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Teatro Cantado - Um Estudo Sobre o Musical

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Academic year: 2021

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MARINA FREIRE CRISÓSTOMO DE MORAIS

MARINA FREIRE CRISÓSTOMO DE MORAIS

TEATRO CANTADO:

TEATRO CANTADO:

UM ESTUDO SOBRE O MUSICAL

UM ESTUDO SOBRE O MUSICAL

FORTALEZA - CEARÁ

FORTALEZA - CEARÁ

2012

2012

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MARINA FREIRE CRISÓSTOMO DE MORAIS

MARINA FREIRE CRISÓSTOMO DE MORAIS

TEATRO CANTADO: UM ESTUDO SOBRE O MUSICAL

TEATRO CANTADO: UM ESTUDO SOBRE O MUSICAL

Monografia apresentada à Coordenação do Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Licenciatura em Música do Curso de Licenciatura em Música do Centro de Humanidades da Universidade Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial Estadual do Ceará, como requisito parcial  para

 para obtenção obtenção do do título título de de Licenciado Licenciado emem Música.

Música.

Orientadora: Profª. Ms. Luciana Rodrigues Orientadora: Profª. Ms. Luciana Rodrigues Gifoni Gifoni

FORTALEZA-CEARÁ

FORTALEZA-CEARÁ

2012

2012

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Bibliotecário(a) Responsável – Giordana Nascimento de Freitas CRB-3 / 1070 Bibliotecário(a) Responsável – Giordana Nascimento de Freitas CRB-3 / 1070

M827t

M827t Morais, Morais, Marina Marina Freire Freire Crisóstomo Crisóstomo dede

Teatro cantado: um estudo sobre o musical / Marina Freire Teatro cantado: um estudo sobre o musical / Marina Freire Crisóstomo de Morais. — 2012.

Crisóstomo de Morais. — 2012.

CD-ROM. 102 f. il. (algumas color) ; 4

CD-ROM. 102 f. il. (algumas color) ; 4 !! pol. pol.

“CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho “CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho acadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slin (19 x 14 cm x 7 acadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slin (19 x 14 cm x 7 mm)”.

mm)”.

Monografia (graduação) – Universidade Estadual do Ceará, Monografia (graduação) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades, Curso de Licenciatura em Música, Centro de Humanidades, Curso de Licenciatura em Música, Fortaleza, 2012.

Fortaleza, 2012.

Orientação: Profa. Me. Luciana Rodrigues

Orientação: Profa. Me. Luciana Rodrigues Gifoni.Gifoni.

1.

1. Teatro. 2. Música – Teatro. 2. Música – Letra. 3. Canto. 4. Musical. Letra. 3. Canto. 4. Musical. Título.Título.

CDD: 780 CDD: 780

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“Se você pode falar, você pode cantar. Se você pode andar, você pode dançar.” (Provérbio Africano)

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha mãe Isabelle e ao meu pai Carlinhos, de quem herdei a paixão  pelo teatro e pela música, respectivamente;

À minha orientadora Luciana Gifoni, pela ajuda incondicional e por acreditar em mim e neste trabalho, dos estágios iniciais até os momentos mais críticos;

Ao amigo Rafael Nogueira, por me apresentar ao musical Sunday in the Park with George;

À amiga Alene Botareli, pela ajuda com as traduções e revisões em inglês;

E a todas as pessoas que dedicam parte de suas vidas, como artistas ou espectadores, a essa experiência única que é o Musical.

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RESUMO

O Musical teve no teatro a sua origem e seu desenvolvimento, consagrando-se como gênero popular nos palcos dos Estados Unidos, além de influenciar diversos países, entre eles, o Brasil. Sua complexidade é pouco conhecida, sendo muitas vezes considerado gênero de menor importância ou mero entretenimento. Não se trata apenas da junção de música, teatro e, muitas vezes, dança; mas de uma combinação consciente de vários aspectos de cada uma dessas artes, de forma a ampliar suas  possibilidades expressivas. Por isso, o Teatro Musical pode ser considerado uma das formas de arte mais completas. Além da sua presença no contexto teatral, o Musical também teve uma forte expressão no Cinema e vem conquistando o seu espaço na TV. Este trabalho, além de discutir questões acerca da definição de Teatro Cantado e de Musical, concentra-se na relação Música e Discurso - em um contexto cênico-teatral - a partir de um levantamento histórico, com destaque especial ao Teatro Musical norte-americano. Em seguida, serão tratadas questões a respeito da estética e do processo criativo do Musical, a partir da análise de Sunday in the park with George, obra de Stephen Sondheim, um dos compositores/letristas mais significativos da Broadway, atuante desde o fim dos anos 50.

Palavras-chave: Musical; Música e Teatro; Música e Letra; Música e Discurso; Teatro Cantado;  Broadway; Sondheim; Sunday in the park with George.

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ABSTRACT

The Musical has first begun and been developed as a theater form, becoming renowned as a popular genre in USA stages, besides influencing several countries, as Brazil. Its complexity is not widely known, and the Musical has been often considered a genre of less importance or mere entertainment. However, the Musical is not just putting together music, theater and sometimes dance; but rather a conscious combining of various aspects of these arts, in order to broaden its expressive possibilities. Therefore, Musical Theatre can be considered one of the most comprehensive forms of art. Besides its  presence in the theatrical context, the Musical has also had a strong representation in Cinema and has  been getting space on TV. In this work, in addition to discussing the definition of Sung Theatre and Musical, we will also focus on the relation between Music and Speech in a stage theatrical context - beginning with its historical background, especially featuring the American Musical Theatre. After that, we will address issues regarding the aesthetic and the creative process of Musicals, beginning with an analysis of Sunday in the park with George, a work  by Stephen Sondheim, one of the most significant composers and lyricists of Broadway, active since late 1950s.

Keywords: Musical; Music and Theatre; Music and Lyrics; Music and Speech; Sung Theatre; Broadway; Sondheim; Sunday in the park with George.

(10)

SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS ... 8

LISTA DE TABELAS ... 9

1 CAPÍTULO INTRODUTÓRIO ...10

1.1 A importância de estudar o gênero ... 10

1.2 Subvalorização do Musical ...11

1.3 A escolha pelo Teatro Musical norte-americano ... 13

1.4 O teatro cantado ...14

1.4.1 O musical ... 14

2 A MÚSICA CANTADA NO TEATRO ... 18

2.1 Grécia antiga e Império Romano ...18

2.2 Período pré-opera ... 21

2.3 A ópera dos séculos XVII ao XIX ... 22

2.4 O Musical Americano ... 24

2.4.1 Teatro de variedades (Variety) ... 24

2.4.2 Opereta ... 26

2.4.3 Jerome Kern e os Princess shows ... 27

2.4.4 A consagração do gênero nos Estados Unidos e mudanças na forma ... 28

2.4.5 O Musical Off-Broadway ... 29

2.4.6 Stephen Sondheim ... 29

2.5 O teatro cantado fora dos EUA ... 30

2.5.1 Alguns comentários sobre a ópera alemã do século XX ... 30

2.5.2 O musical no Brasil ... 31

2.6 Os gêneros cênicos-musicais: o musical e seus “parentes” ... 32

2.6.1 Ópera ...33 2.6.2 Teatro Musicado ... 34 2.6.3 Coro Cênico ... 35 2.6.4 Show Musical ... 35 2.6.5 Balé ... 36 2.5.6 Quadro comparativo ... 36 2.7 Subgêneros do Musical ... 38

3 PROCESSO CRIATIVO E ESTÉTICA DO MUSICAL, A PARTIR DA ANÁLISE DE SUNDAY IN THE PARK WITH GEORGE ...39

3.1 A equipe criativa ... 40

3.1.1 O compositor e letrista ... 40

3.1.2 O compositor e letrista em diálogo com os demais membros da equipe criativa. 40 3.2 A relação Música e Letra ... 43

3.2.1 Poesia versus Letra de música ... 43

3.2.2 A letra de música ... 44 3.2.3 Rimas ... 46 3.3 A canção no musical ... 48 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 53 BIBLIOGRAFIA ... 54 ANEXOS ... 57 ANEXO A ... 58 ANEXO B ... 61 ANEXO C ... 66 ANEXO D ... 67

(11)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Partitura da música “Color and Light” com algumas stage directions Figura 2- Trecho da música Sunday.

Figura 3 - Semelhanças entre as canções Sunday in the park with George e It's hot up here (HOROWITZ, 2010, p. 98)

Figura 4 - Trecho comparativo das canções Finishing the hat  e Putting it together  (HOROWITZ, 2010, p. 99)

Figura 5 – Stephen Sondheim.

Figura 6 – Cena de Sunday in the Park with George. Figura 7- Capa do CD do musical.

Figura 8 – Imagem da tela original, Uma tarde de domingo na ilha de La Grande Jatte, de George Seurat.

Figura 9 – Cena em detalhe.

Figura 10 – Outra cena do musical.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Quadro comparativo dos gêneros de teatro cantado.

Tabela 2 - Principais tipos de rimas, de acordo com Sondheim (2010)

Tabela 3 - Algumas relações possíveis entre as canções de Sunday in the park with George Tabela 4 – Prêmios e nomeações de Sunday in the Park with George.

(13)

1 CAPÍTULO INTRODUTÓRIO

O presente trabalho tem como objeto de estudo o teatro cantado, tomando como  ponto de partida discussões acerca do conceito e da abrangência do termo musical , além de  justificar a sua relevância como tema e traçar algumas considerações a respeito da sua

subvalorização como arte. Esta primeira etapa se localiza neste capítulo introdutório.

 No segundo capítulo, a relação música e discurso  é explorada através do levantamento histórico de algumas manifestações cênico-musicais que se utilizam do canto, culminando para a formação do teatro musical norte-americano - forma de teatro cantado mais popular no mundo. Alguns tópicos extras também serão abertos, referentes à presença do musical fora dos EUA, o que inclui o Brasil; além da produção de um quadro comparativo entre o musical e alguns do gêneros cênicos-musicais mais relevantes.

Em seguida, no terceiro capítulo serão discutidas algumas questões relacionadas ao processo criativo e à estética do musical, tendo como fio condutor alguns aspectos da obra Sunday in the park with George, de Stephen Sondheim, um dos mais importantes compositores e letristas da atualidade.

Entre as razões para a escolha do tema teatro cantado, algumas são de cunho  pessoal da própria autora, que além de espectadora e amante do gênero musical - tanto no

teatro quanto no cinema -, teve a oportunidade de estar em cena, compondo o elenco de uma opereta (A viúva alegre, de Franz Lehar); de uma burleta (O casamento da Peraldiana, do autor cearense Carlos Câmara); de um musical nacional (Os saltimbancos, de Chico Buarque); e de uma adaptação da Broadway ( Hairspray, de Marc Shaiman & Scott Wittman); além de outros trabalhos relacionados à música cantada e teatro.

Além disso, este trabalho tem importância para o curso de música da UECE por abordar a inter-relação entre artes, relevante tanto para os  performers  que queiram se aprofundar nas relações em que o canto estabelece com a cena, quanto para os compositores que queiram se dedicar à escrita de canções para o musical; para não mencionar a conexão que pode ser feita entre interdisciplinaridade e educação musical.

1.1 A importância de estudar o gênero

O Musical é um gênero que propõe um diálogo entre diversas artes e linguagens como: música, teatro, dança, cinema, literatura, artes visuais etc. Apenas isto já pode dar indícios da riqueza do tema, passível de múltiplas abordagens e questões. Além disso, a

(14)

 popularidade do gênero, em especial o “jeito americano” de fazer musicais, é mundial, sendo considerado “o ícone cultural mais onipresente e dominante da nossa era1” e responsável por recordes tanto de público quanto de bilheteria (BRADLEY, 2004, p. 1). “O musical já se tornou um fenômeno verdadeiramente global e certamente é um dos exemplos da globalização mais bem-sucedidos e impressionantes2” (id., ibid.).

Segundo matéria de Gustavo Martins3, o sucesso dos musicais não é um fenômeno recente no Brasil. "Desde a primeira metade do século 20, com o teatro de revista, até hoje, com os suntuosos cenários e figurinos trazidos da Broadway, os espetáculos teatrais cantados agradam plateias no país”. Este mercado em expansão tem demandado cada vez mais a especialização da classe artística: “os orçamentos generosos, auxiliados por leis de renúncia fiscal, permitiram a realização de grandes montagens e aceleraram a  profissionalização no setor”, o que é válido não só para a formação de elencos, mas também  para a equipe técnica e criativa.

Embora exista uma vasta bibliografia sobre o tema em inglês, são pouquíssimas as  publicações e pesquisas em português; nem mesmo traduções de autores estrangeiros são encontradas com facilidade. Para guiar esta pesquisa, além de consultas a obras mais específicas sobre o assunto em língua inglesa, foram feitos alguns levantamentos em materiais na área de música, teatro e cinema.

1.2 Subvalorização do Musical

O musical é considerado um gênero menor por diversos fatores, dentre eles o seu aspecto comercial e o seu caráter de entretenimento, conforme comenta Bradley (op. cit., p. 2):

Para seus detratores, musicais não são uma forma artística, e sim um produto comercial, fabricado de forma cínica e calculada, promovido e comercializado de maneira implacável para se tornar uma forma de entretenimento em massa especialmente vulgar. Cada vez mais elaborados em seus cenários e efeitos especiais, apresentando o que um crítico já chamou de 'aquela sensação de excesso cênico que lhe faz deixar o estúdio cantarolando', os musicais sofrem muitas críticas por seu efeito depender de truques tecnológicos e uma bela embalagem.4

1 Tradução livre de: “the most ubiquitous and dominant cultural icon of our age.”

2 Tradução livre de: “The musical has now became a truly global phenomenon and is indeed one of the most

striking and sucessful examples of globalization.”

3 Disponível em: <<http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/2008/04/15/musicais_no_brasil.jhtm>> Acesso dia:

05 dez. 2012

4  Tradução livre de: “For their detractors, musicals are not an art form so much as a commercial product,

manufactured in a cynical an calculated way, ruthlessly hyped and marketed to make a particularly vulgar form of mass entertainment. Ever more elaborated in their scenery and special effects, possesing what one critic has

(15)

Jones (1998, p. 9) complementa o argumento dessa postura depreciativa (com a qual ele não compartilha), afirmando que os “musicais eram considerados muito 'frívolos', muito 'leves'. Eles não deviam nem ser considerados.5”

Outro fator é a má interpretação do gênero tanto pelo público quanto pela crítica, o que é exemplificado por Heliodora (2008, p. 142-143):

A ignorância das características da forma, bem como o hábito do realismo, levam muita gente a ter uma reação enganada, como a que escreveu um crítico de cinema sobre um filme musical: 'o filme é muito bom a não ser  pelas cantorias'. A frase demonstra, apenas, que ele não reconhece a intenção

dos realizadores; no musical, a música, como a dança, se esse for o caso, são  partes integrantes, essenciais, da obra.

Bradley (op. cit., p. 2) cita a opinião do dramaturgo David Hare, que “acusa os musicais de emburrecer seriamente toda a natureza da  performance  teatral e modificar fundamentalmente a relação da plateia com a arte dramática, ao tornar o espetáculo, a acessibilidade e melodias assobiáveis a definição padrão do que o teatro deve ser 6”. Além disso, Bradley (id., ibid.) acrescenta:

Existe uma diferença muito significativa na atitude em relação aos musicais dos dois lados do Atlântico. Nos Estados Unidos, eles são levados a sério como uma forma de arte e celebrados como a contribuição característica do  país à cultura. Na livraria da Universidade de Yale os livros de teatro

musical ficam nas estantes próximas à obra de Shakespeare. No Reino Unido, entretanto, a enorme popularidade e sucesso comercial do gênero o condena aos olhos de grande parte das instituições culturais e artísticas.7

Outro fator que dificulta a aceitação do gênero fora dos EUA é o preconceito existente em relação à cultura norte-americana. Isso acontece em especial nos países da América Latina, inclusive o Brasil, alvos de uma espécie de colonização/dominação cultural  por parte dos Estados Unidos, gerando uma reação “anti-americanista”. Tais questões  políticas são importantes de serem mencionadas, porém não cabe a este trabalho discuti-las.

Diante dessas circunstâncias, este trabalho se mostra como uma resistência a essas opiniões depreciativas e configura-se como uma tentativa de discutir o musical e assim

called 'that sense of scenic overkill wereby you leave humming the sets', they are castigated for depending for their effect on technological gimmickry and careful packaging.”

5  Tradução livre de “Musicals were considered too 'frivolous', too 'lightweight'. They were beneath our

consideration."

6  Tradução livre de “accuses musicals of having seriously dumbed down the whole nature of theatrical

 performance and fundamentally changed the audience's relationship with drama by making spectacle, accessibilty and tunes to hum the standard definition of what theatre should be.”

7 Tradução livre de “There’s a very significant difference of attitude towards musicals on the two sides of the

Atlantic. In the United States they are taken seriously as an art form and lauded as the country's distinctive contribuition to culture. In the Yale University book store musical theatre is shelved next to Shakespeare. In the United Kingdom, by contrast, the huge popularity and commercial success of the genre damns it in the eyes of much of the cultural and artistic estabilishment."

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mostrar o seu valor artístico. Como conclui Feuer (1993, p. IX), “precisamos de uma chave  para abrir a porta de vidro cintilante que os musicais colocam entre si mesmos e qualquer

forma de questionamento intelectual8”.

1.3 A escolha pelo Teatro Musical norte-americano

Imagine um lugar onde pessoas se reúnem para uma adoração tão fervorosa que frequentemente batem palmas em ansiosa expectativa. Imagine um lugar onde as pessoas encaram as questões mais profundas e complexas da realidade humana. Imagine um lugar no qual pessoas são ajudadas a enfrentar questões dentro de si mesmas que haviam encoberto ou ignorado há muito tempo, e onde conseguem encontrar uma forma de cura. Imagine uma experiência comunitária na qual pessoas são elevadas às alturas da alegria e da empolgação e deixam o prédio mais leves, mais felizes, mais capazes de enfrentarem suas vidas e os problemas que encontram todos os dias. Onde está esta igreja que só faz bem? Onde fica este pequeno paraíso na Terra? No teatro mais próximo9. (BRADLEY, 2004, p. 14)

Embora o gênero musical seja encontrado em linguagens diversas, como o cinema e a TV, falar sobre a sua expressão no teatro, a despeito das demais, tem, em primeiro lugar, razões históricas e de origem. Em segundo lugar, a experiência teatral tem em si elementos que dialogam diretamente com características do musical, como a interação entre atores e  plateia, a experiência de grupo, entre outras questões que serão posteriormente abordadas.

Como comenta Jones (op. cit., p. 16), “o teatro é certamente um dos últimos baluartes do discurso. Em um mundo cada vez mais visual, o teatro proporciona um local para as pessoas se reunirem e viverem uma experiência em grupo induzida principalmente pelo poder das  palavras10”.

A respeito da escolha pelo Musical norte-americano, Jones (id., p. 22) afirma que “de Tóquio a Berlim, a mais popular forma de empreendimento teatral hoje é o Musical Americano”11. Esta popularidade do musical estadunidense não veio à toa, pois foi nos

8 Tradução livre de “We need a key to open the shimmering glass door musicals place between themselves and

any form of intellectual inquiry”

9 Tradução livre de: “Imagine a place where people gather to worship so fervently that they often clap their

hands together in eager anticipation. Imagine a place where people are confronted with the deep, perplexing issues of what it means to be human. Imagine a place where people are helped to face up to issues within themselves that they had long buried or ignored and find themselves brought to a point of healing. Imagine a communal experience where people are lifted to the heights of joy and excitement and leave the building lighter, happier, better able to face their lives and the questions they are daily confronted with. Where's is this church that is doing everything right? Where is this tiny paradise on earth? At your local theatre."

10 Tradução livre de “the theatre […] is surely the one of the last bastions of the spoken word. In an increasingly

visual world, the theatre provides a place where people may gather and have a group experience induced  primarily by the power of words."

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Estados Unidos que o gênero se desenvolveu e se consagrou, tornando-se uma das maiores escolas na arte de integrar música, texto e cena.

1.4 O teatro cantado

O processo de escolha do título desta monografia passou por várias dificuldades terminológicas, em especial porque parte da bibliografia consultada não é específica do musical, e mesmo nas obras que abordam diretamente o musical, ele está (inter)relacionado com vários outros gêneros cênicos-musicais, sejam aqueles responsáveis pela sua formação, como a opereta, ou as suas subdivisões, como a comédia musical.

Burguess e Skilbeck (2000, p. 12), afirmam que “O termo ‘teatro cantado’ é a nossa resposta à ausência de um termo genérico que inclua ópera, opereta, teatro musical, vaudeville, cabaré e teatro-música.12"

Ainda sobre a complexidade do assunto e ambiguidade de termos, Burgess e Skilbeck (id., ibid.) continuam a refletir sobre outras possibilidades terminológicas. Entre elas estaria o termo music theatre  (que pode ser traduzido como música-teatro), derivado do alemão musiktheater , mas que carrega consigo uma associação com o trabalho de Walter Felsenstein, fundador da Ópera Cômica de Berlim; e também é utilizado em alguns trabalhos interdisciplinares e experimentais. Outras alternativas seriam o music drama (drama musical), que por sua vez já é associado às teorias e práticas de Richard Wagner; o lyric theatre (teatro lírico), que soaria pomposo; ou o musicodramatic entertainment   (entretenimento músico-dramático), considerado “acadêmico” demais.

Desta forma, assim como os autores citados acima, o termo teatro cantado seria a forma mais genérica, mais simples e menos ambígua de se referir a “toda a arte e atividade do teatro na cultura ocidental em que os  performers  cantam e atuam simultaneamente13” (id., ibid).

1.4.1 O Musical

Embora não seja o objetivo deste trabalho encontrar uma definição precisa de musical, é importante traçar algumas noções sobre o conceito existente por trás do termo.

12 Tradução livre de “The term 'sung theatre' is our response to the absence of a generic term which embraces

[…] opera, operetta, musical theatre, vaudeville, cabaret and music theatre.”

13 Tradução livre de “The entire art and activity of the theatre in Western culture in which performers both sing

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Everett (2004, s/p14) afirma que os “musicais desafiam categorizações simples (uma de suas mais intrigantes qualidades) e o gênero envolve uma variedade de significados e subgêneros, todos relacionados e interligados15”.

Consultando diferentes tipos de bibliografia, é possível encontrar níveis diferenciados de abordagem e definição do termo musical . Um dicionário não-especializado, define-o apenas como algo “relativo à música”16. No Dicionário de termos e expressões da música, tem-se uma definição mais aprofundada, com fundamentos predominantemente históricos:

Musical 1. Expressão inglesa que se tornou popular no EUA e na Inglaterra a partir do início do século XX, refere-se ao teatro musical, e em especial à música que surgiu da chamada comédia musical, à ópera cômica do século XIX. Apesar de originar-se dos ambientes burlescos da Inglaterra, mantinha fortes afinidades com a chamada Opereta, de estilo leve e palatável. O termo consagrou-se no vocabulário dos amantes da música do mundo inteiro pelas mãos de Cole Porter, Richard Rodgers (Sound of music) e Gershwin (Um americano em Paris, Rhapsody in blue), chegando aos dias de hoje com Andrew Lloyd Weber (Cats) e Leonard Bernstein, com sua memorável West Side Story. Alguns musicais da Broadway, como Evita e Cats, chegam a  permanecer em cartaz por décadas, servindo como uns dos principais atrativos turísticos de pólos culturais como Nova York. 2. Gênero de filme em que a música tem papel predominante, como os norte-americanos A noviça rebelde (Sound of music), Singin’ in the rain e Cabaret, no estilo dos musicais da Broadway." (DOURADO, 2008, p. 218-219)

Já na bibliografia especializada, o termo pode ser encontrado numa abordagem mais centrada em suas características estéticas e artísticas. Para Leon (2002, s/p), o musical é uma maneira de "combinar as formas mais básicas de nossas atitudes humanas. Discurso, música, canções, dança, quando organizadas, tornam-se uma expressão artística multifacetada que, em qualquer combinação ou sociedade, é apenas a forma mais superior de contar histórias.17”

Tragtenberg (1991, p. 75), por sua vez, afirma que o teatro musical, além de combinar diversas linguagens, “é um desdobramento da ópera e do teatro moderno. Ao mesmo tempo em que se remete ao passado longínquo da expressão humana, tem sido o espaço privilegiado para a inclusão de todo tipo de experimentação e inovação técnica.”

14  A obra foi consultada em formato .mobi, específico para leitores de livros digitais, que não apresenta

 paginação convencional. O mesmo se aplicará as demais vezes que a indicação “s/p” aparecer.

15 Tradução livre de “Musicals defy easy categorization (one of their most intriguing qualities) and the genre

encompasses a variety of meanings and subgenres, all of which are related and intertwined.”

16 Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.

17  Tradução livre de: “to combine the most basic of our human actions. Speech, music, song, dance, when

organized, became a multi-faceted artistic expression which, in any combination or society, is just the highest form or story-telling.”

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De forma geral, pode-se concluir com base no exposto que o musical ganhou espaço no teatro e no cinema (e TV, embora não mencionada nas definições anteriores), combinando fala, música, canção e dança. Porém, não fica claro como todos esses elementos se relacionam.

Suassuna (2002, p. 256), ao falar sobre a hierarquia e a classificação das Artes, afirma que "o Teatro, o Cinema, a Dança, a Ópera e o Balé não são associações de Artes, são Artes independentes, peculiares, com vida própria”. E mais adiante (id., p. 305) complementa: “o nome que conviria melhor às Artes do tipo do Cinema, do Teatro, da Ópera e do Balé seria o deArtes do Espetáculo [grifo do autor]”. O autor acrescenta ainda:

Em todas elas [Artes do Espetáculo], está presente uma ação, a narrativa de um acontecimento sucedido a personagens; e se isso acontece também com o Romance, a Novela e o Conto, estes não possuem, porém, a presença de figuras humanas atuando num cenário único ou variado, num conjunto de espetáculo [...], com as variantes naturais convenientes à essência de cada um deles" (id., ibid.)

Por ser vinculado ao teatro e ao cinema, o musical se insere nesses dois tipos de artes do espetáculo, porém sem pertencer a apenas um deles. Essa vinculação, como já antecipada pela definição de Dourado (op. cit.) é de gênero; mais especificamente trata-se de um gênero “flutuante”, por poder se inserir em diversos contextos, como o teatral, o cinematográfico e o televisivo, sem perder suas características essenciais.

Além disso, o musical tem uma proximidade com o balé, já que é um gênero cênico que tem a dança como um elemento bastante recorrente. Outro fato importante de mencionar é que a ópera, outro tipo de arte do espetáculo, tem uma relação histórica com o musical. Com base nessas constatações, o musical, além de ser um gênero de algumas das artes do espetáculo, poderia também ser classificado como uma forma de arte? E mais: seria esta uma forma de arte híbrida, por propor uma combinação e diálogo entre música, cena e, muitas vezes, dança?

A classificação do musical como forma de arte possui divergências, evidenciadas  pela observação das variadas terminologias utilizadas na bibliografia sobre o tema, por vezes usadas sem muitas explicações. Na necessidade de estabelecer um padrão para este trabalho, ele será considerado forma de arte apenas quando estiver ligado a outras artes, como nos termos teatro musical  e/ou cinema musical .

Por fim, é importante enfatizar que este gênero vem se modificando e se reinventando durante todo o seu processo histórico, além de possuir muitos desdobramentos, linhas e vertentes, como já foi dito anteriormente. As diferenças entre o musical e outros

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gêneros cênicos que se utilizam de música ficarão mais claras a partir da trajetória histórica que será traçada mais adiante.

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2 A MÚSICA CANTADA NO TEATRO

“Não há nada de novo sobre o Teatro Musical. Ele é muito antigo, tão antigo quanto o próprio teatro.18” (JONES, op. cit., p. 21)

Desde que a voz cantada passou a ser tratada como um instrumento, compositores e cantores se dedicam a explorar os limites da expressão vocal, a partir das diversas formas em que a música pode se combinar com o poder expressivo das palavras (BURGUESS; SKILBECK, op. cit., p. 8). As combinações possíveis entre música e discurso se configurariam entre dois extremos: encaixar a música nos padrões naturais da fala (que além de ritmo, possui algumas variações melódicas), ou conduzir a melodia sem a necessidade de seguir estes moldes. Além disso, pode-se mencionar que não existem fronteiras nítidas entre voz falada e voz cantada, o que tanto pode ser motivo de discussões e debates, como campo  para a exploração artística. Considerando a última possibilidade, foi no teatro que as relações

existente entre música e palavra, canto e fala foram mais exploradas.

Acredita-se que a relação música e teatro tenha raízes pré-históricas, já que “som e ritmo seriam forças no processos de ritualização19” em culturas primitivas (id., ibid.). Esses elementos musicais seriam capazes de “alterar nosso estado físico ou emocional, organizar nossas ações e permitir que experiências comuns fossem sentidas e compartilhadas20” (id., ibid.). Além disso, a dança e o uso de máscaras seriam “meios poderosos de transcender nosso ser e de representar outros planos de consciência21” (id., ibid.). Embora estes sejam aspectos  bastante relevantes e importantes de serem estudados mais a fundo, este trabalho tem como  ponto de partida histórico a Grécia antiga, considerada o berço da história da arte ocidental.

2.1 Grécia antiga e Império Romano

 Não se sabe muito sobre a natureza da música grega, a maior parte dos exemplos musicais que sobreviveram até os dias atuais vêm de períodos tardios e, muitas vezes, de forma fragmentada. Apesar disso, “alguns elementos da prática musical antiga sobreviveram durante a Idade Média, […] as teorias musicais [gregas] estiveram na base das teorias

18 Tradução livre de “There’s nothing new about the musical theatre. It is very old, as old as the theatre itself." 19 Tradução livre de “Sound and rhythm are both forces within the process of ritualising”.

20  Tradução livre de “alter our physical and emotional state, they organize our actions, they allow common

experiences to be felt and shared”.

(22)

medievais e foram integradas na maior parte dos sistemas filosóficos.” (GROUT; PALISCA, 2007, p. 16-17). A partir desses materiais remanescentes, estudiosos puderam traçar algumas das características sobre a música, a poesia e o teatro grego, artes que eram perfeitamente integradas.

"A maior parte da música grega consiste em melodias cantadas, ou a solo, ou em coro. […] Mesmo que se cante em coro nunca existe polifonia, pois é a linha melódica que se  pretende destacar” (PEREIRA, 2001, p. 219-220). Considerando que “os gregos não estavam

acostumados a ler poesia, mas, sim, a ouvi-la” (HELIODORA, op. cit., p. 19), a linha melódica e o ritmo musical estavam totalmente subordinados à poesia, o que explica a  preocupação em dar destaque ao canto e torná-lo o mais perceptível possível.

Os instrumentos eram utilizados quase sempre como acompanhamento da voz humana, e Aristóteles considerava que eles poderiam até obscurecer a parte cantada, emitindo  preferência pelo canto não acompanhado. Para ele, a voz reuniria em uma única emissão a  palavra e o som musical, dessa forma, a voz é “o instrumento que desenvolve a comunicação mais expressivamente” (PEREIRA, op. cit., p. 222). Na Grécia, “a melopeia22 vocal só tem [tinha] pleno valor estético quando associada à poesia, enquanto a melopeia instrumental é [era] esteticamente completa em si mesma." (id., p. 221)

A voz, além de ter essa capacidade única de associação da música com a palavra, “é versátil tanto melodicamente, como na variedade de movimentos (rápidos ou lentos) que  pode produzir, e na facilidade de cobrir um largo leque de graduações dinâmicas (do silêncio ao grito)”, o que foi largamente explorado pelos tragediógrafos gregos (id., p. 222). Somado a isso, “na tragédia, a vocalização foi explorada de forma a obter simultaneamente uma impressão auditiva e, ao mesmo tempo, comunicar um sentido." (id., p .220). Dessa forma, os gregos associavam esses diferentes elementos musicais e textuais a determinado clima emocional ou intenção narrativa (HELIODORA, op. cit., p. 19).

Segundo Pereira (op. cit., p. 221), a tragédia, por ser uma forma específica de expressão, deve veicular um tratamento também específico da voz, que por sua vez estará em sintonia com a ação que se desenvolve. A voz seria adaptada aos diferentes momentos do drama, como se verifica especialmente nas tragédias de Eurípides, que fez um trabalho de estudo vocal, apresentando:

indicações de silêncio, de ruídos, de gritos, de murmúrios, de sons musicais; […] [de] dinâmica (do  ff   agudo ao  pp  silêncio), […] sobre diferenças de som, de modificações na inflexão vocal através da própria frase, do sentido,

22 Segundo Dourado (op. cit., p. 201), melopeia referia-se à arte de criar música e ao conjunto de regras vigentes

(23)

da palavra central na frase e até da sua entoação, recitação ou articulação” (id., ibid.).

Um dos principais elementos da tragédia grega era o coro, que pode ser considerado um dos primeiros exemplos de elos entre música e teatro no mundo ocidental. Após o prólogo, que explicava a história prévia, o coro fazia a sua entrada e permanecia até o fim da peça. Sua formação inicial era de doze membros, depois passando a quinze com Sófocles. Sobre a atuação do coro, Brockett (1979, p. 11) comenta:

Geralmente o coro atuava em uníssono, mas às vezes ele era dividido em dois semicoros de sete componentes, que poderia atuar em turnos ou poderia trocar ou dividir falas. O líder do coro às vezes tinha falas solo, mas o coro falava e cantava como grupo (embora algumas edições modernas de peça dividam as falas e designem-as para membros individuais do coro)"23

Para o mesmo autor (id, ibid.), as funções do coro na peça seriam: expressar opiniões (que pode ser a visão do autor), dar conselhos, como um ator no drama - geralmente aliado ao protagonista; reagir aos eventos e personagens, sendo uma espécie de referência  para os espectadores; estabelecer a atmosfera da peça e elevar o seu efeito dramático; e definir

um ritmo à ação.

Tais breves considerações sobre a arte da Grécia Antiga são importantes por configurarem um primeiro momento da história do Teatro cantado, que serviram como base  para muito do que foi feito posteriormente. Vale dar destaque à “ideia grega de que a música se ligava indissociavelmente à palavra falada [que] ressurgiu, sob diversas formas, ao longo de toda a história da música” (GROUT; PALISCA, op. cit., p. 20), seja através da criação do recitativo, em torno de 1600; das teorias de Wagner e seu drama musical, no século XIX; ou com o Teatro Musical Americano do século XX, como será explicitado mais adiante.

Assim como os Gregos, os romanos produziam peças com diálogo, canção (embora sem a presença do coro), dança e acompanhamento instrumental, sendo Plauto um de seus principais dramaturgos - que fez uma releitura e combinação de vários personagens e temas gregos. Esses espetáculos, que, como na Grécia, também faziam parte de festivais em homenagens aos deuses, eram apresentados em estruturas de madeira, que podiam ser montadas e desmontadas dentro de um dia. Havia também a presença da cortina, que levantada, indicava que a apresentação iria começar.

Outro aspecto interessante de mencionar é que os romanos, para tornar seus  passos de dança audíveis, costumavam anexar pequenas placa de metal aos seus sapatos - um

23 As traduções utilizadas dessa obra foram feitas por Marcelo Farias Costa, para o curso de Teatro do IFCE

(24)

 parente antigo dos que hoje são usados no sapateado. Com a queda do império romano, e conseqüente declínio artístico, esse tipo de teatro que se guiava pelo mote político do “pão e circo” (BERTHOLD, 2001, p. 139) foi condenado pela igreja e permaneceu vários séculos inexistente (KENRICK, 2008, s/p).

2.2 Período pré-opera

 Nos séculos XII e XIII, a Igreja Católica encontrou no teatro uma forma de tornar as histórias bíblicas acessíveis à população, analfabeta em sua maioria, desenvolvendo os dramas litúrgicos. Ainda como eco do teatro grego, esses dramas religiosos eram apresentados como parte de algum festival religioso, tornando-se um poderoso atrativo de fiéis para a Igreja. O elenco era formado por clérigos, coros de meninos e até mesmo por freiras. O texto tinha caráter sério e era cantado do início ao fim, acompanhado por instrumentos como flautas, harpas, gaitas de fole, rabecas etc.

Essas apresentações, a princípio feitas dentro igrejas e em latim, logo ocuparam outros espaços, passando a abordar novos temas e a usar uma língua vulgar. Nessa época, quando o palco não estava posicionado de forma a receber uma boa iluminação do sol, a luz solar era refletida na direção dos atores através do uso de tigelas de metal - que podem ser consideradas como os primeiros holofotes. (id., ibid.)

Ainda segundo o mesmo autor, esses dramas musicais podem ser classificados por temática, dividindo-se em mistérios, que eram dramatizações de histórias bíblicas; milagres, que envolviam a vida de santos;  peças sobre moralidade, alegorias que ilustravam os 7  pecados capitais;  peças folclóricas, relacionadas a mitos populares. Candé (2001, p. 249) aponta um outro tipo de ramificação do drama litúrgico: os autos, que eram “representações (sagradas ou profanas) sem caráter grave”.

Por volta de 1400, surgiu na Itália uma nova forma de arte: a commedia dell’arte, cujos personagens (entre eles, Arlequim e Columbina) e convenções podem ser encontrados até hoje em várias manifestações artísticas, inclusive na comédia musical (KENRICK, op. cit., s/p). Na Inglaterra, Shakespeare usava em suas peças “um considerável número de canções como […] 'fanfarras' e 'clarinadas' para desfiles ou cenas de guerra” (HELIODORA, op. cit., p. 120). Na França, Moliére juntamente com o compositor Jean Baptiste Lully,  produziu várias comédias com canções para a corte de Luís XIV, em Versalhes.

Outro fato importante relativo ao teatro e à música cantada aconteceu em 1660, na Inglaterra: “só dois teatros tiveram licença real para apresentar teatro falado; como resultado,

(25)

a fim de escapar das restrições da lei, apareceram várias salas em que eram apresentados apenas espetáculos de números de dança ou canto, chamados de music hall” (HELIODORA, op. cit., p. 143).

Embora a canção e o teatro tenham convivido durante muitos séculos em vários tipos de manifestações artísticas, não existiram mudanças significativas no tratamento da relação música e discurso. Foi preciso que os dramas gregos fossem redescobertos para que esta configuração começasse a mudar. Este acontecimento se deu na Itália, ainda no período Renascentista.

Observando o extensivo uso de versos em coro, os italianos presumiram que os dramas gregos se tratavam de peças inteiramente cantadas. Esse mal-entendido fez com que Monteverdi e a Camerata Fiorentina24 usassem a arte da Grécia antiga como modelo para a forma de arte que seria em breve desenvolvida. Assim, para Kenrick (id., ibid.), ao contrário do que se costuma afirmar, o Teatro Musical não seria descendente da ópera, mas o contrário: a ópera seria, de forma acidental, descendente do Teatro Musical.

2.3 A ópera dos séculos XVII ao XIX

Foi com Orfeo  que Monteverdi inaugurou esse novo estilo de combinar música cantada e cena: a ópera. Esse tipo de arte logo se espalhou pela Itália durante o século XVII, em especial na cidade de Veneza (DUNTON-DOWNER; RIDING, 2010, p. 17).

Até o século XVIII, o modelo que prevaleceu na Itália foi a opera seria (id., ibid).  Nela, os compositores utilizavam em suas obras dois principais tipos de músicas cantadas: o

recitativo, linha melódica vocal guiada pela acentuação natural das palavras (que podia ser  secco, quando a fala era sustentada por acordes simples no contínuo; ou  stromentato /accompagnato, quando a fala exigia o reforço de um acompanhamento orquestral simples); e a ária, canção que mostrava o pensamento e as emoções do personagem face aos acontecimentos da trama (BENNETT, 1986, p. 37).

Para Giovanni de Bardi, mecenas da Camerata Fiorentina, o ideal a ser seguido  pelo compositor era acomodar bem os versos na música, declamando as palavras da maneira

mais inteligível possível. Para ele, os compositores que seguiam suas próprias ideias musicais, cortando as palavras em pedaços, estariam destruindo o verso (MATOS, 2008, p. 89). Este  pensamento era compartilhado por Monteverdi, que considerava o texto detentor de uma

24 Grupo de artistas plásticos, músicos e poetas, que se reuniam em Florença sob a liderança de Giovanni de

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musicalidade intrínseca, além de um significado emocional. Caberia, então, ao compositor “transpor esta expressividade para a música” (ULHÔA, 2001, p. 249).

Conforme comenta Matos (op. cit., p. 90), em grande parte da produção operística, a criação textual do libretista seria artisticamente secundária, pois o compositor, concentrado em explorar o potencial virtuosístico da voz dos cantores, acabaria por prejudicar a compreensão do texto cantado. Essa obliteração das palavras na ópera talvez fosse amenizada pelo fato de que a plateia tinha sempre em mãos uma versão impressa do libreto, apesar de que concentrar-se na leitura desses textos no papel seria também desviar a atenção do palco e, consequentemente, da própria expressão musical-visual da ópera.

 No fim do século XVIII, Gluck esteve à frente de uma reforma que mudou os  parâmetros da música cantada para a ópera, mudando do “eixo do exibicionismo vocal para a expressão dramática” (DUNTON-DOWNER; RIDING, op. cit., p. 18). Com Orfeu e  Eurídice, Gluck abriu caminho para o primeiro gênio da ópera, o alemão Mozart, autor de óperas como  A flauta mágica e  Don Giovanni. Estes artistas, por sua vez, influenciaram compositores importantes do século XIX, entre eles Rossini , que aprimorou o bel canto, canto floreado e virtuosístico , em óperas como O barbeiro de Sevilha. Outros sucessores importantes de destacar são Verdi, com sua La Traviata e Puccini , com La Bohème (id., p. 18-19).

Enquanto isso, na França, a ópera também se desenvolveu, tendo Paris como uma grande referência para a arte a partir da década de 1820. Lá nasceram: a grand opera, pelas mãos do exilado alemão Giacomo Meyerbeer; e a opéra bouffe, pelo também alemão Jacques Offenbach. Outros nomes importante da ópera francesa foram Bizet, com Carmen, e Debussy, com Pelléas et Mélisande (id., p. 19-20).

A Alemanha teve como seus principais representantes, no século XIX, Beethoven, com sua única ópera: Fidelio; e Wagner, verdadeiro revolucionário na arte de combinar canto, cena, figurinos, cenário, iluminação e efeitos de cena; tanto que chamava suas óperas de dramas musicais. Wagner planejou o teatro que foi especialmente construído para as suas obras , entre elas a quadrilogia O anel dos Nibelungos, dispondo a orquestra (que possuia grandes proporções) abaixo do palco, de forma que os cantores pudessem projetar suas vozes diretamente para a plateia (BENNETT, op. cit., p. 63).

Este breve histórico da ópera dos séculos XVII ao XIX, em termos das diferentes relações existentes entre a música e o texto, pode ser resumido com as palavras de Matos (op. cit., p. 89-90):

(27)

Monteverdi (no Combate de Tancredo e Clorinda, a partir da obra de Tasso) e Debussy (com o poema de Maeterlinck em  Pelléas e Mélisande), se aplicam a preservar rigorosamente o texto original. Wagner toma a seu cargo também a criação do libreto, reivindicando a autoria de uma música exatamente associada ao texto em suas várias dimensões e sentidos. Gluck combate os excessos de virtuosismo vocal da escola italiana, que a seu ver desfiguram o discurso poético.

Para finalizar, é interessante expor algumas colocações feitas por Elizabeth Giuliani25, citada por MATOS (id., p. 89), que afirma que “a ópera é vista primeiramente como um gênero literário no qual a expressão, iniciada pela linguagem, é redobrada ou transcendida pela música.”, acrescentando mais adiante (apud MATOS, id., p. 96) algumas reflexões que transcendem o contexto operístico:

Os laços [que a música] estabelece entre significante e significado nunca são estritamente assimiláveis às relações expressamente linguísticas. [...] Do encontro de uma língua definida e imediata e uma linguagem mediada e indefinida nasce a multiplicidade de planos semânticos próprios da ópera, a variedade de correspondências possíveis entre verbo e som.

2.4 O Musical Americano

Há cem anos, o teatro musical [americano] consistia principalmente de revistas, coleções de canções populares e números de comédia, bem como variações de operetas da Europa. O teatro, juntamente com o vaudeville, ainda não lidava com a competição do rádio, televisão e cinema, como acontece hoje.26 (KRASILOVSKY et al, 2007, p. 248)

Segundo Jones (op. cit.), embora o Musical Americano seja o resultado de muitas influências e cruzamentos, seriam três as principais correntes responsáveis pela sua formação: o Teatro de Variedades, a Opereta e os espetáculos apresentados no Teatro Princess.

2.4.1 Teatro de variedades (

Variety

)

O teatro de variedades teria se originado a partir dos shows de menestréis, no final do século XIX. Nesse tipo de apresentação, em que brancos se pintavam de negros de forma caricata, números de dança, música e comédia eram apresentados entre os atos de grandes  produções. Com o tempo, os elementos desse tipo de espetáculo se subdividiram em novas

linhas: o vaudeville, o burlesco e a revista (JONES, op. cit., p. 23).

25 No ensaio A ambição sincrética da ópera ou ópera vista como forma literária tanto quanto musical .

26 Tradução livre de “A hundred years ago, musical theater consisted largely of revues, collections of popular

songs, and comedy skits, as well as variations of operettas from Europe. The theater, along with vaudeville, was not yet faced with competition from radio, television, and motion pictures, as it is today."

(28)

O vaudeville se caracterizava por um tipo de entretenimento mais familiar, “um lugar onde você pudesse levar a esposa e as crianças27, como explica Jones (id., p. 23). No elenco, além de cantores, dançarinos e comediantes, haviam desde mágicos, acrobatas e comedores de fogo até aparições ocasionais de famosos (posteriormente, com o advento do cinema, poder ver os artistas em close-up passou a ser bem mais atrativo para o público) (id.,  p. 25).

A arte de programar e organizar a sequência dos números de variedades se tornou cada vez mais sofisticada e era tão importante quanto o números em si, podendo ser determinante para o sucesso ou fracasso (artístico e comercial) do espetáculo. Essa habilidade, de acordo com Jones (id., ibid) foi de bastante importância para o desenvolvimento do teatro musical nos Estados Unidos.

O burlesco  possuía “mais ou menos o mesmo formato do show  de menestréis, com uma grande diferença: mulheres faziam parte do elenco28” (id., p. 26). Além disso, existiam grandes semelhanças com a commedia dell’arte e com a comédia romana. Em determinado momento do desenvolvimento do teatro burlesco, algumas moças começaram a tirar peças de suas roupas, o strip-tease, e o declínio da forma se deu exatamente quando as mulheres desnudas passaram a ser mais importantes do que os comediantes.

A principal diferença entre o vaudeville e a revista é que nesta existe uma ideia ou conceito (geralmente cômico) que unifica todas as partes do espetáculo, sejam elas canções, danças ou números teatrais29. Por exemplo, “o tema de  Ziegfeld Follies  era ‘glorificar a mulher americana’, enquanto que o tema de muitas revistas de Leonard Sillman era ‘apresentar novos rostos30’” (id., p. 27)

Além disso, as revistas possuíam duas formas básicas: a grande e a pequena. A diferença entre as duas era que em vez do glamour  destacado pela forma grande, a pequena investia em inteligência, escrita sofisticada e em novos artistas (id., p. 28). Alguns compositores atuantes no teatro musical, escreveram bastante para o formato revista, como é o caso de Irving Berlin, Cole Porter, George Gershwin, dentre outros. (id., ibid.).

27 Tradução livre de “A place where you could bring the wife and kids.”

28 Tradução livre de “much the same format as the minstrel, with one major diference: women were part of the

cast."

29Skits, em inglês.

30 Tradução livre de “the theme of the Ziegfeld Follies was to 'glorify the American girl'. The theme of Leonard

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2.4.2 Opereta

Opereta, que ao pé da letra significa ‘pequena ópera’, possui ingredientes similares à ópera cômica francesa, porém de estilo mais leve, alegre, simples, e de curta duração, como comenta Dourado (op. cit., p. 243). Heliodora (op. cit., p. 144) complementa, afirmando que elas eram “repletas de incidentes mais sentimentais que sérios e enriquecidas com canções integradas na ação”.

O gênero, de acordo com Dourado (op. cit, p. 143), popularizou-se na Viena do final do século XIX, consagrou-se na Inglaterra de Gilbert & Sullivan e abriu caminho para o musical no século XX. Embora existisse uma corrente de compositores influenciados diretamente pela opereta do centro europeu, foi aquela feita pelos ingleses Gilbert & Sullivan que teve uma relação mais forte na formação do musical americano (BRADLEY, op. cit., p. 44).

Para o mesmo autor (id., p. 43), entre as inovações feitas pela dupla inglesa, estariam a preocupação com o visual, dando proeminência ao figurino, cenário e adereços; o  papel social dado ao coro, que passou a ter uma dimensão comunitária (aspecto  posteriormente explorado pelos musicais de Rodgers & Hammerstein); além da a importância

dada às palavras e às canções, escritas exclusivamente para o teatro (id., p. 41; 46).

Heliodora (op. cit., p. 143) comenta sobre a popularidade de Gilbert & Sullivan, afirmando que é “difícil chegar à Inglaterra e não constatar que pelo menos uma delas [obras da dupla] está sendo montada em algum lugar”. O seu sucesso nos Estados Unidos se deve  principalmente ao fato de que elas “eram tão cômicas quanto [a opéra bouffe  francesa], os

finais eram felizes, e [acima de tudo] elas eram em inglês. E não eram em qualquer inglês, mas no melhor e mais perspicaz inglês já escrito em forma de letras31” (JONES, op. cit., p. 41). Essa popularidade se refletiu em várias produções americanas não-autorizadas das obras dos ingleses, que decidiram estrear The pirates of Penszance (1879) nas Américas, ao menos assim poderiam controlar melhor seus direitos como autores (id., p. 32).

Seguindo o modelo europeu, os americanos também começaram a criar as suas  próprias operetas. Ao contrário das vienenses, com histórias localizadas na Europa central, as

americanas, em sua maioria, se passavam em alguma localidade exótica (id., p. 33). E foram três os primeiros homens responsáveis pelo sucesso da opereta americana: Victor Herbert, com suas obras The Wizard of the Nile (1895) e Naughty Marietta (1910); Rudolf Friml, em  parceria com o libretista Otto Harbach, em  Rose-Marie  (1924) e Sigmund Romberg, em

31 Tradução livre de “were just as comic, the endings as happy, and there were in English. And not just in any

(30)

 Maytime (1917). Apesar de terem feito carreira nos Estados Unidos, todos nasceram e foram treinados na Europa (id., p. 33; 36-37).

Como na opereta o libreto e as letras estavam a serviço da música, é de se esperar que os três principais representantes dos Estados Unidos fossem compositores. Porém, Romberg, ao contrário do que lhe foi ensinado na tradição europeia, se recusava a escrever uma nota musical antes do libreto estar terminado, pois buscava por inspiração na história (id., p. 37-38).

2.4.3 Jerome Kern e os

 Princess shows

A expressão Princess shows se refere aos espetáculos que aconteceram no Teatro  Princess no início do século XX. Tais shows foram fortemente influenciados pelo teatro de Londres e tiveram como principais representantes o compositor Jerome Kern e alguns de seus  parceiros, como o letrista, Guy Bolton (JONES, opus cit., p. 41).

Kern, americano com experiência no teatro inglês, foi o primeiro compositor a vir com a ideia de musical integrado. Ele estava determinado a ajudar a criar “um novo tipo de espetáculo com uma história e personagens atuais, um espetáculo onde as canções não fossem meras coleções de boas melodias com títulos cativantes, mas que realmente partissem das  pessoas e das situações32” (id., p. 47-48). Algumas de suas principais obras, nesta primeira

fase de sua carreira, são Very Good Eddie (1915) e Oh, boy! (1917)

Uma série de outros musicais, compositores e letristas, como os Gershwins, Rodgers & Hart, Cole Porter e Irving Berlin, foram influenciados em maior ou menor grau  pelos shows do Teatro  Princess. “Praticamente todas as obras desses autores eram ambientadas nos Estados Unidos da época. As letras tinham linguagem urbana e gírias. Não havia qualquer semelhança entre elas e a opereta33" (JONES, opus cit., p. 49). Apesar disso, a transição almejada por Jerome Kern ainda não havia se concretizado. As pessoas iam ao teatro para ouvir as canções de determinados compositores, e não canções de personagens ou de histórias. O prazer de desfrutar as letras e as melodias era mais importante do que a veracidade dessas canções na obra (id., ibid.).

Esta integração sonhada por Kern teve o seu primeiro passo somente em 1927, com o musical Show Boat, escrito em parceria com letrista Oscar Hammerstein II. Uma das

32 Tradução livre de “ a new kind of show with a contemporary story and contemporary characters, a show were

the songs were not merely a colletion of good tunes with catchy titles but actually came out of the people and the situations.”

33 Tradução livre de “Nearly all the shows by these writers were set in contemporary America. Their music was

 popular music, usually following the aaba form. The lyrics were slangy and urban. There was no feeling of operetta about them at all.”

(31)

 principais inovações desse musical foi seu caráter sério, tratando de temas inimagináveis para a época, como a miscigenação.

2.4.4 A consagração do gênero nos Estados Unidos e mudanças na forma

“Nós prometemos que cada canção teria um propósito e que ninguém ficaria  parado como um morto, no centro do palco, para cantar algo que não tivesse

um propósito na história.34”

À medida em que a forma do musical se desenvolvia, as canções se tornavam cada vez mais integradas à história, contendo elementos cruciais do enredo (KRASILOVSKY et al, op. cit, p. 248). Oklahoma! (1943), de Hammerstein II, em nova parceria com Richard Rodgers, finalmente concretiza a integração idealizada por Kern e dá início a uma nova era  para o musical americano, que se estenderia durante os 30 anos seguintes.

As principais características dessa forma de musical desenvolvida pela dupla Rodgers & Hammerstein são apontadas por Jones (opus cit, p. 67-68): (a) o musical precisa  preencher as necessidades da história e dos personagens; (b) todos os elementos precisam estar integrados numa unidade geral; (c) deve existir um senso de movimento, de mudança, de muitas cenas e de cenários; (d) deve haver muito canto e dança e muitas pessoas cantando e dançando; (e) as canções, de forma geral, precisam ser fortes melodicamente e simples o suficiente para serem assimiladas na primeira escuta; (f) a mensagem central do espetáculo  precisa ser positiva, embora fatos ruins possam acontecer; (g) os personagens podem e devem

ser interessantes, mas não muito complexos; (h) não importa o quão sério o musical possa ficar ou quão elevado seja o tema - deve existir entretenimento.

Porém, este estilo de fazer musicais, com o passar dos anos, se tornou muito  previsível. Somado à isso, diversos aspectos sociais e culturais contribuíram para questionar

ainda mais esse modelo de fazer musicais que se mostrava ultrapassado.

Uma das primeiras tentativas de quebra ou de reinterpretação da forma do musical aconteceu através West side story (1957), de Leonard Bernstein e Stephen Sondheim, que,  para o crítico de cinema Guido Bilharinho (2006, p. 129), “representa o ponto da virada entre a fase romântica, otimista e despreocupada […] e a fase realista, amarga, às vezes pessimista, que caracteriza predominantemente o gênero daí em diante, com uma ou outra exceção”. De

34 Tradução livre de “We promises ourselves that every song would make a point and that no one would stop

dead, center stage, in order to sing a song that had no purpose in the story.”, palavras do libretista Abe Burrows citadas por Chase (1992, p. 538).

(32)

fato, muitas mudanças ocorreram com essa obra, que também contribuiu de forma original com o uso da dança como elemento integrante da narrativa, como ação em movimento (KANTOR, 2005).

Outras mudanças significativas para o musical americano vieram através de musicais como:  Hair   (1968), de Gerome Ragni e James Rado, que levou para os palcos o estilo de vida hippie através de uma narrativa não-linear, além de abrir caminho para uma série de outros musicais de rock; Company  (1970), realizado a partir da parceria entre o compositor Stephen Sondheim e o produtor/diretor Harold Prince, que também propôs uma desconstrução do roteiro, focando a narrativa em um determinado evento ou conceito, daí a denominação de concept  musical. Embora este tipo de musical conceitual tenha representantes anteriores a Company, a obra foi especialmente marcante por quebrar todas as regras da comédia musical, como afirma Hischak (2008, p. 166).

2.4.5 O Musical Off-Broadway

Segundo Heliodora (op. cit., p. 241), “o fenômeno de maior importância no teatro americano do século XX foi o aparecimento do movimento chamado off-broadway, […] uma  proveitosa alternativa para os custos cada vez maiores para a encenação de espetáculos na

Broadway, em grande parte devido a exigências sindicais." Esses teatros, localizados muitas vezes em Greenwich Village, comportavam no máximo 199 espectadores e neles “foi criada uma atividade alternativa, em que era possível experimentar, arriscar e revelar novos autores, o que enriqueceu o panorama um tanto desgastado do teatro americano” (id., p. 142).

Além disso, alguns dos sucessos desses pequenos teatros migraram para a Broadway, em produções maiores e capazes de atender a uma demanda maior de público, como foi o caso de Hair (1968), Rent  (1996) e Sunday in the park with George (1984).

2.4.6 Stephen Sondheim

Dedicar um espaço especial35  neste trabalho para Sondheim se dá por diversas razões: iniciou sua carreira como letrista e mais tarde desenvolveu trabalhos também como compositor, e assim permanece em atividade até os dias de hoje. Ganhou diversos prêmios  por suas composições para o teatro, cinema e TV. Há 18 anos possui uma publicação regular sobre o seu trabalho intitulada The Sondheim Review, além disso, publicou dois livros com coletâneas de seus trabalhos como letrista, a fim de passar adiante seus conhecimentos na arte

(33)

de escrever letras de música para o teatro, da mesma forma que Oscar Hammerstein II, seu mentor, o fez (SONDHEIM, 2010, p. XXII).

Vale a pena considerar também o comentário de Bradley (op. cit., p. 24), que considera o autor como a única personalidade do teatro musical contemporâneo cuja obra é levada a sério pelos acadêmicos e pelas instituições culturais, talvez porque, nas palavras de Mark Steyn, 'ele faz musicais para quem não gosta de musicais’.36” Block (2009, s/p), por sua vez, reflete sobre uma das características mais louváveis do compositor: a despeito da fidelidade aos princípios inovadores, porém tradicionais, aprendidos com Hammerstein, Sondheim está constantemente disposto a repensar seu legado teatral a fim de dizer algo novo.

2.5 O teatro cantado fora dos EUA

O musical também teve expressão em outros países, alguns influenciados diretamente pelos EUA, outros não. Um caso de influência direta e recíproca acontece entre Estados Unidos e Inglaterra, desde a época das operetas de Gilbert & Sullivan, continuando durante a formação e desenvolvimento do teatro musical nesses países, até a atualidade; sendo o West End  o correspondente londrino da Broadway.

A Inglaterra foi responsável por sucessos mundiais como Les Misérables (1985) , de Alain Boublil e Claude-Michel Schonberg, e O fantasma da ópera (1986), de Andrew Lloyd Webber, Charles Hart e Richard Stilgoe, que foram encenados em dezenas de países, inclusive no Brasil, em várias montagens iguais às originais (HELIODORA, op. cit., p. 145).

2.5.1 Alguns comentários sobre a ópera alemã do século XX

Schoenberg, compositor austríaco, desenvolveu no início do século XX, em trabalhos como Pierrot Lunaire (1912) o sprechgesang , uma espécie de releitura do recitativo no contexto do atonalismo. Também na Alemanha, por volta dos anos 20 e 30, Bertold Brech em parceria com o compositor Kurt Weill, se dedicou à criação de algumas óperas, como A ópera dos três vinténs (1928) e A ascensão e queda de Mahagonny (1930).

As obras de Brecht & Weill foram “escritas propositadamente como o oposto das óperas de Wagner, ou seja, bem claras e populares." (HELIODORA, op. cit., p. 108). Pallottini (1989, p. 112) comenta que “para conseguir atrair o público burguês do tempo,

36  Tradução livre de “the one figure in contemporary musical theatre whose work is taken seriously by

academics and the cultural establishment, peharps because, in Mark Steyn's words, 'he makes musicals for  people who don't like musicals’.”

(34)

Brecht lançará [lança] mão de formas conhecidas, de palavras e histórias familiares a esse  público - mas devolverá ao espectador uma imagem modificada; [...] um reflexo crítico."

Quando Brecht deixou a Alemanha por motivos políticos, o mesmo aconteceu a Kurt Weill. Porém o músico, quando chegou aos Estados Unidos, integrou-se totalmente em seu teatro, e se tornou um dos mais bem-sucedidos compositores dos musicais americanos" (HELIODORA, op. cit., p. 110).

2.5.2 O musical no Brasil

Entre as formas cênicas que envolvem música cantada, o teatro de revista  brasileiro merece um destaque. Este gênero - composto por números de canto, dança, farsa,

mágica e humor - surgiu no contexto brasileiro em meados do século XIX, no Rio de Janeiro, se configurando como um dos maiores divulgadores da música popular brasileira da época. Entre seus principais representantes estão Artur Azevedo e Walter Pinto.

Alguns compositores brasileiros, como Chico Buarque e Vinícius de Moraes (em  parceria com Tom Jobim), escreveram algumas obras musicais para o teatro, embora não

tenham dedicado suas carreiras a este ofício. Os trabalhos de Chico Buarque para o teatro  possuem cunho mais político, como é o caso d’ A ópera do malandro (1978), uma comédia

musical inspirada na Ópera dos mendigos de John Gay e na Ópera dos três vinténs de Brecht & Weill, comentada anteriormente. Já Vinícius de Moraes, em parceria com Tom Jobim, escreveu Orfeu da Conceição  (1954), que retrata o mito grego de Orfeu no contexto das favelas cariocas e do samba. A peça, que ganhou uma adaptação para o cinema (1959) chamada Orfeu Negro, vai ser adaptada para a Broadway em 2014, pelos diretores brasileiros Charles Möeller & Claudio Botelho.

 No Brasil, apesar do talento dos autores nacionais, importar musicais estrangeiros de sucesso internacional ainda é a prática mais comum, pois, além da grande probabilidade de êxito comercial e de sucesso de público, ainda são poucos os profissionais criadores que se dedicam a este gênero no país. Algumas montagens oficiais de musicais internacionais no Brasil são “não-réplicas” da obra original, como acontece com boa parte dos trabalhos da dupla de diretores Möeller & Botelho, conquista que permitiu uma maior liberdade criativa no  processo de adaptação. Nos casos das réplicas de musicais estrangeiros, a única parte passível

de modificação é a parte textual, adaptada para o português.

Alguns compositores da música popular brasileira são solicitados para fazer essas adaptações para a língua portuguesa, em especial no que se diz respeito às letras de música.

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As letras da montagem brasileira de Jesus Christ Superstar (com música de Andrew Lloyd Webber), na década de 70, por exemplo, foram versionadas para o português por Vinícius de Moraes. Outro musical de Webber, Cats, em adaptação mais recente, contou com letras escritas por Toquinho. Já o O Rei Leão, de Elton John em parceria com o letrista original Tim Rice, tem estreia prevista no Brasil para 2013, com versões de Gilberto Gil.

Porém, o principal versionista de musicais da atualidade é Claudio Botelho, que  possui no seu currículo de adaptações obras como: Os miseráveis, O fantasma da ópera, A

noviça rebelde, Gypsy, Hair , Company, West Side Story, O Mágico de Oz, dentre outras.

2.6 Os gêneros cênicos-musicais: o musical e seus “parentes”

“O que faz de um musical um musical, e não uma ópera ou uma peça com música? E quanto aos seus subgêneros às vezes vistos como sinônimos -como comédia musical, peça musical e opereta? Esses são termos para os quais é impossível encontrar significados coerentes. As mesmas perguntas  podem ser feitas a respeito de filmes musicais. No gênero cinematográfico, quando um filme que inclui canções deixa de ser um filme com música e se torna um filme musical? Existe uma percentagem específica de música que distingue filmes musicais de outros tipos de cinema?"37 (EVERETT, op. cit., s/p)

Entender o Musical como uma forma de arte ou gênero cênico que se utiliza de Música e Dança é algo simples, comparado à dificuldade de demarcar os limites dessa definição tão abrangente. Na tentativa de esclarecer possíveis dúvidas e ambiguidades, serão feitas comparações com alguns gêneros e formas de arte mais relevantes que compartilham características semelhantes ao Musical. São eles: ópera, teatro musicado, coro cênico, show musical e balé.

37 Tradução livre de “What makes a musical a musical, and not an opera or a play with music? And what about

its subgenres - sometimes viewed as synonyms - such as musical comedy, musical play, and operetta? These are terms for which is impossible to find consistent meanings. The same questions can be asked regarding film musicals. In the film genre, when does a film that includes songs stop being a film with music and become a film musical? Is there a specific percentage of music that distinguishes movie musicals from other types of cinema?”

Referências

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