PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO WILDO
APELAÇÃO CÍVEL Nº 553789/CE (0004204-41.2012.4.05.8100) APTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APDO : FACULDADE CATÓLICA DE FORTALEZA - FCF E OUTRO ADV/PROC : CARMEN ANDREIA PEIXOTO GURGEL
ORIGEM : 4ª VARA FEDERAL DO CEARá - CE RELATOR : DES. FED. FRANCISCO WILDO
RELATÓRIO
O Sr. Des. Fed. FRANCISCO WILDO (Relator):
Cuida-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Federal - MPF contra sentença proferida pelo MM. Juiz Federal da 4ª Vara da Seção Judiciária do Ceará, Dr. José Vidal Silva Neto, que, nos autos de ação civil pública, julgou improcedente o pleito vestibular, reconhecendo legítima a conduta da Faculdade Católica de Fortaleza - FCF de impedir o trancamento de matrícula de seus estudantes que estão inadimplentes.
O Juízo de 1º grau ressaltou que o trancamento da matrícula não está ligado ao direito ao ensino e que as limitações contratuais impostas ao trancamento, inclusive a de não se estar inadimplente, não são cerceamento ao direito de educação, nem embutem quaisquer penas de natureza pedagógica, não estando proibidas pelos arts. 5º e 6º da Lei n.º 9.870/99.
Pugna o apelante pela reforma do r. decisum, afirmando, inicialmente, que o trancamento de matrícula não pode ser entendido como uma simples comodidade vantajosa para o discente, pois (a) o aluno prestou vestibular na instituição de ensino, logo tem direito à sua vaga, durante o prazo o qual o curso pode ficar suspenso, (b) o trancamento de matrícula trata-se de risco da atividade e garante o direito constitucional à educação, ao conceder um prazo para que o discente possa superar a dificuldade momentânea e voltar a estudar, (c) a estipulação contratual não é absoluta, pois o pacta sunt servanda deve ser analisado frente ao ordenamento jurídico pátrio, de sorte que não é passível a existência de cláusulas abusivas embutidas nos contratos de prestação de serviços, e (d) a compulsoriedade do pagamento deve ser pleiteada pelos meios judiciais de cobrança, não só para mensalidades de universidades, mas para qualquer outro tipo de cobrança, nos termos da Súmula n.º 70, 323 e 547 do STF.
O MPF destaca ainda que o Col. STJ tem pacificado o entendimento de que a cobrança dos valores em atraso deve ser feita por meio dos procedimentos legais de cobranças judiciais e que este Eg. TRF tem se posicionado no sentido de que a cobrança de mensalidades em atraso trata-se de penalidades pedagógica, cabendo à universidade utilizar-se dos meios judiciais cabíveis para a cobrança dos débitos.
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AC Nº 553789/CE (R-2)
Por fim, destaca o apelante que, ainda que não existisse óbice na Lei n.º 9.870/99, não é possível a exigência da quitação para o trancamento da matrícula, uma vez que o ordenamento jurídico brasileiro prevê forma própria de cobrança de dívida e, consequentemente, afasta outra forma de cobrança coercitiva de débito.
Assim, em apertada síntese, o MPF requer a reforma da sentença para determinar a abstenção das promovidas em exigir o adimplemento de mensalidades ou quaisquer outras quantias em atraso como condição para o trancamento de matrícula de seus discentes, e, para a devida publicidade, a divulgação da alteração da Cláusula III, item I, do Regulamento do Contrato de Prestação de Serviços Educacionais, no endereço eletrônico da faculdade por um período mínimo de 60 (sessenta) dias.
Contrarrazões apresentadas às fls. 93/98.
Parecer da Procuradoria Regional da República às fls. 106/112. É o relatório.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 553789/CE (0004204-41.2012.4.05.8100) APTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APDO : FACULDADE CATÓLICA DE FORTALEZA - FCF E OUTRO ADV/PROC : CARMEN ANDREIA PEIXOTO GURGEL
ORIGEM : JUíZO FEDERAL DA 4ª VARA FEDERAL DO CEARá - CE RELATOR : DES. FED. FRANCISCO WILDO
VOTO
O Sr. Des. Fed. FRANCISCO WILDO (Relator):
O cerne da presente contenda versa sobre a regularidade (ou não) da sanção imposta pela instituição de ensino superior aos alunos inadimplentes, que consiste na impossibilidade de trancamento da matrícula.
A priori, convém ressaltar que o disposto no art. 6º da Lei n.º 9.870, de 23.11.1999, in verbis:
“Art 6º. São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias.”
É de se concluir, a partir da leitura do mencionado dispositivo legal, que as entidade de ensino não podem restringir o acesso do aluno à educação, suspender as provas escolares, reter documentos escolares ou aplicar qualquer outra penalidade pedagógica em virtude do inadimplemento do discente.
Por esta razão, a cobrança de mensalidades vencidas e não pagas por instituição de ensino superior ao aluno, como condição para o trancamento da matrícula, afigura-se pratica inadmissível no ordenamento jurídico pátrio, em razão de expressa vedação legal do art. 6º da Lei n.º 9.879/99.
Neste sentido passo a transcrever os seguintes precedentes jurisprudenciais, in verbis:
“ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. MENSALIDADES.
INADIMPLÊNCIA. EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. POSSIBILIDADE. 1. São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas, por motivo de inadimplemento. Inteligência do art. 6º da Lei n° 9.870, de 23.11.1999.
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2. A negativa de fornecimento do diploma ao aluno concludente, pelo fato de estar ele em atraso com o pagamento das mensalidades, deve ser considerada como meio de pressão, para garantir o adimplemento de obrigações pecuniárias. Trata-se, pois, de conduta inadmissível.
3. Há via própria, à disposição da instituição de ensino, para a satisfação de seus créditos, qual seja, a ação executiva, de modo que o caminho utilizado pela universidade, in casu, para obter a almejada contraprestação pelo serviço educacional, não é o mais adequado. 4. Remessa oficial improvida.”
(TRF 5ª, Terceira Turma, REOAC n.º 00100293420104058100, Relator Des. Fed. Conv. Frederico Pinto de Azevedo, DJe em 10.05.2011)
“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO. NEGATIVA DE COLAÇÃO DE GRAU. INADIMPLÊNCIA DO ALUNO. ILEGALIDADE DO ATO. ARTIGO 6º DA LEI 9.870/99.
1. Orientação jurisprudencial assente a propósito da ilegalidade, por ofensa ao quanto disposto no artigo 6º da Lei 9.870, de 23 de novembro de 1999, de ato de instituição de ensino consistente na negativa de colação de grau, em virtude da existência de débito do estudante com a instituição de ensino.
2. Situação, aliás, em que o parcelamento da dívida fez cessar a situação de inadimplência que deu margem ao ato impugnado.
3. Remessa oficial não provida.”
(TRF 1ª, Sexta Turma, REOMS n.º 200931000016130, Relator Des. Fed. Carlos Moreira Alves, e-DJF1 em 04.07.2011, p. 47)
“ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. RETENÇÃO DE DIPLOMA DE CONCLUSÃO DE CURSO. ILEGALIDADE. INADIMPLÊNCIA DO ALUNO. ART. 6º DA LEI Nº 9.870 DE 23/11/99.
1. Trata-se de remessa necessária em razão de sentença proferida em mandado de segurança que que julgou procedente o pedido e concedeu a segurança para determinar que a autoridade coatora entregue, ao impetrante, em 48 horas, o diploma de graduação do curso de Direito na Universidade Estácio de Sá, independentemente do adimplemento de eventuais valores em atraso.
2. O artigo 6º da Lei nº 9.870/99 dispõe que são vedadas às instituiçõesde ensino “...a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias.”
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3. Com efeito, a prestação de ensino superior não tem caráter puramente contratual, tratandose, isso sim, de atividade delegada pelo Estado, devendo por isso sujeitar-se não só aos princípios constitucionais atinentes à matéria, como também às normas gerais da educação, dentre as quais as previstas na Lei n.º 9.870/99.
4. A a vinculação entre o diploma pleiteado pelo impetrante e sua inadimplência caracteriza uma forma indireta de obrigá-la a quitar os débitos relativos aos meses anteriores, o que afigura-se ilegal, nos termos do art. 6º da Lei nº 9.870/99.
5. Conforme bem ressaltado pelo Ilustre Procurador da República “a instituição de ensino, deve, portanto, utilizar-se dos meios legais de cobrança, sendo ilegal a negativa de expedição de diploma em razão da existência de débitos”.
6. Remessa necessária conhecida e improvida.”
(TRF 2ª, Sexta Turma Especializada, REOAC n.º 200951010262934, Relator Des. Fed. Guilherme Calmon Nogueira da Gama, E-DJF em 01.09.2010)
Desta forma, uma vez verificada que a sanção imposta pela instituição de ensino superior aos alunos inadimplentes constitui penalidade pedagógica vedada pelo ordenamento jurídico, nos termos do art. 6º da Lei n.º 9.870/99, merece reforma a sentença vergastada, que julgou improcedente a presente ação civil pública.
Assim, não podem as apeladas se abster de exigir o adimplemento de mensalidades ou quaisquer outras quantias em atraso para o deferimento do trancamento de matrícula.
No que concerne aos honorários advocatícios sucumbenciais, a Eg. Primeira Seção do STJ veda a percepção de honorários advocatícios ao Ministério Público, pelo princípio da simetria, quando vencido ou vencedor em ação civil pública.
Neste sentido:
“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL
PÚBLICA – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – MINISTÉRIO
PÚBLICO AUTOR E VENCEDOR.
1. Na ação civil pública movida pelo Ministério Público, a questão da verba honorária foge inteiramente das regras do CPC, sendo disciplinada pelas normas próprias da Lei 7.347/85.
2. Posiciona-se o STJ no sentido de que, em sede de ação civil pública, a condenação do Ministério Público ao pagamento de honorários advocatícios somente é cabível na hipótese de comprovada e inequívoca má-fé do Parquet.
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AC Nº 553789/CE (V-4)
3. Dentro de absoluta simetria de tratamento e à luz da interpretação sistemática do ordenamento, não pode o parquet beneficiar-se de honorários, quando for vencedor na ação civil pública. Precedentes. 4. Embargos de divergência providos.”
(STJ, ERESP n.º 895.530, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJE em 18.12.2009)
Ante o exposto, dou provimento ao recurso de apelação interposto pelo MPF.
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ORIGEM : JUíZO FEDERAL DA 4ª VARA FEDERAL DO CEARá - CE RELATOR : DES. FED. FRANCISCO WILDO
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ENSINO SUPERIOR. TRANCAMENTO DE MATRÍCULA. PENALIDADE PEDAGÓGICA EM DECORRÊNCIA DO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL PELOS ESTUDANTES. IMPOSSIBILIDADE. ART. 6º DA LEI N.º 9.870/99. PRECEDENTES.
- Apelo em face de sentença que, nos autos de ação civil pública, julgou improcedente o pleito vestibular, reconhecendo legítima a conduta da Faculdade Católica de Fortaleza - FCF de impedir o trancamento de matrícula de estudantes que estão inadimplentes.
- As entidade de ensino, nos termos do art. 6º da Lei n.º 9.870/99, não podem restringir o acesso do aluno à educação, suspender as provas escolares, reter documentos escolares ou aplicar qualquer outra penalidade pedagógica em virtude do inadimplemento contratual do discente.
- A cobrança de mensalidades vencidas e não pagas por instituição de ensino superior ao aluno, como condição para o trancamento da matrícula, afigura-se prática inadmissível no ordenamento jurídico pátrio, em razão de expressa vedação legal do art. 6º da Lei n.º 9.879/99.
- Precedentes: TRF 5ª, Terceira Turma, REOAC n.º 00100293420104058100, Relator Des. Fed. Conv. Frederico Pinto de Azevedo, DJe em 10.05.2011; TRF 1ª, Sexta Turma, REOMS n.º 200931000016130, Relator Des. Fed. Carlos Moreira Alves, e-DJF1 em 04.07.2011, p. 47.
- Apelação provida.
ACÓRDÃO Vistos, etc.
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do Relatório, Voto e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Recife, 02 de abril de 2013. (Data de julgamento)
Des. Fed. FRANCISCO WILDO Relator