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Os movimentos sociais e o debate de gênero e sexualidade

Os Movimentos Sociais são tratados como aqueles movimentos de empoderamento de setores sociais e culturais. Souza (1999, p. 38) diz, por exemplo, que os Movimentos Populares na América Latina são correntes de opinião e forças sociais:

Enquanto correntes de opinião aproximam-se por ideias e sentimentos semelhantes. São grupos de pessoas, com posicionamento político e cognitivo similar, que se sentem parte de um conjunto, além de se perceberem como força social capaz de firmar interesses frente a posicionamentos contrários de outros grupos(SOUZA, 1999, p. 38).

Carvalho (2004) amplia essa conceitualização ao tratar dos Movimentos Sociais Populares no Brasil. Para a autora, esses movimentos são forças sociais em sua produtividade nas diferentes formas de organização social e cultural nas últimas décadas do século XX, considerando:

os objectos sociais e culturais que problematizam, tais como o sindicalismo, as questões da terra (propriedade e uso), o racismo, a ecologia, a ética, a estética, o feminismo, a educação, de entre outros; a instituição de organizações sociais e culturais, a exemplo

da Central Única dos Trabalhadores (CUT), dos Movimentos Sociais de Educação, do Movimento das Escolas Comunitárias, do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, dos Movimentos dos Homossexuais: Gays e lésbicas, do Movimento Ecológico, do Movimento Ética na Política, do Movimento Acção Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela Vida; do Movimento dos Índios; a produção e emergência de novos sujeitos sociais e culturais, a exemplo dos “intelectuais em actuação específica junto aos movimentos sociais”, dos “Sem Terra”, dos “Caras pintadas”, dos “Sem Teto”, “Os Povos das Florestas”, “os Meninos e as Meninas de Rua”, o Educador e a “Educadora Popular”, “o Professor e a Professora Indígena”, enfim aqueles que foram nomeados por Sader (1988) como os “novos actores sociais” (CARVALHO, 2004, p. 214 )

Os novos movimentos sociais (NMSs), segundo Santos (1998), surge num contexto de duas décadas de experimentação e contradição. Primeiramente se observar que o capital começa a dar respostas aos desafios dos anos 1960; começa-se a buscar soluções que o autor agrupa em dois grandes conjuntos: a difusão social da produção e o isolamento político das classes trabalhadoras. No primeiro conjunto, se observa que há uma descentralização através das transnacionalizações da produção, a fragmentação geográfica e social do processo de trabalho com a transferência para a periferia do sistema mundial das fases produtivas mais trabalho-intensivas, resultando em certa desindustrialização dos países centrais e numa industrialização ou re-industrialização dos países periféricos. No segundo conjunto, observa-se uma outra face da difusão social de produção: o isolamento político das classes trabalhadoras, que consistiria na transformação do operariado em mera força de trabalho. Observa-se nesse domínio diferentes estratégias de flexibilização ou de precarização da relação salarial que passa-se a ser adotada: declínio dos contratos de trabalho por tempo indeterminado; agora contratos de curto prazo e trabalho temporário; o trabalho falsamente autônomo e subcontratação. Todas essas formas de relação salarial visam sujeitar os ritmos da reprodução social aos ritmos da produção, gerando uma síndrome de insegurança e concorrência entre as famílias trabalhadoras que vem se mostrando um poderoso instrumento de neutralização política do movimento operário (SANTOS, 1998, p. 251-254).

Tais mecanismos que o capital utiliza para se manter e superar as crises de 1960 estão, por outro lado, acontecendo em concomitância com as grandes experimentações sociais de formulações de alternativas mais ou menos radicais ao

modelo de desenvolvimento econômico e social do capitalismo e de afirmação política de novos sujeitos sociais.

Por fim, a última década testemunhou o colapso das sociedades comunistas do Leste Europeu. Este processo significaria, pelos menos aparentemente, a afirmação do modelo capitalista de desenvolvimento econômico e social, sendo o “único” modelo viável da modernidade.

Dentro desse contexto, surgem os novos movimentos sociais,um contexto cheio de contradições, em que são tão naturalizados a hegemonia do mercado e seus atributos que embora seja necessário viver o seu cotidiano, não se deve nenhuma lealdade a essa cultura específica, sendo socialmente possível viver sem duplicidade e com intensidade, a hegemonia do mercado e a luta contra ela. Pode- se afirmar, diante desse quadro, que a difusão social da produção e o isolamento político do movimento operário serviram, apesar dos contras, para desocultar novas formas de opressão e facilitar a emergência de novos sujeitos sociais e de novas práticas de mobilização social (SANTOS, 1998).

A maior novidade dos NMSs seria que eles constituem tanto uma crítica da regulação social capitalista, como uma crítica da emancipação social socialista marxista: são identificadas novas formas de opressão que estão além das relações de produção: a poluição, o machismo, o racismo, a homofobia, o produtivismo etc. Advogando um novo paradigma social mais apoiado pela cultura e qualidade de vida do que pela riqueza e bem-estar material, os NMSs denunciam os excessos de regulação da modernidade. Excessos que estão inscritos não apenas no modo como se trabalha e produz, mas no modo como se descansa e vive; existiria uma alienação e um desequilíbrio no interior dos indivíduos que seriam evidenciados por esses movimentos que mostram que essas formas de opressão não atingem especificamente uma classe social, mas sim grupos sociais e transclassistas ou mesmo a sociedade como um todo. E a emancipação visa transformar o cotidiano das vítimas da opressão aqui e agora e não num futuro longínquo; a grande maioria dos movimentos não se mobiliza por responsabilidades intergeracionais.

Santos (1998) vai apresentar algumas teorias sobre os NMSs; uma delas seria que os NMSs lutam pela afirmação da subjetividade perante a cidadania: a emancipação seria sobretudo pessoal, social e cultural que predominantemente política. Os protagonistas, diferente dos movimentos sociais mais antigos, não são as classes sociais, mas sim grupos sociais, mais ou menos definidos em vista de

interesses coletivos por vezes muito localizados, mas potencialmente universalizáveis. Lutam por uma reconversão global dos processos de socialização e de inculcação cultural, exigindo transformações concretas, imediatas e locais.

Para Santos, é difícil definir os NMSs em termos absolutos: duvida-se muito da possibilidade de construir uma teoria absoluta que explicasse os NMSs; eles são nutridos por diversas energias; ora se distanciam dos movimentos sociais mais antigos, ora se aproximam e muitas vezes recebem, dentro deles, movimentos sociais com cunho classista que seriam uma das principais características dos movimentos anteriores.

Dessa forma, Santos vai apontar que a verdadeira novidade dos NMSs é a impureza: seriam movimentos que transitam por um e outro objetivo, mas com novos contornos e buscas diversificadas.

Para Carvalho (2004), no Brasil, tais movimentos produziram novos sujeitos sociais e culturais, a exemplo dos “intelectuais em actuação específica junto aos movimentos sociais”, dos “Sem Terra”, dos “Caras pintadas”, dos “Sem Teto”, “Os Povos das Florestas”, “os Meninos e as Meninas de Rua”, o “Educador e a Educadora Popular”, “o Professor e a Professora Indígena”, “feministas”, “gays”. A autora afirma a emergência de cidadanias multiculturais, a exemplo do movimento de mulheres negras; ou a associar gênero e desenvolvimento local, através de projetos que visam promover o desenvolvimento local com equidade de gênero e “empowerment” das mulheres.

Os movimentos sociais de gênero e sexualidade têm sua origem mais expressiva no final dos anos 1960, como nos diz Rago (2012). A autora cita a influência do discurso anarquista nesses movimentos:

o anarquismo nos movimentos de libertação da mulher que se desenvolveram a partir dos anos sessenta, de uma amplitude muito superior à que se dera até o momento. É a partir de aqui que se procura uma ótica própria da mulher em todos os aspectos e que se procura incorporar o estudo do sujeito mulher a qualquer disciplina científica (2012, p. 14).

As lutas recentes em relação a gênero e sexualidade têm sido marcadas pela Marcha das Vadias e pela Parada Gay em vários países de diferentes continentes.

A Marcha das Vadias emerge em 2011 como uma forma de incorporar o conceito de “vadia” em contraponto ao estereótipo em relação ao modo de vestir-se

das mulheres considerado pela visão machista como um modo de disponibilizar o seu corpo. Essa marcha é considerada uma forma singular de protesto, diferente do que ocorria nas primeiras manifestações feministas.

Figura 1 - Marcha das vadias

Fonte: https://www.google.com.br/search?q=marcha+das+vadias. 2015

Segundo Rago (2013), esse tipo de marcha traduz por um lado uma regularidade com as práticas de passeatas na história do feminismo e ao mesmo tempo inova pela forma como se apresenta:

A “Marcha das vadias”, por exemplo, traz algumas novidades no modo de expressão da rebeldia e da contestação, caracterizando-se pela irreverência, pelo deboche e pela ironia. Se a caricatura da antiga feminista construía uma figura séria, sisuda e nada erotizada, essas jovens entram com outras cores, outros sons e outros artefatos, teatralizando e carnavalizando o mundo público. Autodenominando-se “vadias”, ironizam a cultura dominante, conservadora e asséptica e, nesse sentido, arejam os feminismos, trazendo leveza na maneira de lidar com certos problemas, mas estabelecendo continuidades com as experiências passadas, mesmo 2199 que não explicitem esses vínculos nem reflitam sobre eles (RAGO, 2013, p. 314).

Carvalho (2004) mostra a importância da Parada Gay como um lugar de enunciação das lutas culturais e problematiza como essa parada tem inclusive movimentado o mercado que acolhe a luta para dela tirar proveito econômico. Ressalta a autora que a Parada do Orgulho Gay, Lésbico, Bissexual e Transgênero

é exemplo da força dos movimentos gaye lésbicos mas é também exemplo de como as temáticas de sexualidades alternativas àheterossexualidade vêm sendo absorvidas pela indústria cultural e pela indústria do turismo.

A última Parada Gay teve forte questionamento dos sectores religiosos representados no Congresso Nacional. A imagem que segue foi aquela que mais trouxe ao debate da sociedade brasileira a questão gay e o conservadorismo.

Figura 2 - Parada Gay São Paulo 2015

Fonte: https://www.google.com.br, setembro de 2015.

Essas questões que estão nas mídias com amplo acesso a crianças, jovens e adultos não permitem que deixemos de considerar que não há mais como fugir ao debate. Vale ressaltar que nesse debate tem havido retrocesso em relação ao Estatuto de Família e ao Plano Nacional de Educação. Nesses dois importantes documentos de orientação do discurso sobre gênero e sexualidade há de fato o retorno ao preconceito a outras formas de família e de modos de viver as sexualidades.

5 COM A DELICADEZA NECESSÁRIA – OS DISCURSOS DE GÊNERO E