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Espaço público num contexto autoproduzido. O caso de estudo do Bairro da Torre

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Academic year: 2021

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Júri:

Presidente:Doutor Pedro MiguelRamos Arsénio,Professor Auxiliar do Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa.

Vogais:

Doutora Ana Luísa Brito dos Santos de Sousa Soares,Professora Auxiliar do Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa;

Mestre João António Ribeiro Ferreira Nunes,Professor Auxiliar Convidado do Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa,orientador.

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AGRADECIMENTOS

Um agradecimento especial aos meus orientadores, professor e arquiteto paisagista João Ferreira Nunes e arquiteta paisagista Catarina Raposo, pelas suas orientações brilhantes, pela paciência constante e pelo interesse relativamente ao meu trabalho.

Um agradecimento aos professores dos cursos de Verde Ornamentale e Tutela del Paesaggio (Alma Mater Studiorum, Universitá di Bologna), de Arquitectura Paisagista (Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa), da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, (UFRJ- Universidade Federal do Rio de Janeiro) pelos conhecimentos transmitidos e por me terem suscitado interesse e aumentado a minha sensibilidade nos diversos campos da arquitetura, ao longo do meu período académico

Um agradecimento a todos os professores, investigadores e colegas do Gestual – Grupo de Estudos Sócio-Territoriais, Urbanos e de Ação Local do CIAUD-Centro de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade de Lisboa, através do qual conheci a reali-dade do Bairro da Torre, caso de estudo desta Dissertação de Mestrado, durante o período de estágio no mesmo grupo. Foi através dessa oportunidade e do trabalho de cada componente do grupo que consegui obter informações específicas sobre a realidade do bairro, entrar em contato e socializar com os seus moradores, entender nova abordagens e metodologias rela-tivas ao projeto e a investigação e , por fim, conhecer as margens físicas e sociais da cidade de Lisboa.

A todos os amigos, colegas, por terem acompanhado este trabalho do início ao fim através de trocas de opiniões, discussões e visitas ao Bairro da Torre e por terem partilhado muito tempo, no qual se sonharam e se imaginaram as coisas de outra forma.

A meu amigo e colega Francisco Delgado, companheiro de estudo e de experiências, pelos belos tempos passados nestes últimos dois anos.

A minha família, por me ter suportado e amado nos piores e melhores momentos do meu percurso académico.

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RESUMO

As mudanças globais das cidades contemporâneas geraram uma nova atitude na compre-ensão da cidade e das suas periferias impulsionando, assim, uma nova forma de olhar para o espaço público. Desde o momento em que se entendeu que o espaço público da cida-de é também espaço coletivo e social, muitos autores cida-defencida-deram que as intervenções do urbanismo e da arquitetura paisagista devem ser orientadas para a produção de um espaço estruturador, catalisador de encontros e relações sociais em que haja direito ao acesso, à mudança, à revindicação e à apropriação.

A complexidade da cidade metropolitana amplifica-se nas suas margens, onde convivem va-riedades de formas e de episódios urbanos descontínuos característicos da paisagem pe-riurbana, a qual se coloca no meio dos termos urbanidade e ruralidade e onde surgem en-claves, alguns dos quais marginalizados, quer fisicamente quer socialmente. Dentro desses espaços, observa-se a urgência e a exigência de um projeto de recomposição e requalificação do espaço público configurado, geralmente, sob formas diversas em função das tipologias urbanísticas legais e ilegais.

O caso de estudo do Bairro da Torre, realidade espontânea inserida nas margens da cidade de Lisboa, serviu como materia de reflexão sobre estas realidades, estudo integrado no proje-to GESTUAL.

A presente dissertação pretende refletir sobre estes temas a partir de uma dimensão operati-va, e não apenas teórica e bibliográfica. O sítio – realidade fisica e cultural – e a sua dimensão autoconstruída levantam questões e lançam possibilidades para a sua reativação, perante necessidades emergentes de valorização dos lugares e das comunidades que os habitam. Construir uma rede, ativar nós estratégicos, integrar a contingência e o pré-existente, gerar participação, regenerar ecossistemas, permitir a indeterminação são alguns dos instrumentos propostos por essa estratégia com a qual se intervém na proposta de requalificação do Bairro da Torre, cujo espaço público se torna o elemento estruturante de um futuro parque urbano, agora ponto de conexão dos enclaves que o rodeiam.

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ABSTRACT

The global changes of contemporary cities have generated a new attitude in understanding the city and its suburbs, thus impelling a new way of looking at the public space. From the mo-ment it was understood the public space of the city is also a collective and social space, many authors have argued that the interventions of urbanism and landscape architecture should be oriented towards the production of a structuring space, a catalyst for encounters and social relations in which there is a right to access, to change, to claim and to appropriate it. The com-plexity of the metropolitan city is amplified in its limits, where a variety of forms and disconti-nuous urban episodes, characteristic of the peri-urban landscape, which coexist between the terms urbanity and rurality and where enclaves emerge as a marginalized space, either physi-cally or socially. In these areas, the urgency and the requirement of a project of requalification of the public space configured, most of the time, in different forms according to the legal and illegal urban typologies. Through the analysis of the public space of the case study of Bairro da Torre, an informal reality inserted in the limits of the city of Lisbon, it was thought after that in a strategy to define a project of requalification of its collective spaces, which will serve the residents until their rehousing.

Building a network, activating strategic nodes, integrating the contingency and the pre-exi-sting, generating participation, regenerating ecosystems, permitting indetermination are some of the proposed instruments of this strategy to intervene in the project of requalification of the Bairro da Torre which public space it will become the structuring element of a future urban park, now a point of connection of the enclaves that surround it.

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1. A oportunidade do espaço público na reprogramaçao da

cidade contemporânea

1.1. O espaço público como dimensão social

1.2. O espaço público como elemento estruturador

- Espaços intersticiais na cidade periférica

1.3. O espaço público em contextos autoproduzidos

2. Apresentação do caso de estudo: O Bairro da Torre

2.1. A condição de enclave

2.2. A evolução do lugar

2.3. Análise do sítio

- Analise demográfica e edificado

- Infraestrutura e problemáticas relacionadas - Limites e acessos - Espaço público - Rua - Pátio - Alpendre

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AGRADECIMENTOS

RESUMO

ABSTRACT

ÍNDICE

ÍNDICE DAS FIGURAS

I

III

V

VII

IX

ÍNDICE

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3. Estratégia

Premissa

3.1. Intervenção nas diferentes escalas (temporal e espacial)

- Gerar uma rede e ativar nós

3.2. Apropriação do lugar e identidade

- Integrar a contingência e o pré-existente

3.3. Permanências

- Elementos temporários

- Cozinha comunitária e lavadouro - Sistema de Percurso

- Sistema de Vegetação

3.4. Comunidade e sociabilidade

- Gerar participação e experiências partilhadas

3.5. Regenerar ecossistemas

- Otimizar recursos

3.6. Permitir a indeterminação

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

LIVROS CONSULTADOS

SITES CONSULTADOS

ANEXOS

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ÍNDICE DAS FIGURAS

Fig1. Gezi Park Istambul, 2013. Fonte: journal-neo.org

Fig2. Paisagem periurbana, Quinta do Moncho, 2016, Loures. Autor Fig3. Favela do Complexo do Alemão, 2017, Rio de Janeiro. Fonte: Autor

Fig4. Bairro de habitação social Casal da Boba, 2017, Amadora. Fonte: Autor

Fig5. Mapa de enquadramento 1/50000. A condição de enclave.

Fig6.7.8.9. Diagrama comparativo: individuação das antigas quintas e da Estrada Militar (7) a partir da Carta Antiga de Loures, escala 1/50000, 1903. Fonte: Direção-Geral do Território (6). Individuação de: AUGI, Bair-ros de promoção publica de habitação, bairBair-ros autoproduzidos (9) na Fotografia aérea do 1995 da zona do aeroporto. Fonte: Direção-Geral do Território (8). Alguns destes últimos bairros, nasceram nos terrenos das quintas. Todavia, na Carta Antiga não aparecem todas as quintas obstaculizando o mapeamento de muitos bairros existentes.

Fig10. Planta Cadastral, escala 1/2000, 1951, Conselho Loures, Fre-guesia Camarate. Fonte: GESTUAL

Fig11. Fotografia aérea da zona do Aeroporto de Loures, 1965. Fonte: Direção-Geral do Território.

Fig12. Carta Militar, Loures, sem escala, 1991. Fonte: Direção-Geral do Território

Fig13. Diagramas da evolução do Bairro da Torre antes entre e depois das demolições, anos: 2006,2009,2017

Fig14. Diagrama explicativo. Fronteiras do Bairro da Torre e caracteri-zação dos limites.

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Fig15. Diagrama explicativo. Infraestrutura e problemáticas.

Fig16. Diagrama explicativo. Levantamento das habitações e identifi-cação dos alpendre em amarelo claro.

Fig17. Diagrama explicativo. Individuação dos espaços de convívio em azul.

Fig18. Proposta de projeto. Ciclovia.

Fig19. Diagrama concetual da abordagem das três escalas de trabalho: territorial, local e de pormenor.

Fig20. Alpendre de uma casa, 2017. Autor.

Fig21. Pavimentação de uma antiga casa. Contingência. O que se pode tornar? 2017. Autor.

Fig22. Plano Geral.

Fig23. Diagrama explicativo. Principio construtivo dos alpendres pré-existente e das macroestruturas comunitárias.

Fig24. Planta, corte e desenho da cobertura do lavadouro e da cozinha comunitária.

Fig25. Esquiços conceptuais em papel vegetal.

Fig26. Fotomontagem. Lavadouro e hortas comunitária

Fig27. Diagrama explicativo da produção das macroestruturas e do mobiliário urbano a partir do lixo.

Fig28. Diagrama da indeterminação. Evolução do Bairro da Torre. O futuro parque urbano.

35 38 38 41 42 43 44 48 51 52 56 61 63 66

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1. A oportunidade do espaço público na reprogramaçao

da cidade contemporânea

1.1. O espaço público como dimensão social

“Há poucos anos esse termo não evocava nada a não ser um conceito geométrico: o de um meio vazio. Todas as pessoas instruídas logo o completavam com um termo erudito, tal como “euclidiano”, ou “isotrópico”, ou “infinito” e a ideia geral era que o conceito de espaço depen-dia da matemática e tão-somente dessa ciência. O espaço social? Essas palavras causavam surpresas” 1 (Lefebvre, 1991, p. 1).

O conceito de espaço coletivo, ou espaço público, tem conotação moderna e, hoje em dia, surge como objeto de discussão transversal entre diferentes disciplinas porque o espaço público não se limita a ser um vazio intercorrente do espaço urbano mas encerra um signi-ficado político e cultural imprescindível na leitura da cidade e do urbano2 contemporâneos.

O espaço público distingue-se portanto em dois aspetos: um tangível, físico, arquitectónico e um outro intangível, cultural e político, estreitamente relacionado com o direito à cidade3

(Lefebvre, 2014) de cada indivíduo.

Em La ciudad conquistada, J. Borja fez uma reflexão muito ampla e abrangente sobre o espaço público, na qual considera redutor defini-lo apenas programaticamente (espaços verdes, equi-pamentos ou sistema viário) associando-lhe, também, uma conotação filosófico-política que o designa como “lugar de la representación y expresión de la sociedad, tanto de dominados como

de dominantes” (Borja, 2003, p. 120). Dentro das suas funções urbanístico - arquitectónicas,

1 Tradução do próprio Autor

2 Na teoria do Henri Lefebvre a cidade é considerada “a realidade presente, imediata, dato

prátic-o-sensível, arquitetônica enquanto o urbano é a realidade social constituída por relações a elaborar, a construir ou reconstruir com o pensamento, ou seja “a vida urbana, a sociedade urbana”.

3 Para Henri Lefebvre o “direito à cidade” surge como apelo, como exigência. Seguindo por atalhos

surpreendentes – a nostalgia, o turismo, o regresso ao coração da cidade tradicional, o apelo das cen-tralidades existentes ou reelaboradas – esse direito avança lentamente. A reivindicação da natureza e o desejo de usufruir dela afastam-nos do direito à cidade. Esta última reivindicação manifesta-se indireta-mente através da tendência para a fuga da cidade deteriorada e não renovada, da vida urbana alienada antes de existir “realmente”. A necessidade e o “direito” à natureza contrariam o direito à cidade sem, contudo, conseguir iludi-lo (isso não significa que não se devam preservar vastos espaços “naturais” face à proliferação das cidade que explodem)”.

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a que mais o descreve é a de elemento estruturador do conjunto da cidade, assegurando um

continuum entre as varias partes e a de elemento ordenador, estabelecendo uma relação

en-tre edifícios através das suas diferentes configurações (Borja, 2003).

Inumeráveis são as conotações dadas ao longo do tempo ao espaço público. Sob um ponto de vista urbanístico e jurídico, materializa-se como uma porção de solo para uso comunitário, oferecendo equipamentos e infraestruturas para a mobilidade. Está vinculado e submetido a uma regulamentação especifica da administração pública, a qual domina e fixa as suas mo-dalidades de uso. Mas é também interessante mostrar, como referido pelo autor acima citado, como alguns espaços não públicos da cidade, elementos intersticiais ou abandonados, tor-nam-se de carácter público pela apropriação espontânea das pessoas e pela dinâmica própria da cidade. Isso demonstra aquilo que define a natureza de uma espaço público mais do que o seu uso e estatuto jurídico (Borja, 2003).

Na sua dimensão sociocultural o espaço público configura-se, como lugar de identificação e relações, de trocas e contatos, de animação urbana e expressão comunitária. Sendo o cenário perfeito de representação da sociedade e o espaço da coletividade alguns autores, como Jacobs (2009), Lefebvre (1991), Borja (2003), Gehl (2017) definiram a cidade como o espaço público onde o poder se torna visível, a cidade se fotografa, o simbolismo coletivo se materializa e se afirma. O espaço público, entendido como cenário de representação, é onde a sociedade adquire visibilidade, e quanto mais acessível for mais será garantinda a democra-tização política e social. Nas ultimas décadas vários movimentos urbanos protestaram contra fenómenos de privatização do espaço público, defendendo estes lugares e propondo novas formas de gestão dos espaços, como é exemplo o emblemático caso do Gezi Park a Istambul (Lefebvre, 2014).

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O espaço público surge em simultâneo como o aparecimento da polis e da urbe. Espaço de fluxos e de representação política, onde se consentia a realização da plena cidadania (Freitas, 1994) e a formação de um sentimento de pertença a um lugar. O funcionalismo, no qual se baseia o período moderno, desqualificou-o, atribuindo-lhe usos específicos, e o pós moder-nismo veio romper, nas suas aplicações, o sentimento de pertença ao lugar, despindo-o de sua acepção mais social e criando, assim, espaços dedicados a fluxos e consumo. Segundo a perspectiva de Augé, “se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um não lugar” (Augé, 1994). Tinha-se esquecido de que a cidades eram

“lu-gares para as pessoas” produzindo assim territórios descaraterizados de difícil identificação

pelas pessoas e portanto de impossível apropriação.

Autores como Lefebvre realçam a visão do espaço público como espaço social, aquele que “implica, contém e dissimula relações sociais” 4 (Lefebvre, 1991, p. 83) e o qual reúne o mental

e o cultural, o social e o histórico e reconstrói um processo complexo feito por descoberta, produção, criação, segundo uma lógica de simultaneidade. O espaço social funciona como interface, como mediador, entre os indivíduos de uma comunidade. Nas aplicações e na sua transformação o espaço social “não é uma coisa entre as coisas, um produto qualquer entre

os produtos; ele engloba as coisas produzidas, ele compreende suas relações em sua coe-xistência e sua simultaneidade: ordem (relativa) e/ou desordem (relativa). Ele resulta de uma sequência e de um conjunto de operações, e não se pode reduzir a um simples objeto” 5

(Le-febvre, 1991, p. 73). Dito isso, o espaço não pode mais ser concebido como passivo, vazio, ou então, como o “produto”, não tendo outro sentido senão o de ser trocado, o de ser consumido, o de desaparecer.

A produção do espaço público na cidade contemporânea deve, portanto, visar à criação de lugares para as pessoas e tem que ter a capacidade de atraí-las, gerar re-lações humanas e interações, deve possibilitar a mistura social e dos vários compor-tamentos, para estimular a identificação com o lugar e facilitar a integração social. Deve garantir domínio público e uso social coletivo através do direito ao acesso, à mu-dança, à revindicação e a apropriação. Deve, ainda, assegurar multifuncionalidade e versatilidade. Para atingir isso, é necessário que o projeto do espaço público garanta

4 Tradução do próprio Autor 5 Tradução do próprio Autor

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qualificação do entorno e do existente e que considere a relação desse espaço com o tecido urbano, assim como a memoria do lugar, a sedimentação do tempo e da história da cidade. J. Borja, no seu livro La ciudad conquistada, reflete acerca das motivações e necessidade de intervir no espaço público no tempo da globalização na cidade-região, multipolar e policên trica. Segundo o autor, o espaço público é aquele espaço onde mais se manifesta a crise da cidade e da urbanidade e onde as novas realidades urbanas, sobretudo as marginalizadas ou segregadas, apresentam novos desafios no projeto do espaço público (Borja, 2003).

Daí que autores como Giovanni, no seu livro Spazi comuni. Progetto urbanistico e vita in

pub-blico nella città contemporanea, afirmarem a urgência de um novo olhar na forma de recompor

os espaços e atividades neste território descontinuo que é o espaço público, considerando a importância e o papel do espaço coletivo como elemento estruturador da fragmentação domi-nante nas cidades contemporâneas (Giovanni, 2010).

1.2. O espaço público como elemento estruturador

Derivado do latim publĭcus, i (lugar público»)6, o conceito de “público” mudou ao longo do

tempo mas sempre manteve oposição a “privado”, de privātus,i. Assim, todos os atributos rela-cionados com esses dois termos dizem respeito a opostos: aberto, acessível, comum, coletivo contra fechado, incessível, restrito, particular.

A história dos espaços públicos poderia ser resumida, de forma simplificada, em quatro fases: a constituição desses espaços, na cidade antiga; a consolidação, na cidade renascentista e barroca, a dissolução, na cidade moderna e a recomposição, na cidade contemporânea (Grosbaum, 2012).

O seu conceito, tal como o identificamos hoje, desenvolveu-se a partir do século XVIII, junto com o aparecimento do “homem cosmopolita” ou do “homem público” (Sennett, 2001, p. 31) e com o desenvolvimento de novas formas de redes de sociabilidade. É esse o momento em que as cidades europeias abrem os portões dos jardins e dos par-ques das vilas burguesas para qualquer classe social, dando início à época do passeio

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público, dos cafés e do teatro e inaugurando, assim, as primeiras ruas adequadas para o pas-seio dos pedestres. Assim, o foco da vida pública era a capital.

A cidade clássica, renascentista e barroca, que fagocitaram e transformaram a cidade medie-val, são as que hoje definimos como cidade central, monumental e histórica em strictu senso, onde o espaço público se identifica enquanto lugar de estar, de andar, no qual se misturam usos e pessoas (Borja, 2003).

No XIX a forte consolidação do capitalismo industrial tinha provocado o aumento da procura de habitação, despertando fortes preocupações com a qualidade de vida, com a marcada injustiça social dos trabalhadores e as questões ambientais em contexto urbano. Enquanto a cidade crescia de forma anárquica e a apropriação do espaço pela indústria atingia um relevância sempre maior, a investigação científica tentava procurar soluções, condicionando a sensibilidade e o pensamento higienista nascente. A procura de uma reconciliação entre a dicotomia cidade x campo e as novas descobertas científicas, como a da fotossíntese, se-gundo a qual as plantas transformavam o anidrido carbónico em oxigénio, impulsionaram a utilização da componente vegetal nos espaços públicos como terapia para a cidade sempre mais poluída (Magalhães, 2001). Essa solução, a partir do século XIX, numa multiplicidade de modelos urbanos onde o espaço público e a sua estrutura verde surgem como base para a organização do espaço urbano; como sistemas de parques (Emerald Necklace, Olmsted), de faixa verde concêntricas e radiais (Garden City, Ebenezer Howard), como faixa verde linear (Ciudad Lineal, Soria y Mata) (Magalhães, 2001).

Com a cidade, também os seus cidadãos mudam: o animal humano transformava-se em ser social e o espaço público era o palco perfeito para a expressão dessa nova condição (Sennett, 2001). Na transição para o século XX emerge a ideia de “incompatibilidade entre a estrutura comu-nitária da cidade tradicional e a nova estrutura necessária à cidade industrial” (Magalhães, 2001, p. 83), cujo propósito levou a concretizar-se num desenho de cidade em que vegetação, sol e função se tornassem as componentes fundamentais da ideia do espaço urbano e no qual, os espaços verdes tinham um papel fundamental, quer como espaços de lazer, mas so-bretudo, como instrumentos de melhoria ambiental. No Plan Voisin, Le Corbusier reformava o ambiente urbano com a proposta de cidade com alta densidade habitacional, revolucionando a concepção do espaço exterior, a partir da ideia de cidade completamente imersa na natu-reza. O plano verde contínuo, as vias rápidas e os edifícios isoladosos davam forma a um ambiente dissolvido e retiravam à rua o papel de elemento estruturante da cidade, privando-a também da própria identidade e do seu valor de suporte à vida coletiva. É assim que ela

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passa a ser chamada via (Magalhães, 2001).

Mas a interessante possibilidade que Le Corbusier deixava entrever nos seus projetos, e que o destacava dos outros seus contemporâneos, era a propostas de uma metrópole para muitas pessoas como a Ville Verte e não um aglomerado rarefato de poucos moradores (Panzini, 2005).

Assim, as preocupações do movimento moderno, designadamente a sensibilidade pela habi-tação massiva, pela higiene e paisagem urbanas, foram mal interpretadas nos seus resultados práticos, demonstrando não se interessar pela melhoria da condição de vida da população trabalhadora, na qual o movimento moderno tinha demonstrado sensibilidade, confirmando a sua visão especulativa da cidade, causando esse espírito de urbanidade perdida e deixando ao espaço público a condição de simples espaço residual (Borja, 2003).

O urbanismo funcionalista que predominou na Europa e a América Latina nos anos sessenta e setenta ainda paga as consequências do uso perverso que fez da monofuncionalidade e da setorização das políticas publicas que aplicava.

O urbanismo funcionalista afirmou-se ao nível de mercado através de rendas fortemente po-larizadas, despoletando em bairros-guetos desintegrados do resto da cidade, como uma das marcas mais fortes da cidade contemporânea (Borja, 2003).

Segundo alguns autores, a morte da Arquitetura Moderna fixa-se no dia 15 de Julho de 1972, quando, em St. Louis, no Missouri, a conjunto habitacional de Pruitt-Igoe, construído segundo os princípios da Carta de Atenas, é implodido. A urbanização que hospedava famílias rea-lojadas de baixos recursos económicos, provenientes de áreas degradadas da cidade, deu origem a lugares inóspitos e inóspitos e sujeitos a vandalismo e de grande mal estar social. Como referido por Magalhães, vários estudos defendiam a tese de que a população realojada não tinha desenvolvido um sentimento de pertença ao lugar, frequentemente fruto de proces-so de reinserção e desintegração da comunidade pré-existente (Magalhães, 2001).

É assim que, no período pós-moderno, vários autores começam a retomar conceito clássicos procurando investigar os fatores que influenciavam o apego ao lugar ou outros, como o con-ceito de identidade e de Genius Loci.

O “espírito do lugar”, definido por um significado e uma estrutura, tinha que ser protegido e preservado para “concrétiser le sens, dans un contexte historique toujours nouveau” assim

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evitando a alienação7. A afirmação da cidade pós-moderna, á procura duma visão semântica

da cidade, acabou por converter esta necessidade de pertença em paradigmas globais aces-síveis a todos que, associados a lógica do consumo capitalista, geraram novos modelos de centros de sociabilidades, como os espaços de loisir , as grandes superfícies comerciais (out-let, centro comerciais,..). Estes superlugares estandardizados e fechados reproduziam nas próprias áreas formas espaciais de carácter urbano, impulsionando os indivíduos a olhar para esses sítios como formas alternativas de espaço público. Propondo as mesmas dinâmicas dos espaços públicos da cidade tradicional, começava-se a reforçar uma ideia, no imaginário comum, de que no espaço de loisis “fusione la seguridad del suburbio y la estandarización

con la congestión urbana, ofreciendo a la clase media un agradable espacio público donde la gente pueda disfrutar sin tener miedo. Pero esta clase de negocios urbanos fuerza a la ciudad a convertirse en una fortaleza invisible donde ricos y pobres continúan polarizados pero la distancia es menos obvia” 8 (Borja, 2003, p. 133).

A progressiva estandardização, à qual foi-se moldando o espaço público conduziu a uma negação da cidade heterogénea em favor da cidade genérica e do conceito de espaço social através da difusão de espaços públicos que fingem de ser espaços públicos. A lógica do con-sumo começava a ditar a forma de uma paisagem periférica, diluída e sempre mais fragmen-tada, através da disseminação de elementos pontuais, entre os quais, alguns geraram locali-smos de guetos de todos os tipos e que ainda tem repercussões na cidade contemporânea. Através de uma abordagem teórica, a autora, reafirma a cidade mais do que nunca, eviden-ciando a importância da rua da cidade tradicional como espaço por excelência de sociabili-dade e no qual se gera um sentimento de confiança inconsciente que faz, desse lugar, um espaço seguro. Na base dessa ideia reside a condição de diversidade e da necessidade de reagrupar economicamente os usos e funções da Cidade, tendo como corolário a heteroge-neidade dos seus atores. Como consequência, a rua tornar-se-á um lugar agradável e seguro já que os seus moradores agirão, inconscientemente, como os “olhos da rua”, tão citados pela autora, garantindo maior controlo e segurança (Jacobs, 2009). A segurança passa, assim, a ser sinónimo de heterogeneidade e diversidade funcional, arquitectónica, económica, cultural.

7 Segundo o Norberg-Schulz a “alienação é devida a perda de identificação das coisas naturais e

artifi-ciais que constituem o universo do homem. Esta perda impede o processo de reconstrução portanto é responsável da “perda do lugar” (Norberg-Schulz, 1981).

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A cidade atual chega, portanto, aos nossos dias, com uma multiplicidade de questões her-dadas das cidades antecedentes, designadamente as problemáticas dos bairros da cida-de periférica que nunca tiveram centralidacida-de e que, com o tempo, foram-se cida-deteriorando. Periferias afetadas pela implantação de conjuntos habitacionais desarticula-dos entre si, ou por realidades autoconstruídas, fruto da ineficiência desarticula-dos siste-mas políticos, constituem a trama urbana e a narrativa dos limites das cidades. Esta cidade marginal, erradamente associada exclusivamente aos países em de-senvolvimento, ainda está presente na realidade europeia entre os centros degrada-dos, nas periferias não renovadas e nos interstícios da cidade da região metropolitana. A cidade contemporâneas configura-se como um complexo sistema que lhe impede a atribuição de uma definição especifica. Esta já não se pode definir por um dentro e um fora ou por categorias dicotómicas (centro/periferia ou cidade/campo) que já não conseguem descrever a complexidade do espaço.

Provavelmente seria mais apropriado pensar numa cidade-região, constituida por sistema ur-banos de escala regional, na qual se cruzam fluxos globais. A diversidade dos assentamentos presentes nas regiões metropolitanas e seus dos espaços intersticiais, reclamam uma nova forma de pensar o papel do espaço público nesses territórios. O espaço público, assim, pode determinar as condições propícias capazes de favorecer o aparecimento de modalidades al-ternativas de pensar e viver o espaço do habitar.

Espaços intersticiais na cidade periférica

Resultado do crescimento descontrolado da cidade metropolitana a paisagem agrícola periurbana é uma terceira paisagem (Pinzello, Romano, Giampino, & Todaro, 2009, p. 1) que se coloca no meio entre urbanidade e ruralidade, partilhando assim os espaços da periferia e da cidade dispersa, lugares onde convivem, no mesmo tempo, as he-ranças da cultura agrícola e as novas formas de fazer cidade. A interpretação do concei-to de paisagem periurbana de Donadieu, por Mariavaleria Minnini, afirma que “Questa

campagna, abitata da una società che combina pratiche di cittadini o cittadini dalle confu-se biografie, chiede di partecipare alla definizione dello spazio urbano perché, in qual-che modo, i suoi abitanti, pur non volendo rinunciare alla città, attestano una scelta di vi-vere fuori, prediligendo un maggiore contatto con la natura” (Donadieu & Mininni, 2013).

Citando as palavras de M.G. Gibelli, Perrella afirma que as “paisagens agrícolas peri-urbanas podem ser consideradas verdadeiras áreas de franja porque, ao mesmo

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tem-po que preservam as características agrícolas, produtivas ou não, representam áreas de

transição reais que decorrem de sobreposições e, muitas vezes, de confronto entre a

ci-dade e o campo, onde se entrelaçam ou se ignoram as redes das infraestrutura com as ecológi cas, a pressão das atividades antrópicas com a resposta do território, a velocidade de transformação com a lentidão dos ritmos naturais, o ruído e o silêncio, o cheio e o va-zios, fumaça com nuvens, massas imobilizadas de materiais inertes com seres vivos que pulsam e se movem, formas rígidas com a sinuosidade e a irregularidade de uma desordem aparente, riquezas antigas e não reconhecidas com nova pobreza” 9 (Perrella, 2007, p. 21).

9 Tradução do próprio Autor

(23)

A paisagem agrícola periurbana constitui, portanto, uma paisagem complexa, de margem, rica de lugares instáveis onde se condensam as contradições da contemporaneidade e onde morrem os termos dicotómicos cidade-campo.

A acentuada fragmentação e falta de uma identidade especifica tornam estes territórios vul-neráveis, enfraquecendo-os e expondo os seus espaços vazios à especulação imobiliária.

“Le campagne intorno alle città, per alcuni versi, sono i luoghi più instabili del territorio e quelli maggiormente investiti da processi di trasformazione, i suoli delle future periferie, dei prossimi vuoti in attesa di processi di valorizzazione immobiliare oppure quegli spazi che diventeranno slarghi di svincoli autostradali, aree interstiziali difficili da interpretare” (Donadieu & Mininni,

2013, p. 9).

No imaginário coletivo, o conjunto heterogéneo de espaços periféricos, às vezes marginais, residuais e frequentemente desconhecidos não é considerado como parte integrante da cida-de e não lhe è reconhecida a potencialidacida-de que, na realidacida-de, esconcida-dem.

Como afirmado por Renzo Piano, “existem periferias que gozam de uma extraordinária beleza por não ter sido “construídas”. Foram construídas com desatenção, desamor. Foram mal con-struídas mas são lindas. Isto porque guardam uma beleza humana. A beleza não é especifica só de lugares icônicos. Também nas periferias existe uma beleza difundida” 11. Os territórios

da periurbanidade reservam carácter de naturalidade e beleza e tem valores estratégicos pela proximidade com o centro da cidade.

Estes lugares, ricos de Friches, territórios residuais e délaissé, incultos, agora abandonados pelas atividades do homem, constituem, no seu conjunto, a Terceira Paisagem (Clément, 2005), conceito que reflete a forma como a natureza coloniza espaços abandonados gerando espaços naturais livres das imposições do paisagismo tradicional onde fecunda a diversidade das espécies do planeta e dos comportamentos, não só biológica, mas também cultural. A cidade produz tantos espaços residuais quanto mais o seu tecido se torna dissolvido, au-mentando a sua proporção à medida que nos aproximamos a periferia (Clément, 2005). A fragmentação do tecido periurbano produz uma compartimentação da Terceira Paisagem, tornando-se um factor seletivo à diversidade, concluindo-se, assim, que as oportunidades de continuidade biológica diminuem com o fecho das malhas urbanas.

10 Tradução do próprio Autor

11 Piano, Renzo. Entrevista a Renzo Piano por Lilli Gruber, no programa televisivo Italiano Otto e mezzo.

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Conectar esses vacúolos nos tecidos urbanos ex-novo, através corredores biológicos incenti-va e garante a continuidade biológica e facilita a infiltração da biodiversidade.

Assim, os retalhos da paisagem agrícola periférica, embora fragmentados e empobrecidos oferecem importantes oportunidades à cidade assegurando a sustentabilidade ambiental. A presença de um limite não definido e desalinhado pela dissolução da cidade não é mais um elemento de delimitação do espaço mas um gerador de relações e oportunidades. A presença de uma fronteira de geometria mais complexa pode tornar o “limite” da cidade um elemento de sutura que, separando as duas zonas, conecta-as.

1.3. O espaço público em contextos autoproduzidos

Os territórios periféricos são um conjunto heterogéneo de espaços, muitos dos quais, associa-dos apenas pela sua comum condição de marginalidade. Os bairros que habitam a esta parte da cidade têm, como traço de semelhança, o carácter de isolamento e a condição de enclave, quer física, quer social. Esse carácter é o resultado de um processo de exclusão que provoca, ao mesmo tempo, uma curiosidade pela leitura desses espaços e dos seus tempos. Todavia, existem determinados enclaves da cidade, especificamente as designadas favelas ou cidades

autoproduzidas, que escondem no seu interior uma vivência característica surpreendente, a

partir da qual, poderia ser desenvolvida a concepção de espaço público relativa a outros con-textos marginais como os bairros de promoção pública de habitação.

Dentro da complexidade do fato urbano, existem inúmeras formas de configuração, estando algumas delas, construídas de acordo com as leis vigentes, portanto legais, e outras, de forma informal, conhecidas por nascerem em zonas da cidades menos favoráveis e menos acessíveis, perto de zonas de subsistência económica e em condições ilegais. Nes-se último contexto estão inNes-seridas as favelas12: “núcleos habitacionais precários,

for-mados a partir da ocupação irregular de terrenos públicos ou particulares, onde se apresenta associado o problema da posse da terra com elevado grau de carências: de in-fraestrutura urbana, serviços públicos e renda pessoal dos moradores (Lula da Silva, 2000). Embora caraterizada por atributos de acepção genericamente negativa, tais quais a forte estig-matização sócio-espacial, a informalidade e a autoconstrução, a favela distingue-se também pelas ”relações de vizinhança e parentesco marcadas por intensa sociabilidade e vínculos

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de solidariedade e reciprocidade, com forte valorização dos espaços comuns como lugar de convivências socioculturais” [...] “Elevado grau de autorregulação do espaço público por parte dos seus (suas) moradores/moradoras, afirmando experiências e exercícios de autonomia” 13.

O uso e a apropriação dos espaços públicos, embora aconteçam em condições precárias, resultam naturais em favelas onde a vida social está orientada para a ce-lebração espontânea da cidade e para a integração social entre os moradores, ou seja, “Quanto mais portas se abrem para a calçada, tanto mais o espaço público é passível de apropriação pela casa” (Ferreira dos Santos & Vogel, 1985, p. 70). A nomenclatura variada, utilizada pelos próprios moradores ao se referirem à locali-dade em que habitam, como por exemplo o termo comunilocali-dade, carrega a concepção de um forte espírito de comunhão, uma vez que a palavra comunidade designa um grupo de pessoas que possuem algo em comum. A rua, palco principal da manifestação deste espírito é “o domínio público, por excelência; a rua é lugar onde se dão as relações for-mais, expostas e visíveis”[...] enquanto ”A casa é, no limite, o domínio da personalização e das obrigações mútuas que regem esse mundo de pessoas. A rua é, também no limite, a esfera da impessoalidade” (Ferreira dos Santos & Vogel, 1985, p. 70). A dicotomia en-tre a rua e a casa não faz parte do quotidiano da comunidade quando reconhecemos am-bas enquanto sistema integrado, sendo a rua o prolongamento da casa (Freitas, 1994). O princípio da diversidade, que caracteriza a rua da cidade autoproduzida, por sua variedade de acontecimentos e coexistência de múltiplas atividades, dá margem a muitas conjunções espaciais e atividades, transferindo à rua uma semântica diferente dos outros espaços ur-banos e conferindo-lhe uma atmosfera específica. Assim, tem carácter “de pátio para as crianças brincarem, sozinhas ou acompanhadas de outras crianças; de extensão da casa para as mulheres, que puxam seus banquinhos para fora[..]; ou simplesmente, de local de passagem para os transeuntes, automóveis e ciclistas que por ali transitam nos seus percur-sos diários (Freire, 2008).

As regras de utilização do espaço estão constantemente em construção, não estando os seus programas pré-definidos. As atividades elegem e apropriam-se dos espaços, adaptando-os e sendo adaptadas de volta. A dinâmica reconhecida neste processo é a de que “o que acon-tece num local não constitui somente a essência que, vertida num receptáculo vazio, toma a sua forma, pois contribui decisivamente para moldar e qualificar os ambientes.” (Ferreira dos Santos & Vogel, 1985, p. 49). É por este conjunto de realidades variadas que as favelas são

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concebidas como uma “cidade” dentro da cidade.

A configuração do espaço público como espaço de sociabilidade é gerada também pela fre-quência com a qual ocorrem contatos entre os habitantes na quotidianiedade. Os encontros são catalisados pelo traçado urbano dos assentamentos irregulares, dotados de inúmeros trajetos que ora distanciam-se, ora aproximam-se, mas que permanecem sempre atados, possibilitando o surgimento da chamada intimidade social. Muitos contatos ocorrem no espaço público e portanto ganham a forma de atos públicos. O que não torna este ato, necessaria-mente, um gesto de invasão da vida alheia é, justanecessaria-mente, o sentimento de posse coletiva que o torna mais que meramente público. Assim, a dinâmica de sociabilidade altamente diversa em conjunção com a estrutura da malha urbana, alimenta confiança e segurança pela exi-stência de situações e pessoas que exercem uma vigilância gratuita, desempenhando o papel de “olhos da rua” (Jacobs, 2009), conceito previamente definido.

De forma oposta, na vivência dentro dos bairros de promoção pública, dificilmente se realiza uma congruência entre o espaço público e a experiência do habitar. Cria-se, portanto, uma distância que leva a uma imensa insatisfação: sentimento comum em diversos espaços da ci-dade contemporânea. É nos bairros de realojamento que a polarização do sistema casa/bairro acentua-se. A perda, no novo bairro, de espaços secundários 13, ou espaços mediadores,

ime-diatamente exteriores ao alojamento e, portanto, da proximidade com a rua, além do tempo investido na sociabilização, aumenta o tempo passado na própria habitação provocando um efeito concha ou de duplo fechamento, espacial e social, num espaço vital com fronteiras bem definidas (Freitas, 1994).

“Se a modernidade derrubou à cidade a presença de um corpo, num enorme processo de abstração homologou o comportamento, gerando uma imagem de sociedade homogénea” 14

(Pendini & Orsenigo, 2009, p. 2) é mesmo a partir de uma releitura da conformação do espaço urbano, da sua interferência nas práticas e da integração dos indivíduos que o habitam, que se deve voltar a construir o espaço público como espaço social.

13 Os espaços secundários são definidos pela Maria João Freitas como aquelas estruturas

arquitetôn-icas de ligação entre a casa e a rua, como por exemplo o alpendre.

14 Stefano Pendini e Gianfranco Orsenigo citam Bernardo Secchi pelas suas reflexões sobre a

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Assim, a necessidade no processo criativo do projeto é a de entender os laços de conexão entre os modos de vida praticados e o local, de maneira a pensarmos não nos espaços, mas a partir deles15 (Rolnik, 2016).

15 Referindo-se à readaptação do discurso da Raquel Rolnik durante a conferência de abertura do

Se-minário UrbFavela: “pensar sobre a forma de intervir na favela através “uma abordagem que não pensa nela mas a partir dela”.

Fig3. Favela do Complexo do Alemão, 2017, Rio de Janeiro. Fonte: Autor

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2. Apresentação do caso de estudo: O Bairro da Torre

2.1. A condição de enclave

A cidade contemporânea é um sistema dinâmico complexo em contínua transformação por multíplices impulsos que fogem á capacidade previsional de previsão do planeamento tradi-cional. Para tentar explicar esta complexidade, particularidade principal dos territórios periur-banos da cidade, é preciso recorrer ao uso de conceitos capazes de explicar a dupla condição de isolamento espacial e social que carateriza as suas partes. A representação que mais se relaciona com esta paisagem é a imagem de um conjunto de ilhas, onde cada uma represen-ta uma célula-base do organismo cidade, as quais podem agregar-se e assim constituir um arquipélago ou conviver sem relações, como enclaves. O arquipélago é um espaço dinâmico de fluxos que liga as ilhas entre si enquanto o enclave são simples ilhas que não têm ligação, tendo dinâmicas internas diferentes uma da outra.

A palavra ‘enclave’ tem origem no termo francês enclaver que significa “fechar com chave” e de-riva, por sua vez, do latim vulgar inclavāre de clavis, ou seja, chave. Portanto, “os enclaves são espaços que confrontam a urbanização através de uma verdadeira mudança em relação à forma, pela sua pontualidade e pelo facto de serem circunscritos a determinado espaço criam uma pa-ragem na malha urbana – por vezes seguem uma lógica relacionada com a própria comunidade que se instala e não segundo a lógica como acontece com a landmark” (Almeida, 2014, p. 14). O enclave é reconhecível nas diferentes escalas, desde a territorial até a local. Assim, o con-texto do território periurbano do qual faz parte o Bairro da Torre, caso de estudo desta Tese de Mestrado, lê-se, a partir de uma primeira interpretação do mapa, como uma estrutura coerente de enclaves de caracteres físicos diferentes, entre eles, nas suas formas teciduais. Esta porção de território está situada no fim do planalto da cidade de Lisboa tendo portanto uma posição de privilégio pelo seu domínio topográfico e pelas ligações visuais coma pai-sagem envolvente. O planalto é limitado a norte por um acontecimento topográfico que impossibilita a expansão da cidade e portanto a abertura dos enclaves naquela direção pre-ferencial. Este limite físico é catalisador de um movimento centrípeto, ou seja, de implosão, não possibilitando, assim, o crescimento destes fatos urbano e enfatizando a condição de encerramento do enclave. As tipologias de enclaves caraterizantes desta escala urbana são principalmente bairros clandestinos ou AUGI, bairros de promoção pública de habitação, bairros autoproduzidos. Estes fatos urbanos revelam uma relação com tipologias urbanas

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singulares, também no plano social, como as quintas que, embora estejam na base do aparecimento surgiram em momentos diversos e sofreram várias mutações (Almeida, 2014). A relação entre estes enclaves e as quintas será explicado mais talhadamente no próximo subcapítulo, mas importante é perceber que a localização de-les tem forte relação com uma matriz agrícola e industrial do território e que o período de expansão urbana da cidade de Lisboa consolidou o carácter de enclave devido à con-strução das infraestruturas que ligavam o antigo centro da cidade com as suas periferias. O que, portanto, pode-se observar pela interpretação do mapa territorial é que a presença das grande obras infraestruturais, como a linha do comboio, a IC17 - CRIL, a 2ª Circular, o Eixo Rodoviário Norte-Sul e o Aeroporto Humberto Delgado, reforça, atualmente, o carácter físico dos enclaves por obstaculizar o crescimento e as conexões entre as mesmos. Pois, apesar da proximidade entre as ditas infraestruturas e os bairros, são muito poucos, ou talvez inexisten-tes, os acessos aos mesmos. A presença destas barreiras dificulta, para além da expansão, a circulação pedonal entre os bairros. Em termos gerais, estas grandes transformações da pai-sagem da Lisboa contemporânea ocorreram, como em muitas outras cidades europeias, pelas transformações socioculturais do século XX. A necessidade de mão de obra barata tem forte relação com o carácter fragmentado em enclave deste território, porque todos têm implícito o processo pós-industrial de fragmentação social e espacial e a diferenciação de classes ca-pitalistas. Esta organização física, relacionada com o limite topográfico e infraestrutural, gera em todos estes lugares, embora com formas distintas, um funcionamento interno próprio. As AUGI, os áridos bairros de promoção pública, os bairros autoproduzidos presentes ne-sta porção de território, no limite entre o Concelho de Lisboa e de Loures, configuram-se como espaços de grande homogeneidade socioeconômica e são acomunados por serem habitados por uma população, na sua maioria, formada por pessoas oriundas das anti-gas colónias e dos fortes movimentos migratórios internos. Embora fortemente estig-matizados e com características diferentes um dos outros, todos têm desenvolvido um enraizamento social e cultural muito marcado pela mesma condição de enclave. É tam-bém preciso reconhecer que as dinâmicas de cada um destes sítios mudam em função do seu grau de abertura social dos moradores, presença ou ausência de espaço público requalificado, relações afetivas mais ou menos fortes com o sitio, tipologias habitacio-nais diferentes, monofuncionalidade ou presença de diversos serviços, entre outros. Portanto, como analisado, o enclave “revela-se na paisagem a diferentes escalas, desde a

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territorial à escala local; sendo de difícil definição o enclave à escala territorial, entendemo-lo a partir das suas formas físicas, principalmente quando olhamos para um mapa, mas per-cebemos uma série de ligações que se prendem na sua natureza física. O enclave à esca-la local entende-se como tecido desconexo, ou através de uma mudança brusca de am-biência” (Almeida, 2014, p. 15). A leitura da escala territorial é possível só através de um reconhecimento dos sinais e das formas, que pertencem aos vários momentos históricos, para podermos interpretar este território como uma estrutura/sistema coerente, tanto frag-mentado quanto homogéneo. Como afirmado por Almeida, “As comunidades, humanas ou não, que habitam a paisagem, estarão sempre condicionadas aos sinais telúricos e entrópic-os e portanto a sua interação com entrópic-os mesmentrópic-os advém de uma adaptação” (Almeida, 2014, p. 15) ou, segundo Nunes, “de um esforço comum [...] de sobrevivência’’ (Nunes, 2007).

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2.2 A evolução do lugar

A organização do território no Concelho de Loures evidencia a existência de múltiplas fron-teiras espaciais e sociais. Rápidos olhares sobre mapas históricos, cartas militares e foto-grafias aéreas levam a entender o quanto este conjunto de fronteiras é significativo para a circunscrição dos seus bairros em enclaves de diferentes tipologias urbanísticas: desde as ilegais, como bairros clandestinos e bairros autoproduzidos, até as legais, como os bairros de promoção pública de habitação16. Como já é do conhecimento geral, o nascimento e o

crescimento destas tipologias, que reconfiguraram os Concelho de Lisboa e de Loures, de-vem-se aos grandes fluxos migratórios: um primeiro ocorreu entre o final dos anos 50 e os anos 60 com as migrações de famílias portuguesas do interior do país para o seu litoral, e sobretudo para a capital; um segundo, do pós 25 de Abril até o início dos anos 80, deu-se com o movimento dos retornados da ex-colónias (portugueses e do outras etnias), quer logo depois da descolonização ou após as guerras em alguns países irem se acentuando; e um terceiro, mais recente, entre os finais dos anos oitenta até agora, que descreve o processo de imigração, ainda a decorrer, de trabalhadores oriundos (na sua maioria, PALOPS’s) à procura de trabalho, fugidos de guerras ou de condições económicas difíceis nos seus países de ori-gem (Freitas, 1994).

Assim, no início dos anos 80 havia cerca de 230 mil fogos clandestinos. Foi a partir dos anos 60, nos diversos conselhos da Área Metropolitana de Lisboa, que as Áreas Urbanas de Gé- nese Ilegal (AUGI) começam a aparecer com mais frequência, pela necessidade de habitação para os migrantes que se estabilizavam na Capital e a qual o Estado não conseguia enfrentar, que crescia ao sabor da industrialização do período final do Estado Novo. Estas tipologia urbanísticas surgem portanto, muitas vezes associadas aos processos de industrialização na AML e à afirmação dos processos de suburbanização e metropolização (Cachado, 2011). Observando o mapa das AUGI dos conselhos de Lisboa e Loures (Anexo), repara-se como as AUGI, e com elas, os abarracamentos, localizam-se mais para o norte, afastados do centro da cidade, junto com as linhas de água e as grande obras infraestruturais. Provavelmente, a escolha deste território deve-se também pela proximidade da Estrada Militar. Como afirmado

16 A diferença principal entre as designações bairros sociais e bairros económicos é relacionada com o

Programa e o período histórico no qual surgiram. O conceito de Bairro económico nasce no período do Estado Novo e é o reflexo da sua política. O conceito de Bairro social surge com o Programa Especial de Realojamento-PER. Ambos são Bairros de promoção pública de habitação.

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por Rita d'Ávila Cachado “O surgimento de bairros de construção informal nas antigas trinchei-ras da Estrada Militar é uma constante naquela que poderia ser a história da construção infor-mal na AML, sendo um facto que muitas casas puderam ser erigidas devido ao alheamento das autoridades. Assim, controlo e um certo grau de resistência parecem estar em jogo; uma antiga linha de defesa está marcada por milhares de moradores que tiveram, até ao surgi-mento das politicas multiculturais, um acolhisurgi-mento limitado na cidade onde escolheram morar” (Cachado, 2011). A localização da estrada militar afastada do centro, a facilidade de construir ali pela incerteza sobre quem fosse responsável por estes territórios (“os territórios em cima da Estrada Militar eram de responsabilidade militar ou civil?”) (Cachado, 2011), a dificuldade de vigiar as populações que construíam as próprias casas noite após noite e o facto que estes territórios se localizassem em terrenos de quintas, às vezes em parte abandonados, contri-buíam para o crescimento destes bairros.

A seguir, observando a Carta Antiga de Loures do 1903, nota-se como a mesma zona, no passado, foi ocupada por quintas cuja lógica de implantação deve ter sido impulsionada por diversos fatores, “... a fertilidade das terras, a abundância das águas e a pureza dos ares do campo deram corpo a esta região saloia que, desde D. Afonso Henriques até ao reinado de D. Maria II, se englobou no termo da cidade de Lisboa. Por todas estas razões, muitos monarcas e nobres construíram as suas quintas e palacetes nestas terras, que elegeram como locais de lazer, de descanso e de fuga a doenças e pestes. A evolução da cidade de Lisboa e do seu termo, bem como a crescente importância económica do território, permitiram que, no dia 26 de Julho de 1886, Loures fosse, por decreto real, elevado a Concelho” (Câmara Municipal de Loures).

Isso permite-nos pensar que existe uma relação direta entre a matriz agrícola deste terri-tório e a sua nova conformação em conjunto de enclaves de génese ilegal e que a primeira, influenciou as mesmas tipologias habitacionais dos bairros de génese ilegal, que ainda man-têm um forte carácter agrícola pela presença de elementos arquitectónicos como os pátios e as hortas. Sinal disso são os nomes que uma vez denominavam as quintas e que agora se tornaram os nomes dos bairros de construção informal, onde se inclui a Quinta da Vitória, a Quinta da Fonte, a Quinta do Mocho, etc. Sendo assim, a palavra quinta se perdeu mas foi substituída pela palavra bairro, como é o caso do Bairro da Torre e do Bairro das Loureiras.

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Fig6.7.8.9. Diagrama comparativo: individuação das antigas quintas e da Estrada Militar (7) a partir da Carta Antiga de Loures, escala 1/50000, 1903. Fonte: Direção-Geral do Ter-ritório (6). Individuação de: AUGI, Bairros de promoção publica de habitação, bairros au-toproduzidos (9) na Fotografia aérea do 1995 da zona do aeroporto. Fonte: Direção-Geral do Território (8). Alguns destes últimos bairros, nasceram nos terrenos das quintas. To-davia, na Carta Antiga não aparecem todas as quintas obstaculizando o mapeamento de muitos bairros existentes.

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Segundo a mesma lógica de ocupação, o Bairro da Torre,17 na freguesia de Camarate,

Unhas e Apelação, no Concelho de Loures, é um núcleo residencial autoproduzido, que se encaixa perfeitamente na caraterização dos enclaves e das quintas apresentada ante-riormente. O Bairro da Torre surge no terreno onde outrora se localizava a Quinta da Torre e a Vila da Torrinha, assim chamadas pela existência de uma antiga torre na propriedade. A construção do Aeroporto Humberto Delgado, a sua ativação em 1942 e construção das infraestruturas necessárias para aceder ao perímetro do aeroporto mudaram a configuração do território a sua volta, do qual também a Quinta da Torre fazia parte e onde, sucessivamen-te, foram construídas, pelo mesmo aeroporto, algumas habitações operárias para os seus trabalhadores. Não se tem conhecimento sobre a data certa de ocupação dos terrenos da Quinta da Torre mas, como representado na Carta Militar do 1991, neste ano, o Bairro da Torre aparece como um assentamento de muitas barracas, construídas principalmente de madeira e lonas de publicidade, onde moravam famílias portuguesas, africanas e roma18.

17 A reconstrução da história do Bairro da Torre baseia-se na interpretação da carta cadastral (1951), da

carta militar (1991), dos ortofotomapas, nas entrevistas informais feitas pessoalmente com os próprios moradores (entre os quais, a representante da associação Torre Amiga, Ricardina Cuthbert ), nas pe-squisas feitas pelo Grupo de Estudos Sócio-Territoriais, Urbanos e de Ação Local (GESTUAL) e nas reuniões com a Associação Habita.

O GESTUAL- Grupo de Estudos Sócio-Territoriais, Urbanos e de Ação Local nasceu informalmente em 2007como grupo de docentes, estudantes e profissionais em torno de um projeto coletivo de in-vestigação sobre os bairros de génese ilegal em Portugal, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e integrado ao CIAUD (Centro de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design) da então FAUTL (Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa atual Universidade de Li-sboa). Oficialmente, em 2013, o Gestual foi oficialmente reconhecido como um Grupo de Investigação da Faculdade de Arquitetura, do qual a professora e arquiteta-urbanista Isabel Raposo è coordenadora. Seguindo uma linha de investigação que se associa à matriz do pensamento crítico de Henri Lefebvre, privilegia a investigação aplicada e a investigação-ação ou a ação-investigação principalmente em lo-cais como os subúrbios, as periferias, os territórios ditos informais, ilegais ou irregulares, classificados como semi-urbanizados ou autoproduzidos, bem como os de promoção pública e outros territórios em transformação, como núcleos históricos ou áreas rurais.

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Fig11. Fotografia aérea da zona do Aeroporto de Loures, 1965. Fonte: Direção-Geral do Território 1965

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Fig12. Carta Militar, Loures, sem escala, 1991. Fonte: Direção-Geral do Território 1991

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Resumidamente, a configuração do Bairro da Torre mudou no decurso do tempo com a chegada das diferentes populações que o compõem. Mas foi com a primeira ação de de-molição de 2006 e com a segunda de 2012 e com os processos de realojamento do Pro-grama Especial de Realojamento (PER) que o bairro sofreu um forte alteração. À se-melhança de outros bairros de barracas, o Bairro da Torre foi inscrito no programa PER, programa legislado no início dos anos 90 que se configura como a política de habitação social de maior calibre depois do SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local), “visando o realojamento de dezenas de milhares de famílias moradoras em casas construídas in-formalmente às portas das grandes cidades nas últimas décadas”19 20 (Cachado, 2011).

As demolições contribuíram para que a configuração da ocupação ficasse ainda mais dispersa e precária pelos estragos causados ás casas, no sistema de esgoto, de eletricidade e de água, tendo destruídos os chafarizes onde a população se abastecia, gerando, portan-to, conflitos entre os moradores. A abertura de uma via, no centro do bairro, para permitir o acesso dos camiões às instalações da Empresa Alves Ribeiro enfatizou a separação do bairro em duas parte, que a partir de agora definiremos como a parte nascente e a parte poente.

19 Segundo afirmado por Rita d’Ávila Cachado, “O PER foi legislado no início dos anos 90 (DL 163/93 de

7 de Maio) e, após a assinatura da decisão governamental, os municípios aliaram-se ao PER através de protocolos com o Instituto Nacional de Habitação (INH), comprometendo-se a realojar as famílias mal alojadas em bairros de habitação social e a demolir as barracas. O município de Loures firmou o seu compromisso em 1995 e, desde então, realojou 2300 agregados familiares em fogos de habitação social, especialmente construídos para o efeito, correspondendo a quase 60% da taxa de concreti-zação” (Cachado, 2011).

20 No seu artigo Rodrigues evidencia que “O Bairro da Torre foi entretanto abrangido pelo PER e os seus

moradores recenseados no âmbito deste programa em 1993 foram realojados no Bairro Quinta das Mós, concluído em 2007. Os moradores que não haviam sido recenseados permanecem no bairro de barracas e têm sido alvo de processos de demolição e expulsão” (Rodrigues, 2014).

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Fig13. Diagramas da evolução do Bairro da Torre antes entre e depois das demolições, anos: 2006,2009,2017

2006

2009

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Para entender a evolução do bairro, segundo uma linha temporal, será necessário, a seguir, apresentar as perspectivas que repõem no bairro e portanto será clarificado o que prevê o Plano Diretor Municipal de Loures e a situação cadastral.

Hoje em dia, de um ponto de vista legislativo o Plano Diretor Municipal de Loures, ratificado no 14 de Maio de 2015 21, que identifica Camarate como SUOPG 15 (Subunidade Operativa de

Planeamento e Gestão), inscrita no UOPG E-ORIENTAL (Unidade Operativa de Planeamento e Gestão), define, no Artigo 202.º dentro do Conteúdo Programático das SUOPG, os objetivos programáticos da SUOPG15 como “Reconversão e qualificação do tecido urbano de Camarate; a reestruturação do sistema viário interno, com a integração na rede viária municipal e na-cional; a intervenção no solo urbanizado a reestruturar e legalizar, correspondente às AUGI e às áreas suscetíveis de reconversão, garantindo a sua coesão interna e a sua articulação com os restantes espaços urbanizados de Camarate; a renovação e reestruturação do tecido urbano terciário mediante a criação de novos espaços públicos qualificados; a criação de um modelo de rede de equipamentos interligando acessibilidades, transportes públicos e núcleos populacionais; a concretização da estrutura ecológica urbana, promovendo a qualificação ambiental e definição de uma estrutura verde urbana com forte componente de utilização pública” (Câmara Municipal de Loures, 2015).

Na Planta de Ordenamento, o Bairro da Torre é classificado nas Classes e Categoria do Espaço como Solo Urbano (em Anexo) na categoria operativa de Solo Urbanizado na qual se definem, entre outras, as cartas da Classificação e qualificação do Solo, Estrutura Ecológica Municipal, Riscos ao Uso do Solo II e Classificação Acústica. Na carta da Classificação e qualificação do solo, as subcategorias que se enquadram no território do Bairro da Torre são: “indústria e terciário a reestruturar” (dentro da categoria funcional do Espaços de atividades económicas) e “Verde de proteção e enquadramento” (dentro da categoria funcional Espaços Verdes). Na categoria funcional Espaços de atividades económicas, segundo o artigo 80.º, considera-se compatível, entre outros, o uso “Equipamentos de utilização coletiva” e, segundo o Artigo 85.º, entre o âmbito e os objetivos, ”Pretende-se a reestruturação destas áreas através da introdução de no-vos elementos estruturadores do tecido urbano e de intervenções que promovam a demolição de

21 “Deliberação. Revisão do Plano Diretor Municipal de Loures. Diário da República, 2.a série — Nº 117

— 18 de Junho de 2015. Plano Proposta nº 177/2015 — Aprovação da Revisão do Plano Diretor Muni-cipal (PDM). (Aprovação ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 79.o do Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de setembro, conjugado com a alínea r) do nº 1 do artigo 25.o do Anexo I da Lei nº 75/2013, de 12 de setembro). Proposta da Câmara Municipal. 14 de maio de 2015. A Presidente da Assembleia Municipal de Loures, Fernanda Santos“ (Câmara Municipal de Loures, 2015).

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elementos degradados ou dissonantes, substituição de usos obsoletos e a melhoria do si-stema viário, dos equipamentos e espaços verdes.” No entanto, na categoria funcional da Secção IV, Espaços Verdes, segundo o artigo 101º, os espaços verdes podem ser, dentro do Âmbito e Identificação, como “Verde de proteção e enquadramento” ou “Verde de recreio e lazer”. Segundo o artigo 102º”, as áreas destinadas a verde de proteção e enquadramento visam funções de proteção a recursos naturais, de transição entre os espaços rural e urbano e de enquadramento a infraestruturas urbanas às quais está associado um regime legal non aedificandi. ”Segundo o artigo 103º, entre os usos, “Nestas áreas, sem prejuízo do regime legal da REN ou de outras servidões e restrições de utilidade pública aplicáveis, é permitida a construção de pequenos equipamentos de recreio e lazer não cobertos, mobiliário urbano e pequenas unidades de restauração e de bebidas e outros serviços de apoio complementa-res”(Câmara Municipal de Loures, 2015).

Sempre dentro das cartas de ordenamento, segundo a Carta da Estrutura Ecológica Municipal (em Anexo) o Bairro da Torre é previsto na estrutura Ecológica Municipal. Pelas plantas de condicionantes, no entanto, o bairro não é incluído nem na RAN (Reserva Agrícola Nacional) e nem na REN (Reserva Ecológica Nacional) (em Anexo). Pela Carta das Condicionantes I, Equipamentos e Infraestruturas, essa área està sujeita à Servidão militar e aeronáutica, ou seja, “Trata-se de uma área restritiva no uso de materiais e construção do espaço público e edificado; é necessário um levantamento topográfico para as entidades responsáveis po-derem verificar se é possível a implementação arquitectónica e se sim, a altura máxima de construção na área de Servidão; qualquer tipo de trabalho deverá ser comunicado à entidade responsável pela Servidão, “a fiscalização de qualquer trabalho é da responsabilidade da en-tidade responsável pela Servidão” (Gestual, 2016).

Segundo a Planta Cadastral do 1951 (Fig10), o Bairro da Torre divide-se em uma parte de terreno público, portanto do Estado, dada a expropriação no ano 1960 (Artigo 25ºD) e uma parte de terreno privado cuja compra foi efetuada em 1959 e depois da qual não se detém outra informação. A parte de terreno público relativo ao artigo 25ºD está sujeito à Servidão das entidades INAC e NAV.

Os acontecimentos do Bairro na última década, entre os quais as demolições e o processo de realojamento, ainda a ocorrer, as intenções do Concelho de Loures entendíveis no Plano Diretor Municipal e a condicionante da Servidão do Aeroporto, são fortes resistências à possi-bilidade de permanência dos moradores do Bairro da Torre.

Além de pretender a erradicação das barracas, através do PER, pretendia-se diminuir a estigmatização social “por via do acesso à habitação condigna, alcançável através da

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habitação social. Este objectivo parece decorrer de uma estigmatização apriorística sobre a vida e as condições socioculturais dos moradores dos bairros degradados, que sugere a sobreposição das condições habitacionais deficitárias e de supostas mas condições sociais“. Mas, como já foi plenamente demostrado pela comunidade académica, a segregação espa-cial e soespa-cial dos bairros de promoção pública de habitação, a dificuldade de enraizamento dos seus moradores, a forte estigmatização em que vivem, vêm acarretar, após o realojamento dos moradores dos bairros autoproduzidos, uma segregação ainda maior. No realojamento, a mudança de casa, desde um bairro para um outro, é feita de forma isolada e não em conjunto com outras famílias, dinâmica que contribui a comprometer os laços sociais entre as pessoas. No caso do Bairro da Torre, ocorreram formas de resistência a estas soluções, estre as quais o retorno dos moradores à sua residência inicial por não ter conseguido se adaptar aos novos contextos.

2.3. Análise do sítio

Analise demográfica e edificado

No Bairro da Torre, hoje em dia, encontra-se uma grande pluralidade cultural pela presença de famílias da comunidade são tomense e de príncipe, cabo-verdiana, rom e portuguesa. No Bairro da Torre morar 189 pessoas22 entre as quais 97 de género masculino e 92 de género

fe-minino, constituindo 55 agregados familiares. Nem todas as famílias têm a própria habitação, portanto, algum agregados familiares partilham a mesma casa, motivo pelo qual podem-se contabilizar 49 núcleos de casas.

As habitações, construídas pelos mesmos moradores, principalmente com tabuas de madei-ra, chapas, lonas de publicidade e só algumas com alvenaria de tijolo, distribuem-se no sítio em forma dispersa e enquanto algumas se localizam próximas de percursos principais, outras aparecem menos acessíveis por serem mais isoladas e escondidas no meio da vegetação. È possível identificar duas tipologias habitacionais: a casa em forma solitária e algumas or-ganizadas por agradados cujas famílias partilham, às vezes, a mesma entrada, os mesmos corredores e os mesmos pátios ou alpendres. Quase todas as casas apresentam problemas de infiltração, mas apenas em 16 foram encontradas patologias graves nas coberturas, as quais, estando em avançado estado de degradação, têm uma alta probabilidade de ruir e causar danos.

Referências

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