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A ABIN na imprensa: dimensão dialógica da construção de uma imagem

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO  CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO  DEPARTAMENTO DE LETRAS  PROGRAMA DE PÓS­GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGÜÍSTICA . A ABIN NA IMPRENSA  DIMENSÃO DIALÓGICA DA CONSTRUÇÃO DE UMA IMAGEM  ANA VAZ . RECIFE  2009.

(2) ANA VAZ . A ABIN NA IMPRENSA  DIMENSÃO DIALÓGICA DA CONSTRUÇÃO DE UMA IMAGEM . Tese  apresentada  ao  Programa  de  Pós­Graduação  em  Letras  e  Lingüística  da  Universidade  Federal  de  Pernambuco, para obtenção do grau de doutor. . Orientadora: Prof a . Dra. Dóris de Arruda Carneiro da Cunha . RECIFE  2009.

(3) Vaz, Ana  A  ABIN  na  imprensa:  dimensão  dialógica  da  construção  de  uma  imagem  /  Ana  Vaz.  ­  Recife:  O  Autor, 2009.  2 v.: il., quadros.  Tese  (doutorado)  –  Universidade  Federal  de  Pernambuco. CAC. Letras, 2009.  Inclui bibliografia e anexos.  1.  Lingüística.  2.  Dialogismo.  3.  Análise  do  discurso.  4.  Agência  Brasileira  de  Inteligência.  5.  Imprensa. 6. Jornalismo. I. Título.  801  410 . CDU (2.ed.)  CDD (22.ed.) . UFPE  CAC2009­31.

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(5) AGRADECIMENTOS . A minha orientadora Profª Drª Dóris de Arruda Carneiro da Cunha, pela paciência e pela  seriedade com que realizou a orientação de minha pesquisa.  À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela  oportunidade que me foi dada de realizar um doutorado sanduíche na França, o que me  permitiu um aprofundamento teórico no campo das teorias enunciativas e do discurso.  A Jacqueline Authier­Revuz, pelo importante apoio recebido durante o meu doutorado  sanduíche junto à Universidade de Paris III.  Ao Professor Luis Antonio Marcuschi, pelo brilhantismo de suas inesquecíveis aulas e pelas  proveitosas observações por ele tecidas em relação à minha tese.  À Professora Maria da Piedade M. de Sá por sua importante orientação e aconselhamento  quando da minha banca de qualificação.  A Profª Drª Gilda Lins pelo inestimável apoio dado ao início deste trabalho.  A todos os professores e colegas do PG Letras, pela oportunidade de um convívio  enriquecedor durante a realização do doutorado.  A meus filhos Elisa, Fábio e Renata, que eu amo tanto.  ..

(6) RESUMO . A presente  tese  realiza  um  estudo  analítico  de  matérias  veiculadas  na  imprensa  escrita,  que  fazem  referência  à  Agência  Brasileira  de  Inteligência  (Abin)  ­  órgão  do  Poder  Executivo  encarregado  da  produção  de  conhecimentos  de  interesse  estratégico  para  a  Presidência  da  República.  No  acompanhamento  dos textos  veiculados  na  imprensa,  observa­se  a  existência  de  uma  espécie  de  “descompasso”  entre  a  missão  legalmente  atribuída  àquele  órgão  de  inteligência  e  as  formas  como  as  suas  atividades  são  representadas  na  mídia  escrita.  A  constatação  da  polêmica  aí  fundada,  englobando  múltiplos  dizeres  e  refletindo  posicionamentos  diversos,  evidenciou  a  necessidade  de  uma  análise  mais  profunda  dos  fios  discursivos  enredados  nessa  complexa  teia  de  opiniões  e  de  pontos  de  vista  em  confronto,  tomando como base a teoria dialógica bakhtiniana e estudos contemporâneos da enunciação e  do  discurso.  A  análise  busca  elucidar  os  efeitos  de  sentidos  criados  pela  multiplicidade  de  dizeres presentes nas matérias de jornais diversos, aí englobando o discurso do próprio órgão  de  imprensa,  do  jornalista  e  colaboradores,  bem  como  de  representantes  legais  da  Agência  Brasileira  de  Inteligência.  Explicita  também  os  procedimentos  que  presidem  tal  funcionamento discursivo, levando em conta as várias vozes que ali se entrecruzam e fundam  uma relação polêmica. Evidencia que esses discursos, ao mesmo tempo em que propiciam o  fortalecimento  dos  lugares  enunciativos  ocupados  por  cada  uma  das  instâncias  envolvidas,  revelam  a  existência  de  uma  interdependência  mútua,  de  um  dialogismo  marcado  pela  presença  da  heterogeneidade  constitutiva,  cujas  marcas  se  exteriorizam  em  uma  heterogeneidade  mostrada  tanto  no  campo  da  interlocução  como  no  campo  interdiscursivo.  Por outro lado, a polêmica instaurada constrói uma imagem da Abin e dos sujeitos envolvidos  nos diversos discursos, que termina por lançar indagações acerca da sua real efetividade e do  necessário,  mas  sempre  problemático  equilíbrio  entre  a  opacidade  e  a  transparência  de  suas  ações. . Palavr as chave: dialogismo, discurso jornalístico e Abin..

(7) RESUME . Cette thèse de doctorat fait une analyse des articles de la presse quotidienne brésilienne dont  le  thème  est  l’ABIN  (Agência  Brasileira  Brasileira  de  Inteligência )  –  agence  du  gouvernement  brésilien  chargée  de  l’élaboration  des  renseignements  pour  informer  le  Président  de  la  République.  Dans  l’enssemble  d’environ  un  millier  de  textes,  extraits  des  principaux  jounaux  en  circulation  au  Brésil,  on  a  pu  vérifier  l’existence  d’un  certain  écart  entre la mission atribuée à ce service de renseignement et leurs formes de représentation dans  la presse écrite. La constatation de l’existence d’une relation polémique au sein de ces articles  – tant dans la pluralité de dires que dans la multiciplité de points de vue – a été la raison par  laquelle on a essayé de saisir les différents effets de sens produits par les discours de la presse  sur l’ABIN, et de l’ABIN, tissés dans un courant dialogique ininterrompu. Le point de départ  de cette recherche est la conception dialogique du langage de Mikhail Bakhtin et son Cercle,  enrichie par des  recherches contemporaines sur l’énonciation et le discours.  Pour arriver à la  compréhension des sens construits dans la tessiture de ces différents discours, on a fait l’usage  des  articles  de  presse  contenant  les  voix  des  journalistes,  des  journaux  et    celles  des  représentants  légaux  de  l’ABIN.  L’étude  realisée  montre  que  les  discours  construits  renforcent  des  places  énonciatives,  tout  en  dévoilant  l’interdépendence  de  ces  discours  marqués  par  la  présence  d’une  hétérogénéité  constitutive.  D’autre  part,  la  polémique  instaurée construit une image de l’ABIN dans la presse qui pose des questions à propos de son  effectivité et sur le point d’équilibre toujours necéssaire entre l’opacité et la transparence du  travail qu’elle réalise. . Mots­clés: dialogisme, discours de la presse écrite, Abin..

(8) ABSTRACT . This  thesis  performs  an  analytic  study  of  newspaper  articles  published  in  written  press  in  regard  to  the  Agência  Brasileira  de  Inteligência  (Abin  –  Brazilian  Intelligence  Agency),  an  Executive Branch bureau in charge of producing knowledge that may interest the Presidency  from  a  strategic  point  of  view.  Considering  texts  published  in  the  press,  it  is  possible  to  recognize some kind of “inconsistency” when the mission legally assigned to the intelligence  agency  is  compared  to  how  its  activities  are  actually  portrayed  in  written  media.  This  controversial finding, which carries multiple voices and reflect different positions, made clear  how necessary was to carry out a deeper analysis of the discursive threads woven  in such  a  complex web of opposing opinions and points of view, based on Bakhtin’s dialogism theory  and contemporary studies on utterance and discourse. Such analysis attempts to clarify effects  of  meaning  produced  by  the  multiple  voices  within  the  articles  of  different  newspapers,  including the discourses of the news agency itself, the journalist’s, the collaborators’ as well  as the discourse of the Brazilian Intelligence Agency legal representatives. It also explains the  procedures that guide this discursive mechanism considering the several different voices that  intertwine  in  the  text  and  establish  polemic  relations.  It  shows  that  these  discourses,  while  strengthening  the  enunciative  positions  occupied  by  each  and  every  one  of  the  participants,  reveal  the  existence  of  a  mutual  interdependence,  a  dialogism,  that  is,  a  constitutive . heterogeneity  and  a  enunciative  heterogeneity,  both  in  the  interlocutional  and  in  the  interdiscursive fields. On the other hand, this controversy forms an image of the Abin and the  subjects involved in various discourses that puts into question the agency’s real effectiveness  and the imperative—but always intricate—balance between obscurity and transparency in its  actions. . Keywords: dialogism, journalistic discourse, Abin.

(9) LISTA DE ANEXOS . ANEXO A ─ CORPUS DE TRABALHO  1.  TEXTOS SELECIONADOS  2.  QUADRO  DO  CONJUNTO  DE  MATÉRIAS  JORNALÍSTICAS  COLETADAS, NO PERÍODO DE 1999 A 2004, TENDO POR TEMA A  AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA (ABIN)..

(10) LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES . ABIN . – . Agência Brasileira de Inteligência . ABRAJI . – . Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo . AD . – . Análise do Discurso . ADF . – . Análise do Discurso Francesa . BNDES . – . Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social . CIA . – . Central Intelligence Agency (Agência Central de Inteligência) . DD . – . Discurso Direto . DI . – . Discurso Indireto . DIL . – . Discurso Indireto Livre . FARCs . – . Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia . FBI . – . Federal Bureau of Investigation (Escritório Federal de Investigação) . FD . – . Formação Discursiva . GSI . – . Gabinete de Segurança Institucional . IRE . – . Investigative Reporters and Editors (Repórteres e Editores Investigativos) . MA . – . Modalização Autonímica . MI5 . – . Security Service (Serviço de Segurança Britânico) . MI6 . – . Secret Intelligence Service  (Serviço de Inteligência Britânico) . PC . – . Paulo César Farias . PNPC . – . Programa de Proteção ao Conhecimento . PT . – . Partido dos Trabalhadores . SNI . – . Serviço Nacional de Informações . TER . – . Tribunal Regional Eleitoral . UnB . – . Universidade de Brasília . Unicamp . – . Universidade Estadual de Campinas.

(11) SUMÁRIO  APRESENTAÇÃO........................................................................................................ . 1 . I – BASES TEÓRICAS  1.  O DIALOGISMO BAKHTINIANO...........................................................  2.  A ANÁLISE DO DISCURSO FRANCESA...............................................  3.  ALTERIDADE E HETEROGENEIDADE ENUNCIATIVAS.................. . 5  8 31 41. II – MODELO METODOLÓGICO  1.   A CONSTRUÇÃO DO CORPUS................................................................  1.1 Critério Cronológico..............................................................................  1.2 Temas e Objetos de Discurso.................................................................  1.3 Gêneros Discursivos...............................................................................  1.4 Órgãos de Imprensa................................................................................  2.    O CORPUS ELABORADO......................................................................... . 47 49 50 55 67 73. III – A ABIN E A IMPRENSA  1.   A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA..........................................................  2.   A ATIVIDADE JORNALÍSTICA................................................................  3.   INTELIGÊNCIA E JORNALISMO.............................................................. . 78 85 93 . IV – A ABIN NA IMPRENSA  1.  O DISCURSO DA ABIN.............................................................................  1.1 Monofonia Enunciativa.........................................................................  1.2 Dimensões Dialógicas do Discurso da Abin.........................................  2.  O DISCURSO SOBRE A ABIN.................................................................  2.1 Plurivocalidade Discursiva....................................................................  2.2 Dimensões Dialógicas do Discurso sobre a Abin..................................  3.  A ORIENTAÇAO DIALÓGICA DO DISCURSO ....................................  3.1  ORIENTAÇÃO DIALÓGICA EM DIREÇÃO AO OUVINTE  3.1.1 O OUVINTE EFETIVO............................................................  3.1.1.1 A Refutação Explícita...................................................  3.1.1.2 O Silenciamento do Oponente......................................  3.1.1.3 A Refutação Irônica......................................................  3.1.1.4 Posicionamentos Assumidos quanto ao Ouvinte Efetivo  3.1.2 O OUVINTE IDEALIZADO....................................................  3.1.2.1  O Ouvinte Aliado..........................................................  3.1.2.2  O Ouvinte Simpatizante................................................  3.1.2.3  O Ouvinte Testemunha.................................................  3.1.2.4  O Ouvinte Juiz..............................................................  3.1.2.5Posicionamentos  Assumidos  quanto  ao  Ouvinte  Idealizado.....................................................................  3.2  ORIENTAÇÃO  DIALÓGICA  EM  DIREÇÃO  AO  OBJETO  DE  DISCURSO  3.2.1 A Disputa Dialógica quanto ao Objeto de Discurso.................  3.2.2 Duas Palavras para uma Mesma Coisa..................................... . 109  109  114  119  119  126  132  132  134  135  141  145  153  154  157  162  169  173  179  181  181  191 . CONSIDERAÇÕES FINAIS: A CONSTRUÇÃO DE UMA IMAGEM.................. . 198 . REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................... . 207.

(12) 1 . APRESENTAÇÃO . A  tese  ora  apresentada  realiza  um  estudo  analítico  de  matérias  jornalísticas  veiculadas  na  imprensa  escrita,  que  fazem  referência  à  Agência  Brasileira  de  Inteligência  (Abin) – órgão do Poder Executivo encarregado da produção de conhecimentos de interesse  estratégico para a Presidência da República.  Uma  das  motivações  para  a  realização  desse  trabalho  de  pesquisa  prende­se  ao  fato  de  que  essas  matérias,  embora  relacionadas  a  eventos  específicos  ocorridos  no  meio  social, findam por promover um questionamento acerca da missão institucional dada à Abin,  lançando indagações acerca da sua real efetividade e do necessário, mas sempre problemático,  equilíbrio entre a opacidade e a transparência de suas ações.  No  acompanhamento  que  fiz  dos textos  veiculados  na  imprensa  acerca  do  tema,  pude  observar  a  existência  de  uma  espécie  de  “descompasso”  entre  a  missão  legalmente  atribuída  àquele  órgão  de  inteligência  e  a  representação  de  suas  atividades  no  discurso  da  mídia.  A  constatação  da  polêmica  aí  fundada,  englobando  múltiplos  dizeres  e  refletindo  posicionamentos diversos, evidenciou a necessidade de uma compreensão mais profunda dos  fios  discursivos  enredados  nessa  complexa  teia  de  opiniões  e  de  pontos  de  vista  que  se  confrontam e dialogam entre si.  Busquei,  no  presente  trabalho,  elucidar  os  efeitos  de  sentidos  criados  pela  multiplicidade de dizeres presentes nas matérias de jornais diversos, aí englobando o discurso  do  próprio  órgão  de  imprensa  (sob  a  forma  de  editoriais),  do  jornalista  (com  suas  notícias,  colunas  e  artigos  de  opinião),  dos  leitores  (através  de  cartas  publicadas  nos  jornais),  assim  como o discurso da Abin, por meio dos seus representantes legais (em entrevistas e artigos de  autoria própria, além de citações localizadas em matérias jornalísticas diversas). Tentei, então,.

(13) 2 . explicitar  os  procedimentos  que  presidem  tal  funcionamento  discursivo,  as  estratégias  argumentativas  desenvolvidas,  levando  em  conta  as  várias  vozes  que  se  entrecruzam  no  espaço da imprensa, se respondem mutuamente, e fundam ali uma relação polêmica.  Em  seguida,  tentei  verificar  se  os  discursos  veiculados  sobre  o  tema  “Abin”,  abrigando  várias  vozes,  caracterizariam  a  presença  de  uma  polifonia  discursiva  ou  implicariam a  existência de um dialogismo  marcado pela  bivocalidade retórica  cujos  efeitos  de sentido seriam monovalentes.  A  pesquisa  assim  realizada  foi  distribuída  em  quatro  capítulos,  aos  quais  se  seguem algumas considerações finais bem como referências à bibliografia utilizada.  O  primeiro  dos  capítulos  faz  uma  explanação  dos  principais  fundamentos  epistemológicos  utilizados  em  meu  trabalho,  partindo  de  três  vertentes  teóricas  –  a  Teoria . Dialógica  do  Círculo  de  Bakhtin,  a  Análise  do  Discurso  de  Orientação  Francesa   e  a  Heterogeneidade  Enunciativa  de  Jacqueline  Authier­Revuz  –  as  quais  me  pareceram,  em  alguns de seus postulados, complementares entre si.  O segundo capítulo trata da metodologia adotada na construção do meu corpus de  trabalho  de  modo  a torná­lo  passível  de  análise,  tomando  por  base  não  apenas  o  critério  da  distribuição  cronológica  das  matérias  coletadas,  mas  também  a  questão  dos  temas  e  dos  gêneros  discursivos  ali  presentes,  assim  como  a  consideração  dos  órgãos  de  imprensa  nos  quais essas matérias foram produzidas e veiculadas.  O terceiro capítulo aborda questões vinculadas às principais instâncias discursivas  postas  em  cena  no  espaço  da  imprensa  escrita,  tentando  realizar  uma  análise  comparativa  entre a atividade de inteligência e a atividade jornalística, de modo a evidenciar diferenças e  similitudes  no  que  diz  respeito  aos  seus  modos  de  ação  e  às  suas  formas  de  elaboração  discursiva..

(14) 3 . Finalmente,  o  quarto  capítulo  faz  uma  análise  do  tema  na  Abin  na  imprensa,  buscando  explicitar  as  diversas  vozes  ali  emergentes,  bem  como  as  diferentes  dimensões  dialógicas instauradas através da adoção de estratégias discursivas específicas. Tomando por  base  a  noção  da  dupla  orientação  dialógica  bakhtiniana  foi  possível  estudar  o  material  coletado tanto no que diz respeito a sua orientação em direção ao objeto de discurso quanto no  que  diz  respeito  aos  vários  posicionamentos  assumidos  quando  o  discurso  se  dirige  a  diferentes  tipos  de  ouvinte,  partindo  da  distinção  presente  na  reflexão  teórica  de  Mikhail  Bakhtin entre o ouvinte efetivo e o ouvinte idealizado.  O  estudo  realizado  evidenciou  que  esses  discursos,  ao  mesmo  tempo  em  que  propiciam  o  fortalecimento  dos  lugares  enunciativos  ocupados  por  cada  uma  das  instâncias  envolvidas,  revelam  a  existência  de  uma  interdependência  mútua.  Por  outro  lado,  o  dialogismo ali instaurado, longe de se ater unicamente ao paradigma da busca de uma verdade  absoluta, funda diferentes níveis dialógicos no interior do discurso, implicando, para além do  campo  da  interlocução  imediata,  um  permanente  diálogo  dos  sujeitos  envolvidos  com  os  diversos tipos de ouvinte produzidos no e pelo discurso.  A  hipótese  inicialmente  formulada  –  de  que  esses  discursos,  por  seu  caráter  polêmico, tenderiam a criar uma “circularidade” monossêmica de cunho argumentativo –, foi,  no  desenvolvimento  do  trabalho,  sendo  revista,  e  abriu  espaço  a  novas  indagações  que  trouxeram à tona questões relacionadas à visão psicanalítica do imaginário e ao fenômeno da  modalização autonímica.  O trabalho desenvolvido não fornece respostas definitivas às questões levantadas,  pretendendo tão­somente contribuir, na medida do possível, para uma melhor compreensão de  aspectos  vinculados  ao  fenômeno  do  “dialogismo”  discursivo,  voltado  para  a  questão  da  criação e representação de eventos na mídia escrita..

(15) 4 . Segundo Lúcia Santaella (1996, p. 212), “devemos lutar contra o hábito de só nos  propormos a debater uma questão quando já temos respostas prontas para ela. Isso seria negar  a essência mesma do debate e do diálogo que é a indagação e a busca”. De fato, se houvesse  respostas  prontas,  transparentes  e  unívocas  para  o  que  é  aqui  investigado,  esse  trabalho  perderia a sua razão de existir.  Espero, assim, que a tese ora apresentada possa, por um lado, contribuir para uma  compreensão mais precisa da imagem pública e institucional da Abin – das formas pela quais  ela se diz e é dita na imprensa brasileira –, criando, por conseguinte, a possibilidade de uma  reflexão sobre o próprio agir comunicativo da instituição, o qual tem papel determinante em  um processo de legitimação que se queira efetivo 1 .  Espero, por outro lado, que a pesquisa realizada possa contribuir com os estudos  hoje realizados  no campo da teoria dialógica de  Mikhail  Bakhtin e desperte algum  interesse  não  apenas  de  lingüistas  e  pesquisadores  do  tema  inteligência,  mas  do  cidadão  de  uma  maneira  geral,  enquanto  parte  legitimamente  interessada  no  fortalecimento  das  nossas  instituições públicas e do Estado Democrático de Direito. . 1 . Uso aqui “legitimação” no sentido habermasiano do termo. Para Habermas (citado por GNERRE, 1985, p.  5): “A legitimação é o processo de dar ‘idoneidade’ ou ‘dignidade’ a uma ordem de natureza política, para  que seja reconhecida e aceita”..

(16) 5 . I ­ BASES TEÓRICAS . O  presente  trabalho  tem  como  marco  teórico  fudamental  a  Teoria  Dialógica  de  Mikhail Bakhtin 2 , com ênfase no caráter dialógico dos textos estudados.  O dialogismo constitui, na realidade, o leit­motiv de toda a obra bakhtiniana, o que  pode ser claramente observado na passagem seguinte:  A relação discursiva [...] divide­se em dois momentos: a enunciação, que diz  respeito  ao  locutor;  a  compreensão  do  enunciado  pelo  ouvinte,  a  qual  contém,  desde  já  e  sempre,  elementos  de  resposta.  De  fato,  em  condições  normais,  estamos  sempre  em  acordo  ou  em  desacordo  com  o  que  é  dito;  e  trazemos, via de regra, uma resposta a todo enunciado do nosso interlocutor  [...]. Pode­se, pois, afirmar que toda comunicação, toda interação verbal se  realizam sob a forma de uma troca de enunciados, assumindo a dimensão de  um diálogo. 3  (BAKHTIN/ VOLOSHINOV, 1981, p. 292). . É,  portanto,  fazendo  uso  da  metáfora  do  diálogo  que  o  autor  representa,  como  afirma o lingüista Carlos Alberto Faraco (2003, p. 57), a “dinamicidade do universo da cultura  humana”, o qual, intrinsecamente responsivo, se move como se fosse um grande diálogo. Mas  esse diálogo,  [...] deve ser compreendido  num sentido amplo, isto  é,  não apenas  como a  comunicação  em  voz  alta  de  pessoas  colocadas  face  a  face,  mas  toda  comunicação verbal, de qualquer tipo que seja. O livro, isto é, o ato de fala  impresso,  constitui  igualmente  um  elemento  da  comunicação  verbal.  [...]  Assim,  o  discurso  escrito  é  de  certa  maneira  parte  integrante  de  uma  discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, . 2 . A  referência  aqui  feita  unicamente  ao  nome  de  Mikhail  Bakhtin  deve­se  ao  fato  de  que  esse  autor  é  hoje  considerado o principal expoente do chamado “Círculo de Bakhtin”, o qual envolve também a produção teórica  de  outros  pensadores,  tais  como  Valentin  Voloshinov  e  P.  Medvedev.  Muitos  dos  textos  consultados  são,  inclusive,  assinados  por  mais  de  um  autor,  prática  que  findou  por  gerar  uma ampla  controvérsia no  que  diz  respeito à autoria do conjunto de obras produzidas pelo Círculo. Optei por citar textualmente os autores quando  me  refiro  às  obras  especificamente  assinadas  por  cada  um  deles,  e  utilizar  unicamente  o  nome  de  Bakhtin  quando trato do pensamento filosófico–lingüístico do Círculo como um todo.  3  Todas as citações extraídas do ensaio La structure de l’énoncé (traduzido diretamente do russo para o francês  por  Tzvetan  Todorov)  correspondem  a  uma  tradução  por  mim  realizada  do  idioma  francês  para  a  língua  portuguesa.  De modo semelhante, livros e artigos consultados em língua estrangeira também foram objetos de  tradução com o objetivo de harmonizar a língua utilizada na apresentação da tese..

(17) 6 . confirma,  antecipa  as  respostas  e  objeções  potenciais,  procura  apoio,  etc.  (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1997b, p. 123) . Essa noção de dialogismo, implicando a presença – explícita ou não – do outro no  discurso, mostrou­se valiosa para a compreensão dos modos pelos quais a relação polêmica,  presente nos textos em estudo, é discursivamente construída.  O  ponto  nodal  que  serviu  de  fundamento  a  minha  pesquisa  diz  respeito  às  diferentes  formas  de  orientação  dialógica  de  que  fala  Bakhtin  (1988a,  p.  85),  remetendo  ao  mesmo tempo para o discurso de outrem a partir do seu objeto (ou tema) e para o discurso de  outrem  na  resposta  antecipada  do  ouvinte,  caso  em  que  o  discurso  corrente  é  diretamente  determinado pela resposta futura a lhe ser dada.  A teoria dialógica bakhtiniana foi trabalhada em uma interface com as modernas  tendências  da  Análise  do  Discurso  de  linha  francesa  (ADF),  partindo  da  premissa  de  que,  muito embora o dialogismo bakhtiniano e a ADF sejam vertentes teóricas distintas, ambas são  voltadas  para  uma  visão  da  linguagem enquanto fenômeno  eminentemente  social  e  de  clara  conformação ideológica.  A teoria do sujeito desenvolvida pela ADF clássica, qual seja a de um sujeito que  não é senhor absoluto do seu dizer,  mas clivado/dividido entre o eu e o(s) outro(s) permitiu  enfocar  a  noção  bakhtiniana  de  dialogismo  trazendo,  no  desenvolvimento  do  trabalho,  aspectos  relacionados  à  noção  lacaniana  de  alteridade,  alteridade  esta  também  basilar  na  produção intelectual de Bakhtin, sobretudo em seus estudos sobre a poética do escritor russo  Fiódor  Dostoievski.    Tem­se  ali  evidenciada  a  multiplicidade  das  vozes  dispersas  em  um  discurso  –  vozes  próprias  e  vozes  alheias,  vozes  próximas  e  vozes  longínquas  –  que  atravessam  os  processos  enunciativos.  O  que  significa  dizer  que,  de  modo  similar  ao  que  ocorre  na  perspectiva  da  ADF  também  para  Bakhtin  o  sujeito  não  é  onipresente  nem  é  unívoco o seu discurso..

(18) 7 . É também nessa perspectiva que vão inserir­se as reflexões de Jacqueline Authier­  Revuz acerca da heterogeneidade discursiva, tema que a pesquisadora desenvolve a partir das  idéias de Mikhail Bakhtin e de Jacques Lacan, formulando as premissas da “não­coincidência  interlocutiva”, da “não­coincidência do discurso consigo mesmo”, da “não­coincidência entre  as palavras e as coisas”, e da “não­coincidência das palavras consigo mesmas”.  Trabalhando com a questão do dialogismo do ponto de vista da alteridade que lhe  é  constitutiva,  Jaqueline  Authier­Revuz  nos  fornece  um  interessante  estudo  das  formas  de  modalização  autonímica,  ou  seja,  dos  modos  pelos  quais  o  sujeito  se  representa  em  seu  próprio  discurso  enquanto  não­um,  mas  aspirando  à  unidade  ou  criando  para  si  mesmo  a  ilusão de uma unidade redentora. . Em  síntese,  as  principais  vertentes  teóricas  utilizadas  em  minha  pesquisa  equivalem a três diferentes dimensões discursivas que me parecem complementares entre si:  (a) os aspectos dialógicos do discurso, com  base  nas reflexões de  Bakhtin; (b) as  instâncias  enunciativas reveladas através dos lugares sociais  que ocupam e de uma memória discursiva  que  se  manifesta  na  interdiscursividade,  com  base  nos  postulados  básicos  da  ADF;  (c)  as  marcas  lingüísticas  da  alteridade  e  da  heterogeneidade  a  partir  das  concepções  de  Authier­  Revuz.  A  essa  trilogia  vêm  se  somar  contribuições  de  Dominique  Maingueneau,  como  uma  espécie  de  bússola  quanto  à  metodologia  aplicável,  capaz  de  atender  às  exigências  específicas do corpus de trabalho.  Os  principais  fundamentos  da  teoria  dialógica  bakhtiniana,  bem  como  aqueles  referentes  à  ADF  e  à  heterogeneidade  enunciativa,  são  rapidamente  esboçados  a  seguir  e  constituem a base do trabalho analítico por mim realizado. Base esta que, na medida em que a  própria análise dos textos o exigiu, foi constantemente retomada e complementada, de modo a.

(19) 8 . evidenciar as formas pelas quais as várias vozes presentes nos discursos estudados se enredam  umas nas outras, se complementam e se autonomizam, assumindo feições as mais diversas em  sua luta por serem ouvidas e acatadas. . 1  O DIALOGISMO BAKHTINIANO . O  princípio  dialógico,  como  já  ressaltado,  atravessa  toda  a  produção  teórica  de  Bakhtin  e  constitui  o  elemento­chave  para  a  compreensão  dos  fenômenos  discursivos  na  perspectiva  desse  autor.  A  primazia  ali  dada  não  é  à  “língua”  enquanto  sistema  abstrato  e  normativo,  mas  à  linguagem  enquanto  prática  ativa  de  sujeitos  capazes  de  operar  mudanças  nesse  sistema.  A  palavra  vai  mais  além  da  sua  significação  dicionarizada  e,  integrando  processos  dinâmicos  de  interação  verbal  cotidianamente  presentes  na  vida  das  pessoas,  estabelece, como diz Bakhtin, uma espécie de ponte entre o “eu” e o “outro”.  Muito  embora  a  questão  da  alteridade  tenha  sido  também  abordada  por  outros  pesquisadores  de  peso,  pode­se  afirmar  que  foi  o  Círculo  de  Bakhtin  o  responsável  pela  elaboração de uma teoria verdadeiramente dialógica, desdobrando a percepção do diálogo em  múltiplas  dimensões  e  tomando  como  elemento­base  de  suas  análises  o  enunciado  e  os  processos enunciativos que a ele dão origem, como se pode verificar nas passagens seguintes:  A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato  de  formas  lingüísticas  nem  pela  enunciação  monológica  isolada,  nem  pelo  ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação  verbal,  realizada  através  da  enunciação  ou  das  enunciações.  A  interação  verbal  constitui  assim  a  realidade  fundamental  da  língua.  (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1997b, p. 123).  O enunciado concreto (e não a abstração lingüística) nasce, vive e morre no  processo  de  interação  social  dos  participantes  de  um  enunciado.  Sua  significação e sua forma são determinadas essencialmente pela forma e pelo  caráter  desta  interação.  Se  se  retira  o  enunciado  desse  solo  fecundo  e  bem.

(20) 9 . real, perde­se a chave  que  dá acesso à compreensão  da sua forma e  do seu  sentido e não se tem, entre as mãos, senão um envelope vazio, seja ele o da  abstração  lingüística,  seja  ele  o,  tão  abstrato  quanto,  esquema  de  pensamento. (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1981, p. 199). . Essa concepção dialógica de base enunciativa, ao migrar do Leste Europeu para o  Ocidente,  foi  e  permanece  sendo  responsável  por  inúmeros  desenvolvimentos  teóricos  no  campo  dos  estudos  lingüísticos 4 .  Mas  essa  ampla  difusão  gerou,  por  assim  dizer,  um  movimento “inflacionário” quanto ao uso feito das principais idéias do pensador russo, o que,  se por um lado possibilita o enriquecimento e aprofundamento das reflexões ali presentes, por  outro, opera, em alguns casos, uma banalização de seus conceitos­chave.  Em  muitos  dos  trabalhos  produzidos  reina,  inclusive,  uma  forte  diversidade  terminológica  (também  presente,  é  bem  verdade,  nos  próprios  escritos  bakhtinianos 5 ),  diversidade  esta  que,  no  caso,  dá  origem  a  desdobramentos  teóricos  portadores  de  sentidos  fortemente  diferenciados.  É  assim,  por  exemplo,  que  a  semioticista  Júlia  Kristeva,  no  ambiente  do  estruturalismo  francês  dos  anos  60,  introduz  o termo  “intertextualidade”  como  sinônimo de dialogismo, o que, como afirma José Luis Fiorin (2003: 29), corresponde a um  “conceito redutor, pobre e, ao mesmo tempo vago e impreciso”. Outros estudiosos, tal como  Ubaldina  Lorda  (1997),  falam  da  noção  polifônica  de  Bakhtin  como  sendo  equivalente  ao  próprio  dialogismo  quando  é  possível  ter,  na  realidade,  processos  dialógicos  sem  que  esses  impliquem necessariamente em polifonia. Um outro exemplo que se pode citar diz respeito à  4 . Tais  desenvolvimentos  tornaram­se  possíveis  pelo  fato  de  que,  muito  embora  Bakhtin  tenha  se  ocupado,  sobretudo, da produção literária, muitos dos seus trabalhos demonstram a necessidade do exame de aspectos do  enunciado verbal que não dizem diretamente respeito à obra de arte, mas ao discurso da vida cotidiana. Em Le  Discours dans la vie et dans la poésie (1926), por exemplo, Bakhtin/Voloshinov destacam que os fundamentos  e as potencialidades da forma artística ulterior já se encontram, justamente, nesse tipo de enunciado. E assim  afirmam em La structure de l’énoncé (1981, p. 301): “É nos enunciados mais simples que nós encontraremos a  chave da estrutura linguistica dos enunciados literários”.  5  Bakhtin (2000b, p 397) se autocomenta: “Meu fraco pela variação e pela variedade terminológica que abrange  um único e mesmo fenômeno...” Sobre essa questão, afirma Beth Brait (2003, p. 16): “A incompletude interna  do  pensamento  bakhtiniano,  mais  do  que  um  arcabouço  teórico  e  inacabado,  é  uma  postura  científico­  filosófica, uma forma de investigação que aponta para uma totalidade aberta em que o discurso, forma histórica  e  falante,  faz­se  ouvir  através  de  suas  inúmeras  vozes,  dirige­se  a  um  interlocutor  e  impõe  uma  atitude  dialógica,  a  fim  de  que  os  vários  sentidos,  distribuídos  entre  as  vozes,  possam  aflorar.  Nessa  perspectiva,  o  discurso,  e  seu  concerto  de  incessante  produção  de  efeitos  de  sentido,  não  é  jamais  um  objeto  pacífico  e  passível de submissão ao monologismo de uma teoria acabada”..

(21) 10 . aplicabilidade  da  noção  de  polifonia  no  domínio  da  estrutura  lingüística,  tal  como  desenvolvida  por  Oswaldo  Ducrot  (1977).  Para  esse  autor,  há  polifonia  quando  é  possível  distinguir em uma enunciação dois tipos de personagens: os enunciadores e os locutores. Em  Bakhtin, entretanto, a presença de interlocutores longe de indicar uma identidade direta com o  fenômeno polifônico pode apontar simplesmente para a presença de posições enunciativas nas  quais domina a bivocalidade, cada instância interlocutiva defendendo o seu próprio ponto de  vista e lançando, em direção ao outro, a sua contrapalavra.  Bakhtin  estuda  o  fenômeno  dialógico  a  partir  de  diferentes  patamares  ou  dimensões, indo do mais amplo ao mais restrito, ou, em termos propriamente bakhtinianos, do  “grande”  ao  “microdiálogo”  6 .  Para  ele,  não  só  as  pessoas  dialogam  entre  si  como  também  dialogam  consigo  mesmas;  os  textos,  os  discursos,  se  respondem  uns  aos  outros;  o  já­dito  dialoga  com  o  que  ainda  não  foi  dito;  e  o  próprio  fenômeno  lingüístico  é  marcado  pela  heteroglossia, ou seja, pela presença de um plurilingüismo dialógico que lhe é constitutivo.  Nesse sentido, diz o autor (eu grifo):  As relações dialógicas são possíveis não apenas entre enunciações integrais  (relativamente),  mas  o  enfoque  dialógico  é  possível  a  qualquer  parte  significante  do  enunciado,  inclusive  a  uma  palavra  isolada,  caso  esta  não  seja  interpretada  como  palavra  impessoal  da  língua,  mas  como  signo  da  posição  semântica  de  um  outro,  como  representante  do  enunciado  de  um  outro,  ou  seja,  se  ouvimos  nela  a  voz  do  outro.  [...]  Por  outro  lado,  as  relações  dialógicas  são possíveis também  entre  os  estilos  de  linguagem,  os  dialetos  sociais,  etc. desde  que  eles  sejam  entendidos  como certas  posições  semânticas, como uma espécie de cosmovisão da linguagem [...]. Por último,  as  relações  dialógicas  são  possíveis  também  com  a  sua  própria  enunciação  como  um  todo,  com  partes  isoladas  desse  todo  e  com  uma  palavra  isolada  nele,  se  de  algum  modo  nós  nos  separamos  dessas  relações,  falamos  com  ressalva  interna,  mantemos  distância  face  a  elas,  como  que  limitamos  ou  desdobramos  a  nossa  autoridade.  Uma  abordagem  ampla  das  relações  dialógicas nos mostra que elas são possíveis também entre outros fenômenos  conscientizados,  desde  que  estes  estejam  expressos  numa  matéria  sígnica.  Por  exemplo,  as  relações  dialógicas  são  possíveis  entre  imagens  de  outras  artes,  mas  estas  relações  ultrapassam  os  limites  da  metalingüística.  (BAKHTIN, 1997a, p. 184).  6 . Bakhtin  (1997a,  p.  42)  se  refere  ao  grande  diálogo  como  sendo  típico  da  obra  dostoievskiana,  na  qual  coexistem  “vários  diálogos”  que  o  condensam  e  iluminam,  instaurando  o  fenômeno  da  polifonia.  Já  o  microdiálogo (1997a, p. 223) é definido como “a combinação de vozes no âmbito de uma consciência”..

(22) 11 . Até  mesmo  no  plano  da  formação  da  consciência,  que  dá  origem  ao  discurso  interior,  Bakhtin/Voloshinov  vêem  uma  base  dialógica  ao  afirmarem  que  o  próprio  pensamento já encontra a palavra povoada. Segundo esses autores:  Tudo  o  que  me  diz  respeito,  a  começar  por  meu  nome,  e  que  penetra  em  minha consciência, vem­me do mundo exterior, da boca dos outros (da mãe,  etc.), e me é dado com a entonação, com o tom emotivo dos  valores  deles.  Tomo consciência de mim, originalmente, através dos outros: deles recebo a  palavra,  a  forma  e  tom  que  servirão  para  a  formação  original  da  representação  que  terei  de  mim  mesmo.  [...]  Assim  como  o  corpo  que  se  forma  originalmente  dentro  do  seio  (do  corpo)  materno,  a  consciência  do  homem  desperta  envolta  na  consciência  do  outro.  (BAKHTIN,  2000b,  p.  378).  Aquele que apreende a enunciação de outrem não é um ser mudo, privado da  palavra, mas, ao contrário, um ser cheio  de palavras  interiores. Toda a sua  atividade mental, o que se pode chamar o “fundo perceptivo”, é mediatizado  para  ele  pelo  discurso  interior  e  é  por  aí  que  se  opera  a  junção  com  o  discurso  apreendido  do  exterior.  A  palavra  vai  à  palavra.  É  no  quadro  do  discurso  interior  que  se  efetua  a  apreensão  da  enunciação  de  outrem,  sua  compreensão  e  sua  apreciação,  isto  é,  a  orientação  ativa  do  falante.  (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1997b, p. 147­148). . Bakhtin/Voloshinov  (1997b,  p.  63)  chamam  às  unidades  do  discurso  interior . impressões globais de enunciações, fazendo empréstimo da expressão cunhada por Gompertz  para designar “uma impressão ainda não isolada do objeto total e que oferece uma impressão  do todo, que precede e  lança os  fundamentos da cognição clara do objeto”. Tais  impressões  globais encontram­se, segundo os autores, ligadas umas às outras e se sucedem, não segundo  as  regras  da  lógica  ou  da  gramática,  mas  segundo  leis  de  convergência  apreciativa  (emocional),  de  concatenação  de  diálogos,  e  numa  estreita  dependência  das  condições  históricas da situação social.  Vê­se que a concepção que Bakhtin/Voloshinov têm do diálogo  interior – forma  emblemática  de  microdiálogo  –  faz  com  que  os  autores  se  interessem,  sobretudo,  pelo  movimento que ele realiza em direção ao exterior, ou seja, na utilização que os interlocutores  fazem da palavra  na comunicação verbal ativa. Pode­se falar, portanto, na presença de duas.

(23) 12 . dimensões  dialógicas  –  a  do  discurso  interior  e  a  do  discurso  exterior  –  as  quais,  complementando­se mutuamente, não podem ser pensadas de forma isolada:  A  orientação  da  atividade  mental  no  interior  da  alma  (a  introspecção)  não  pode ser separada da realidade de sua orientação numa situação social dada.  E  é  por  essa  razão  que  um  aprofundamento  da  introspecção  só  é  possível  quando constantemente vinculado a um aprofundamento da compreensão da  orientação social. (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1997b, p. 62).  Vivo  no  universo  das  palavras  do  outro.  E  toda  a  minha  vida  consiste  em  conduzir­me  nesse  universo,  em  reagir  às  palavras  do  outro  (as  reações  podem  variar  infinitamente),  a  começar  pela  minha  assimilação  delas  [...]  para terminar pela assimilação das riquezas da cultura humana. (BAKHTIN,  2000b, p. 383). . Entretanto, como diz Bakhtin, ainda que as palavras se dividam para cada um de  nós em palavras pessoais e palavras do outro, as fronteiras entre essas categorias podem  ser  flutuantes, sendo justamente nessas fronteiras que se trava o “duro combate dialógico”.  Nesse  contexto,  é  possível  afirmar  que  o  moderno  conceito  de  intertextualidade  (como  já  visto,  introduzido  por  Kristeva  nos  anos  60),  bem  como  a  ênfase  atualmente  dada  aos modos de apropriação discursiva da palavra do outro, vinculam­se à reflexão bakhtiniana  acerca  do  dialogismo,  muito  embora  o  autor  não  faça  uso  desses  termos.  Os  fenômenos  da  intertextualidade  e  da  interdiscursividade  estão  implicitamente  presentes  no  princípio  dialógico do Círculo de Bakhtin, como se pode perceber na passagem seguinte:  Não  pode  haver  enunciado  isolado.  Um  enunciado  sempre  pressupõe  enunciados  que  o  precederam  e  que  lhe  sucederão;  ele  nunca  é  o  primeiro  nem  o  último;  é  apenas  o  elo  de  uma  cadeia  e  não  pode  ser  estudado  fora  dessa cadeia. Existe  entre os  enunciados  uma relação  impossível de  definir  por  termos  de categorias  mecânicas  ou  lingüísticas.  (BAKHTIN,  2000b,  p.  375). . Aqui, abro um parêntese para analisar um pouco a sempre  controversa distinção  entre  interdiscurso  e  intertextualidade.  Muitos  estudiosos  debruçam­se  sobre  a  questão  sem  chegarem,  entretanto,  a  um  denominador  comum,  provavelmente  em  razão  da  própria  diversidade com que as noções de texto e de discurso são, por cada um deles, trabalhadas. É.

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