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A narratividade do Hip Hop e suas interfaces com o contexto educacional

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO PROGRAMA DE PÓSPÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO TESE DE DOUTORADO. GEYZA ROSA OLIVEIRA NOVAIS VIDON. A NARRATIVIDADE DO HIP HOP E SUAS INTERFACES COM O CONTEXTO EDUCACIONAL. VITÓRIAVITÓRIA-ES 2014 2014.

(2) UNIVERSIDADE FEDERAL DO DO ESPÍRITO SANTO PROGRAMA DE PÓSPÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO TESE DE DOUTORADO. A NARRATIVIDADE DO HIP HOP E SUAS INTERFACES COM O CONTEXTO EDUCACIONAL. GEYZA ROSA OLIVEIRA NOVAIS VIDON. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Educação, na linha de pesquisa Educação e Linguagem: Verbal e Visual. Orientadora: Profa. Dra. Gerda Margit Schütz Foerste. VITÓRIA-ES 2014 2014. 2.

(3) NARRATIVIDADE A NAR RATIVIDADE DO HIP HOP E SUAS INTERFACES COM O CONTEXTO EDUCACIONAL Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Educação, na linha de pesquisa Educação e Linguagem: Verbal e Visual. Vitória (ES), 31 de março de 2014.. COMISSÃO EXAMINADORA. Profa. Dra. Gerda Margit Schütz Foerste Universidade Federal do Espírito Santo – UFES Orientadora e Presidente da Sessão Prof. Dr. Hiran Hiran Pinel Universidade Federal do Espírito Santo – UFES Membro Titular Interno Prof. Dr. Jorge Luiz Nascimento Universidade Federal do Espírito Santo – UFES Programa de Pós-Graduação em Letras - PPGL Membro Titular Externo Prof. Dr. Marcelino Rodrigues da Silva Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG Membro Titular Externo Profa. Dra. Marisol Barenco Corrêa de Mell Mello Universidade Federal Fluminense – UFF Membro Titular Externo. 3.

(4) Ao meu querido esposo, Luciano; Às minhas queridas filhas, Lívia, Maíza e Luíza; A todas as pessoas que estiveram envolvidas, direta e indiretamente, OFEREÇO. Aos meus pais Gerolisa e Getúlio, DEDICO. 4.

(5) AGRADECIMENTOS A Deus, por dar-me força e estar sempre presente em todos os momentos de minha vida Aos meus pais, ao meu marido Luciano e às minhas filhas, pelo apoio e incentivo para vencer mais esta etapa. Aos meus irmãos, Germano e Geovani, e a minha cunhada, Simone, pela confiança transmitida. À orientadora, Profa. Dra. Gerda Margit Schütz Foerste, pelos ensinamentos passados, pela amizade, pela compreensão e pela orientação. Aos professores Doutores Marcelino Rodrigues da Silva, Jorge Luiz Nascimento, Hiran Pinel e Marisol Barenco de Mello pela generosidade em participar deste processo. Às amigas Dalva, Priscila e Renata (As mais lindas do Tuffy), que durante a finalização deste processo, por tantas vezes, seguraram na minha mão e me motivaram a seguir em frente. Ao professor- MC André Adikto, pelos ensinamentos, sabedoria e dedicação estampados nas suas falas, músicas e práticas educativas tanto dentro quanto fora da escola. A todos os professores, alunos, amigos, colegas e conhecidos que me constituíram e me constituem enquanto pessoa, educadora e pesquisadora. À Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), à Fundação de Amparo À Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES) e a todos que, de alguma forma, contribuíram para a realização deste sonho. Agradeço, ainda, a tudo que, de algum modo, me fazia desviar da tese e me colocava numa situação de antítese, pois foi dialeticamente que esse texto se fez. A Antítese, também, está a caminho, mas essa é uma outra história.... 5.

(6) SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT. 07 08. INTRODUÇÃO. 10. 1- DA VILA À FAVELA: FAVELA: o encontro da pesquisadora com o tema e o problema. 13. 1.11.11.21.2-. UM TIRO NOS OUVIDOS BREVE REVISÃO DA PRODUÇÃO TEÓRICA SOBRE O TEMA. 2- POR UMA METODOLOGIA DO ENCONTRO E DA ESCUTA: ESCUTA: o contexto epistemológico da pesquisa 2.1.1- PENSO, LOGO EXISTO?. 18 27 41 44 49. 2.2 – ENCONTRO E TRADUZIBILIDADE. 3- A CULTURA HIP HOP, HOP, SUAS NARRATIVAS E SUA DIALOGICIDADE 3.1- RITMO E POESIA: UMA VOZ MARGINAL 3.2- UM OLHAR SINGULAR E RESPONSIVO SOBRE A NARRATIVIDADE NARRATIVIDADE DO RAP 3.33.3- OUTROS ESPAÇOS OCUPADOS PELO RAP E PELO HIP HOP 3.43.4- AS FRONTEIRAS ALTERIDENTITÁRIAS ALTERIDENTITÁRIAS ENTRE O EU E O OUTRO 3.53.5- A TENSÃO ENTRE UNIVERSALISMO E PARTICULARISMO NO NO DISCURSO DISCURSO DO RAP. 52 57 74 84 92 97. 4- HIP HOP E EDUCAÇÃO: DIALOGISMO E CRÍTICA. 108. 5- A ESCUTA COMO FORMA DE DIÁLOGO: o encontro do oficial com o marginal. 122 122. 6- O HIP HOP ENQUANTO NARRATIVA A SER OUVIDA PELA ESCOLA. 131 131. 6.1.1- OUTRA ESCOLA NA ESCOLA. 6.2.2- A “ESCOLA DE RIMAS” E A “BATALHA DO VOCABULÁRIO” 6.3.3- BEM NO MEIO DA BATALHA.... 133 133 141 141 148 148. 7- DO INCONCLUSÍVEL... INCONCLUSÍVEL.... 169. REFERÊNCIAS ANEXOS. 176 176 179. 6.

(7) RESUMO. A presente tese de doutoramento em Educação aborda a cultura do Hip Hop e sua relação com o contexto educativo. Insere-se nas discussões da linha de pesquisa em Educação e Linguagens e problematiza o espaço escolar, enquanto espaço de reprodução da ideologia hegemônica, analisando o projeto “Escola de Rimas”, desenvolvido na Grande Vitória, como movimento de resistência e ressignificação cultural na escola. Parte da pergunta: Como as práticas discursivas do Hip Hop podem ressignificar o contexto escolar? A presente tese aborda a cultura do Hip Hop como campo discursivo singular de uma experiência narrativa (BENJAMIN, 1986; BONDÍA, 2001) e de uma subjetividade eticamente responsável (BAKHTIN, 1992a; 1992b; 2010), fundada no princípio da alteridade (PONZIO, 2009), e o analisa a partir de uma perspectiva crítica e dialógica (FREIRE, 1981; 1994; 1995; GIROUX, 1986; 1987; BRANDÃO, 1986; BAKHTIN, 1992a; 1992b; 2010). Desenvolve a pesquisa em um contexto limiar entre a escola e a cultura hip hop e dimensiona o debate das culturas marginais nos contextos educativos, voltando-se para os sujeitos e suas experiências narrativas, avaliando a interação de algumas de suas práticas discursivas com o processo de ensino-aprendizagem. Para isso, analisa o projeto cultural “Escola de Rimas”, criado pelos próprios ativistas do movimento hip hop da Grande Vitória e desenvolvido em uma escola da rede pública estadual de ensino do Espírito Santo, com o objetivo de discutir o seu papel em um processo de ressignificação educacional. Como hipótese de trabalho defende-se que o espaço escolar, como espaço de disputas, é ressignificado com a introdução de outras práticas discursivas e culturais, entre elas o hip hop, que aponta para a necessidade de ouvir responsiva e responsavelmente as narrativas dos educandos, contribuindo, assim, para a formação crítica desses sujeitos e enfrentando, ao mesmo tempo, práticas de exclusão historicamente instituídas.. PALAVRASPALAVRAS-CHAVE: CHAVE Narrativas; Identidade; Educação e Linguagem.. 7.

(8) ABSTRACT This doctoral thesis in Education explores the culture of Hip Hop and its relation to the educational context. It falls in discussions in line with research in Education and Languages branches and questions the school setting as a place for hegemonic ideology reproduction, analyzing the project "School of Rhymes", developed in Grande Victoria state area, as a movement of resistance and cultural redefinition in school. Part of the question: How can the Hip Hop discursive practices reframe the school context? This thesis aims the culture of Hip Hop as a singular discursive field from a narrative (BENJAMIN, 1986; BONDIA, 2001) and an ethically responsible subjectivity (BAKHTIN, 1992a, 1992b, 2010), reasoned on the otherness principle (PONZIO, 2009), and analyzes it from a critical and dialogical perspective (FREIRE, 1981, 1994, 1995; GIROUX, 1986, 1987; BRANDÃO, 1986; BAKHTIN, 1992a, 1992b, 2010). This thesis also develops research in a threshold context between school and hip hop culture and scales the discussion of marginal cultures in educational contexts, focusing persons and their narrative experiments, evaluating the interaction of some discursive practices in the teaching and learning process. For this, it analyzes the cultural project "School of Rhymes", created by hip hop movement activists from Grande Vitoria city area and developed in a public school from Espírito Santo state in Brazil, in order to discuss their role in the educational reframing process. As hypothesis for working, it argues that since the school setting within a dispute environment is reframed with the introduction of other discursive and cultural practices including hip hop, which aims the need of listening to the students narratives in a responsive and responsible way, thus contributing not only to the persons critic formation, but also to face historically imposed exclusionary practices.. KEYWORDS : Narratives , Identity , and Language Education.. 8.

(9) Se é pra falar de linguagem, vou falar a nossa: Rap MC em uma Batalha do Vocabulário. 9.

(10) INTRODUÇÃO. A cultura hip hop é um espaço discursivo de construção de identidade. Através dos mc’s, dos rappers, dos dj’s, dos b.boys, dos grafiteiros, e de todos os envolvidos nesse movimento cultural, a palavra, nos sentidos bakhtiniano e freireano do termo, negada outrora, é, agora, (re)tomada, ganhando força e intenção nas vozes, nos sons, nos gestos, nos desenhos, entre outros signos, verbais e não-verbais, dos “manos” e das “minas firmeza”. Em trabalho de pesquisa anterior (VIDON, 2007) comecei a refletir sobre esse espaço, ouvindo, dialogicamente, as vozes de seus sujeitos a partir da análise de raps de MV Bill e Racionais MC’s, dois expoentes brasileiros desse movimento cultural. Tentando compreender melhor as fronteiras identitárias do discurso do rap, busquei um diálogo com vários autores de diferentes áreas do saber, como Bakhtin (1992a; 1992b; 1993; 2005; 2010), Foucault (1996), Pollak (1989), Laclau (2001), Bhabha (1998), entre outros. Concluí que são muitas questões sociais, políticas, culturais e ideológicas que esse tema envolve, produzindo, discursivamente, diversas tensões entre valores universais e particulares, relacionados diretamente a processos de rupturas e permanências e à (des)construção de uma identidade discursiva, de uma subjetividade e, também, de uma alteridade. Nesse sentido, as fronteiras entre um eu e um outro revelaram a complexidade da prática discursiva em questão, seu caráter espiral, movediço e sua interpretação opaca, não transparente. Fez-se mister, assim, continuar e aprofundar ainda mais o meu encontro com esse movimento cultural, analisando-o, agora, como um espaço discursivo singular de uma experiência narrativa (BENJAMIN, 1986; BONDÍA, 2001) e de uma subjetividade. 10.

(11) eticamente responsável (BAKHTIN, 1992a; 1992b; 2010), fundada na alteridade (PONZIO, 2009). Nesse sentido, é de uma perspectiva crítica e dialógica (FREIRE, 1981; 1994; 1995; GIROUX, 1986; 1987; BRANDÃO, 1986; além de BAKHTIN, já citado) que volto o meu olhar para esses sujeitos e suas experiências narrativas, avaliando a interação de algumas de suas práticas discursivas com o contexto educacional. Para isso, analiso o projeto cultural “Escola de Rimas”, criado pelos próprios ativistas do movimento hip hop da Grande Vitória e desenvolvido em uma escola da rede pública estadual de ensino do Espírito Santo. A análise das práticas discursivas e culturais, em relação ao contexto sócio histórico, pode apontar para a educação formas de ouvir as narrativas de seus educandos, especialmente os mais marginalizados, econômica e socialmente. Por isso, o objetivo maior deste trabalho é provocar o encontro da escola com a cultura hip hop. Esse encontro é concebido em dois sentidos (e, também, atravessado por eles): o da escola como tempo-espaço de reflexão e pesquisa, e aqui penso no lugar que ocupo enquanto pesquisadora em linguagem e educação; o outro sentido é o da escola enquanto tempoespaço da ação, da concretização de práticas pedagógicas, e aqui eu ocupo um outro lugar, o lugar de professora e de coordenadora pedagógica na rede de ensino da Grande Vitória. Penso ser possível o encontro desses três tempos-espaços (cronótopos, cf. BAKHTIN, 2005): o da universidade, o da escola básica, em especial a pública, e o da cultura hip hop. É, pois, a reflexão e refração desse (des)encontro o grande desejo deste trabalho. A presente pesquisa tem como sujeitos privilegiados os próprios rappers e mc’s que, na cultura hip hop local, brasileira e capixaba, desenvolvem seus raps, suas rimas, músicas, canções e participam de projetos coletivos criados por eles mesmos, como a “Escola de Rimas” e a “Batalha do Vocabulário”, onde se envolvem e desenvolvem. 11.

(12) práticas discursivas únicas, singulares: as batalhas, disputas ou duelos de rimas, extraindo desse movimento(ação) uma nova práxis pedagógica. É sobre esses espaços de criação ideológica que me debrucei para tentar construir a aproximação desejada neste trabalho. Neste sentido, o texto que segue apresenta sete capítulos para interlocução com os leitores, a saber: No primeiro capítulo, apresento o meu percurso de pesquisadora na definição do problema, bem como o estado da arte da produção teórica sobre o tema. Interessa-me dimensionar o debate sobre a temática identificando perspectivas investigativas e, a partir destas, desenvolver a pesquisa. No segundo capítulo, discuto as bases metodológicas e o contexto epistemológico em que se desenvolve esta investigação. O. terceiro. capítulo. dimensiona. o. Hip. Hop. enquanto. movimento. contemporâneo das culturas marginais em contraposição a formas hegemônicas de controle da sociedade capitalista. Ao mesmo tempo discute conceitos importantes, como narratividade, discursividade, identidade, universalismo e particularismo, fundamentais para se compreender responsivamente a cultura hip hop e sua dialogicidade etno-racial. A partir do quarto capítulo abordo o contexto investigado na perspectiva empírico-metodológica, capaz de fundamentar as análises para defesa da tese. Em minhas inconclusões apresento alguns achados e aponto para as possibilidades de pesquisas futuras sobre o tema.. 12.

(13) 1- DA VILA À FAVELA1: sobre o encontro da pesquisadora com o tema e o problema. Hoje sou uma educadora, graduada em Filosofia, mestre em Letras, na área de Linguagem, Cultura e Discurso, há quase vinte anos atuando como professora do Ensino Fundamental, Médio e, também, Superior. Quando iniciei formalmente minha carreira de magistério, estava cursando a faculdade e, mesmo ficando em 1º lugar em concurso público realizado em minha cidade natal, Barão do Monte Alto, Zona da Mata de Minas Gerais, optei por trabalhar em uma escola rural. Acho que sempre me interessei por experimentar novos ângulos de visão, coisa que uma escola central poderia não me proporcionar naquele momento. Já sabia que escolas de zona rural e consequentemente seus alunos e funcionários vivenciam uma certa realidade de exclusão e, ao iniciar meus trabalhos, minhas suspeitas se confirmaram. Naquela escolinha de vila, de classes multisseriadas, conviviam alunos de sete a quatorze anos. No geral, saberes múltiplos também se entrecruzavam: os do plantio e da colheita, os cultos e as histórias daquela gente, a vivência das mulheres e dos trabalhadores de uma olaria que se estabelecera na redondeza, enfim saberes do cotidiano daquela vila. Já os conhecimentos do conteúdo escolar propriamente dito, com algumas exceções, não interessavam muito aos alunos e à comunidade em geral. Trabalhei alguns anos ali e carrego bons ensinamentos das experiências que tivemos, a comunidade, meus alunos e eu. Logo que cheguei fui avisada de que havia um “monstro” na minha classe e todos achavam que, para ter sucesso no meu trabalho, bastaria “domá-lo”, ou “dominá1. Refiro-me aqui, em relação ao termo “Vila”, à comunidade rural do município de Barão do Monte AltoMG, conhecida como Vila Vardiero, onde iniciei minha carreira de professora. Como relato, fui ao encontro dessa Vila, como uma decisão pessoal. Em relação à Favela, signo representativo de periferia, pode-se dizer que ela veio ao meu encontro, através do rap, como relato mais adiante. 13.

(14) lo”. Ambos os signos, domar ou dominar, parecem carregar heranças de tempos autoritários, em que a força física sempre esteve acima do diálogo, da negociação. Não bastasse ter que dominar o meu medo de enfrentar uma sala de aula, teria que “domar/dominar” o certo “aluno-monstro”, que, por sinal, era um lindo “monstro” de olhos verdes e lábios rosados de apenas oito anos de idade. Em meio a risos, olhares desconfiados, outros agressivos, e também olhos meigos e esperançosos, eu cheguei, me apresentei e fui logo querendo “mostrar serviço”. Quanta decepção, ilusão e frustração. Logo no início, senti que alguns apostavam que eu não iria aguentar por muito tempo. Meu trabalho era constantemente interrompido por conflitos gerados por fofocas, assuntos trazidos de fora para dentro da sala de aula. Até que, em um certo momento, depois de buscar, sem muito êxito, ajuda com a equipe pedagógica, resolvi parar e ouvir de verdade o que perturbava aquelas crianças. Todos tiveram oportunidade de falar. Depois, tiveram que me ouvir. Entramos, então, em um acordo: eu os ouviria e eles também fariam o mesmo. Pronto, estava estabelecida a nossa negociação dialógica. Quanto ao meu “aluno-monstro”, resolvi que não compartilharia deste rótulo e passei a mostrar para a classe e para todos que sua agressividade era reflexo da incompreensão dos outros, do cinismo de alguns colegas que o provocavam apenas para vê-lo explodir, entre outras atitudes autoritárias. Enfim, tenho muito orgulho de ter criado oportunidade para que esse aluno pudesse se mostrar apenas como mais uma criança de oito anos de idade, como outra qualquer. Enfrentei caras feias e “estranhismos” de colegas quando assumi por escrito a responsabilidade de levá-lo a um passeio escolar, pois já haviam dito que ele não iria. Foi aí, e para espanto de todos, que resolvi condicionar a minha ida ao passeio à presença desse aluno. Para sorte dele e, principalmente, para a minha, o passeio foi um sucesso. Todos gostaram e aprenderam bastante com aquele lugar, sobretudo o meu aluno em questão. Crescemos muito com. 14.

(15) essa experiência (BONDÍA, 2002). Naquele momento percebi que havíamos criado uma ponte para inserir aquele menino em seu espaço social e que, ironicamente, diga-se de passagem, estava sendo, até então, também um lugar de exclusão. Mas o que toda essa história teria a ver com o rap, que se tornaria objeto do meu trabalho de pesquisa no mestrado? E o que isso tem a ver com a cultura hip hop e suas formas de “narrar” a realidade, objeto de minha pesquisa de doutorado? De alguma forma, meu interesse pelo rap e pela cultura hip hop, de forma geral, estava relacionado a um interesse que sempre tive por dialogar com minorias desprestigiadas social e economicamente. Essa condição de “minoria” é paradoxal, pois, no quadro social global, essa minoria corresponde, na verdade, à grande maioria da população, sobretudo a nossa. Em Valinhos, interior do Estado de São Paulo, onde trabalhei em algumas escolas da rede municipal, ou na Grande Vitória, onde atuo como coordenadora pedagógica em uma escola da rede municipal de Vila Velha e como professora de filosofia em uma escola da rede particular de Vitória, tive e tenho oportunidade de observar as mais diferentes formas de exclusão. Com o tempo fui percebendo que as escolas são por excelência o micro espaço mais propício para as observações e, por que não dizer, para as atuações sobre um macro espaço político-social. Servindo de termômetro para as investigações de natureza sócio-comportamentais, ironicamente o que deveria servir como espaço de inclusão, na prática pode se tornar instrumento mantenedor ou até mesmo propulsor de exclusões (ver, a respeito, FRIGOTTO, 2011). E tal avaliação não é exclusividade de escolas da periferia ou de escolas onde existam muitas desigualdades sociais. Pude observar também que, mesmo em escolas particulares, onde o poder econômico de sua clientela, no geral, é altíssimo, ainda ali. 15.

(16) são facilmente percebidas maneiras de se excluir. Obviamente, maneiras distintas, mas que não deixam de fazer parte de um sistema excludente. Neste sentido, o jogo social mostra-se sempre complexo e dialético em todas as camadas. sociais.. Pois,. mesmo. entre. os. privilegiados. economicamente,. independentemente do esforço que se faça para fugir dos aspectos excludentes, há mecanismos que acabam gerando esses aspectos, sejam eles de ordem física, psíquica e/ou cultural. Mas, embora esses aspectos sejam importantes, meu interesse sempre foi o de analisar, dialeticamente, os processos que excluíam de maneira mais evidente o sujeito, como, por exemplo, os relacionados a aspectos econômico-sociais e étnico-culturais. Ao mesmo tempo, porém, esses mesmos processos provocavam lugares de resistência, e isso também me chamava a atenção. Compartilho, assim, a posição de Giroux (1987, p. 55), ao analisar, no contexto dos Estados Unidos, a crítica de conservadores e radicais em relação à escola, especialmente a pública:. A despeito de suas diferenças, tanto os radicais como os conservadores abandonaram a esperança e a perspectiva de Dewey em desenvolver a escola pública como esfera democrática, ou seja, como espaço onde as habilidades para a democracia possam ser praticadas, debatidas e analisadas. Similarmente, ambas as perspectivas compartilham de uma indiferença perturbadora quanto às formas por meio das quais os alunos, de diferentes características de classe, sexo e raça, medeiam e expressam, por narrativas e diálogos, sua percepção de tempo, espaço e história; mediação e expressão que revelam tais estudantes em suas interações contraditórias, vacilantes e incompletas com os colegas e com a dinâmica da escola. Em outras palavras, tanto as ideologias radicais como as conservadoras fracassam em compreender a necessidade de se considerar a política de expressão e. 16.

(17) representação em torno da qual os alunos apreendem o significado de suas vidas e da escola. Embora esta seja uma posição compreensível quando adotada por conservadores, cuja lógica instrumentalista e de controle social estão em oposição à noção emancipatória da ação humana, a mesma representa uma falha teórica e política, quando defendida por educadores radicais.. Quando ouvi uma canção de rap pela primeira vez, percebi algo diferente naquele som, naquela melodia, naquele discurso. Havia ali um encontro entre arte e política, através de um ritmo e de uma poesia. Uma arte esteticamente às avessas, em relação ao que fomos “educados” a perceber, porém consistente, com um discurso forte e consciente. Não consegui ficar indiferente a essa estética. Percebi, então, que muitos dos meus alunos, em Valinhos, interior de São Paulo, ou na Grande Vitória, sobretudo os mais rotulados por uma certa “incompetência acadêmica”, eram justamente os que mais cantavam, reproduziam e, também, os que se arriscavam a produzir algo no gênero rap. Foi aí que percebi que a importância de analisar essa prática ia além de uma simples simpatia pelo gênero (o que já causava espanto a alguns colegas para os quais explicitava esse meu interesse). Não podia ficar indiferente a essa cultura e sua forma de politização. Essa não-indiferença fez-me aproximar da pedagogia freireana:. Uma das fundamentais diferenças entre mim e intelectuais assim fatalistas – sociólogos, economistas, filósofos, pedagogos, pouco importa – está em que, ontem como hoje, jamais aceitei que a prática educativa devesse ater-se apenas à leitura da palavra, à leitura do texto, mas também à leitura do contexto, à leitura do mundo. Sobretudo minha diferença está no otimismo crítico e nada ingênuo, na esperança que me alenta e que inexiste para o fatalista. (FREIRE, 1995, p. 30). 17.

(18) Acabei enxergando na Cultura Hip Hop um lugar de esperança, nos sentidos referenciados por Dewey, através de Giroux (1987), e por Paulo Freire, acima, um lugar de leitura do mundo, crítica, problematizadora, que poderia permitir me desvencilhar da leitura tradicional da palavra, ou da leitura artisticamente canônica da palavra, ou da leitura, pura e simplesmente, linguística da palavra. Vislumbrei na cultura hip hop e em suas práticas multilinguageiras (“políticas de expressão”, conforme Giroux [1987]), como o rap, as batalhas de rimas, os grafites, etc., um lugar de um inédito viável, como propõe Paulo Freire, em sua “Pedagogia da Esperança” (1995), ou um sonho-utopia, como nas palavras de Wanderley (2000, p. 65): “onde não há utopia, sonho, não há lugar para a educação; e sim para o adestramento.”. Assim como Dewey, Freire e os freireanos, Giroux, entre outros, resolvi não engrossar o caldo do discurso fatalista e fui, então, buscar parcerias em outros espaços, para poder situar concretamente esse novo lugar. Foi quando decidi ingressar em um programa de pós-graduação, com o propósito de analisar questões que envolviam, de alguma forma, essa prática discursiva e esses outros sujeitos que, desde então, passaram efetivamente a me afetar e que, certamente, passaram a ser afetados por mim. Deixei me impregnar de rap, de outras palavras, de outras práticas discursivas, sociais e culturais. Deixei me impregnar de OUTROS, deixei-me impregnar de Vida.. 1.1- UM TIRO NOS OUVIDOS. Um tiro nos ouvidos. É. Foi essa a sensação. Quando decidi verdadeiramente ouvir um rap, a experiência (BENJAMIN, 1986; BONDÍA, 2002) foi um tanto quanto traumática, no sentido de chocar, trazer o inesperado, o incomum. Já fazia alguns anos. 18.

(19) que estava envolvida em práticas educacionais, mas nunca, em nenhum momento antes, tinha experimentado uma palavra – vinda de um espaço tão estigmatizado pela pobreza e miséria – tão rica, poderosa e contundente. O rap provoca reações de grandes proporções. Dependendo do ângulo em que se percebe, seu discurso pode ser apreciado ou repudiado, e tanto o apreço quanto o repúdio podem ser justificados por fatores diversos. Assim como um “boom!”, caiu em mim esse elemento da cultura hip-hop, o rap, abalando os meus conceitos, minhas práticas e minhas crenças. Havia ali um encontro entre arte e política, através de seu ritmo e poesia. Essa arte, esteticamente às avessas, se somava a um discurso político consistente, com um forte viés de consciência, materializado em uma poesia atraente. Percebi quanto complexa era a relação entre aquele discurso e nossas práticas sociais e me senti provocada a tentar compreender essa relação a partir de um diálogo com o contexto educacional. Curiosamente, minha experiência com o diálogo do rap com a educação, veio no sentido oposto ao que, geralmente, nós, educadores, estamos acostumados. Ou seja, “aprendemos”, desde o curso do magistério, a buscar modelos, práticas educacionais que deram “resultados”, e tentamos aplicá-los em nossas classes, com nossos alunos. Porém, no meu caso, quem “ensinou”, quem trouxe um possível “caminho”, foram eles, os meus alunos e alunos outros que pertenciam à escola na qual eu trabalhava, naquele momento, em Valinhos, interior de São Paulo. Conforme Gadotti (2000), repercutindo o pensamento de Paulo Freire:. Todos podem aprender, mas todos sabem alguma coisa e o sujeito é responsável pela construção do conhecimento e pela ressignificação do que aprende. (...) A criança, o jovem e o adulto só aprendem quando têm um projeto de vida em que o conhecimento é significativo para eles. Mas é o sujeito quem aprende através de sua própria ação 19.

(20) transformadora sobre o mundo. É ele quem constrói suas próprias categorias de pensamento, organiza o seu mundo e o transforma. (p. 23). Não se trata de conceber a educação apenas como transmissão de conteúdos por parte do educador. Pelo contrário, trata-se de estabelecer um diálogo. Isso significa que aquele que educa está aprendendo também. (p. 24). Adentrar no tempo-espaço narrativo-discursivo do rap e da cultura hip hop, que é rico em diversos aspectos, foi, para mim, entender que há todo um jogo político e ideológico que coloca em cena questões linguísticas, históricos e culturais que vão sendo resgatadas, adaptadas, transformadas pelas relações contraditórias presentes em um jogo ainda maior, o jogo real, das relações sociais, com seus conflitos e enfrentamentos diários. De maneira direta ou indireta, explícita ou implícita, esse jogo de forças centrípetas e centrífugas entre valores universais e particulares, como analisam Laclau (2001), Bhabha (1998) e Pollak (1989), entre os eus e os outros, como concebe Bakhtin (1992a; 1992b; 1993), parece ser o próprio germe da constituição dialógica no interior do movimento hip hop. Parecia haver, também, todo um processo de ensino-aprendizagem no interior do movimento hip hop, uma espécie de “pedagogia social” em que os discípulos aprendem com os mestres, mas os mestres também aprendem com os discípulos, em um diálogo intermitente. Fiquei, evidentemente, instigada a investigar, mais a fundo, esse processo. Como ponto de partida, foi imprescindível, para se tentar compreender toda a dinâmica e arquitetônica desse processo, isto é, da relação dialógica do movimento hip hop com a área da educação, ultrapassar as barreiras dos preconceitos linguísticos, discursivos e culturais para escutar e auscultar esses novos signos e manifestações 20.

(21) comunicacionais (narrativas, conforme BENJAMIN [1986]; discursos, conforme BAKHTIN [1992a; 1992b] ou FOUCAULT [1996]) que vão além do que consideramos como padrões canonizados. Ao adentrar nesse espaço de criação sígnica e ideológica, sem essas concepções pré-formadas e firmadas, tem-se a oportunidade de discutir questões paradoxais e dialéticas, como fronteiras identitárias, relações de alteridade, constituição de subjetividades, processos de ensino-aprendizagem, em suas mais diferentes configurações. As questões levantadas são muito complexas e demandam uma visão multifocal. Pensá-las significa mobilizar conceitos teóricos de diversas áreas, como história, sociologia, crítica cultural, análise do discurso, entre outras. Por isso, a importância do diálogo, inter e transdisciplinar, buscado com os autores dessas diferentes áreas: Bakhtin, Foucault, Bhabha, Laclau, Benjamim, entre outros. As questões colocadas tocam, também, as práticas e pesquisas em educação. Conforme Andrade (1999)2, em uma das primeiras obras, no Brasil, a tratar da relação entre rap e educação, falar de rap e educação é assumir, desde o início, que a relação deve ser afirmativa. A organizadora do livro é, também, como veremos adiante, uma das pioneiras a desenvolver uma pesquisa acadêmica sobre esse tema no Brasil. Do mesmo modo, os demais autores dos artigos constituintes dos capítulos desse livro foram pioneiros em suas pesquisas sobre rap e educação em diversas áreas de estudo, como sociologia, antropologia, história, artes, jornalismo, comunicação, letras e, claro, educação. Muitos desses pesquisadores, também, atuam em suas esferas sóciodiscursivas através de práticas envolvidas com o rap e com o universo cultural do hip hop. 2. ANDRADE, Elaine Nunes de. (org.) Rap e educação, Rap é educação. São Paulo: Summus, 1999.. 21.

(22) Dentro dessa perspectiva, portanto, a cultura hip hop talvez seja um desses espaços privilegiados de possibilidades, ainda que tensas, de luta pela sobrevivência e ressignificação do ato de narrar. Aproximar a cultura hip hop do contexto educacional pode proporcionar, então, um caminho para a escuta escolar das narrativas de muitos de seus educandos.. Quando se afina o olhar, mesmo no relativo silêncio da escrita acadêmica, pode-se flagrar os indícios dos passos e ecos das vozes quase inaudíveis de outras gentes. (...) Chegando mais perto, pode-se perceber mesmo que tal presença é ruidosa. (AZEVEDO e SILVA, 1999, p. 66). A cultura hip hop valoriza as narrativas de seus sujeitos, pois elas representam justamente a sua historicidade, passada de geração a geração, presente no cotidiano de suas comunidades. Além disso, na cultura hip hop, o processo ensino-aprendizagem não separa o mestre do seu aprendiz, ambos estão juntos na mesma experiência, inseridos num mesmo contexto. Dessa forma, como as análises irão mostrar, as estratégias e metodologias pedagógicas são desenvolvidas através dos relatos e testemunhos de sujeitos que são parceiros de lutas, conflitos e conquistas. A mesma pedagogia que se apresenta, por vezes, de forma violenta, ameaçadora e irônica, conforme observa Nascimento (2006), que adverte aos playboys – representantes imediatos do “capitalismo branco” – que há uma nova cena presente nas relações sociais, também, adverte os seus pares com o mesmo tom.. As vozes que povoam a épica polifônica do grupo é a exteriorização de um mundo fechado em suas regras, códigos, linguagens corporais e falas. Assim, o que se produz é um discurso que apresenta toda uma 22.

(23) série de marcas que o definem enquanto vozes saídas de um espaço geográfico e territorial – como o entende Santos - que será autodefinido a partir da produção e representação de um real fabricado à imagem e semelhança do vislumbre do olhar que reflete as vivências de dentro de tal mundo representado. E se esse mundo é execrado, estigmatizado, visto como algo perigoso por quem está de fora, as práticas poéticas dos rapers vão ser reflexo disso, daí a aparente agressividade, a ironia cortante, a reivindicação bélica, a oscilação constante entre o agradar e o agredir, entre o politicamente correto e um. discurso. revolucionário. aparentemente. anacrônico. (NASCIMENTO, 2006).. Podemos, também, observar esses aspectos no refrão do rap de MC Adikto, “X Barras” (2014), transcrito a seguir:. Espero que entenda o que você fez Se não desse nada tu fazia outra vez Vê se aproveita e põe a mão na consciência Porque toda atitude gera uma consequência Você que escolhe: Ser Honesto ou Ser Pilantra?! Na vida é assim: Você colhe o que cê planta! Eu era fechamento, braço de verdade Você plantou vento agora colhe a tempestade! Melhor do que VII palmos de terra em cima São minhas X barras pesadas de rima fina. Aqui percebemos claramente o tom pedagógico de caráter ancestral, através do uso das metáforas, figura de linguagens, o testemunho, tornando, assim possível estabelecer uma aproximação das características desse rap capixaba com as características observadas por Nascimento em sua análise de raps das periferias paulistanas.. Essas narrativas, provindas dos guetos sub-urbanos das periferias paulistanas, deram visibilidade ao discurso do RAP e a seus autores, assim sendo, esses representantes das “classes perigosas” agora “roubam a cena” através dessa poesia crua que retoma as falas das 23.

(24) ruas. Manifestando e esclarecendo seu “lugar”, essa poesia, com seu tom pedagógico e realista, mostra idiossincrasias encobertas pelos discursos oficiais em suas falas “pelo” outro. Porém, agora esse outro é dono da palavra e, apoderada, a palavra poética vem redesenhar cartografias, inverte. olhares. e. demonstra. uma. autenticidade. constrangedora para os ouvidos desatentos que percebem tal palavra como ameaçadora, vingativa e incitante a uma guerra que seria inexistente, ou que, para alguns, parece distante. (NASCIMENTO, 2011, p.220). Como apontamos um pouco antes, parece se tratar de uma espécie de educação estética, mas, ao mesmo tempo, também, ética, realizada através de uma poesia falada, musicada, grafitada, coreografada a partir de um lugar, no sentido de Santos, indicado acima por Nascimento, ou de um cronótopo, como pensado por Bakhtin (2005).. Na verdade, é um grande desafio abordar esse movimento como “objeto” privilegiado de estudo, pois existem infinitos nichos analíticos, infinitos caminhos possíveis de análises que por infinitas vezes nos colocam em tentação e nos convidam a sair da trilha escolhida e percorrer outros rincões analíticos. Assim como eu, é provável que, ao adentrar na leitura deste texto, o leitor comece a vislumbrar links, portas, janelas analíticas outras que o façam questionar o porquê desse e não de outro caminho - “aqui poderia existir um link com tal conceito ou tal questão”. Quero deixar bem claro que resolvi 3 assumir o risco de trabalhar com um “objeto” situado, que está em movimento(ação), está em fluidez e todo o recorte que se fizer nele será sempre um recorte teórico ou didático, no intuito de se fazer uma análise possível e uma compreensão viável de um e de outro elemento ou questões. 3. Optei por escrever o texto intercalando a primeira pessoa do plural em alguns momentos e em outros a primeira pessoa do singular, por uma questão de estética e, também, ética, entendendo que mesmo nos momentos em que o texto se apresenta em primeira pessoa do singular, não há pretensão de apagamento das vozes alheias que constituem a minha voz própria. 24.

(25) Escolhi analisar as narrativas do movimento hip hop por entendê-las como expressão de um saber, mas, também, como mecanismo de resistência (GIROUX, 1986), “arma” de defesa contrária ao discurso hegemônico (FRIGOTTO, 2011), que assume diferentes faces e vozes na intenção única de manter o status quo adquirido desde a nossa colonização. Poderia ter escolhido qualquer outra força de resistência, como, por exemplo, a cultura do Congo, com a qual também tenho contato direto em meu ambiente de trabalho, mas foram elas, as narrativas do movimento hip hop, especialmente sob a forma do gênero rap, que em algum momento me fizeram despertar para fora e, ao mesmo tempo, para dentro de mim mesma, especialmente do lugar de filósofa e educadora. Filosofia e educação têm um lugar especial neste trabalho. Um lugar de encontros e desencontros. Bakhtin e Paulo Freire, Giroux e Foucault, Geraldi, Saviani e Augusto Ponzio, e vários outros filósofos e educadores, educadores-filósofos e filósofos-educadores fazem parte destas reflexões, constituindo as várias perguntas e inquietações que perturbam o meu sono e consomem minhas forças, desde que me debrucei sobre essas questões. Tarefa muito difícil esta de tentar imprimir nas páginas desta Tese o caos de sensações, indagações, angústias e, por que não dizer, de desejo de provocar nos outros o mesmo despertar que tive. Ver, ouvir com responsividade e responsabilidade (BAKHTIN, 2010; PONZIO, 2010) não é o mesmo que ver, ouvir automaticamente. É preciso sair da zona de conforto do discurso hegemônico e assumir a zona selvagem do contra discurso, assumindo sem dúvida aquele espaço paradoxal que Foucault (1996) nos apresenta em “A ordem do discurso”, quando fala do verdadeiro.. 25.

(26) É possível estar no verdadeiro somente num espaço de exterioridade selvagem, pois não nos encontramos no verdadeiro senão obedecendo a uma polícia discursiva que devemos ativar em cada um de nossos discursos. (FOUCAULT, 1996, p. 35). Portanto, os discursos eleitos como os “verdadeiros” estão todos aí, perambulando pelas clínicas, pelos postos de saúde, agências bancárias, e o que é talvez pior, perambulando em passos largos e firmes por nossas escolas, sejam elas de educação infantil ou grandes centros universitários4. Aqui eu poderia reproduzir inúmeras falas de tantos pesquisadores que se esforçaram enormemente por denunciar essas práticas, como, por exemplo, Saviani, Geraldi e, obviamente, Paulo Freire. Porém, acredito que reproduzir essas denúncias não trariam grandes novidades, já que todos nós, que, de alguma forma, estamos envolvidos com as questões da educação, as “conhecemos” muito bem. Mas, por que continuamos reproduzindo essas práticas, ou permitindo o seu enraizamento? Por que não temos forças suficientes para serrar as grades que protegem essas práticas? Ou, como nos questiona Giroux (1987, p 55), “como é possível reconhecer os espaços, as tensões e as possibilidades de luta dentro do dia-a-dia do trabalho escolar?”. Uma hipótese possível é a de que o medo tenebroso de nos encontrarmos do lado de fora do discurso hegemônico, na exterioridade selvagem, segregado no discurso do louco, é o que nos policia e nos permite apenas colocarmos um “pezinho” e não o “corpo inteiro” em novas práticas discursivas e educacionais. Esse movimento parcial é o que talvez seja mais destrutivo, pois ele nos permite ver e ouvir passivamente, mas não nos permite agir efetivamente. Temos medo das retaliações ou, mais ainda, temos medo de assumirmos um novo projeto. Não fomos 4. Ver, a esse respeito, Geraldi (2013a; 2013b). 26.

(27) educados para receber o novo, o diferente, pois, de Sócrates (V a. C.) a Mano Brown (XXI d. C.), a sociedade hegemônica sempre tratou de segregar os que fogem à regra. Talvez, também, por isso, por já estar fora desde sempre da zona de conforto é que assumir o contra discurso hegemônico, o “discurso do louco”, como no caso da narratividade do hip hop analisada neste trabalho, seja de certa forma, um local privilegiado de dizer o que comumente não se diz, de mostrar o que tantos tentam esconder. As narrativas em questão assumem um papel social de grande relevância, e, como pretendemos mostrar neste trabalho, um papel pedagógico, no sentido freireano de pedagogia, pois atingem muito mais os sujeitos que estão ali envolvidos com os seus desafios diários do que as práticas educativas oficiais aplicadas nestas comunidades.. Na sequencia buscamos mapear brevemente a produção teórica sobre este tema. Para tanto consultamos, a partir do Banco de Teses da CAPES, dissertações e teses do período de 1996 a 2013.. 1.2 - BREVE REVISÃO DA PRODUÇÃO TEÓRICA SOBRE O TEMA. Quando me interessei pela cultura hip hop e pelo rap, no âmbito de uma reflexão acadêmica, poucas eram as pesquisas realizadas ou em andamento com esse tema. Foi através, principalmente, da coletânea “Rap e educação, Rap é educação”, organizada por Elaine Nunes de Andrade (1999) que comecei a entrar em contato com o diálogo insipiente da academia com o movimento hip hop5.. 5. O levantamento bibliográfico a seguir leva em consideração a minha própria pesquisa realizada no mestrado, entre 2004 e 2007, e também consulta realizada em 2013 no Banco de Teses da Capes. Curiosamente, nesse mesmo Banco de Teses da Capes, não encontramos referências à minha dissertação de mestrado. Não é difícil supor que outros trabalhos também não estejam elencados, o que indica que 27.

(28) A partir dessa coletânea, cheguei à tese de doutorado de José Carlos da Silva, que retratava, em uma perspectiva antropológica, o movimento hip hop paulistano, em especial o movimento das “posses” no centro do São Paulo. Descobri, assim, que outros, além de mim, não estavam indiferentes ao rap e ao movimento hip-hop. Desde 1996, pelo menos, com o trabalho pioneiro de Elaine Nunes de Andrade, “Movimento Negro Juvenil: Um Estudo de Caso sobre Jovens Rappers de São Bernardo do Campo”, dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação da USP, a academia brasileira, também, reflete e refrata o impacto da cultura hip-hop na sociedade contemporânea. O trabalho de Elaine Andrade refere-se a um estudo de caso sobre uma associação de jovens rappers, que em sua prática social desenvolvem um duplo processo educativo. Investigou-se o movimento Hip Hop, e a partir de uma observação participante, registrou-se os dados que justificaram a hipótese inicial, a de que um determinado movimento juvenil desenvolve uma ação educativa. Na mesma direção, em 2001, também no programa de Educação da USP, Maria das Graças Gonçalves defendeu a tese de doutorado “Racionais MC’s: O Discurso Possível de Uma Juventude Excluída”. Esse estudo centrou-se na investigação dos significados presentes na obra do grupo Racionais MC's, visto aqui como falas juvenis organizadas a partir do interior do cotidiano da periferia de São Paulo. A hipótese foi que, articulados pelo movimento hip hop, grupos de jovens veiculam, através das falas poéticas do rap, elementos das identidades e condutas populares que podem influenciar projetos maiores para suas vidas individuais ou coletivas. Os raps foram tratados como textos discursivos, que sofreram recortes temáticos segundo três "núcleos de sentidos" principais: marcas da etnia, que contém as marcas da negritude, marcas de gênero, que. este levantamento é limitado, não tendo mesmo a pretensão de exaurir os dados. 28.

(29) contém, por sua vez, as marcas transversais do crescimento: violência, territoriedade, temporalidade, trabalho, religiosidade e escola. No ano seguinte, 2002, Alexandre Takara, na Universidade Metodista de São Paulo, também em um programa de pós-graduação em Educação, apresentou sua dissertação de mestrado, “Contribuições do movimento hip-hop para uma educação emancipadora: movimento hip-hop em Santo André”. O objetivo da pesquisa foi apresentar o movimento hip-hop enquanto bem cultural, que poderia ser introduzido nas escolas com vistas a reencantar a educação, pois educação e cultura constituem interfaces de um mesmo processo, o da produção do conhecimento. Para o autor, esse movimento quer construir uma voz coletiva e contribuir para uma educação emancipadora da periferia e para o combate à violência. O campo de estudos vai se estendendo e nesse mesmo ano, 2003, no programa de pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná, Marcilene Garcia de Souza defende a dissertação intitulada “Juventude negra e racismo: o movimento hip hop em Curitiba e a apreensão da imagem de "Capital Européia" em uma "harmonia racial”, em que analisa os sentidos que os jovens curitibanos integrantes do Movimento Hip Hop, em especial os rappers, conseguiram apreender dos discursos construídos pelo poder local e meios de comunicação acerca da cidade de Curitiba como sendo de Primeiro Mundo e uma Capital Européia numa "Harmonia Racial" entre os povos. Neste sentido, objetivou-se, na análise, entender como certos atores sociais que residiam na cidade, de acordo com algumas características, sobretudo raciais e espaciais, podiam apreender os discursos construídos acerca da identidade cultural da cidade, que por sua vez eram reproduzidos pelo poder local, pelos meios de comunicação e pela educação escolar.. 29.

(30) Essa perspectiva, que procura analisar os acontecimentos locais da cultura hip hop e sua repercussão social, política e também educacional, pode ser observada em outros trabalhos, como o de Cristiano Tierno de Siqueira, “Construção de saberes, criação de fazeres: educação de jovens no Hip Hop de São Carlos”, dissertação de mestrado defendida em 2004, na Universidade Federal de São Carlos, também na área de Educação. Sua questão central de investigação referia-se aos processos educativos que permeavam o cotidiano de jovens do Hip Hop de São Carlos; como esses jovens se educavam e como educavam outras pessoas de suas comunidades. Para o autor, sua investigação poderia trazer contribuições para se pensar a educação que permeia práticas sociais em espaços não-escolares, como também para repensar a educação nos espaços escolares. Do mesmo modo, o trabalho de pesquisa de Elizabeth Marciano da Silva, “A Escola e a Cultura do Jovem da Periferia: Um Estudo sobre a Relação entre Movimento Hip Hop e Currículo”, apresentado ao programa de Educação da Universidade Mackenzie, de São Paulo, se desenvolveu na busca pela compreensão/reflexão sobre as relações entre currículo e cultura no âmbito escolar, tendo como foco principal os recentes estudos no campo do currículo escolar sobre uma perspectiva multicultural. O trabalho procurou demonstrar, através de abordagens pedagógicas específicas, as possíveis interações entre o ensino e aprendizagem de determinados conteúdos curriculares e os conteúdos culturais do movimento Hip Hop, estabelecendo assim o necessário diálogo entre a escola e os conhecimentos elaborados a partir das apropriações culturais dos alunos. Contribuições importantes para o avanço das discussões em torno da relação do movimento hip hop com as questões educacionais podem ser observadas, também, em trabalhos acadêmicos desenvolvidos na Universidade Estadual de Campinas, na área de. 30.

(31) Educação. Tania Maria Ximenes Ferreira defendeu, em 2005, a dissertação de mestrado “Hip hop e educação: mesma linguagem, múltiplas falas”. A dissertação foi desenvolvida na área “Ensino, Avaliação e Formação de Professores”, com a contribuição de estudos realizados junto ao grupo de pesquisa VIOLAR – Laboratório de Estudos sobre Violência, Imaginário, Práticas Sócio-Culturais e Formação de Professores – da Faculdade de Educação da UNICAMP. Outro trabalho importante é o de Mariana Semião de Lima, “Rap de batom: família, educação e gênero no universo rap”, dissertação que discute a aventura de mulheres no território masculino do gênero musical rap, bem como procura contribuir para a reflexão do que nossa sociedade e o Hip Hop estão dizendo sobre si mesmos quando falam e atuam sobre a diferença de gênero. Tal temática também é abordada por Priscila Saemi Matsunaga, em 2006, em sua dissertação “Mulheres no hip hop: identidades e representações”, também defendida na Faculdade de Educação da UNICAMP. Sua pesquisa busca refletir sobre a participação de mulheres no movimento hip hop, bem como analisar as representações sociais da mulher construídas pelo movimento. Assim, grupos femininos começam a questionar o posicionamento inferior que lhes é atribuído, reivindicando outros papéis e visibilidade cultural e política. Em 2007, “As mutações da experiência militante: um estudo a partir do movimento hip hop de Campinas, São Paulo”, Rosangela Carrilo Moreno, busca refletir sobre a participação de mulheres no movimento hip hop, bem como analisar as representações sociais da mulher construídas pelo movimento. Também em 2007, Cristina Maria Campos, com sua dissertação “Rua e escola: o Hip Hop como movimento porta voz dos sem vez”, pesquisa a influência da cultura de rua no cotidiano escolar, estudada através de fragmentos narrativos de uma professora de escola pública que focalizam as fronteiras/limites da rua e da escola na ótica da juventude de periferia da cidade de Campinas, tomando como eixo para sua visada o. 31.

(32) movimento Hip Hop e a cultura produzida no entorno da escola: sua arte e valores, buscando partilhar experiência de ressignificação e inclusão no espaço escolar para a juventude que não se sente reconhecida nesse espaço. A relação do movimento hip hop com contextos de periferias urbanas também são constantes nos trabalhos realizados na Unicamp e em outras instituições acadêmicas. Em 2006, Daltro Cardoso Rotta, defendeu a dissertação “O hip-hop (en) cena: problemáticas acerca do corpo, da cultura e da formação”, colocando-se como campo de problemáticas algumas práticas de socialização de bairros periféricos, e encontra no movimento hip-hop um grande campo de experimentação. Retraça, desta maneira, a trajetória de formação de dois grupos de hip-hop da cidade de Pelotas/RS: os Piratas de Rua Creew e a Banca C.N.R. Por meio de estratégias etnográficas como a observação participante, registrada em diário de campo e depoimentos orais, problematiza suas trajetórias, que vão da socialização como uma prática de lazer periférico, até uma organização que garante aos seus atores um importante dispositivo de formação e reinserção social. Um trabalho de 2005, na mesma direção, foi o de Jair Santana, “Rap e escolaridade: um estudo de caso com afro-descendentes na condição de liberdade assistida em Sorocaba/SP”, realizado na Universidade de Sorocaba, também na área de Educação. Entendendo a escola como um espaço institucional e autorregulado, com características e objetivos bem definidos, Jair Santana trata de um possível processo de escolarização do Rap no universo de adolescentes afro-descendentes na condição de Liberdade Assistida em Sorocaba/SP. Outras instituições, também, de outros estados brasileiros, desenvolveram trabalhos importantes sobre a cultura hip hop e sua relação com a educação. Do Maranhão, podemos elencar a dissertação de Rosenverck Estrela Santos, de 2007, “Hip. 32.

(33) Hop e Educação Popular em São Luís do Maranhão: uma análise da organização Quilombo Urbano”. Seu objetivo foi compreender as relações entre o Hip Hop e a educação popular no contexto maranhense, por meio do movimento organizado “Quilombo Urbano”, tendo em vista as suas atividades organizativas e político-culturais. Compreender o movimento Hip Hop maranhense, por meio do “Quilombo Urbano”, se constituiu como uma possibilidade de identificação e mobilização para parcela considerável da juventude negra e pobre que buscava um agir coletivo. Da UFMG, podemos citar, de 2007, “As minas da rima: as jovens mulheres e o movimento HipHop de Belo Horizonte”, de Camila do Carmo Said, da Faculdade de Educação. Este trabalho situa-se no campo de estudos acerca das relações entre juventude e educação. Através de uma pesquisa qualitativa, com enfoque etnográfico, realizada com dois grupos de rap da cidade de Belo Horizonte – um composto somente por mulheres e o outro com uma composição mista – analisa a organização, a dinâmica e a atuação desses grupos no cenário hip-hop da cidade. Procura compreender, a partir de uma perspectiva sócio-cultural, quem são essas jovens integrantes dos grupos e quais os significados que esses grupos assumem na constituição dessas jovens como mulheres. Da Paraíba, elencamos, de 2008, a dissertação “De repente o RAP na Educação do Negro: O Rap do movimento Hip-Hop nordestino como prática educativa da juventude negra”, de Valmir Alcantara Alves, do programa de pós-graduação em Educação, da Universidade Federal da Paraíba. A investigação central analisa o Rap do movimento Hip-Hop nordestino, aliado ao ‘Coco de Embolada’, significando uma forma do ‘Repente nordestino’, e como estes podem contribuir como prática educativa urbana da juventude negra. A pesquisa buscou revelar novos modos de ser do jovem negro na periferia brasileira e, para isto, o estudo foi ao encontro de respostas qualitativas sobre os desdobramentos das práticas de sociabilidades entre os Rappers. 33.

(34) paraibanos, pernambucanos e descendentes nordestinos da cidade de São Paulo, verificando que estas práticas vêm atualmente promovendo um protagonismo juvenil na periferia da cidade. Outro exemplo é o trabalho de 2009, “Hip hop, educação e poder: o rap como instrumento de educação não-formal”, de Ivan dos Santos Messias, realizado na UFBA, em área interdisciplinar. Alguns trabalhos, também, foram produzidos na área de Linguística, como a dissertação de mestrado “RAP: Espaço para representação de uma possível Utopia? Uma análise enunciativa”, de Débora Linck, defendida na área de Linguística Aplicada, da Universidade Vale do Rio dos Sinos, e a tese de doutorado “Letramentos de Reexistência: culturas e identidades no movimento hip-hop”, defendida em 2009, por Ana Lucia Silva Souza, no programa de pós-graduação em Linguística Aplicada, do Instituto de Estudos da Linguagem, da UNICAMP. Esta tese, publicada posteriormente como livro, pela Cortez Editora, caracteriza o movimento cultural hip hop como uma agência de letramento e seus ativistas, em suas comunidades de pertença e naquelas em que estão em contato, como agentes de letramento. A metodologia assumida na pesquisa contou com dados gerados por meio de questionários, “rodas de conversa”, entrevistas individuais e autobiografias, além de materiais produzidos pelo grupo, tais como DVDs, CDs, fanzines, letras de rap, projetos e roteiros de palestras e oficinas. As análises evidenciaram uma reinvenção de práticas de uso da linguagem que os sujeitos realizam levando em conta as experiências educativas – de que compartilham na esfera escolar, como estudantes – que nem sempre têm precedentes em seus grupos de origem, aquelas produzidas na esfera do cotidiano e aquelas engendradas pelos movimentos sociais negros, tornando-as próprias, o que pode contribuir para instaurar mudanças nos cenários complexos que caracterizam a sociedade contemporânea. A configuração desse. 34.

(35) conjunto de práticas sociais da língua escrita e oral mostra-se não linear, multimodal, heterogêneo e criativo. Ana Lúcia Silva Souza denomina todo esse processo como letramentos de reexistência, porque responsivamente contestam, criam, propõem alterações nos espaços já ratificados e legitimados em relação aos usos da linguagem. Ainda dentro da área de Linguística, em 2010, Vera Lucia da Silva Antunes, da Universidade de Passo Fundo, apresentou o trabalho “Leitura argumentativa e polifônica de letras do rapper Mano Brown”, visando à leitura de textos de rap à luz da Teoria Argumentativa da Língua - ADL, proposta por Oswald Ducrot e Jean Anscombre em 1983. Assim, pretendeu contribuir para a qualificação do processo de ler, pelo viés da teoria argumentativa e polifônica, ou seja, explicitando como o sentido argumentativo pode ser construído na leitura das composições do rapper Mano Brown. Para finalizar essa breve Revisão da Literatura em torno das pesquisas relacionando o movimento hip hop, o rap e a área de Educação, citamos o trabalho de 2010, “O discurso musical rap: expressão local de um fenômeno mundial e sua interface com a educação”, dissertação defendida por Iolanda Macedo, na Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Esse trabalho teve como objetivo compreender os processos educativos inerentes ao hip hop. Para a pesquisadora, o rap, além de ser um gênero musical consumido pelos jovens das periferias brasileiras, também é gerador de sentidos, cujo discurso musical se caracteriza como uma das etapas dessa produção. Esta produção de sentido também perpassa por uma construção estética, comportamental, política e ideológica. Através deste discurso e ato educativo informal, os rappers também pretendem estimular uma mudança de comportamento em seus ouvintes para que estes participem da estratégia de ação que construíram e que almeja uma mudança social.. 35.

(36) Como se pode observar pelo exposto acima, as pesquisas acadêmicas em torno do hip hop e do rap e suas repercussões no campo acadêmico e educacional, se intensificaram nos últimos anos, em especial a partir de 2007. Esse levantamento, ainda que incompleto, mostra, também, a diversidade regional de abrangência desses estudos, isto é, os trabalhos de pesquisa vão do sul ao norte-nordeste do Brasil, do Rio Grande do Sul ao Maranhão, passando por Paraná, Minas Gerais, Bahia, e, principalmente, São Paulo. Aliás, a maioria dos trabalhos é deste último estado, tendo sido realizados em instituições diversas, públicas ou privadas (Usp, Unicamp, Ufscar, Mackenzie, Universidade Metodista, Universidade de Sorocaba, Universidade São Judas Tadeu). A Faculdade de Educação da Unicamp, por este levantamento, é a que apresenta o maior número de trabalhos concluídos. Em relação à temática principal levantada – hip hop, rap e educação -, a diversidade também se coloca. Há desde trabalhos de cunho mais etnográfico, retratando a constituição do movimento hip hop em determinados locais e suas possíveis implicações educacionais, até trabalhos de análise linguística das letras de um determinado grupo de rap ou de processos considerados de letramentos de grupos ligados ao movimento. Dentre os trabalhos de cunho etnográfico, estão as pesquisas sobre o movimento hip hop em São Paulo, como a pioneira dissertação de mestrado de Elaine Nunes de Andrade, organizadora do livro “Rap e Educação, Rap é Educação”, uma grande referência para as pesquisas nesta área. Em sua dissertação de mestrado, Elaine Andrade investiga os processos educativos envolvidos e desenvolvidos por jovens rappers de São Bernardo do Campo, SP. Nessa linha investigativa, de cunho etnográfico, podemos elencar, também, os trabalhos de Alexandre Takara, sobre o movimento hip hop em Santo André-SP, de Marcilene G. de Souza, a respeito do movimento hip hop no. 36.

(37) Paraná, em que analisa discursivamente os efeitos de sentido de certas representações de Curitiba na subjetividade do movimento hip hop paranaense; ainda na linha etnográfica de pesquisa, muitas vezes associada a uma investigação de natureza documentaldiscursiva, encontram-se os trabalhos de Cristiano Siqueira, sobre a educação de jovens no hip hop de São Carlos-SP, de Rosenvercke Santos, a respeito do grupo Quilombo Urbano de São Luiz do Maranhão, a análise de Daltro Rotta, a respeito da formação estética de grupos de hip hop em Pelotas-RS, o estudo de caso de Jair Santana, relacionando hip hop e educação em Sorocaba-SP, e, em especial, os vários trabalhos sobre o papel das mulheres no movimento hip hop: Mariana S. De Lima, Priscila S. Matsunaga e Camila do C. Said, Rosângela C. Moreno. Alguns trabalhos estão mais diretamente relacionados a questões didáticopedagógicas, como o de Elizabeth M. da Silva, relacionando currículo e movimento hip hop, o de Tânia Ferreira, analisando a relação entre o movimento hip hop em Campinas e perspectivas educacionais, o de Valmir Alves, refletindo sobre a educação do negro a partir do rap, colocando-o em diálogo com o repente, gênero poético-musical típico do nordeste, local de sua pesquisa (Paraíba), o de Iolanda Macedo, discutindo possíveis processos educativos inerentes ao hip hop, e o de Ivan Souza, investindo na relação entre hip hop e educação física. Um pouco mais indiretamente, o trabalho de Ana Lúcia S. Souza, no campo da Linguística Aplicada, aposta no hip hop como uma prática de letramento, podendo, neste sentido, ser concebido como um espaço privilegiado para uma pedagogia crítico-dialógica. Grande parte desses trabalhos se vale de uma metodologia que inclui pesquisa bibliográfica, documental e etnográfica. Entre as estratégias mais utilizadas estão as entrevistas e análises discursivas de documentos variados, como letras, músicas, vídeos, eventos gravados, fanzines, etc. No presente trabalho de pesquisa, também seguimos. 37.

(38) algumas dessas estratégias, como entrevista e análise discursivo-documental de letras e canções de rap, vídeos, documentários, sites e atividades do movimento hip hop capixaba. No campo teórico, as questões mais recorrentes giram em torno de aspectos relacionados às identidades culturais dos sujeitos envolvidos, sua constituição social, histórica e ideológica, apresentando-se como referências marcantes os estudos culturais, discursivos e, claro, educacionais. Um aspecto, no entanto, que parece unir o conjunto dos trabalhos resenhados acima é a ideia de que as práticas multilinguageiras, artísticas, políticas ou pedagógicas em que o movimento hip hop está envolvido constituem um lugar de resistência a uma ideologia individualista, excludente, e que tem no acúmulo de capital sua mola propulsora. Conforme Frigotto (2011, p. 26), com base em Jameson (1995), o capitalismo contemporâneo projeta “horizontes ético-políticos utilitaristas que sustentam o ideário do mercado auto-regulado como parâmetro das relações sociais e impõem a ditadura da razão única – a razão do capital”. Resistindo a essa voz hegemônica, autoritária e monologizante, a narratividade e a dialogicidade do hip hop emerge como um sonho que não se sonha só, como diria Raul Seixas, mas como um sonho que se sonha junto, uma utopia coletiva, um novo porvir que se coloca no horizonte, especialmente das periferias das grandes cidades brasileiras. Na Grande Vitória, região metropolitana em torno da capital do Estado do Espírito Santo, Vitória6, não é diferente. Aqui, também, nesse espaço-tempo particular, a cultura hip hop existe e resiste às forças centrípetas que apontam na direção de que 6. A região metropolitana da Grande Vitória é constituída pelos municípios de Serra, Vila Velha, Cariacica, Viana, além de Vitória, a capital do Estado. 38.

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