição de uma pena principal. Keywords: Alternative measures to imprisonment and fines; its accumulation; inter-changeability; substitution (alternative) judgement. Abstract: In what concerns alternative sanctions to imprisonment and fines, it is usual to speak about an already international movement towards inter-changeability, e.g., communicating vessels between them, which would allow their combination. The author examines their advantages and di-sadvantages, eventually agreeing more with the last ones, and offering a systematic outline of the factors to be taken into account by the judge in the preparation of a favourable prognosis for substituting a main penalty.

* O texto que ora se dá à estampa corresponde, com ligeiras alterações, a uma parte da

nossa dissertação de doutoramento em Direito (Ciências Jurídico-Criminais) apresentada à FDUP e defendida em provas públicas em 7/3/2016, tratando-se de um texto inédito.

** Artigo escrito a convite.

*** Professor da Faculdade de Direito da Universidade do Porto e da Universidade Lusíada

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I. Introdução

Com razão afirma JESCHECK(1980, p. 9) que «[a] reforma do Direito Penal é

tão antiga quanto o Direito Penal em si mesmo.».

Do título deste artigo infere-se que uma certa «sacralização» das penas principais de algum modo se vem degradando, transformando- as antes em reacções de primeira linha, mas que podem ver cumpridos os seus desideratos por outras às quais não quadrará mal o epíteto de medidas de segunda linha. E são- no por razões históricas, fundamentalmente. Mas, chegar aqui, implica questionar também qual o critério através do qual uma pena de substituição pode ou não passar a pena principal e vice- versa. Na perspectiva da intermutabilidade, nada há que a tal obste. A não ser, porém, que se não trate, nas medidas substitutivas, de uma verdadeira intermutabilidade, ao invés do que sucede com a opção primeira de, ao nível do tipo, escolher uma pena de prisão ou de multa. E isto porque, no nosso sistema penal, ao menos em sede do procedere do juiz, equacionar a pena substitutiva é um posterius quanto ao momento antecedente da de-terminação da medida concreta. Se, ao invés, quando o julgador concluísse pela prática de um crime, se lhe abrisse, desde logo, a possibilidade de aplicar uma pena principal ou uma substitutiva lado a lado, em paralelo, então aí o carácter de interchangeability1 seria evidente. Todavia, se assim fosse, a distin-ção entre pena principal e pena de substituição perderia os seus contornos e transformar- se- ia em um distinguo evanescente e porventura necessitado de eliminação. São as vantagens e os perigos desta interchangeability que nos ocuparão nas páginas seguintes.

II. Traços de Direito positivo

O caracter que vem de assinalar- se não deixa de ter, contudo, existência legal ex-pressa na vigente redacção do Código Penal. Assim, não somente o art. 59.º, n.º 62,

1 A expressão já é usada na literatura de língua germânica como Austauschbarkeitsthese.

Favorável, como princípio, à sua aplicação, entre outros, JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch

des Strafrechts. AT, 5. Auflage, Berlin: Duncker & Humblot, 1996, p. 750.

2 Doravante, qualquer referência a uma norma legal desacompanhada do respectivo

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nas hipóteses em que o incumprimento da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (PTFC) não é imputável ao condenado, admite que esta pena substitutiva seja «substituída» (sendo o verbo usado mesmo na al. a) daquele artigo) por multa ou por pena suspensa, como aponta o adimplemento das fi-nalidades punitivas como o critério a ser tido em conta pelo julgador. Mais ainda, confere- se- lhe uma ampla latitude na escolha destes dois mecanismos que, sur-gindo embora porquanto, devido a causa superveniente, o condenado se não encontra em condições de cumprir a pena substitutiva que, de entre o leque disponível, o juiz teve por mais adequada, não deixa, de igual modo, de ser en-tendida como passível de preencher esses mesmos desideratos. Numa palavra, em face de uma impossibilidade após a decisão judicial, a medida de substituição acaba por ser «substituída» por outra, num assinalável esforço de congruência quanto à prisão como ultima ratio sancionatória, por via do estabelecimento – legal, note- se – de vasos comunicantes entre distintas penas que, na sua base, por consideração do próprio legislador, podem ser aptas ao cumprimento do art. 40.º Assim, é o sistema, em si mesmo, que encontra soluções no seu interior que apontam, desde logo, para uma certa «intercomunicabilidade» entre as sanções em estudo. Por outro lado, na pena suspensa, admite- se a aplicação cumulativa de deveres e regras de conduta – com finalidades diversas: «reparar o mal do crime» e a «reintegração do condenado», respectivamente – (art. 50.º, n.º 3), como também, ao invés do que pareceria resultar prima facie da leitura desse pre-ceito, todas as modalidades da suspensão executiva da prisão se podem mesmo cumular por via do disposto no art. 54.º, n.º 3. Acresce que, na pena de PTFC, o art. 58.º, n.º 6, de igual modo admite a cumulação com a prestação gratuita de trabalho de algumas regras de conduta aptas a reforçar os efeitos dessa pena. De tal forma que, aqui, se pode mesmo afirmar que a prestação laboral surge como uma espécie de «pena de substituição matricial ou principal», à qual se ligam ou-tras de natureza ancilar ou complementar, numa interpenetração assinalável entre não somente modalidades diversas da mesma medida substitutiva, mas sim de diferentes penas, com conteúdos autónomos. Donde, é exacto afirmar- se que já hoje o nosso legislador é sensível ao pen- samento segundo o qual as penas que nos ocupam são dotadas de uma plasti-cidade tal que não repugna – muito ao contrário, pode mesmo ser bastante adequado em termos das finalidades punitivas – que a dita interchangeability opere. Uma nota ainda: é óbvio que o que acaba de defender- se em nada se con-funde com um expediente muitas vezes utilizado pelo condenado, maxime em via recursória, de requerer a substituição de pena não cumprida por outra, sem

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expressa previsão dessa faculdade. Aí – e bem – os Tribunais têm levantado o inex-pugnável veto da legalidade criminal3.

Pelo que acabou de dizer- se e pela circunstância de o instituto da pena suspensa ser desenhado pelo legislador como de geometria variável no que tange aos deveres e/ou regras de conduta a impor ao condenado, não compartilhamos da hermenêutica de uma parte da nossa jurisprudência, na senda do pensamento de FIGUEIREDODIAS

(2005, p. 383), no sentido de que a execução suspensa da privação de liberdade não admite, como regra de conduta, a imposição de trabalho a regular nos termos dos artigos 58.º e 59.º Diz- se, ao invés, que se trataria de uma «fusão arbitrária de duas diferentes penas de substituição e, como tal, violadora do princípio da legalidade.»4. Começando por este último aspecto, bastará atentar no facto de a enumeração das regras de conduta constantes do art. 52.º ser apenas exemplificativapara se rebater este argumento, essencial sendo que o trabalho se possa vislumbrar como uma forma adequada de promover a ressocialização do condenado5. Mesmo que o não fosse, havendo consentimento do condenado (requisito central para um seu eventual fun-cionamento, por argumento a pari com o regime da pena de PTFC), sempre se poderia dizer que estaríamos em face do cumprimento de uma obrigação para efeitos da al. c), do n.º 1, do art. 52.º Dir- se- ia, ainda, que a prestação de trabalho enquanto regra de conduta inserida na suspensão da execução seguiria o regime dos artigos 58.º, ss.

3 Entre muitos exemplos, a benefício de ilustração, cf. o ac. do TRE de 18/6/2013, Proc.

n.º 134/10.3PTSTR.E1, ANABARATA DEBRITO, negando a aplicação de qualquer das penas

substitutivas em sentido impróprio em um caso no qual a pena suspensa fora revogada (todos os arestos referidos neste artigo foram consultados em www.dgsi.pt e estavam disponíveis em Março de 2019).

4 Cf. o sumário do ac. do TRE de 20/1/2015, Proc. n.º 584/12.0GEALR.E1, ANABARATA

DEBRITO. Também negando a possibilidade defendida em texto, cf. o ac. do TRE de

8/4/2010, Proc. n.º 2/08.9GBMMN.E1, MARTINHOCARDOSO. Igualmente, o ac. do TRG de

5/11/2012, Proc. n.º 1508/10.5PBBRG.G1, PAULOFERNANDES DASILVA. Neste último

aresto, o Tribunal foi chamado a pronunciar-se sobre o regime especial dos «jovens adultos», não deixando de notar uma linha de continuidade entre as sanções em sede da Lei Tutelar Educativa e do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, mas negando a possibilidade de cumular, por via da pena suspensa, a pena de PTFC. Todavia, para-doxalmente, acaba por concluir que: «[n]o âmbito da suspensão da execução da pena de prisão, o Tribunal pode, contudo, impor ao condenado a frequência de «certos pro-gramas ou actividades» e em sede de regime de prova pode fixar um plano de reinserção social, no qual aluda à prestação laboral.». Cremos bem que este trecho é elucidativo quanto à pertinência do que argumentámos em texto.

5 Na Itália, o art. 165, § 1 do CP prevê-o expressamente de entre as «obrigações» a que

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Dúvidas inexistem que o trabalho é um dos instrumentos por excelência da resso-cialização. Assim, o elemento teleológico que ilumina toda a pena suspensa depõe no sentido que vimos de defender, tal como o já assinalado elemento sistemático, na medida em que se não trata de nada de novo quando visto o problema do prisma da pena de PTFC (também ela admite a cumulação de certas regras de conduta).

Donde, não partilhamos das dúvidas de FIGUEIREDODIASquanto à dificuldade

que existiria em arrumar sistematicamente a pena de PTFC como regra de conduta, pois ainda que o trabalho possa beneficiar o lesado – o que não vemos razões para afastar – é sempre uma injunção prospectiva e destinada a promover a ressocialização do condenado. Diga- se que a prestação gratuita de trabalho a favor do lesado nada tem de reminiscência de uma qualquer vindicta privada. Bastará lembrar que a sua aplicação exige o concurso do condenado por via do consentimento, ademais de tal prestação nunca poder implicar um conteúdo que ofenda a sua dignidade. Destarte, não se partilha a opinião de que defender que uma das regras do art. 52.º possa bem ser a PTFC a favor do lesado ou de instituição beneficiária terceira faça perigar «a racionalidade do sistema punitivo» (FIGUEIREDO DIAS , 2005, p. 383). Por fim, neste ponto, de igual forma se não julga que a «com-plexidade do sistema» seja acrescida, dado que outras regras de conduta já existentes hoje – e que ninguém contesta – também podem implicar a necessidade de consentimento do agente (art. 52.º, n.º 3). Ora, a questão a tratar tem que ver com as consequências jurídicas de uma recusa do consentimento, maxime saber se o juiz pode ou deve equacionar outras medidas ou, pura e simplesmente, determinar a aplicação da pena principal. Todavia, esta é já uma outra questão, por certo intimamente conexionada com a anterior, mas que não põe em causa, em definitivo, a bondade ou não da solução que vem de sustentar- se. Cremos, pois, que a discussão, até agora, tem primado pela confusão entre os dois âmbitos analíticos. Refira- se que, no plano do puro pensamento, configurar assim o sistema penal teria desde logo a vantagem de assinalar ao aplicador todas as opções que se lhe abrem no tratamento sancionatório do facto. Contudo, uma dificuldade ao nível da determi-nabilidade do tipo seria quase inultrapassável6. Se assim fosse, os tipos legais, para além

6 No específico âmbito do modo como o princípio também desempenha um papel de

protecção dos cidadãos face ao poder do Estado, reconhecendo embora que os conceitos jurídicos, por definição, não comportam um sentido semântico unívoco, pelo que esse grau de determinabilidade tem, em várias hipóteses, de conhecer algumas limitações,

vide REINHOLDZIPPELIUS, Teoria Geral do Estado, 3.ª ed., Lisboa: Fundação Calouste

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das hoje consideradas «penas principais», diriam que, aos factos descritos, seriam também de aplicar as penas de substituição que ao caso coubessem (ou formulação similar), o que importaria uma perda de certeza e segurança do lado da estatuição.

Na Itália, designa- se este requisito basilar da ossatura penal por dettermina-tezza7. A fórmula da Tatbestandsbestimmtheit (nullum crimen sine lege certa) é o

verdadeiro Kern do art 103 Abs 2 da Grundgesetz (GG: Lei Fundamental alemã), correspondente ao nosso art. 29.º, n.º 1 da CRP8

, conexionada com a protecção ju- rídica dos destinatários das prescrições normativas, assegurando que esses elemen-tos típicos sejam compreensíveis do prisma dos cidadãos e «função de preservação da competência» (kompetenzwahrende Funktion), i. e., apenas e tão- só o legislador democraticamente legitimado pode limitar os direitos fundamentais, pelo que são pontos de vista institucionais aqueles que ora são chamados a intervir. Um resumo enxuto do seu significado encontra- se em COSTAANDRADE(1991, n. 368, pp. 488- 490),

que tudo sintetiza escrevendo: «o que está em jogo (...) é a complexidade da estru-tura social que é condição de funcionamento desta concreta sociedade e, por isso, também condição da vida e liberdade do cidadão individual.» (1991, p. 490). Na ex-pressão de GOMESCANOTIlHO/VITAlMOREIRA(2007, p. 496), é de sublinhar a dimensão subjectiva do princípio da legalidade, através da qual se atribui «aos cidadãos um

direito subjectivo de não serem criminalmente punidos (...) à margem deles [dos factores constitutivos do princípio da legalidade] (...), conferindo assim aos cidadãos um direito de defesa, imediatamente vinculante».

O mandato de determinabilidade (Bestimmtheitsgebot) deriva, então, do princípio da legalidade. Nas palavras do Bundesverfassungsgericht (BVerfG: Tribu-nal Constitucional Federal alemão), «o art. 103, 2 da Constituição garante que um facto só possa ser punido quando o seu sancionamento penal esteja determinado na lei com anterioridade à sua comissão. Tal obriga o legislador a circunscrever as condições de preenchimento do tipo de crime, bem como a extensão e o ob-jectivo do delito, de tal modo que estes aspectos sejam desde logo claros da lei em si e possam ser determinados e concretizados através de interpretação»9

. Se-7 De entre uma torrente de arestos, vejam-se os citados a propósito do art. 1 do CP italiano,

em PIEROLONGO/NICCOLòGHEDINI, Commentario Costituzionale al Codice Penale e

alle leggi di depenalizzazione, 2.ª ed., Milano: CEDAM, 2000, pp. 1-6.

8 Entre tantos, WOLFGANGJOECKS, Strafgesetzbuch – Studienkommentar, 8. Auflage,

München: Beck, 2009, Rn 4, p. 4, e SCHMIDT/AβMANN, «Art. 103 Abs 2 GG», in:

MAUNZ/DüRIG, Grundgesetz Kommentar, Beck: München, 1992, pp. 16-17.

9 De entre uma miríade de decisões, esta foi retirada de BVerfG 2 BvR 1980/07, de

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gundo um outro aresto do mesmo Tribunal (BVerfGE 71, 108, 16, de 23 de Outubro de 1985), esta obrigação constitucional semelhante à do nosso art. 29.º, n.º 1 da CRP representa uma forte limitação para a jurisprudência, que assim se não pode imiscuir na tarefa do legislador. Veja- se, ainda, a BVerfGE 14, 174 (3 de Julho de 1962), em cujo resumo se pode ler: «o legislador deve determinar de modo sufi-ciente o que deve ser punível, assim como o tipo e o alcance da pena, através de uma lei formal»10. Ainda mais directamente contendente com a matéria que nos

ocupa, vide a BVerfGE 105, 135 (20 de Março de 2002): «a pena constitui uma reacção soberana de censura a uma conduta criminal ilícita e culposa; a pena deve estar determinada normativamente – quanto ao tipo e extensão – pelo legislador parlamentar; a sanção estabelecida para os casos de infracção a uma lei penal deve ser previsível para os destinatários da norma»; «o princípio da culpa e o prin- cípio da certeza das consequências jurídicas encontram- se em uma relação de ten-são, a qual deve visar um ponto de equilíbrio compatível com a Constituição»11. Mais ainda: quais seriam, bem vistas as coisas, as vantagens práticas dessa previsão? Ao fim e ao cabo, o legislador estaria a, no tipo- de- garantia, incorrer em uma verdadeira redundância, ou seja, apenas a referir que o julgador teria ao seu dispor um instrumentário que, por via de outras normas jurídicas, ele já sabe que dispõe. Por fim, à primeira vista poder- se- ia pensar que teríamos de encontrar um outro sistema de concatenação entre as penas principais e as de substituição, dado que, colocadas lado a lado logo no tipo legal, inexistiria uma forma de ela-borar uma correspondência entre a privação de liberdade ou a multa e as sanções substitutivas. Todavia, este raciocínio não é exacto, porquanto sempre se poderia

381, ss.; 105, 135, 152, ss. Nossa tradução livre de «Art. 103 Abs. 2 GG gewährleistet, dass eine Tat nur bestraft werden kann, wenn die Strafbarkeit gesetzlich bestimmt war, bevor die Tat begangen wurde. Dies verpflichtet den Gesetzgeber, die Voraussetzungen der Strafbarkeit so genau zu umschreiben, dass Tragweite und Anwendungsbereich der Straftatbestände für den Normadressaten schon aus dem Gesetz selbst zu erkennen sind und sich durch Auslegung ermitteln und konkretisieren lassen.».

10 Itálicos adicionados.

11 Ambas as decisões foram consultadas em http://dejure.org e estavam acessíveis em

27/5/2014. De entre uma literatura copiosa, na Alemanha, cf. HELMUTSATZGER, «La

internacionalización del Derecho penal como reto para el principio de determinación penal», in: Revista Penal, 21 (2008), pp. 139-147, onde também se encontra uma aná-lise de como o Direito Internacional Penal tem influído no entendimento do princípio nos ordenamentos jurídicos nacionais. Ainda hoje, HEINZZIPF, Politica criminale,

Milano: Giuffrè, 1989, pp. 159-162. Entre nós, sobre o entendimento do princípio, inter

alia, o nosso As «posições de garantia» na omissão impura. Em especial, a questão da determinabilidade penal, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 361, ss.

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prever, como hoje sucede, em artigos autónomos do CP, uma específica regulação (porventura mais completa) das penas de substituição. E, bem vistas as coisas, nem mesmo isto seria necessário: se e na medida em que se dissesse no tipo legal que o juiz também poderia recorrer às sanções substitutivas no específico domínio do seu campo aplicativo, sempre se teriam de analisar essas normas definidoras do regime de cada uma delas. Assim sendo, em definitivo, inexistem vantagens em prever, logo no tipo, que, para além das penas principais, também se pode lançar mão das penas substitutivas, por tal encerrar uma imprestável redundância. O que se pode discutir – isso sim – e que revela foros de complexidade, é, de novo, saber até que ponto se não deverá enriquecer o catálogo das penas principais com outras que hoje são de substituição ou mesmo penas acessórias.

III. Vantagens e desvantagens no regime da interchangeability

Voltando, mais de perto, à questão da interchangeability entre as penas subs-titutivas, há quem defenda (CONDEMONTEIRO, 2013/2014, pp. 84- 85) uma redução

do seu número, seja por via da sua pura e simples eliminação, seja da junção de algumas com outros institutos jurídicos, como sucede com o cruzamento entre a pena suspensa, na modalidade não simples com a suspensão provisória do pro-cesso, assim se reduzindo «desigualdades» e «desarmonias», «instituindo- se o arbítrio e assim o casuísmo, tudo parecendo passar- se como se estivéssemos num

reino sem

rei.». É certo que existe uma falta de harmonia entre as penas de subs-tituição. Todavia, retirando os casos mais graves em que se justifica uma alteração, não se pode perder de vista que cada sanção substitutiva é dotada de uma inten-cionalidade que, embora bebendo de um mesmo fim político- criminal, apresenta especificidades12. Tal não é necessariamente negativo, porquanto assim se dota o

sistema de uma maior flexibilidade que lhe permite adaptar- se a um leque mais variado de situações fácticas e de exigências preventivas- gerais e especiais relati-vas a uma concreta hipótese. Donde, tirando alguns casos particulares em que não encontramos justificação para a manutenção de algumas penas substitutivas (como a admoestação13), não subscrevemos a conclusão de que a existência de

uma paleta ampla seja de evitar. Ao invés, assim se dota o julgador de mais ins-12 Sobre o tema, veja-se o nosso «Em direcção a uma "teoria geral das penas de

substitui-ção"?», Revista da Ordem dos Advogados, 78 (2018), pp. 581-598.

13 Cf. o nosso «Levamos a sério as penas de substituição? Algumas propostas de iure condendo», Revista do Ministério Público (no prelo).

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trumentos de adequação ao caso concreto, por via de conteúdos distintos em cada pena substitutiva. Do mesmo passo se não pode falar em arbítrio, desde logo atenta a recorribilidade das decisões em 1.ª instância que determinam uma es-pecífica sanção de substituição estar assegurada e ser fundamento para tal a mera discordância quanto à fixação de uma concreta pena em detrimento de outra que, na perspectiva do recorrente, melhor acautelaria as finalidades punitivas. O que já nos parece acertado é adaptar as medidas substitutivas em função da gravidade do delito, com uma tendencial redução do seu catálogo à medida que se sobe na escala do potencial ofensivo dos crimes14. No Estado da Carolina

do Norte, o North Carolina’s Structured Sentencing Act (2002) vai mais longe, ao distinguir, logo em sede de penas principais, três tipos: «punição activa» (active punishment), definida como «uma decisão criminal que impõe ao agente uma pena de prisão que não é suspensa»; «punição comunitária» (community punis-hment), cuja noção se obtém pela negativa («a decisão criminal que não inclui uma punição activa (...) [ou] (...) uma punição intermédia»); e a «punição inter-média» (intermediate punishment), descrita na lei como «a decisão criminal que coloca o agente em probation vigiada e inclui, pelo menos, uma de entre as con-dições seguintes: probation especial (...); participação em um residential program; obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica; intensive probation; e obrigação de se apresentar diariamente em local determinado». Nos crimes mais graves, somente a «punição activa» é de admitir; nos de gravidade média, para além desta, também podem aplicar- se medidas «intermédias» e, para os menos graves, qualquer uma das três opções está em aberto (lOGAN, 2003, pp. 225- 226). Apesar de se tratar de uma ideia interessante, ela encerra problemas aptos que obstam a uma sua adaptação ao nosso sistema. Antes de mais, não se percebe bem como é que aos delitos menos graves qualquer uma das opções – da mais grave à menos grave – pode ser aplicada pelo juiz. Dir- se- á que se trata de um mecanismo para lhe permitir uma mais ade-quada modelação à concreta factualidade. Diremos, ao invés, que se trata de uma

violação do princípio da proporcionalidade, ademais de se não encontrar em linha

com a orientação político- criminal de rejeição das penas curtas que privem o agente da liberdade. Por outro lado, mesmo tendo presente a diferente concepção do mandato da legalidade nos países de tradição anglo- americana e nos do civil

14 é uma posição difundida na doutrina alemã. Cf. DIETERDöLLING, «El desarrollo de

las sanciones no privativas de libertad en el derecho alemán», disponível em

http://www.unifr.ch/ddp1/derechopenal/anuario/an_1997_05.pdf, acedido em 23/8/2010,

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law, seria ao menos de duvidosa compatibilidade (mesmo em sede de guidelines15

decisórias como sucede com o documento em análise) com tal mandato que se atribuísse ao julgador um tão largo espectro de actuação.

Ainda nos EUA, e focando agora a nossa atenção no conjunto de medidas que podem ser impostas em sede de uma pena de substituição, em especial, na

probation, apesar da tentativa resultante do Model Penal Code, continua este a

ser um domínio de discricionariedade judicial. As várias codificações criminais dos Estados federados optam por formulações mais ou menos vagas16e que, em regra,

entre nós, à face do mandato de determinabilidade penal, dificilmente se acha-riam compatíveis com o princípio da legalidade. Tem- se procurado obstar a esta

vaguidade através do conceito de «razoabilidade» das condições impostas, o que

também não resolve o problema (lOGAN

, 2003, pp. 196- 201). Entre nós, encon-tra- se jurisprudência que, com toda a propriedade, vem chamando a atenção para a necessidade de, v. g., em sede de pena suspensa17, os deveres e/ou regras de

conduta serem claros, precisos e determinados, numa palavra, sublinhando – e muito bem – que o mandato de taxatividade penal também se aplica às penas de substituição, como não poderia deixar de ser, dado elas serem verdadeiras e autónomas penas. Também por esta via, mesmo que de jeito implícito, a jurispru-dência nacional vem tomando (boa) posição em algo que, para nós, é indisputado. Ainda neste país, as principais penas substitutivas aplicadas na actualidade

apontam para uma combinação entre a privação de liberdade e uma medida cum-15 Estas sentencing guidelines, no ordenamento jurídico norte-americano, são, muitas

vezes, de maior ou ao menos igual importância que as indicações legislativas em termos dos elementos a considerar na eventual substituição de reacções criminais, conhecido que é o papel «criador» da jurisprudência nos Estados do common law.

16 No Missouri, diz-se que «as condições da probation devem ser tais que o tribunal, na sua

discricionariedade, considere razoavelmente necessário assegurar que o agente não volte a violar a Lei»; na Virgínia, refere-se que o tribunal pode aplicar a medida «sob as condições que o próprio tribunal determinar» (cf. WAyNEA. LOGAN, «The importance

of purpose in probation...», p. 198), em um verdadeiro caso em que é o próprio órgão encarregue de administrar a justiça que cria as bases da sua decisão logo em sede que lhe deveria ser de todo estranha: em matéria de previsão legal.

17 Cf. o ac. do TRP de 1/7/2015, Proc. n.º 129/14.8GAVLC.P1, MARIADOLORESSILVA E

SOUSA, de cujo sumário se respiga: «[a] regra de conduta consistente no não

cometi-mento de quaisquer infracções rodoviárias, nomeadamente, de carácter contraordena-cional, pela sua extensão e implicação no direito de deambulação do arguido, é utópica, desproporcionada e desadequada face aos fins preventivos de reintegração do agente e sua socialização e de protecção dos bens jurídicos que implica o afastamento do arguido da prática de crimes.».

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prida na comunidade, bem se podendo falar numa composição entre várias

san-ções, com vista a aproveitar as virtualidades de cada uma delas. Assim, são hoje

mais comuns as seguintes: a) prison split with community confinement: corres-ponde normalmente a nove meses de privação de liberdade num estabelecimento prisional, a que se seguem seis meses de confinamento na comunidade, o que pode ser levado a cabo na residência do condenado ou em «centros comunitários de tratamento» ou halfway houses, i. é, locais em que o agente recobra dos efeitos da prisão e em que as suas saídas são controladas e autorizadas, como regra, so-mente para o cumprimento de obrigações profissionais, formativas ou escolares18;

b) probation with confinement: consiste em seis meses de prisão seguidos de 33

meses de probation; e c) probation only, com uma média de aplicação também de 33 meses e que é, dentro deste elenco, aquela a que os juízes mais recorrem. As penas pecuniárias representam, em regra, cerca de um terço das sanções apli- cadas nos EUA. Essencial parece ser um investimento na formação dos magistra-dos no sentido de lhes incutir mais confiança nas penas de substituição, bem como das sentencing guidelines, a par da criação de programas especificamente orien- tados para a desintoxicação e a promoção de estilos de vida saudáveis, sem con-sumos (ByRNE/TURNER, 2010, pp. 227- 228).

Por fim, e mantendo- nos ainda no mesmo ordenamento jurídico (e também no do Reino Unido), são comuns as chamadas combination orders, ou seja, a apli-cação de diversos tipos de sanções que habitualmente começam pela privação de liberdade e depois passam a sanções comunitárias como a correspondente à nossa pena de PTFC ou, em casos mais graves, a uma mudança do locus da execução da prisão, que passa a ser o domicílio do condenado ou outro local adequado. A Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional, no seu relatório final, apontava, já em 2004, para a necessidade de esta medida «ser estudada com a possível brevidade» (p. 91). Mesmo nos países que a adoptam, ela tem conhecido várias críticas, no sen-tido em que a punição deve ser dotada de um sistema aplicativo o mais simples possível, na medida em que só assim a praticabilidade se alcança, mais se subli-nhando que sobrecarregar o condenado com diversas injunções, de tipos variados, conduz, em regra, a uma maior probabilidade de incumprimento (HEDDERMAN, 2007, 18 Veja-se o elogio desta medidas em FRIEDERDüNKEL, «Ouvrir les prisons pour réduire

les tensions et renforcer la réhabilitation: journées de permission et régime de semi-liberté en Allemagne», in: AA. VV., Politique pénale en Europe, Strasbourg: éditions du Conseil de l’Europe, 2005, pp. 171-194, onde se colhem dados estatísticos do seu uso crescente na Alemanha.

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p. 467). Daqui pode derivar um aumento da população prisional, em virtude de a privação de liberdade ser a sanção de salvaguarda destas combination orders. Um efeito contrário ao esperado não é, assim, de menosprezar.

Deste modo, parece detectar- se uma tendência para uma espécie de reac-ções à la carte na matéria em estudo. Não diríamos que se trata de algo afirmado de jeito expresso, mas os autores vão cada vez mais propendendo para uma com-binação de variadas medidas sem grandes freios legais quanto à sua reunião19. lüDERSSEN (2005, p. 23), p. ex., defende que «é necessário coordenar a determina-bilidade exigida pelas normas jurídicas com a variabilidade de medidas conformes aos objectivos [do Direito Penal], não sem estar garantida a observância de pro-cedimentos legais». Não se ignora o efeito preventivo- especial que um princípio como este pode desempenhar, em uma modelação concreta mais adaptada às necessidades do agente. Todavia, sem que tal signifique negarmos a importância da função judicial, entendemos que o princípio da legalidade pode ressentir- se em tais hipóteses. Na síntese de PETER- AlExISAlBRECHT(2003, p. 88), referindo- se

ao princípio em geral, mas aqui perfeitamente adaptável, «[a legalidade é] a linha de divisão (Trennlinie) entre a defesa dos perigos preventivos e a execução penal repressiva». Ao fim e ao cabo, ainda a protecção do cidadão face à staatlicher Willkür. Uma combinação de reacções substitutivas que não esteja prevista de modo expresso em forma de lei importaria, ainda, uma inapelável violação do princípio da separação de poderes, visto que o julgador se arvoraria, na prática, na função legislativa. Seria um dos fundamentos do próprio princípio do Estado de Direito democrático que estaria em causa. Como bem se referiu nas conclusões do 59.º Congresso dos Juristas Alemães (STäNDIGENDEPUTATION DES DEUTSCHENJURISTENTAGES

, 1992), existem limitações meto- dológicas e éticas à experimentação em Direito e, particularmente no nosso es-pecífico ramo, o que exige que novas sanções e mesmo combinações entre elas devam ser precedidas de estudos criminológicos empíricos em tais domínios, realidade que, como se sabe, está muito longe de acontecer.

19 Já JEREMyBENTHAM(The rationale of punishment, London: Robert Heward, 1830, p.

108) alertava, embora não no sentido de duas penas substitutivas, que cumular prisão e multa seria um profundo contra-senso e que só se explicava pelos rudimentos bárbaros da primeira jurisprudência. A Rec (99) 22 do Comité de Ministros do Conselho da Europa prevê a combinação entre medidas privativas e não privativas de liberdade, acompanhadas de vigilância electrónica (IV.17.), num claro exemplo de junção de distintas penas principais e/ou de substituição. Também a Resolução n.º 45/110, de 14/12/1990 (conhecida por «Regras de Tóquio») o admite, no ponto 8.2, n.º 2, al. m).

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Mais ainda, a própria igualdade. É um dado que as factualidades criminais raramente (ou nunca) se repetem ipsis verbis; porém, também é exacto que entre acontecimentos da vida social com um grau relativamente elevado de similitude, o ordenamento só tem a ganhar em certeza e segurança na aplicação – precipi-tados da igualdade – se e na medida em que, no que aqui releva, as medidas substitutivas assumirem alguma analogia material na sua aplicação. Acresce que uma exagerada devolução normativa do legislador ao aplicador dificulta, porven-tura de modo desnecessário, a tarefa deste último. Breve, propendemos para uma conjugação de algumas penas de substituição (ou ao menos de parte dos seus efeitos), mas sempre de modo previsto com clareza na lei, i. e., desde que se de-termine o que se pode cumular e como20– demos já o exemplo, que aliás cremos resultar da lei vigente, da cumulação, nas circunstâncias vistas, entre a pena sus-pensa e a pena de PTFC. Só esta concepção se mostra em pleno concordante com o nullum crimen... e respeita a reserva de lei que é conteúdo desse mesmo prin-cípio. Mais: só um posicionamento deste jaez se revela o mais democraticamente legitimado, porquanto passou pelo crivo legislativo e não resulta de uma cláusula

aberta quase incontrolável como sucederia se, por absurdo, existisse uma norma

que admitisse uma cumulação de qualquer pena de substituição tida por ade- quada pelo juiz, ainda que se estabelecesse em letra de lei qual ou quais os desi-deratos que presidiriam a tal cumulação (v. g., de cariz preventivo).

A encerrar: como se dirá, um sistema sancionatório tem de ser justo, propor-cional, humanista e simples. De outro modo, as dificuldades sistémicas ameaçam- no de jeito constante. Daí as já existentes possibilidades de vasos comunicantes que vimos existirem e que, para nós, de jeito claro, p. ex., já hoje permite que uma das injunções em sede da pena suspensa seja a PTFC21

, cumprirem o essencial dos man-damentos político- criminais, não se divisando ganhos em cumular excessivamente

20 O BVerfG, na sua decisão de 24/9/2011, 2.º Senado, Proc. n.º 1165/11, acedido em

17/5/2014, em http://www.bundesverfassungsgericht.de, a propósito do correspondente à nossa pena suspensa, é límpido ao afirmar que o tribunal (e não apenas o técnico de reinserção) deve estabelecer de modo claro e preciso o conjunto de deveres e/ou regras de conduta impostos ao condenado, de modo a que ele aceda ao conteúdo dessas in-junções e as possa cumprir, sob pena de o princípio da taxatividade das sanções penais se achar vulnerado. Por outro lado, certos aspectos do cumprimento dessas injunções podem ser determinados, na prática, pelo técnico de reinserção, desde que tal não afecte os fundamentos do contido na decisão, pois essa é uma competência do legislador e do juiz, sob pena de violação do princípio da legalidade.

21 No mesmo sentido, entre outros, vide a Rec (92) 16, do Comité de Ministros do

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tais penas. Não somente por razões de legalidade – que sempre se ultrapassariam por via de uma previsão expressa –, mas sobretudo pela praticabilidade do sistema e pela circunstância de uma excessiva devolução do problema aos juízes, para além da complexidade a que se acresceria a sua já difícil função, poderia levantar dúvidas em sede de igualdade e, até, de certos sentimentalismos judicativos, de magistrados mais atreitos a essas combinações. Preferimos, por isso, ser mais cautelosos neste particular. O que não implica que, em matéria com esta conexa não propendamos para uma alteração legislativa. Disso falaremos no apartado seguinte.

IV. Previsão de uma única norma identificando os critérios judiciais a ter em conta na substituição 1. Independentemente da perspectiva de base de que se parta em sede de fins das reacções criminais – e até da conveniência ou inconveniência da sua pre-visão em texto legal expresso –, não se podem ignorar as prescrições do art. 40.º e aquelas que derivam do impropriamente chamado «Direito Penitenciário», que preferimos designar por «Direito da Execução das Reacções Criminais». A este pro-pósito, em linha com o que sucedia na legislação herdada da década de 1970, era habitual que nela houvesse referência às finalidades da execução que, em boa verdade, terão de ser as mesmas que assinala o art. 40.º, dado qualquer pena ou medida de segurança só ser legítima quando cumpre, na fase executiva, os desi-deratos concebidos pelo legislador aquando da sua determinação em abstracto. Assim, muito se estranha a revogação expressa do art. 2.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da liberdade (CEPMPl)22. A norma tinha uma redacção muito interessante, antes de mais por colocar em letra de forma a perspectiva «minimalista» da prevenção geral positiva, conforme aos ditames do Estado de Direito: «reinserção do agente na sociedade23 , preparando- o para con-duzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes» (n.º 1 do artigo), estando, por isso, em plena conformidade com o art. 40.º24.

22 Por intermédio da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro.

23 Sobre o tema, cf. o nosso «Ressocializar, hoje? Entre o «mito» e a realidade», Revista do Ministério Público, 156 (2018), pp. 9-53.

24 E com tantas outras normas paralelas em diferentes ordenamentos jurídicos. Veja-se,

p. ex., o sistema finlandês, em cuja lei sobre a execução da pena privativa de liberdade se refere que os seus desideratos são «aumentar a preparação do condenado para viver uma vida sem crime, promovendo a capacidade do recluso lidar com a sua vida e

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pro-Cientes do que vem de dizer- se, cremos ser altura de consagrar uma única norma que reflicta os critérios do juízo de substituição e que possa uniformizar, dentro do possível, a matéria das penas sob escalpelização, assim podendo funcionar como um auxílio na função judicativa. Mau grado as diferenças de conteúdo, observando a sua perspectiva histórica e a mesma inserção em um movimento internacional que varreu a Europa durante todo o séc. xIx, no es-sencial, entendemos que os aspectos fulcrais a ter em conta para a decisão sobre elaborar ou não um juízo prognóstico substitutivo favorável podem e devem ser sistematizados. Deste modo, evitam- se as antinomias entre as finalidades expres-samente contidas em cada uma das singulares reacções e que, amiúde, causam entorses ao pensamento fundamental comum, tal como sucede, v. g., com o art. 45.º, n.º 1. Fazemo- lo, além do mais, alicerçados em um conjunto de critérios que já hoje, no essencial, se acham contidos no art. 50.º, n.º 1, histórica e praticamente a pena de substituição mais aplicada e, no nosso e nos demais ordenamentos do nosso entorno, a de mais largo espectro. Com a vantagem acrescida de se tratar de um comando já conhecido dos nossos Tribunais e em relação ao qual existe um corpo de jurisprudência consolidado que, assim, evitaria grandes sobressaltos, por se tratar de uma novidade «relativa». Por fim, neste ponto, entendemos que consagrar uma norma como esta se encontra ao serviço da bússola orientadora que julgamos fulcral no tema: as medidas substitutivas só serão verdadeiras penas «no papel» e, sobretudo, na «consciência comunitária», quando forem sentidas como tais, ou seja, sempre que dotadas das características de efectividade, eficácia e certeza. 2. Dito de outra forma, importa, então, sistematizar os elementos comuns ao juízo de substituição das várias penas deste tipo, detentivas e não detentivas (hoje, apenas a do art. 43.º). E isto na medida em que, não obstante a história da

dogmática penal nos demonstrar terem já existido casos em que a respectiva apli-movendo o seu ajustamento à sociedade, para além de prevenir a comissão de delitos durante o cumprimento da pena» (MARJATTAKAIJALAINEN/ULLAMOHELL, Finnish

penal system in short, Helsinki: Criminal Sanctions Agency, 2014, p. 11).

Habitual-mente assinalamos a relativa «originalidade» do nosso CP ao prever expressis verbis uma disposição sobre a controvertida matéria dos fins das penas, duvidando-se mesmo da sua legitimidade e/ou conveniência. Manifestamo-nos in totum favoráveis a essa inclusão, tanto mais que Códigos recentes o vão fazendo cada vez mais. Veja-se o exemplo peruano que, no art. IX, proclama que «[a] pena tem uma função preventiva, protectora e ressocializadora. As medidas de segurança perseguem fins de cura, tutela e reabilitação.».

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cação se fazia de modo quase automático25

– em total contradição com a indivi-dualização da medida e, agora, da espécie da pena –, impor uma sanção substi-tutiva exige sempre uma intermediação judicativa fundamentada. Para além da directa finalidade sistematizadora, este exercício serve para enunciar aqueles que são, segundo nós, os critérios comuns a todo o juízo de substituição nas penas em estudo. Para além de ser mais um sublinhado, a contrario sensu, da impossibi-lidade de tecnicamente elaborar uma verdadeira «teoria geral das penas» sob escrutínio26, é também uma admissão de que, não obstante, o fulcro de todas elas reside em um conjunto de critérios comuns. Fá- lo- emos tendo presente o texto legal e os critérios aí enunciados, levando porém em conta que, amiúde, os termos usados são vagos e dotados de alguma imprecisão27. Ainda, neste ponto, importa sublinhar que temos em mente as penas substitutivas previstas no nosso ordenamento jurídico e não em outros, porquanto se pensarmos, p. ex., na probation, a qual, qua tale e na sua forma pura, se não acha consagrada entre nós, as respectivas condições aplicativas serão díspares. Donde, sendo ela uma verdadeira pena – à semelhança do que sucedia com a versão originária do nosso CP no tocante à pena suspensa com regime de prova –, a probation tem sido fundamentalmente utilizada com mais sucesso em indivíduos reincidentes, os quais já demonstraram dificuldades sensíveis na interiorização de normas28.

25 Disto mesmo se queixava ENRICOFERRIna Itália de inícios do século passado (cf. ENRICO

FERRI(relator), Relatório sobre o Projecto Preliminar do Código Penal italiano, livro

I, Lisboa: Livraria Moraes, 1925, pp. 180-181).

26 De novo, o nosso «Em direcção...».

27 No mesmo sentido, em face de outros ordenamentos jurídicos, ULLAV. BONDESON, Alternatives to imprisonment. Intentions and reality, New Brunswick/London:

Tran-sactions Publishers, 2002, p. 66.

28 Assim se concluiu no estudo levado a cabo na Suécia, usando análises de sentencing,

exposto em ULLAV. BONDESON, Alternatives to imprisonment..., pp. 55-56. Todavia,

não parece ter sido esta a intentio legislativa (ibidem, p. 68). Talvez por isso, o legis-lador italiano tenha afastado da aplicação da sospensione del procedimento con messa

alla prova dell’imputato (similar ao nosso art. 281.º do CPP; forma de diversão e não pena de substituição, note-se), somente introduzido em 2004, os delitos de maior

po-tencial ofensivo. Veja-se que, nestas hipóteses, o mecanismo processual é aplicável a crimes puníveis com pena privativa de liberdade de máximo não superior a quatro anos (ao invés dos nossos cinco), com o correspondente ao nosso plano de reinserção social e prestação de serviço social pelo condenado e, em linha com o prevenido para a pena suspensa nesse Estado, também não podendo ser aplicada mais do que uma vez na vida do agente – cf. art. 168-bis do CP italiano. Por outro lado, o art. 47 do O.P. prevê

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Outro aspecto que importa relevar diz respeito a saber da vantagem ou não do estabelecimento de critérios, na lei, quanto aos aspectos a ter em conta no preenchimento, pelo magistrado, desse juízo prognóstico. É nossa convicção que somente através de uma resposta afirmativa se cumprem todas as prescrições do princípio da legalidade, também aplicável, de pleno, à matéria das reacções cri-minais, sejam elas principais ou de substituição. Cabe ao legislador, em face das diferentes penas substitutivas existentes, decidir se elege um conjunto de critérios vinculantes para os juízes e que se possam aplicar a cada uma das específicas san-ções ou se, ao invés, a propósito de cada uma delas, se decide pela sua singular enunciação. Em face do exercício que de seguida empreendemos, julgamos que se ganharia em congruência de sistema e numa certa unidade das penas em es-tudo. Tal não seria caso único em sede de Direito Comparado29. Donde, sem mais delongas, em esquema30:

o affidamento in prova al servizio sociale, o qual consagra a possibilidade de, para penas até três anos, o serviço a favor de instituições públicas e outras reconhecidas como tendo essa utilidade ser prestado fora do estabelecimento prisional (cf. MARINUCCI/

DOLCINI, Manuale di Diritto Penale. Parte Generale, Milano: Giuffrè, 2004, p. 387) e o

seu grande desiderato é afastar o condenado do meio deletério da prisão (MARIOCANEPA/

ALBERTOMARCHESELLI/SERGIOMERLO, Lezioni di Diritto Penitenziario, Milano: Giuffrè,

2002, p. 121). Sobre ela, vide ainda a Carta dei diritti e dei doveri dei dettenuti e degli

internati, que clarifica a sua concessão pelo magistrato di sorveglianza (disponível em http://www.ispcapp.org/docs/GuiDet/Carta_dei_diritti-ITA.pdf e acedido em 17/8/2015). 29 Assim, o novo CP turco de 2005 prevê, no seu art. 50.º, que as penas de prisão de curta

duração podem ser substituídas por uma série de sanções, atendendo «à personalidade, situação social e económica do condenado, arrependimento demonstrado durante a fase de julgamento e as características do crime cometido». Em Espanha, apesar de os erigirem em critérios decisórios apenas para a suspensión de la ejecución de las penas

privativas de libertad, o art. 80, 1, 2.º do CP respectivo indica um conjunto deles, os

quais nos surgem como de elevado interesse e que, no essencial, vão recobertos na proposta avançada: assim, «as circunstâncias do delito cometido, as circunstâncias ticulares do condenado, os seus antecedentes, a sua conduta posterior ao facto, em par-ticular o seu esforço para reparar o dano causado, as suas circunstâncias familiares e sociais e os efeitos que se possam esperar da própria suspensão executiva e do cum-primento das medidas que forem impostas».

30 Numa das maiores investigações empíricas conduzidas em Espanha (N=1.425

conde-nados), JOSéCIDMOLINé/ELENALARRAURIPIJOAN(coords.), Jueces penales y penas

en España (aplicación de las penas alternativas a la privación de libertad en los juz-gados de lo penal), Valencia: Tirant lo Blanch, 2002, partiram da hipótese que a maior

ou menor probabilidade de substituição pelos juízes dependia de um conjunto de fac-tores atinentes ao agente: sexo, nacionalidade (espanhola ou estrangeira), tipo de delito,

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2.1. Juízo preventivo- especial favorável

a) Factores atinentes ao facto. Consoante a gravidade da ilicitude e da culpa demonstradas no facto, maior ou menor será a probabilidade de se obter um juízo prognóstico favorável. Se, p. ex., em relação a um crime particular em sentido es- trito, como regra, é mais natural que a substituição se equacione, em delitos pú-blicos graves como o roubo ou o homicídio, tal dificilmente se obtém. Desde logo, a tal se opõem as molduras penais abstractas. De acordo com a maior ou menor intensidade do dolo ou da negligência, o mesmo se passará. O modo de execução do facto criminoso, os meios empregados, a violência demonstrada e as conse- quências dele derivadas – todo este complexo – é encarado em perspectiva es-pecial- preventiva, seja no sentido de o juiz se questionar sobre a possibilidade de ressocializar o agente, seja, apenas, quando tal se afigurar impossível, de o segregar do convívio social.

b) Factores atinentes à personalidade do agente e à sua situação pessoal Este talvez seja o factor mais vezes referido e, para muitos autores, o mais importante. Já em 1950, no 12.º Congresso Internacional Penal e Penitenciário, para além de se entender o mecanismo próximo da nossa pena suspensa como a sanção substitutiva mais adequada, chamava- se a atenção para a centralidade de que o tribunal fosse dotado de efectivos poderes de investigação da personalidade do agente como pré- condição para a respectiva aplicação (SEllIN, 1951, p. 228).

antecedentes criminais, situação processual (em liberdade ou mediante alguma medida de coacção processual, existência de toxicodependência associada, existência de de-fensor e se o mesmo era nomeado ou contratado), pagamento de indemnização civil

ex delicto, posição do MP perante a substituição e pedido ou não do defensor quanto

a essa espécie de pena (p. 49). Concluiu o estudo que o condenado que mais facilmente pode ver a sua pena substituída é espanhol, agente de um crime relacionado com con-dução ou outro comportamento sob o efeito de álcool, sem toxicodependência conhe-cida, com defensor livremente escolhido por si, que liquidou o pedido de indemnização civil e em que o MP se manifesta favorável a essa substituição. Para além disto, em regra, é um delinquente primário e com alguns recursos económicos (ibidem, pp. 55 e 61-63).

Como se adiantou em texto, os factores a seguir referidos têm em conta, de entre outros, os indicados no art. 50.º, n.º 1, os quais, para nós, deveriam servir de orientação ju-dicativa para todas as sanções substitutivas. Veja-se, ainda, no espaço lusófono, o art. 68.º, n.º 2 do CP de Timor-Leste, onde, para além dos mesmos aspectos indicados no Código português, se menciona «e, muito especialmente, a previsibilidade da sua con-duta futura», o que é outra formulação para o juízo preventivo-geral a que alude a parte

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Neste domínio, impõe- se relembrar que esta análise em nada se confunde com um julgamento de uma certa personalidade qua tale, mas sim com os factos do mundo físico em que ela se manifesta31 . E, aí, tendo em conta os aspectos indi-cados no ponto anterior, maior ou menor será a facilidade com que se conclui que, provavelmente, os factos demonstrativos dessa personalidade são de molde a es-poletar qualquer uma das duas modalidades especiais- preventivas. Há autores que defendem a centralidade deste aspecto em todo o juízo subs-titutivo – a pena a aplicar seria a forma mais perfeita de modelar as finalidades sancionatórias à personalidade do condenado, sendo ele in totumconforme com qual-quer teoria que se defenda a propósito deste magno problema do Direito Criminal32. Um outro aspecto a destacar – e que foi posto em relevo num estudo reali-zado com juízes suecos, através da técnica da análise de sentencing aquando da escolha de penas substitutivas (V. BONDESON, 2002, pp. 50- 51) – contende com a

circunstância de os demais factores atinentes à vida do agente – económicos, laborais, sociais, etc. – desempenharem um papel decisivo. A personalidade do agente, enquanto conteúdo de feição interna e de verdadeira Gesinnung, tem de ser vista em conjugação com o facto de o indivíduo se encontrar ou não bem inserido dos prismas laboral, familiar ou social. Não negamos a importância destes aspectos, sempre ao serviço da questão de saber se estamos em presença de um indivíduo mais ou menos necessitado de uma intervenção ressocializadora ou, se tal não for possível, meramente segregadora.

c) Comportamento anterior e posterior do agente

Aqui tem- se em conta se há ou não antecedentes criminais do agente33. É

exacto que a sua existência, maxime se por delitos diversos do cometido e/ou de

31 A este propósito, no sentido do que apelidaríamos, hoje, de um «Direito Penal do

facto», já BONNEVILLE DEMARSANGy, De la recidive, ou des moyens les plus efficaces

pour constater, rechercher et réprimer les rechutes dans toute infraction à la loi pénale,

t. I, Paris: Librairie de Jurisprudence de Cotillon, 1844, p. ii o escrevia: «os juízes ape-nas podem ter em conta o crime, não o delinquente; não podendo a pena ser infligida de acordo com os méritos ou deméritos do agente, mas apenas de acordo com a natu-reza e as circunstâncias do delito se encontra a repressão de qualquer modo materiali-zada; infligida em relação ao facto mais do que ao agente».

32 Entre outros, é claro neste sentido JOAQUIMVELUDOMENDESBELO, A personalidade do delinquente. Importância do seu estudo: antes, durante e depois da condenação, sep. do 11.º

vol. do Boletim da Administração Penitenciária e dos Institutos de Criminologia, 1963, p. 22.

33 Empiricamente demonstrada a sua relevância no já citado estudo com juízes suecos –

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pequeno potencial ofensivo, não é, por si só, motivo suficiente para se concluir pela inexistência de uma prognose favorável. Todavia, também seria hipócrita negar que tais antecedentes dificultam, em medida directamente proporcional ao seu número e gravidade, a concessão de penas substitutivas. Na verdade, se tal suceder, o agente já demonstrou que foi incapaz de cumprir prescrições penais e de se afastar dos actos ou omissões com relevo criminal. Tal não significa, claro está, que o passado deva condicionar, de todo, o futuro do agente, sob pena de não corporizarmos aqui o princípio de que a intervenção criminal deve ter carácter prospectivo. Porém, bem vistas as coisas, a existência de inscrições no registo cri-minal, para além de ser um indício da dificuldade em interiorizar as normas penais, reflecte uma mais elevada probabilidade de reincidir, a que se visa acorrer com as sanções em estudo. No que tange à conduta posterior ao facto, aqui o juiz vai ter em conta os es- forços do agente em reparar, na medida do possível, as consequências nefastas ad-venientes do crime, as quais podem variar desde um arrependimento a um simples calculismo pragmático. Na verdade, ao Direito Penal não interessam as motivações interiores do agente, mas sim as realidades concretas externas e perceptíveis. logo que haja ao menos esforço sério e voluntário orientado para a reparação, esse será, também, um aspecto a considerar na ponderação positiva do juízo prognóstico. Em especial quando o pensamento ínsito à reparação participa de algumas das componentes do substrato das penas substitutivas.

2.2. Juízo preventivo- geral favorável

Há autores que consideram que somente os factores preventivos- especiais desempenham um papel na escolha da pena. De entre eles, GONzálEzzORRIllA

(1997, p. 66) entende que perguntar se existe ou não um prognóstico favorável em sede de prevenção geral é uma enteléquia, na medida em que se sabe de an-temão que a entrada num estabelecimento prisional aumenta a probabilidade de, no futuro, o agente vir a reincidir, por via do contacto com o meio criminógeno. Assim, o que se deve fazer é, atendendo a critérios especiais- preventivos, aplicar ao máximo as sanções substitutivas e reservar a aplicação da pena principal privativa de liberdade somente para os casos em que, de todo, as finalidades punitivas não sejam alcançadas. Discreteamos desta argumentação. Antes de mais, embora os estudos crimi-nológicos nos demonstrem o cariz deletério da prisão, não se pode dizer, com exactidão científica, que a prisão nunca reabilita. Tudo depende do modo como ela seja configurada e das condições ressocializadoras que nela existam. Em se-

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gundo lugar, ao admitir- se que, em casos mais graves, a substituição não é possí-vel, está- se a conceder que a prevenção geral desempenha também um inegável papel, qualquer que seja a perspectiva adoptada em sede da matéria dos fins das penas. E assim não poderia deixar de ser. A sociedade não pode permitir um cum-primento de uma sanção, em regra em liberdade, quando o condenado representa um perigo para ela, de continuação da actividade criminosa, de perturbação da paz social. Donde, esta visão é excessivamente orientada para o sujeito que cometeu um delito e esquece que, no triângulo do conflito criminal, existe ainda a socie-dade em que o mesmo se insere, a vítima ou vítimas do crime e todos aqueles que necessitam de confirmar que as normas mais básicas do convívio social são reafirmadas de cada vez que um tribunal prolata uma decisão. É ainda usual não se encontrar qualquer referência ao efeito de deterrence das penas substitutivas, por se considerar que, como regra, as mesmas não desempenham uma função preventiva- geral intimidatória. Tal corresponde a uma concepção das penas sob estudo como uma espécie de «benesse» quase próxima do exercício do «direito de graça» que urge combater, por não corresponder à verdade. Aliás, estudos quanto à fiscalização de penas substitutivas através de vigilância electrónica apon-tam para que os condenados as sentem como intimidatórias e que esse mesmo efeito se transmite para a sociedade em que se inserem34. Por fim, dizer- se que as penas substitutivas devem ser aplicadas o mais am-plamente possível corresponde hoje a uma espécie de acquis jurídico- criminal bem alicerçado e interiorizado nos «operadores judiciários». Quanto mais não fora pelo respeito umbilical que o nosso ramo deve ao Direito Constitucional e, em especial neste ponto, ao princípio da proporcionalidade. Sabe- se bem que as penas principais são mecanismos que comportam riscos e desvantagens, mas que, muitas vezes, se afiguram como instrumentos necessários para atingir os deside- ratos do art. 40.º E desta certeza não podemos prescindir, sob pena de implodir-mos os fundamentos do próprio Estado de Direito no que contende com o especial contributo do Direito Penal para a sua diária realização. O que se pode afirmar – ao que cremos – é que as considerações gerais-  -preventivas se erigem em limite à aplicação de uma pena substitutiva, visto que, mesmo quando as exigências de prevenção especial a reclamam, se a integração da norma a tal se opuser, não pode o juiz determiná- la. Na verdade, julgamos

34 Vejam-se os estudos citados em RANDyR. GAINEy/BRIANK. PAyNE/MIKEO’TOOLE,

«The relationship between time in jail, time on electronic monitoring, and recidivism: an event history analysis of a jail-based program», Justice Quarterly, 17, 4 (2000), p. 747.

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poder estabelecer aqui um paralelo com a «teoria da moldura da prevenção», onde a prevenção geral, na modalidade de «mínimo de protecção do ordena- mento jurídico», constitui esse mesmo limite a que a sociedade não possa vis-lumbrar a pena (de substituição) como uma realidade inadmissível e até apta a gerar movimentos a ela contrários.

a) Factores atinentes ao facto

Qualquer dos factores indicados no ponto simétrico a este ao nível da pre-venção especial pode ser visto tendo por ângulo a comunidade no seu conjunto35. Assim, quanto maior for a gravidade de qualquer desses factores, maior é a ne-cessidade de sinalizar a permanência da validade normativa, porquanto também maior é o alarme social. Assim se compreende que, v. g., em relação a uma burla simples, mas em que o grau de culpa foi muito intenso, assim como as consequên- cias daí derivadas, se revele muito difícil elaborar- se um juízo de prognose favo-rável do prisma preventivo- geral36. Com isto não pretendemos concluir que existe qualquer tipo (para além dos óbvios limites formais) de crime que, em abstracto, deva estar afastado, de todo, do juízo substitutivo. O que também não significa que se não afirme com segurança que continua a ser para os delitos de pequeno e médio potencial ofensivo que, entre nós e no espaço jurídico- cultural que nos é próximo, as penas de substituição se reservem com maior facilidade. Por fim, di-zemo- lo deste modo, visto que trabalhamos com medidas concretas da pena que, fruto de uma só ou de uma concorrência de circunstâncias modificativas do mesmo sinal (in casu, atenuante), podem admitir a substituição quando, se analisássemos somente a respectiva moldura penal abstracta, diríamos estarem de todo afastadas do juízo substitutivo.

35 No estudo que vimos citando, e recorrendo a análises de regressão múltipla, este parece

ser o factor mais tido em conta pelos Tribunais – cf. ULLAV. BONDESON, Alternatives to

imprisonment..., p. 67.

36 JOSéSOUTO DEMOURA, «A jurisprudência do STJ sobre fundamentação e critérios da

escolha e medida da pena», 2010, acessível em

http://www.stj.pt/ficheiros/estudos/sou-tomoura_escolhamedidapena.pdf, consulta em 26/1/2015, p. 4 considera que crimes

como o homicídio doloso, ainda que privilegiado, e o tráfico de estupefacientes, como regra, não merecem um juízo prognóstico substitutivo dos tribunais (assim, entre outros, salientando que apenas em condições «especiais», na medida em que «[se] trata de um domínio em que cumpre garantir que a pena de substituição não colida com as finali-dades da punição, impondo-se assegurar que a comunidade não veja a suspensão como um sintoma de impunidade, descrendo, assim, do sistema penal.», cf. o ac. do TRC de 23/11/2011, Proc. n.º 342/10.7GCVIS.C1, MARIAJOSéNOGUEIRA).

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