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Com a delicadeza necessária: o discurso de gênero e sexualidade em livros de literatura infantil

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADEFEDERALDE PERNAMBUCO

CENTRODEEDUCAÇÃO

PROGRAMA DEPÓS-GRADUAÇÃO EMEDUCAÇÃO

CURSODEMESTRADO

AMAURYVERASNETO

COMADELICADEZANECESSÁRIA:ODISCURSODEGÊNEROE SEXUALIDADEEMLIVROSDELITERATURAINFANTIL

Recife 2015

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AMAURYVERASNETO

COMADELICADEZANECESSÁRIA:ODISCURSODEGÊNEROE SEXUALIDADEEMLIVROSDELITERATURAINFANTIL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação.

Linha de pesquisa: Formação de professores e prática pedagógica.

Orientadora: Profa. Dra. Rosângela Tenório de Carvalho.

Recife 2015

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AMAURYVERASNETO

COMADELICADEZANECESSÁRIA:ODISCURSODEGÊNEROE SEXUALIDADEEMLIVROSDELITERATURAINFANTIL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação.

Aprovada em: 29/10/2015.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________ Profa. Dra. Rosângela Tenório de Carvalho (Orientadora)

Universidade Federal de Pernambuco

___________________________________________________________ Profa. Dra. Zélia Granja Porto (Examinadora Externa)

Universidade Federal de Pernambuco

__________________________________________________________ Profa. Dra. Lívia Suassuna (Examinadora Interna)

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As nossas lutas diárias. A todo momento embates surgem para a conquista do poder. Ora somos perpassados dum poder e nos colocamos numa situação que nos favorece, ora somos colocados em situações desfavoráveis, às vezes pelo mesmo poder que nos fez maiores outrora. Forças atuam o tempo inteiro num ir e vir incessantes, que muitas vezes nos deixam nauseados, mas não temos nunca, se o nosso objetivo for a mudança do status quo, a opção de ficar de fora dessa dança infindável. Não se pode fugir. Se a queremos bela, depende do quanto sabemos dançá-la, do quanto podemos impressionar com nossos passos e piruetas, sabendo os momentos certos de conduzir e nos deixar conduzir. Pois é só inscrito num contexto, e sabendo suas regras - ora comungando-as, ora subvertendo-as -, que podemos modificá-lo.

É nessa dança interminável que esta dissertação se inscreve: não só com o objetivo de empoderar aqueles que fazem parte dele, mas também, com o objetivo de tentar mostrar alguns jogos de poder, de denunciar quando esses jogos apontam para as desigualdades e tentar criticá-los. Apenas isso. Tarefa pequena, modesta e fina. Assim como são os discursos e os poderes aqui estudados.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer aos meus pais e irmãs, pelo apoio incondicional. Aos meus amigos, pois nem quando eu me aguento, eles me aguentam.

À professora Rosângela Tenório de Carvalho, por ser a melhor orientadora do mundo.

Às professoras que leram o meu projeto de qualificação: professora Lívia Suassuna, a professora Zélia Granja Porto e ao professor Durval Muniz. Grato pelas críticas e sugestões.

Aos professores das disciplinas, que deram os alicerces para a minha formação como mestre.

Aos meus colegas de turma pelo convívio e aprendizado conjunto.

Ao programa de pós-graduação, todos os funcionários, professores e técnicos, pois eles de forma direta ou indireta auxiliaram em minha formação. À banca de qualificação, pois as contribuições ajudaram a fazer um texto final melhor.

À Capes, pois sem o incentivo (a bolsa) eu provavelmente não terminaria a dissertação.

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Lo ideal no es fabricar herramientas sino construir bombas porque, una vez que se han utilizado las bombas construidas, ya nadie las puede usar. Y debo añadir que mi sueño personal no es construir bombas, pues no me gusta matar gente. Sin embargo, me gustaría escribir libros-bomba, es decir, libros que sean útiles precisamente en el momento en que uno los escribe o los lee. Acto seguido, desaparecerían. Serían unos libros tales que desaparecerían poco tiempo después de que se hubieran leído o utilizado. Deberían ser una especie de bombas y nada más. Tras la explosión, se podría recordar a la gente que estos libros produjeron un bello fuego de artificio. Más tarde, los historiadores y otros especialistas podrían decir que tal o cual libro fue tan útil como una bomba y tan bello como un fuego de artifício. (Foucault, numa entrevista a estudantes americanos. Diálogos sobre o poder.)

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RESUMO

Esta dissertação, realizada no Programa de Pós-graduação em Educação da UFPE, no núcleo de Formação de Professores e Prática Pedagógica, tem como objeto de estudo o discurso de gênero e sexualidade na literatura infantil. O objetivo do estudo é, ao analisar o discurso de gênero e sexualidade presentes nos livros de literatura infantil sugeridos pela coleção “explorando o ensino” – no contexto das mudanças curriculares, nos anos 1990, com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) e a inclusão de temas transversais como Orientação sexual entre outros –,problematizar as representações de gênero e sexualidade nesse discurso tendo como foco as posições de sujeito. A reflexão teórica e metodológica que orienta a análise tem como referência elementos dos estudos desenvolvidos por Michel Foucault sobre as relações de poder, discurso e sexualidade e governo dos corpos; uma conceitualização e problematização advinda dos estudos feministas de Judith Butler, Guacira Louro e também a conceitualização de Stuart Hall e Tomaz Tadeu da Silva, autores que problematizam a relação entre pedagogia escolar e pedagogia cultural e representação. Trabalhamos também com estudos sobre literatura infantil, artefato cultural implicado nos discursos de produção de identidades e subjetividades multidimensionais o que nos ajudou a analisar esse artefato cultural como um lugar de enunciação sobre as identidades de gênero e de sexualidade. O estudo teve como corpora seis livros de literatura infantil selecionados na Coleção Explorando o Ensino: Literatura. Esta coleção foiorganizada para apoiar a formação de professores/as no contexto do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE). A análise indica como o discurso de gênero e sexualidade na literatura infantil tem a função enunciativa de transmissão de valores a respeito da família, da maternidade, das posições de sujeito masculino e feminino. Há uma evidência da representação da mulher no contexto de uma sociedade patriarcarlista, delicadeza, maternidade, cuidado com o outro, responsável pela alimentação, pela higiene e saúde da família. A posição de sujeito masculino está associada ao provedor da subsistência e da segurança da família. Há ainda que ressaltar a força da família nuclear da tradição da modernidade.

Palavras-chave: Literatura infantil. Gênero e sexualidade. Identidade. Modos de subjetivação.

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ABSTRACT

This work, conducted in the Postgraduate Certificate in Education UFPE program, the core of Teacher Training and Teaching Practice, has as its object of study the discourse of gender and sexuality in children's literature. The objective of the study is, to analyze the discourse of gender and sexuality present in children's literature collection of books suggested by "exploring teaching" in the context of curriculum changes question- in the context of curricular changes in the 1990s with the National Curricular Parameters (NCPs) and the National Curricular Guidelines (NCDs) and the inclusion of cross-cutting themes such as sexual orientation among others -, problematizing the representations of gender and sexuality that speech focusing on the subject positions. The theoretical and methodological reflection that guides the analysis is referenced elements of the studies developed by Michel Foucault on power relations, speech and sexuality and government bodies; a conceptualization and questioning arising of feminist studies of Judith Butler, Guacira Laurel and also the conceptualization of Stuart Hall and Tomaz Tadeu da Silva authors that question the relationship between school pedagogy and cultural pedagogy and representation. We also work with studies of children's literature, cultural artifact implicated in identity production of discourses and subjectivities multidimensional which helped us analyze this cultural artifact as a place of enunciation on gender identity and sexuality. The study was corpora six children's literature books selected in the Collection Exploring Education: Literature. This collection was organized to support the training of teachers / in the context of the National Textbook Program (PNLD) and the National Program of School Library (PNBE). The analysis shows how the discourse of gender and sexuality in children's literature has the function expository transmission of values regarding the family, motherhood, the subject of male and female positions. There is evidence of women's representation in the context of a society patriarcarlista, delicacy, maternity, care of each other, responsible for nutrition, hygiene and the health of the family. The male subject position is linked to subsistence and family security provider. There is also that highlight the strength of the nuclear family tradition and modernity.

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LISTADESIGLAS

ANPED Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Educação BENFAM Bem Estar da Família no Brasil

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior DST Doença Sexualmente Transmissível

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais SIDA Síndrome de Imonodeficiência Adquirida UNICEF United Nations Children's Fund

FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz

PNLD Programa Nacional do Livro Didático PNBE Programa Nacional Biblioteca da Escola PCN Parâmetros Curriculares Nacionais PNE Plano Nacional de Educação

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LISTADEQUADROS

Quadro 1 - Trabalhos com a temática de Gênero e sexualidade afins ao projeto de pesquisa (2000 a 2013) ...27 Quadro 2 - Modêlo analítico ...49

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LISTADEFIGURAS

Figura 1 - Marcha das vadias ...69

Figura 2 - Parada Gay São Paulo 2015...70

Figura 3 - Tem Gente ...72

Figura 4 - A família ...73

Figura 5 - O casal ...76

Figura 6 - Na gravidez a comilona ...77

Figura 7 - As roupas ...80

Figura 8 - A nova edição ...82

Figura 9 - Amor de Ganso ...83

Figura 10 - O protagonista...85

Figura 11 - O herói que ajuda com a comida ...86

Figura 12 - Para que serve uma barriga tão grande? ...88

Figura 13 - A mãe ...91

Figura 14 - Representações da mãe ...93

Figura 15 - Representações da mãe 2 ...94

Figura 16 - Representações da mãe 3 ...95

Figura 17 - Capa do livro “O menino Nito” ...96

Figura 18 - Páginas 14 e 15 do livro “O menino Nito”...98

Figura 19 - Página 4 do livro “O menino Nito” ...99

Figura 20 - Página 7 do livro “O menino Nito” ... 101

Figura 21 - Página 16 do livro “O menino Nito” ... 102

Figura 22 - Página 8 do livro “O menino Nito” ... 103

Figura 23 - Detalhe da página 5 do livro “O menino Nito” ... 104

Figura 24 - Página 5 do livro “O menino Nito” ... 105

Figura 25 - Capas do livro “Emmanuela”, primeira e segunda edição, respectivamente ... 106

Figura 26 - representação da família do livro “Emmanuela” ... 110

Figura 27 - representação da família no livro “Emmanuela” ... 111

Figura 28 - Representação do cotidiano familiar na edição mais nova de “Emmanuela” ... 113

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...13

2 LITERATURA INFANTIL COMO LUGAR DE ENUNCIAÇÃO DO DISCURSO DE GÊNERO E SEXUALIDADE ...20

2.1 Enunciados sobre literatura infantil e o seu papel formativo ...20

2.2 Estudos recentes sobre literatura infantil associados ao discurso de gênero e sexualidade ...26

3 MODELO ANALÍTICO – ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS ...33

3.1 Gênero e sexualidade: o debate Teórico ...34

3.1.1 Os discursos feministas de gênero ...34

3.1.2 Sexualidade e poder ...37

3.1.3 Representação ...41

3.2 Análise do discurso ...44

3.2.1 Discurso e interdiscurso ...44

3.2.2 Análise cultural ...48

3.2.3Os corpora de análise ...50

4 O CENÁRIO DO DISCURSO DE GÊNERO E SEXUALIDADE NA LITERATURA INFANTIL ...52

4.1 Os temas transversais no currículo da educação básica e a questão da saúde do corpo ...52

4.1.1 O Melhor método anticoncepcional para adolescente é a escola ...57

4.2 Os movimentos sociais e o debate de gênero e sexualidade ...65

5 COM A DELICADEZA NECESSÁRIA – OS DISCURSOS DE GÊNERO E SEXUALIDADE NA LITERATURA INFANTIL ...71

5.1 Tem Gente ...71

5.2 Amor de Ganso ...83

5.3 Pra que serve uma barriga tão grande ...88

5.4 O Menino Nito ...96

5.5 Emmanuela ... 106

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS: COM A DELICADEZA NECESSÁRIA E AS DESNECESSÁRIAS INDELICADEZAS ... 116

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho dissertativo está inscrito na temática do gênero e da sexualidade; mais especificamente, no discurso de gênero e sexualidade em livros de literatura infantil no contexto da “educação sexual”. Essa prática educativa, nomeada de Orientação Sexual (como hoje é empregada), ou Educação Sexual, como fora outrora, aqui é entendida como um mecanismo do Estado para o controle, pela educação, da sexualidade1 dos indivíduos, através dos livros de literatura infantil e juvenil.

Interessa neste trabalho não a prática substantiva dessa educação, mas essa prática como um discurso que não apenas diz sobre gênero e sexualidade, mas produz um discurso sobre modos de ser e de estar no mundo do ponto de vista do gênero e da sexualidade (FOUCAULT, 2013).

Gênero e sexualidade são conceitulizações que têm sido associadas no campo educacional, embora cada uma tenha a sua singularidade. Neste trabalho, gênero é tomado como um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e como uma forma primeira de significar as relações de poder, tal como defende Scott (1995), e sexualidade, como um dispositivo histórico produzido no contexto discursivo e de relações de poder (FOUCAULT, 2012a).

Esses dois conceitos, tratados como discurso no contexto da literatura infantil, permitem uma análise que nos aproxima de uma visão de desnaturalização da identidade de gênero e sexual. Nesse sentido, as identidades são entendidas como construções advindas de efeitos de discursos.

Para especificarmos o nosso objeto – o discurso de gênero e sexualidade nos livros de literatura infantil –, precisamos realizar um breve apanhado histórico dos discursos que impulsionaram as mudanças curriculares que institucionalizaram a educação sexual (com o nome, atualmente, de “Orientação Sexual”) no currículo escolar brasileiro, mostrando como surgem o nosso objeto e os discursos que o perpassam.

Primeiramente, é importante falarmos das mudanças curriculares da década de 1990. Em seu artigo “Proposta curriculares alternativas: limites e avanços”,

1

Tecnologia do sexo; um dispositivo histórico que fabrica corpos e subjetividades. Vide capítulo “Sexualidade e Poder”.

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Moreira diz que essas mudanças ocorridas naquela década foram influenciadas, do ponto de vista dos estudos no campo curricular, pelos estudos culturais, pelo pós-modernismo e pelo pós-estruturalismo. Segundo o autor,

Os textos preservaram a preocupação com o conhecimento escolar, abordando ainda temas como: o nexo poder-saber no currículo, a transversalidade no currículo, novas organizações curriculares, as interações no currículo em ação, o conhecimento e o cotidiano escolar como redes, o currículo como espaço de construção de identidades, o currículo como prática de significação, a expressão das dinâmicas sociais de gênero, sexualidade e etnia no currículo, o multiculturalismo (MOREIRA, 2000, p. 118).

Nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, lançados no final dos anos 1990, define-se a necessidade de mudanças na escola relativas às especificidades identitárias dos sujeitos da educação. Problematiza-se o desenho da organização da escola pelo fato de esta não ter conseguidoresponder às singularidades dos sujeitos que a compõem (MOREIRA, 2000).

Contudo, Moreira (2000) nos mostra que o currículo formulado no final dos anos 1990 não vai superar o distanciamento entre a “prática em sala de aula” e a “teoria” e, por apresentar um caráter complexo e abstrato com poucas sugestões aos profissionais da educação, não chega a nortear novas práticas e reformas. Dito de outra forma, há um distanciamento entre os enunciados dos documentos curriculares e os enunciados da prática curricular efetivada nas escolas.

No contexto dos documentos curriculares oficiais do período a exemplo das Diretrizes Curriculares Nacionais e dos Parâmetros Curriculares Nacionais, observa-se a inclusão, na política de educação nacional, de um ensino que contemple as questões de gênero e de sexualidade. Nessas diretrizes define-se a necessidade de mudanças na escola relativas às especificidades identitárias dos sujeitos da educação.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Básica (BRASIL, 2010a) problematiza o desenho da organização da escola por não conseguir “responder às singularidades dos sujeitos que a compõem”. Ressaltam-se nessa diretriz as

[…] questões de classe, gênero, raça, etnia, geração, constituídas por categorias que se entrelaçam na vida social – pobre, mulheres, afrodescendentes, indígenas, pessoas com deficiência, as populações do campo, os de diferentes orientações sexuais, os sujeitos albergados, aqueles em situação de rua, em privação de liberdade (BRASIL, 2010a, p, 16).

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Há também, em relação a essas questões de gênero e sexualidade nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Básica, particularmente quando referem-se ao ensino fundamental de nove anos, a sugestão do modo como tratar do ponto de vista pedagógico tais questões: articulando aos conhecimentos básicos os temas transversais, ou seja,

[…] abordagem de temas abrangentes e contemporâneos, que afetam a vida humana em escala global, regional e local, bem como na esfera individual. Temas como saúde, sexualidade e gênero, vida familiar e social, assim como os direitos das crianças e adolescentes, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) […] (BRASIL, 2010a, p. 115).

Toda essa preocupação da política educacional no sentido de reinserir as questões de gênero e sexualidade nos currículos não é por acaso. Essa produção no campo curricular, seja na legislação seja na proposição curricular, responde não só os problemas apresentados na sociedade relativos a questão AIDS – e a preocupação em governar2 os corpos –, mas também às lutas culturais realizadas pelos movimentos sociais de gênero e o feminismo e sexualidade, que, como aponta Moreira, associados à produção do conhecimento na área influenciaram o debate nacional sobre a temática e consequentemente a produção dos textos curriculares no contexto da política educacional.

Vale ressaltar que durante a década de 1980, após a disseminação da AIDS em todo o mundo, surgem, no Brasil, programas para a prevenção das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs): o governo retoma uma preocupação com a educação sexual nas escolas tal como nos mostra Altmann (2001) em seu Artigo “Orientação Sexual nos Parâmetros Curriculares Nacionais”. O autor argumenta que a inserção da educação sexual deu-se a partir da década de 1920-1930 com um deslocamento no campo discursivo sobre a sexualidade e os problemas dos ditos “desvios sexuais”; entendida agora como doenças e não mais como crimes, devendo a escola tomar medidas preventivas da medicina higiênica; produzir comportamentos normais.

2

Governar os corpos no sentido dado por Foucault como um tipo de poder que levou ao desenvolvimento de uma série de aparelhos específicos de governo e de um conjunto de saberes (FOUCAULT, 1979).

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Durante a década de 1960 e 1970, a “educação sexual” gera grandes debates: ora é inserida, ora retirada dos currículos escolares; algumas escolas desenvolvem experiências de educação sexual durante a década de 1960, mas, depois, há pronunciamento em 1970 da Comissão Nacional de Moral e Civismo, que divulga um parecer contrário a um projeto de lei de 1968 que institui a obrigatoriedade da educação sexual nos currículos. Em 1976 afirma-se que a família é a responsável pela educação sexual, podendo a escola inserir, ou não esse tema a programas de saúde. Durante a década de 1980 a polêmica continua, até a sua inserção, durante a década de 1990, como tema transversal – aquele que pode e deve perpassar todas as disciplinas; impregnar toda a área educativa e ser tratado por diversas áreas do conhecimento.

Como aponta Altmann (2001),tanto na década de 1930, quanto na década de 1990, as discussões foram instigadas ora pelo surto de sífilis que fazia vítimas numerosas, ora pela proliferação do número de casos de AIDS/DST e o aumento da gravidez entre os adolescentes.

À escola, nesse contexto, é atribuída a função de desenvolver uma ação crítica, reflexiva e educativa que promova a saúde das crianças e dos adolescentes. Com efeito, há o interesse do estado na sexualidade de seu povo: quer-se produzir corpos e sexualidade rentáveis, quer-se normalizar as condutas sexuais, pois estas são decisivas na manutenção dum estado liberal (LOURO, 2012; FOUCAULT, 2012a).

E nas práticas de normalização das condutas sexuais dos indivíduos, o currículo na escola também parece possuir importância: como bem aponta Silva (2010), o currículo é um forte produtor de sujeitos e identidades, não mero normatização dos conhecimentos, pois ele “(...) está centralmente envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos, naquilo que nos tornaremos. O currículo produz, o currículo nos produz” (p. 27).

Pode-se inferir que mudanças curriculares podem influenciar a constituição de sujeitos e duma sexualidade específica. No âmbito das políticas curriculares, criam-se, também, diversos programas do governo para a compra de livros infantis com temáticas que abordam os temas transversais, as editoras começam a financiar livros infantis com o objetivo de vender milhares de exemplares a serem distribuídos pelas escolas públicas do país,questões bem trabalhadas por Silva quando analisa a política curricular:

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[…] As políticas curriculares têm também outros efeitos. Elas autorizam certos grupos de especialistas, ao mesmo tempo em que desautoriza outros. Elas fabricam os objetos “epistemológicos” de que falam, por meio de um léxico próprio, de um jargão, que não deve ser visto apenas como uma moda, mas como um mecanismo altamente eficiente de instituição e de constituição do “real” que supostamente lhe serve de referente. As políticas curriculares interpelam indivíduos nos diferentes níveis institucionais aos quais se dirigem, atribuindo-lhes ações e papéis específicos: burocratas, delegados, supervisores, diretores, professores. Elas geram uma série de outros e variados textos: diretrizes, guias curriculares, normas, grades, livros didáticos, produzindo efeitos que amplificam os dos textos-mestres. As políticas curriculares movimentam, enfim, toda uma indústria cultural montada em torno da escola e da educação: livros didáticos, material paradidático, material audiovisual (agora chamado de multimídia) (2010, p. 11).

Nessa perspectiva, podemos dizer que a reinserção da educação sexual nos currículos escolares – desde os anos 1990 com o nome de “Orientação Sexual” – cria uma institucionalidade que legitima algumas instituições e papéis específicos da nossa sociedade, movimentando a indústria cultural para a criação de materiais didáticos, livros infantis etc. Inaugura-se um novo e promissor nicho editorial para a literatura, particularmente a infanto-juvenil, com temáticas voltadas para a sexualidade e outros temas transversais do ponto de vista dos Parâmetros Curriculares Nacionais, com a função educativa no contexto da escolarização. Alguns autores começam a produzir uma literatura de forma a veicular, através de narrativas e poemas, ensinamentos sobre gênero e sexualidade.

São também produzidos, pelo Ministério da Educação, instrumentos pedagógicos de apoio aos materiais adotados. Dentro desse escopo foi feita, por exemplo, a Coleção Explorando o Ensino: Literatura, com o objetivo de apoiar os professores, fornecendo, segundo os princípios da coleção, um material científico-pedagógico, que contribua para uma reflexão sobre processos pedagógicos, relacionando o conhecimento específico à proposta pedagógica, num diálogo com o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE). Nesse material são feitas algumas propostas de utilização do livro de literatura infantil para tratar das questões de gênero e sexualidade. Serão desta coleção os livros que compõem o nosso corpora de pesquisa.

Esses livros de literatura infantil, produzidos depois da década de 1990, pós-mudanças curriculares, possuem uma característica ímpar: eles operam no sentido

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de responder aos anseios de várias esferas da nossa sociedade; tanto o governo – que espera solucionar os problemas de saúde com essas propostas –, tanto os movimentos sociais que pressionaram o estado a colocar as questões de gênero e sexualidade no currículo como uma forma de assegurar um currículo democrático, um espaço público, como também ao campo acadêmico fazendo corresponder a pesquisa educacional no contexto da política publica. Tudo isso sem desagradar as esferas e os discursos tradicionais da nossa sociedade.

Vale dizer que aqui o objetivo do estudo é duplo: 1- tentar investigar onde historicamente se inserem as questões de gênero e sexualidade na literatura infantil e juvenil, observando seus regimes de veridição, ou seja, querendo ver o que se é colocado, como são colocados os verdadeiros e falsos, relacionando aos contextos sociais, pedagógicos, teóricos e culturais que exploramos em outros capítulos. 2- analisar os livros como artefatos culturais moldadores de subjetividades: interessa investigar como estão colocadas as questões de gênero e sexualidade dentro no contexto desses materiais culturais e suas possíveis implicações para a construção das subjetividades dos sujeitos que consomem esse tipo de material. Esses dois objetivos podem parecer o mesmo para uns ou desnecessariamente articulados para outros.

O objetivo do nosso trabalho, de forma mais específica, é tentar realizar uma investigação de por que se inserem as questões de gênero e sexualidade na literatura infantil e por que se coloca como sendo um lugar privilegiado para se ensinar tais questões em sala de aula; tentando atentar para alguns acontecimentos discursivos que colocam tais livros como um lugar privilegiado para tal e legitimam um regime de verdade que impulsiona todo um mercado de livros a fazer tais materiais que tratam dessa temática.

O nosso estudo, em sua especificidade, objetiva analisar o discurso de gênero e sexualidade presente em livros de literatura infantil sugeridos pela Coleção Explorando o Ensino: Literatura. Esta coleção tem a função de orientação sobre o uso dos textos do PNLD, tal como já foi indicado nesta introdução. A análise está apoiada nos estudos de Foucault (2012a)sobre relações de poder, discurso e sexualidade associada aos estudos feministas de Louro (2012) e Butler (2013) e dos estudos sobre representação de Hall (2000) e Silva (2000). De forma mais específica trabalhamos o cenário discursivo no qual emerge esse discurso na literatura infantil no contexto das mudanças curriculares no final dos anos 1990; o

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interdiscurso, ou seja, a rede discursiva a qual esse discurso está associado; as representações sobre gênero e sexualidade; as posições de sujeito. Vale ressaltar que as imagens neste texto dissertativo foram analisadas como discurso, tal como se faz na análise cultural.

A análise desenvolvida está organizada neste texto dissertativo em quatro capítulos. No primeiro sob o título Literatura infantil como lugar de enunciação do discurso de gênero e sexualidade trabalhamos os enunciados clássicos sobre literatura infantil e o seu papel formativo e em seguida apresentamos os estudos recentes sobre literatura infantil associados ao discurso de gênero e sexualidade.

No segundo capítulo apresentamos o modelo analítico, ou seja, o caminho teórico emetodológico que orientou a análise. Iniciamos com o debate sobre gênero, sexualidade e poder nos estudos foucaultianos e nos estudos feministas e os estudos sobre representação de Hall e Silva. Em seguida, trataremos da análise do discurso a partir de elementos da análise arqueológica de Michel Foucault; da análise cultural uma referência para a análise das imagens e as posições de sujeito. Por fim, neste capítulo apresentamos o corpora selecionado para análise.

Os últimos capítulos constituem a análise desenvolvida. No terceiro apresentamos o cenário do discurso com foco nas mudanças curriculares dos anos 1990 e as influências dos movimentos sociais feministas e de sexualidade e a política curricular com as novas diretrizes curriculares nacionais e os parâmetros curriculares nacionais. Os últimos acontecimentos no contexto do Plano Nacional de Educação com a retirada das temáticas de gênero e sexualidade também são problematizados neste capítulo. O capítulo quarto traz a análise dos textos literários selecionados.

Por fim, as considerações finais onde apresentamos os objetivos alcançados com o trabalho e as contribuições do trabalho no campo da educação, para os estudos de gênero, sexualidade e literatura e para a formação de professores.

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2 LITERATURA INFANTIL COMO LUGAR DE ENUNCIAÇÃO DO DISCURSO DE GÊNERO E SEXUALIDADE

A vontade da verdade, que nos poderá levar ainda a muitas e estranhas aventuras, essa famosa veracidade de que todos os filósofos até agora falaram com veneração, quantos problemas essa vontade da verdade nos levantou!

(Nietzsche, Além do bem e do mal)

Este capítulo não tem a pretensão de fechar um conceito sólido, homogeneizado do que seria literatura; pelo contrário, queremos evidenciar as discussões os questionamentos sobre os seus limites, o seu campo conceitual, os aspectos sociais e culturais. Assim, não iremos nos preocupar com a conceituação fechada, única, universal; o que nos interessa não é dizer o que é literatura. Não queremos instituir que características certas obras devem ter para se enquadrarem nessa "categoria". Não diremos se uma obra merece ou não chamar-se "literatura". Não vamos mostrar seu caráter "subversivo", "transcendental" ou "contestador", "naturais" à literatura. Não. Faremos algo diverso.

Queremos, apenas, pôr em debate até que ponto a literatura transcende, contesta e subverte a nossa sociedade. Quando ela pode funcionar do mesmo modo que instituições com a função social de formar, educar para melhoria do humano. Queremos mostrar que a literatura é material: que ela não foge dos discursos e das relações de poder. Queremos mostrar quando a literatura é tudo o que todas as outras instituições são: a literatura será para nós um discurso; uma categoria da nossa sociedade. E será tratada como tal.

2.1 Enunciados sobre literatura infantil e o seu papel formativo

Nesta seção vamos mostrar o debate sobre a literatura. Iremos nos posicionar sobre essa formação discursiva apresentando algumas considerações nossas e doutros, observando alguns discursos que a perpassam. Seguiremos com o modo como vem sendo tratada a literatura: ora um contra-discurso, ora como um discurso de reprodução da cultura, ora um discurso neutro.

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A Literatura possui um locus singular. Barthes (2013) nos mostra que nela se é permitido dizer o que noutros lugares da nossa sociedade não se permite: podemos dizer de modo diferente, “livre” das forças sociais e duma língua que nos impulsiona a falar, que nos “obriga a dizer” fascista. Ali falamos de modo diverso, nos libertamos da “autoridade da asserção” e do “gregarismo da repetição”, para “trapacearmos” a língua com a língua e dizemos mais e diferente, ouvindo-a fora do poder; esplendorosa, a literatura revoluciona, permanente, a linguagem, sem, claro, se desvencilhar do lugar fechado que é esta.

Segue Barthes nomeando a literatura como combate. Combate contra a própria língua, contra as forças coercivas da nossa sociedade. E essa luta só será ganha se lutarmos no interior da própria língua; trabalhando não a mensagem - o que se quer dizer tem menor importância -, mas sim os jogos de palavras, a forma da língua: o “como se diz”.

Utopia. Outro aspecto trabalhado por Barthes. Através de sua representação do real (Mimesis), a literatura tem uma “função utópica”; apesar de seu objeto ser a realidade, ela é “obstinadamente” irrealista; ela procura e deseja o impossível: o utópico. A literatura muda o mundo. Muda não de qualquer forma, não de qualquer jeito - muda com a palavra. E essa palavra é utilizada dum modo específico: carregada e múltipla. Barthes recorre a Ezra Pound para nos dizer que literatura é linguagem carregada de significado e que a Grande Literatura é, simplesmente, aquela que utiliza a linguagem carregada do máximo significado possível. Vemos a importância do símbolo e do como ele significa, do como ele preciosamente diz; dum modo jamais dito e, dessa forma, nos faz sair, transcender a realidade e questionar o mundo com outros olhos - olhos humanizados pela literatura, olhos que saíram do mundo-agora e estão noutros lugares livres das forças que nos impulsionam a ser o mesmo. “Deslocando-se”; transportando-se – às vezes precisando nos abjurar do que já dissemos – para lugares diferentes do poder “gregário” e “opressor”.

De tão singular, Barthes ainda vai nos dizer que, se tivesse que escolher uma única disciplina para estar presente no currículo escolar, seria a disciplina literária, ela “não fetichiza” os saberes, lhes dá um caráter indireto e precioso, trabalhando nos “interstícios da ciência”, pois, segundo ele, “a ciência é grosseira, a vida é sutil, e é para corrigir essa distância que a literatura nos importa” (2013, p. 19) e fala ainda mais: “todas as ciências estão presentes no monumento literário”, fazendo, nesse sentindo, que a literatura seja detentora dum efeito de verdade mais precioso

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que o da própria ciência. Barthes observa como Pablo Picasso vai chegar a dizer – em sua célebre frase – que “A arte é uma mentira que nos revela a verdade”, a ciência torna-se menor para as Artes – e dessa forma também para a Literatura –, as Artes passam a possuir o locus da verdade. Verdade mais verdadeira que a da própria ciência, pois esta já errou várias vezes, já mentiu diversas vezes; a literatura não. Ela é atemporal; é universal.

A voz de Barthes, de Picasso é a voz de muitos outros: quando nos referimos à literatura é lugar comum inserir dentro dela certas características que a colocam num lugar de prestígio com relação a outras instituições ou categorias de nossa sociedade. Ela é intrinsicamente – e universalmente – contestadora. Ela é humanizadora, detentora duma verdade mais preciosa que a da própria ciência. Um contra-discurso.

Até que ponto pode-se falar da literatura como contra-discurso? Para tratar desse ponto recorremos aos debates que Foucault levantou, quando em algumas poucas vezes, discutiu sobre a literatura. É importante destacarmos que Foucault, num primeiro momento de suas produções intelectuais, colocava a literatura num lugar de destaque.Como afirma Machado (2000), só depois da “Arqueologia do saber”, Foucault começa a demonstrar em suas produções, em entrevistas etc. uma mudança do modo como ele vê, não só a literatura, mas o próprio ato da escrita, chegando a afirmar que “a militância política é mais importante do que dar aulas e escrever livros, que jamais gostou da escrita literária, que não pensa que a escrita tenha uma grande eficácia (...)” (2000, p. 124). O deslumbramento pela literatura tão comum deixa de permear as ideias do filósofo – e também as nossas – depois de suas investigações – e de nossas leituras – arqueológicas e genealógicas.

É este Foucault, descrente da instituição literária, que cochicha - e cochichará - em nossos ouvidos quando escrevemos linhas profanadoras da literatura que “humaniza”, “salva” e “contesta”. Quando a tratamos como uma instituição. Não podemos negar o que é da instituição literária. De fato, ela parece estar num lugar diferente doutras instituições da nossa sociedade. Parece que nela há possibilidades diferentes de se dizer. Como afirma Barthes, a literatura é de fato um lugar onde a linguagem age de forma diversa – diversa do modo que costumamos utilizá-la na maioria doutros contextos –, onde a linguagem fala de modo singular.

Parece, também, que na literatura se pode dizer algo diferente. Nela há a possibilidade de se falar coisas que não são faladas normalmente: existe uma

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chance de se dizer o que não se é permitido em contextos normais. Mas até que ponto tudo o que é dito da literatura realmente a coloca num lugar privilegiado? Até onde a literatura é intrinsecamente contestadora? Humanizadora? Há, na atualidade, uma movimentação intelectual em torno de questões relacionadas à produção do sujeito humano tendo como objeto de discussão discursos sobre o esgotamento do humanismo nacional-burguês com sua arte de narrativas, tais como aquelas disseminadas nos textos literários, para construção do sujeito, ou seja, a educação como autoformação da espécie (SLOTERDIJK, 2000). Contudo, esse debate ainda não retirou da literatura, em sua institucionalidade, o poder como discurso implicado na formação humana.

Primeiro ponto a considerar: as instituições têm um conjunto de características que a fazem única. Elas são singulares, assim como os discursos que a perpassam. A literatura não é diferente, ela possui características que a fazem diversa doutras instituições; que delimitam o seu lugar - que apontam os limites fronteiriços entre essa instituição e outras: é preciso, para sua manutenção, a demarcação de características que a fazem “diferente”, legitimando-se, assim, perante a sociedade, perante outras instituições.

Mas não é porque ela possui essas características únicas – claro que dentro duma regularidade discursiva – que podemos dizer que a literatura está fora, que ela é transcendental e que salvará as pessoas duma sociedade opressora. A medicina, por exemplo – que, literalmente, salva vidas – para Foucault, possui várias características que a assemelham a outra instituição da nossa sociedade que tem a função de enclausuramento: as prisões.

O que está em jogo, para nós, não são as características intrínsecas dos discursos e das instituições, mas sim sua materialidade: como se comporta um dado discurso num determinado momento histórico? Nenhuma regularidade discursiva, mesmo aquelas aparentemente tão inocentes e com bons propósitos humanizadores, podem ser mesmo inocentes e humanas em todos os contextos que elas se inserem. Muitas vezes, mesmo querendo salvar vidas, a medicina já se apresentou como um discurso poderoso, sob determinados sujeitos, marcando-os por suas doenças, por sua raça etc. Toda instituição e discursos aparentemente “libertadores” podem, em determinados momentos, ser extremamente “perversos”, enquanto outras “claramente perversas” podem ser “libertadoras”.

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Longe de querer estabelecer dicotomias – e julgá-las – entre discursos “libertadores” e “opressores”, queremos fazer exatamente o contrário: mostrar que não há discurso, instituição ou qualquer outra coisa da nossa sociedade impune de sua condição de estar localizada numa ... Sociedade. Noutras palavras, acreditamos que se algo for produzido dentro da sociedade em que vivemos este algo será extremamente marcado pelas condições as quais possibilitaram sua existência. Materialidade.

E a literatura não escapa disso, muitas vezes foi utilizada para legitimar certos discursos em detrimento doutros, reafirmando jogos de poder. Machado vai mostrar que Foucault quando se refere à literatura em seu clássico texto Vigiar e Punir, vai lhe interessar

[...] a posição assumida por ela a respeito do crime, mostrando que desde o início do século XIX uma “literatura popular”, uma literatura policial que faz o elogio da estética do crime, do assassinato como uma das belas artes, reduplica esteticamente o ilegalismo criado pela prisão e tem como função bloquear a memória popular, o saber operário, por exemplo. Literatura policial, instrumento, como o jornal, o cinema e a televisão, de produzir o medo pelos grandes criminosos e tornar natural a presença da polícia no meio da população (2000, p. 126).

Essa literatura refletida por Foucault assume um caráter bastante distinto da literatura de Barthes e doutros: ela funciona dentro dos mecanismos de poder.Nela perpassam discursos que legitimam certas práticas sociais; ela é material. Acreditamos que a literatura não possui uma essência libertadora, contestadora ou “humanizadora”; ela não é, nada mais, que a produção duma determinada época que irá refletir todas as virtudes e mazelas daquele contexto. A literatura é uma instituição da nossa sociedade; ela não é intrinsecamente boa nem má; ela não, necessariamente, humaniza, nem nos torna tiranos. Ela não possui a verdade de que tanto se buscou para a salvação das nossas vidas, para a libertação de nossas almas.

Mas há ainda outro ponto a considerar sobre essa instituição tão bem quista: a própria concepção que existe sobre o que é a literatura. Quando se coloca essa questão, muitos não responderão como alguém, do hoje, voltando-se a um passado estranho e exterior, mas sim, como se a pergunta - o que é literatura - tivesse uma origem anterior à própria; uma origem secreta e única. Para Foucault,

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A “literatura” e a “política” são categorias recentes que só podem ser aplicadas à cultura medieval, ou mesmo à cultura clássica, por uma hipótese retrospectiva e por um jogo de analogias formais ou de semelhanças semânticas; mas nem a literatura, nem a política, nem tampouco a filosofia e as ciências articulavam o campo do discurso nos séculos XVII ou XVIII como o articularam no século XIX. De qualquer maneira, esses recortes – quer se trate dos que admitimos ou dos que são contemporâneos dos discursos estudados – são sempre, eles próprios, categorias reflexivas, princípios de classificação, regras normativas, tipos institucionalizados: são, por sua vez, fatos de discursos que merecem ser analisados ao lado dos outros mas que não constituem seus caracteres intrínsecos autóctones e universalmente reconhecíveis (2013, p. 27).

Sob essa perspectiva de Foucault, não podemos achar um fio condutor que ligue todas as produções ditas, hoje, literatura, sem que, ao fazermos isso, estejamos voltando nossos olhos-do-hoje ao passado, tentando, através do que Foucault chamou de hipóteses retrospectivas, dizer, com nossas ideias, ideologias, teorias, o que fazem certas obras serem literatura ou não. Parece impossível ligar todas as obras e discussões.

Também nos parece que a literatura é uma categoria recente, um termo valor que garante legitimidade pela sua condição de sê-la. Como vimos anteriormente, existe um discurso muito forte de que sendo literatura, o texto possui um efeito de verdade mais valioso que o da própria ciência (BARTHES, 2013, p. 19).

Assim, a pergunta do que é literatura para nós é irrelevante, já que não buscamos classificar e categorizar quais obras podem ser nomeadas de literatura. Associamo-nos a Foucault quando em seus escritos Linguagem e Literatura, vai criticar quando colocam a questão - o que é literatura-, dizendo que os que fazem essa pergunta, não se colocam numa posição a posteriori, por alguém que se interroga dum passado exterior e estranho, mas sim como se a questão tivesse uma origem secreta na própria literatura. E complementa:

[...] não estou convencido de que a literatura seja tão antiga assim. Há milênios, algo que retrospectivamente, costumamos chamar de literatura, existe com certeza. Mas é precisamente isso que penso ser necessário questionar. Não é tão evidente que Dante, Cervantes ou Eurípedes sejam literatura. Certamente, hoje fazem parte da literatura, pertencem a ela, mas graças a uma relação que só a nós diz respeito: fazem parte de nossa literatura, não da deles, pela excelente razão que a literatura grega ou latina não existe. Em outras palavras, se a relação da obra de Eurípedes com a nossa linguagem é efetivamente literatura, sua relação com a linguagem grega certamente não era (FOUCAULT, 2000, p. 139).

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Com isso queremos enfatizar o modo particular como iremos lidar com os livros de literatura estudados: serão tratados como categorias da nossa sociedade, serão vistos de modo profano e material. Queremos analisar os discursos que perpassam pelos livros de literatura sem nenhuma pena de estar infringindo uma obra literária. Vamos olhar para a literatura como uma instituição; com os mesmos olhares que Foucault olhou para as prisões, para o hospício, para a escola: observando os jogos de poder, observando os discursos, observando quando essas legitimam alguns discursos em detrimentos doutros.

A literatura é, para nós, um lugar de enunciação de discursos com a singularidade do discurso estético, do belo. Nesse sentido, tem potência para que os seus discursos penetrem forte e profundamente, que disputem com outros discursos na constituição dos indivíduos sem ao menos percebermos o que realmente ela quer dizer, com o que realmente ela joga, fazendo com que nossos sentidos sejam treinados numa estética, que não estetiza sem sair do mundo que estamos, e constrói nossos gostos e sentimentos, marcados por discursos que, revestidos duma bela roupagem literária, nos contamina e nos produz.

2.2 Estudos recentes sobre literatura infantil associados ao discurso de gênero e sexualidade

Ao nos propormos à realização dum trabalho/estudo científico/acadêmico, precisamos nos situar no que já se foi escrito sobre o nosso objeto de investigação. Interessa conhecer o debate mais recente sobre a temática em estudo, as formas de abordagens e quais as lacunas. Esse caminho ajuda a nos localizarmos no contínuo da rede discursiva sobre nosso objeto investigativo.

Nesse sentido, procuramos identificar dissertações, teses e artigos na área de gênero e sexualidade enfocando nas temáticas de educação sexual, literatura e literatura infantil. Objetivamos mapear os trabalhos acadêmicos na área a qual a presente pesquisa se inscreve, observando as abordagens teóricas e metodológicas utilizadas, o debate levantado, as contribuições e as lacunas apresentadas. Com esse trabalho de levantamento da literatura na área é possível justificar o nosso estudo do ponto de vista acadêmico e ao mesmo tempo observarmos os estudos que estão em associação com este que desenvolvemos e apresentamos neste texto dissertativo.

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O nosso levantamento dos estudos recentes tem como referência trabalhos produzidos a partir de 2000, década quando ocorrem mudanças curriculares que institucionalizam a orientação sexual como parte integrante do currículo do Ensino Fundamental de forma clara e objetiva. Para tal, utilizamos os seguintes descritores: Gênero e Sexualidade; Literatura; Educação Sexual; Livro infantil; Literatura Infantil; Livro Infanto-juvenil; Literatura Infanto-Juvenil.

Os acervos de referência para levantamento de trabalhos acadêmicos foram: Banco de Teses e Dissertações da Capes; Portal de Periódicos da Scientific Electronic Library Online (Scielo); Portal de Periódicos, Teses e Dissertações do Instituto de Estudos de Gênero; Portal da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped) – Revista Brasileira de Educação; Portal de periódicos da Capes.

Estabelecemos como critério para fazer parte do corpora desse levantamento: textos associados à área de gênero e sexualidade e às subáreas “Educação Sexual” e/ou “Literatura” e/ou “Livro Infantil” e/ou “Literatura Infantil” e/ou “Livro Infanto-Juvenil” e/ou “Literatura Infanto-juvenil”; ser uma Tese, Dissertação ou Artigo publicado em alguma revista brasileira; ter sido produzida depois da década de 1990 (o portal da Capes, quando a presente pesquisa foi realizada, apenas disponibilizava teses e dissertações a partir do ano de 2005, por conta duma manutenção do sistema) e ter afinidade com os objetivos da presente pesquisa.

Com esses critérios, foram encontrados os seguintes trabalhos que integraram o corpora dessa pequena pesquisa:

Quadro 1 - Trabalhos com a temática de gênero e sexualidade afins ao projeto de pesquisa (2000 a 2013)

Fonte Nível/Área Ano Instituição Título Autor

Capes Banco de teses e Dissertações Mestrado Acadêmico em Educação 2008 Universidade Federal Do Paraná A construção do gênero e da sexualidade na literatura infantil. RAMOS, Josiane Becker de Oliveira Capes Banco de teses e Dissertações Mestrado Acadêmico em Letras 2010 Centro De Ensino Superior De Juiz de Fora

De Perrault aos novos contos de fada: reflexões sobre as relações de gênero e sexualidade. HORTA, Luciana Santos Capes Banco de teses e Dissertações Mestrado Acadêmico em Educação 2009 Universidade Federal Do Paraná Gênero e sexualidade na literatura infantil: mapeando resistências. TAVARES, Evelize Cristina Cit

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Capes Banco de teses e Dissertações Mestrado Acadêmico em Educação 2008 Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul Príncipes, princesas, sapos, bruxas e fadas: os novos contos de fadas ensinando sobre infâncias e relações de gênero e sexualidade na contemporaneidade. VIDAL, Fernanda Fornari Capes Banco de teses e Dissertações Doutorado em Educação 2005 Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul

O bicho vai pegar! um olhar pós-estruturalista à Educação Sexual a partir de livros paradidáticos infantis. FURLANI, Jimena Capes Banco de teses e Dissertações Mestrado Acadêmico em Sexologia 2004 Universidade Gama Filho A EducaçãoSexual e a Literatura Paradidática para Alunos do Ensino Médio de Escolas Particulares da Cidade do Rio de Janeiro. COUTO, Maria Lucia Medeiros do Capes Banco de teses e Dissertações Doutorado em Letras 2008 Universidade Do Estado Do Rio De Janeiro

Era uma vez um casal diferente: a temática homossexual na educação literária infanto-juvenil. FACCO, Lucia Scielo Doutorado em Educação 2007 Professora da Universidade do Estado de Santa Catarina Sexos, sexualidades e gêneros: monstruosidades no currículo da Educação Sexual. FURLANI, Jimena Scielo Pro-Posições vol.23 no.2 Campinas 2012 Professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo Gênero, sexualidade e políticas públicas de educação: um diálogo com a produção acadêmica. VIANNA, Cláudia Instituto de Estudos de Gênero Dissertação/ área não informada Não infor ma-do Não informado O sujeito poético do desejo erótico: a poesia de Gilka Machado sob a ótica de uma leitura estética e política feminista. OLIVEIRA, Ana Paula Costa de Instituto de Estudos de Gênero Artigo Científico 2002 Revista Gênero V. 3, N.1, p. 27-33 A mulher na literatura Gênero e representação. SCHOLZE, Lia Instituto de Estudos de Gênero Artigo Científico 2010 Revista Gênero V. 11, N.1. A Educação feminina do século XIX: entre a escola e a literatura.

CUNHA, Washington Dener dos

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Santos; Silva, Rosemaria J. Vieira Portal de periódicos da Capes Artigo Científico 2011 Revista Estudos Feministas V.19(2), p. 591(13).

Era uma vez uma princesa e um príncipe...:

representações de gênero nas narrativas de crianças.

XAVIER Filha, Constantina

Com relação à Anped pesquisamos apenas em sua revista disponibilizada em seu site, buscando pelo grande tema “gênero” e “sexualidade”, apenas “sexualidade” e, apenas “sexual”. Encontramos sete artigos no total; nenhum deles tocava no assunto do presente trabalho. É interessante analisarmos que, apesar de haver uma grande produção de teses e dissertações com a temática de gênero e sexualidade – constatadas no site da CAPES –, existem, apenas, sete artigos publicados na revista da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação.

No portal da Scielo, foi encontrado um total de 236 trabalhos com os descritores “Gênero e Sexualidade” presentes nos resumos e/ou títulos dos artigos científicos3. Quando adicionamos os descritores “literatura infantil”, “livro infantil”, “livro infanto-juvenil” e “literatura infanto-juvenil” não foi encontrado nenhum artigo. Com a adição do descritor “literatura” foram encontrados 7 artigos, mas nenhum deles era afim com a temática do presente trabalho.

Quando adicionado o descritor “Educação Sexual”, achamos um total de 17 artigos, apenas um era afim com a temática deste trabalho: “Gênero, sexualidade e políticas públicas de educação: um diálogo com a produção acadêmica”, que possui por objetivo trazer um levantamento das produções acadêmicas sobre a introdução do gênero nas políticas públicas de educação no Brasil entre 1990 e 2009.

No portal do Instituto dos Estudos de Gênero foi encontrado um total de 62 teses e dissertações cadastradas. Destes estudos apenas dois trabalhos possuíam uma temática tangencial ao tema do nosso trabalho: O sujeito poético do desejo erótico: a poesia de Gilka Machado sob a ótica de uma leitura estética e política feminista e Verdades e pedagogias na educação sexual em uma escola. O primeiro

3

Vale ressaltar que não foi nosso objetivo realizar uma investigação minuciosa sobre os trabalhos com a temática geral “gênero e sexualidade”. Dessa forma, não lemos os resumos dos 236 trabalhos e, sim, daqueles que trazem a temática da literatura associada às questões de gênero e sexualidade.

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faz uma análise dos textos de Gilka Machado observando os valores estéticos feministas. Já o segundo trabalho realiza uma pesquisa etnográfica numa escola do Rio de Janeiro onde investiga como são os tratamentos dados pela escola com relação à educação sexual.

Não conseguimos ter acesso ao quantitativo de artigos cadastrados no portal do Instituto dos Estudos de Gênero. Mas as revistas que fazem parte desse acervo são: Revista Estudos Feministas; Cadernos Pagu; Caderno Espaço Feminino; Revista Gênero; Labrys; Revista Ártemis; Revista Latino-Americana de Geografia e Gênero; Revista Mátira; Sinergias; e algumas edições de revistas que publicam números especiais voltados para a área de gênero e sexualidade. Quando colocados os descritores “Literatura Infantil” ou “Literatura Infanto-juvenil” ou “Livro infantil” ou “Livro Infanto-juvenil”, não foi encontrado nenhum artigo. Quando colocado o descritor “Educação Sexual”, foi encontrado apenas um único artigo de Helena Altmann: “Educação sexual e primeira relação sexual: entre expectativas e prescrições”, que teve por objetivo realizar uma pesquisa etnográfica com algumas meninas duma escola do Rio de Janeiro, questionando como as meninas idealizam sua primeira relação sexual e como a escola lida e intervém sobre esse assunto.

Quando colocado o descritor “Literatura”, foram encontrados 30 artigos dos quais os listados no quadro acima foram utilizados para compor o corpora desse mapeamento. O artigo de Lia Scholze vai trabalhar dentro da perspectiva da Análise Crítica do Discurso, tomando por base os pressupostos dos Estudos Culturais, e tem por objetivo examinar as representações sobre a mulher em romances produzidos por escritoras gaúchas contemporâneas. O texto de Cunha e Silva, “A Educação feminina do século XIX: entre a escola e a literatura”, vai utilizar como fonte os textos clássicos da literatura nacional e analisar seu papel na formação da mulher, considerada ideal, no século XIX. Esses foram os artigos encontrados de maior relevância para a nossa pesquisa.

No portal de periódicos da Capes foram encontrados 259 trabalhos com o grande tema gênero e sexualidade. Com a adição dos descritores “livro infantil”, “literatura infantil”, “livro infanto-juvenil”, “literatura infanto-juvenil” foi encontrado apenas um artigo de interesse da pesquisa: “Era uma vez uma princesa e um príncipe...: representações de gênero nas narrativas de crianças” que possui dois eixos teórico-metodológicos: uma pesquisa bibliográfica, com coleta, seleção e análise de livros infantis com temáticas da sexualidade, gênero e diversidade. E uma

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pesquisa-ação com adolescentes buscando entender como as crianças constroem representações de gênero a partir da descrição física e comportamental de princesas e príncipes dos contos de fadas clássicos.

Os trabalhos mais relevantes no contexto de nossa investigação foram as teses e dissertações da Capes,destacando a tese de Jimena Furlani, “O bicho vai pegar! um olhar pós-estruturalista à Educação Sexual a partir de livros paradidáticos infantis” que mais se aproxima do nosso objeto de estudo. Com o objetivo de voltar a educação sexual dirigida às crianças, buscando problematizar as produções das diferenças sexuais e de gênero, com um eixo teórico-metodológico apoiado nos estudos culturais e nos estudos feministas, a autora seleciona duas coleções de livros paradidáticos de educação sexual, para analisar o modo como problematiza as representações sexuais e de gênero.

A dissertação de Josiane Becker de Oliveira Ramos, “A construção do gênero e da sexualidade na literatura infantil”, também possui bastante afinidade com nosso estudo, pretende analisar a literatura infantil selecionada pelo MEC para a escola pública no ano de 2005, buscando entender como os/as docentes têm utilizado inúmeros instrumentos para construir valores normativos sobre a sexualidade e os gêneros, sendo a literatura uma das ferramentas utilizadas. Para isso ela tenta analisar como a literatura infantil – para ela um instrumento de veiculador da cultura – objetiva o sujeito infantil, normalizando e refletindo comportamentos da nossa sociedade.

Outro importante trabalho para compor nosso estado do conhecimento é a dissertação de Evelize Cristina Cit Tavares, “Gênero e sexualidade na literatura infantil: mapeando resistências”, com bases teórico-metodológicas nos estudos culturais e feministas, a autora se apropria do conceito de resistência de Foucault e analisa os livros infantis que rompem com representações hegemônicas e dicotômicas do masculino e do feminino.

O último importante trabalho que integra o nosso estudo é o de Fernanda Fornari Vidal, “Príncipes, princesas, sapos, bruxas e fadas: os novos contos de fadas ensinando sobre infâncias e relações de gênero e sexualidade na contemporaneidade” que se propõe a analisar como os novos contos de fadas constroem as representações de infâncias e de relações de gênero e sexualidade, presentes nestes artefatos da nossa cultura. A metodologia utilizada é a da interpretação textual.

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De um modo geral percebemos que a maioria dos trabalhos sobre o discurso de gênero e sexualidade em materiais lúdicos (podendo englobar tanto a literatura infantil, como o livro paradidático ou “contos de fadas”) possui um eixo teórico-metodológico baseado nos Estudos Culturais, nos estudosfeministas, nos estudos pós-estruturalistas, nos estudos de Foucault. Vários deles se utilizam da análise do discurso como método.

No contexto dessa produção o nosso estudo ao eleger o discurso de gênero e sexualidade na literatura infantil é uma forma de entrarmos na rede discursiva para disputar modos de dizer e de problematizar os dispositivos pedagógicos ou pedagogizados que tratam das temáticas de gênero e sexualidade a exemplo da literatura infantil e assim contribuir para o debate sobre as questões de gênero, sexualidade no campo da educação. Entendemos que se trata de um terreno cheio de possibilidades de discussões interessantes que podem ser benéficas à formação de professores e ao debate acadêmico. Por outro lado, é também importante pelo debate social que a temática da sexualidade humana tem instigado no século atual, haja vista as lutas culturais pelos movimentos sociais de afirmação sexual.

Assim, esse trabalho se inscreve nessa ideia: queremos pôr em debate os discursos de gênero e sexualidade na educação vendo a literatura e procurando entender como a sexualidade atua como um locus privilegiado para a “formação humana”; queremos discutir como se constitui esse discurso de gênero e sexualidade após as mudanças curriculares, perpassado pela instituição literária que tem como pretensão de, através dela, ensinar da melhor forma possível as questões de gênero e sexualidade.

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3 MODELO ANALÍTICO – ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

O nosso objetivo de pesquisa, o discurso de gênero e sexualidade na literatura infantil no contexto da produção da Coleção Explorando o Ensino, do modo como apresentamos neste texto dissertativo foi formulado por uma experiência empírica e principalmente tendo como suporte um escopo teórico específico, que possui características próprias, que olha para o mundo com olhos singulares – fazendo o mundo ser diverso –, que pergunta de modo a considerar possibilidades outras.

Para perguntarmos o que perguntamos, precisamos duma concepção de relações de poder, de discurso, de gênero, de sexualidade e de literatura singularesfazendo com que o caminho investigativo seja tão característico quanto à própria pergunta e teoria,ambos, nesse trabalho, próximos da perspectiva de análise do discurso de Foucault.

Próximos porque não será uma análise arqueológica ou genealógica, a priori – assim como não seguiremos, com todas as letras-teóricas, o que Foucault instituiu de verdades apesar de sua não vontade da verdade.Voltaremos-nos, apenas, para algumas categorias mais pertinentes à nossa problemática de pesquisa. Utilizaremos Foucault como ele mesmo nos disse para usá-lo: “como uma bomba”, fugaz, efêmera devendo ser tratada com muito cuidado. Torceremos Foucault à nossa vontade – assim como ele torceu Nietzsche – e nos apropriaremos dele quando for necessário, legitimando nossas análises, apenas quando precisarmos. Distanciaremo-nos eventualmente dele, talvez por uma incapacidade, talvez por uma teoria-própria, mas, provavelmente, ele estará sempre murmurando em nossos ouvidos suas verdades não verdadeiras volateisíssimas.

Com esse caminho escolhemos não diferenciar o capítulo de métodos do teórico. Escolhemos deixar tudo junto, por acreditarmos ser impossível uma divisão exata; por acreditarmos que um é consequência doutro. Partes indissociáveis. Nesse sentido, tratamos na primeira seção o debate teórico no que se refere aos discursos de gênero e sexualidade, apontando como ele foi se constituindo ao longo do tempo e da história do movimento feminista ocidental e o debate teórico sobre representação tendo como referente elementos do modo de pensar sobre esse conceito nos enunciados de Silva (2000), Hall (2000) .

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A segunda seção trata do modelo de análise e nela apresentamos algumas categorias utilizadas por Foucault em seus estudos, como as regras de formação discursiva, as regras de formação do enunciado e de formação do interdiscurso, discurso, enunciado e da análise do discurso, para podermos situar o leitor em quais concepções nos agarramos para a realização do nosso método.

3.1 Gênero e sexualidade: debate teórico

3.1.1 Os discursos feministas de gênero

Como vamos analisar o discurso de gênero e sexualidade, é imprescindível uma revisão histórica desses discursos, tanto para o entendimento de como é formado, como para realizarmos aproximações analíticas dos diversos discursos existentes – e de sua constituição – sobre essa temática ao nosso objeto de pesquisa.

A palavra gênero carrega em sua semântica significados que estão intrinsicamente ligados ao movimento feminista e à sua história. Para entender o que tal palavra quer propor – sim, essa é (talvez como todas) mais uma palavra-política que, só de ser menciona, posiciona aquele que a profere – precisamos resgatar quando o movimento feminista dá seus primeiros passos no ocidente.

Admite-se hoje, por aquelas que se dizem feministas e voltam seu olhar ao passado, que o “sufragismo” foi a “primeira onda” do movimento e pretendia estender o direito de voto às mulheres. Tal movimento era ainda ligado aos interesses duma classe média branca que incluía, às vezes, reivindicações relativas à organização familiar, oportunidades de estudo etc.

Na referida “segunda onda” do movimento feminista, começam a surgir teorias propriamente ditas sobre a mulher: além das preocupações sociais e políticas, passa-se a teorizar e a construir uma “verdade” feminina. As militantes feministas passam a integrar a academia e a produzir um estudo da mulher com a intenção de visibilizar as mulheres que outrora foram apagadas e não reconhecidas como sujeitos da história, da sociedade, da ciência - sujeitos da verdade. Dessa forma, esses estudos queriam construir verdades femininas, distinguindo uma história, uma literatura, uma psicologia da mulher. Para isso investigavam, realizando denúncias apaixonadas, aspectos cotidianos da vida de mulheres, os

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