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Uma abordagem sociológica da governança da internet : a Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

GUSTAVO MESCOKI SARTI

UMA ABORDAGEM SOCIOLÓGICA DA GOVERNANÇA DA INTERNET – A CONFERÊNCIA MUNDIAL DE TELECOMUNICAÇÕES INTERNACIONAIS

Campinas 2017

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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.

Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Paulo Roberto de Oliveira - CRB 8/6272

Sarti, Gustavo Mescoki,

Sa77a SarUma abordagem sociológica da governança da internet - a Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais / Gustavo Mescoki Sarti. – Campinas, SP : [s.n.], 2017.

SarOrientador: Thomas Patrick Dwyer.

SarDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

Sar1. Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais (CMTI-12). 2. União Internacional de Telecomunicações (UIT). 3. Governança da Internet. I. Dwyer, Thomas Patrick,1952-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: A sociological approach to internet governance - the World

Conference on International Telecommunications

Palavras-chave em inglês:

World Conference on International Telecommunications (WCIT-12) International Telecommunication Union (ITU)

Internet governance

Área de concentração: Sociologia Titulação: Mestre em Sociologia Banca examinadora:

Thomas Patrick Dwyer [Orientador] Diego Rafael Canabarro

Rafael Almeida Evangelista

Data de defesa: 13-06-2017

Programa de Pós-Graduação: Sociologia

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A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 13/06/2017, considerou o candidato Gustavo Mescoki Sarti aprovado.

Prof. Dr. Thomas Patrick Dwyer

Prof. Dr. Rafael Almeida Evangelista

Dr. Diego Rafael Canabarro

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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Agradecimentos

A realização dessa dissertação de mestrado contou com importantes apoios e felizes oportunidades sem os quais ela não teria sido possível, ou esse período tão interessante.

Agradeço ao Professor Doutor Thomas Patrick Dwyer, por sua orientação e apoio desde meu ingresso no mestrado.

À equipe do Departamento de Sociologia da UNICAMP que esteve sempre pronto para auxiliar no trato burocrático com a universidade da forma menos penosa possível.

Ao Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) em especial à equipe organizadora da Escola de Governança da Internet, espaço onde pude entrar em contato com tantas pessoas e conhecimentos cruciais para este trabalho.

À equipe da South School on Internet Governance.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa concedida em um período do mestrado.

À antiga equipe da empresa dp6, em especial à Luana Baio e Anna Muniz, que abriram as portas para que eu ingressasse no mestrado enquanto trabalhava.

À Sandra, Tarciso e Renato, minha família e à Letícia, Anderson, João, Antônio, entre tantos amigos que me deram suporte nos momentos mais difíceis.

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tanto no campo da vida comum, como no campo da vocação. Esse trabalho será simples e fácil, se cada qual encontrar e obedecer ao demônio que tece as teias de sua vida” Weber, Max [1919]

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Resumo

Esta dissertação aborda o campo da governança da internet por um viés sociológico e tem objeto de estudo a Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais (CMTI-12), evento organizado pela União Internacional de Teleco-municações (UIT) que aconteceu em 2012 em Dubai. O objetivo do evento era atu-alização das Regulações Internacionais de Telecomunicações, mas não alcançou seus objetivos graças à disputas relacionadas à internet e atritos entre Estados Unidos, Rússia e China.

Palavras-chaves: Governança da Internet. União Internacional de

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This dissertation approaches the field of internet governance for a sociolog-ical perspective and has as object of studiy the World Conference on International Telecommunications (CMTI-12), an event organized by the International Telecom-munication Union (ITU) in Dubai in 2012. The purpose of the event was to update the International Telecommunication Regulations, but it did not reach its objectives thanks to Internet-related disputes and friction between the United States, Russia and China.

Key-words: Internet Governance. International Telecommunication Union (ITU).

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Lista de ilustrações

Figura 1 – Camadas da Internet e seus Protocolos . . . 35 Figura 2 – Entidades do Ecossistema da Internet - Dados do site NETMundial . . 36 Figura 3 – Backbone em 1992 segundo a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa . . . 42 Figura 4 – Backbone em 2016 segundo a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa . . . 43 Figura 5 – Mapa da ARPAnet de 1971 . . . 55 Figura 6 – Adoção do IPv6 segundo medições do Google em ℎ𝑡𝑡𝑝 : //𝑏𝑖𝑡.𝑙𝑦/1𝐿𝑏7𝑏𝑔𝑎 60 Figura 7 – Dados da distribuição e da quantidade de IPv4 entre os Registros

Re-gionais da Internet segundo ℎ𝑡𝑡𝑝𝑠 : //𝑖𝑝𝑣4.𝑝𝑜𝑡𝑎𝑟𝑜𝑜.𝑛𝑒𝑡/ . . . 61 Figura 8 – Servidores de DNS pelo mundo, segundo sua densidade de tráfego

(HUFFAKER; FOMENKOV; CLAFFY, 2008) . . . 64 Figura 9 – Cabos submarinos de telecomunicaçõe em 2015 . . . 65 Figura 10 –Empresas de Internet com maior tráfego de usuários únicos por em

2014 segundo Statista . . . 65 Figura 11 –Posicionamento dos países frente à proposta para ITRs na WCIT-12 . 78

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CMTI Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais

DNS Domain Name System

IAB Internet Architecture Board

IANA Internet Assigned Numbers Authority

ICANN Internet Corporation for Assigned Names and Numbers

IETF Internet Engineering Task Force

IPv4 Internet Protocol version 4

IPv6 Internet Protocol version 6

IRTF Internet Research Task Force

ISOC Internet Society

ISP Internet Service Providor

ITRs International Telecommunication Regulations

ITU International Telecommunications Union

OA Operating Agencies

ONU Organização das Nações Unidas

RIR Regional Internet Registry

ROA Recognized Operating Agencies

URL Uniform Resource Locator

WCIT World Conference on International Telecommunications

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Sumário

Introdução . . . 13

0.1 Preparação da pesquisa . . . 16

0.2 Revisão de Literatura . . . 18

1 Materiais e métodos . . . 29

2 O campo da Governança da Internet no Brasil . . . 39

3 Uma breve história da Internet . . . 45

3.1 O que é a Internet? Como ela funciona? . . . 45

3.2 O conjunto de protocolos da Internet . . . 46

3.3 A sociedade Civil Organizada . . . 48

3.4 A centralidade dos Estados Unidos na criação da Internet . . . 52

3.5 As esferas da governança . . . 56

3.6 Concentração de poder: incomodo que levou a 2012 . . . 61

4 Reuniões internacionais sobre Governança da Internet . . . 65

4.1 O início dos anos 2000 . . . 67

4.1.1 Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação . . . 69

5 Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais - WCIT 12. . . . 75

5.1 A Internet faz parte do setor de telecomunicações?. . . 79

5.2 O Brasil na Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais . . . 80

5.3 Análise dos Documentos da Conferência . . . 84

5.4 Propostas de trabalho apresentadas pelos países . . . 86

5.4.1 Contribuições dos Estados Unidos . . . 86

5.4.2 Contribuições do grupo liderado por Rússia e China . . . 93

5.4.3 Contribuições apresentadas pelo Brasil . . . 99

Conclusão . . . 103

Referências . . . 109

Appendices

115

6 Propostas de Trabalho . . . 117

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6.3 Estado Unidos. . . 137 6.3.1 Propostas adicionais do Estados Unidos . . . 149 6.4 Grupo composto por: Argélia, Arábia Saudita, Bahrein, China, Emirados

Árabes, Rússia, Iraque e Sudão. . . 167 6.5 Rússia . . . 195

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13

Introdução

Neste trabalho pretendemos falar sobre o impacto da Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais sobre o campo da Governança da Internet. O evento aconteceu em 2012 em Dubai, tendo como organizadora o braço voltado para telecomu-nicações da Organização das Nações Unidas, a União Internacional de Telecomutelecomu-nicações. A proposta central do evento era rever os Regulamentos Internacionais de

Telecomunica-ções1, pois estes estavam vigentes desde 1988. Este evento, entretanto, é relevante para

o campo da Governança da Internet pois o debate sobre a relevância da Internet para o debate posto em Dubai foi um dos principais motivos para que a Conferência fosse incapaz de produzir um documento que fosse aceito por todos seus participantes.

Debater a regulação da Internet, entender os termos em que esse debate se de-senvolve e quais são os interesses em jogo nos aproxima do debate sobre a batalha pelo

desenvolvimento de que fala Dwyer (DWYER,1989):

O futuro dos países ocidentais avançados é hoje visto em toda parte como ligado à sua capacidade de desenvolver e controlar a"indústria da informação". O setor da manufatura irá gradualmente ocupar o mesmo lugar da agricultura que, com a ascensão da indústria, se tornou uma atividade cada vez mais eficiente e marginal no emprego da força de trabalho e os países dependentes irão ampliar seu atual papel na divisão internacional do trabalho, passando de grandes exportadores de matérias-primas e produtos agrícolas a grandes produtores e exportadores de bens industrializados. No entanto, esse sucesso na ”batalha pelo desenvolvimento", como tem sido tradicionalmente definido, poderá ser acompanhado por uma nova forma de dependência, ilustrada pela importação de tecnologias e recursos ligados à área de informática.

Entretanto não é apenas o ocidente mais que está nesta acirrada disputa. A África e a Eurásia vêm entrando na Internet em todos seus setores. As populações de todo o

mundo está mais conectada, especialmente graças às tecnologias de conexão móvel (KATZ,

2008); o desenvolvimento da indústria de equipamentos para servidores na China começa

a enfrentar a hegemonia ocidental; e a criação de indexadores de conteúdo e de redes sociais em diversos países mostra como essa batalha tem se espalhado para muito além do ocidente

Em estudos recentes que tratam da história brasileira sobre a Governança da Internet como “Converging on the Future of Global Internet Governance - The United

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States and Brazil” a WCTI-12 é tomada como um marco, especialmente para os países que tentam desenvolver esta negociação pelas vias de acordos multilaterais. Apesar desta estratégia ser mais usada por países como China e Rússia, o Brasil é tido como um país de atuação mista, debatendo tanto pelas vias diplomáticas quanto em arenas multissetoriais. Vamos analisar o evento para tentar entender os desfechos do evento. Para chegar a esse ponto será necessário falar sobre o campo da Governança da Internet, abordando alguns dos temas que acreditamos serem decisivos para o debate que se deu em 2012.

A Internet é uma coisa e a Internet é um espaço de disputas. Estas duas facetas da Internet são centrais para entendermos sua governança em nível internacional. Para entendermos a Internet como coisa é necessário olharmos para ela como uma rede de computadores que são ligados por cabos e ondas e mediados por protocolos. Por sua vez computadores e cabos são feitos e distribuídos por empresas, protocolos são desenvolvi-dos e implantadesenvolvi-dos por grupos seletos. Para entendermos a Internet como um espaço de disputas é necessário olhar para os conflitos entre os espaços geográficos e a influencia dos Estados Nação. Também é necessário entender quais as novas possibilidades de interven-ção de Estados e empresas sobre populações com o uso de informações coletadas em redes sociais e filtros que determinam se essas populações tem acesso a determinados conteúdos ou não.

Nossa ideia com este trabalho é de contribuir com o desenvolvimento da Sociologia da Internet no Brasil, uma área de conhecimento que veio ganhando corpo nos últimos

anos, mas que tem muito a se desenvolver. Como diz DeNardis (DENARDIS,2010) um dos

importantes campos de estudo dentro dos debates sobre a Internet é o da sua governança. Essa área, como as outras, é multidisciplinar, e não apenas tem espaço para estados sociológicos, como os demanda para uma melhor entendimento das forças que influenciam na transformação da rede.

Se olharmos para o tema da Governança da Internet como a área de conhecimento que articula as questões técnicas, políticas, legais, econômicas e sociais para influenciar o seu desenvolvimento globas e local, ou seja se olharmos para o campo da Governança da Internet da forma mais ampla o possível, acompanhamos o desenvolvimento de uma interessante bibliografia no Brasil. Vemos exemplos de estudos que tratam de temas re-lacionados à governança em trabalhos sendo produzidos sobre o Marco Civil da Internet (SOLAGNA,2015), o Programa Nacional de Banda Larga (FONTES, 2014) e segurança

na Internet (CEPIK; CANABARRO; BORNE, 2014) etc.

Vamos falar aqui da Conferência Mundial das Telecomunicações Internacionais (WCIT-12), um evento organizado pela União Internacional de Telecomunicações (ITU), o braço que cuida de telecomunicações dentro do sistema da ONU. Nossa intenção aqui é ajudar com o desenvolvimento no Brasil de uma literatura que ajude a traçar a narrativa sobre como a Internet veio a ser o que é. A escolha da conferência de 2012 como ponto de

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15

partida vem das diversas singularidades do evento – que serão tratadas durante o trabalho. Em dezembro de 2012 a ITU promoveu em Dubai a WCIT-12 com o objetivo de atualizar os Regulamentos Internacionais de Telecomunicações, que haviam sido debatidos pela última vez em 1988. Os debates levantados no evento geraram um grande furor, especialmente pelos pedidos de que a centralidade da regulação sobre questões importantes sobre a Internet saíssem de fóruns sobre os quais os Estados Unidos da América tem maior

controle – como a Icann2– e passasse para fóruns com maior influência dos demais Estados,

como a ITU. Nossa proposição neste trabalho é traçar um retrato da Conferência, e com isso usar as pautas levantadas nos debates em torno da WCIT-12 para problematizar o estado da Internet enquanto um constructo e um espaço de disputas.

Este evento foi escolhido como objeto deste trabalho pois ele nos permite analisar como o Brasil vem evoluindo em seus posicionamentos que ajudam a pensar um modelo de Internet a partir do debate com um cenário mais complexo de regulações internaci-onais. No evento de Dubai foram formados dois blocos que tinham em suas lideranças de um lado os Estados Unidos, e do outro a Rússia e a China, debatendo especialmente a pertinência da Internet em uma conferência sobre telecomunicações. Esta polarização colocou o governo brasileiro numa posição de escolher entre pautas de seus dois principais parceiros econômicos, e levou a seu limite argumentos sobre como a rede deveria ser ge-rida. A análise dos posicionamentos tomados em 2012 será feita com base nos documentos do evento, as análises feitas sobre o debate e a bibliografia sobre Governança da Internet. Questões levantadas neste debate vem reverberando até o presente momento graças a questões como a proximidade de regulamentação entre a Internet e outros serviços de telecomunicações, o debate sobre como o multissetorialismo atua nos debates sobre a Internet, e até mesmo nas tentativas de se encontrar alternativas institucionais para a

substituição da Icann no controle das funções da IANA3. Graças a este debate se levantou

também uma série de pautas colaterais como a liberdade de expressão, a universalização do acesso e a vigilância em massa. Esses temas que a princípio parecem laterais estiveram latentes em todo debate sobre regulação da Internet nos últimos 40 anos, e emergiram como fundamentos para os apoios aos dois lados do debate de 2012.

2 Internet Corporation for Assigned Names and Numbers

3 As funções da IANA são definidas por um contrato da National Telecommunications & Information Administration (NTIA), um órgão do Departamento de Comercio dos Estados Unidos, e atualmente cercam quatro eixos principais: 1) a coordenação dos parâmetros para os protocolos da Internet; 2) a administração de algumas das funções exercidas pelos servidores raiz do DNS; 3) a alocação dos recursos numéricos da Internet, como os IPs; 4) questões relacionadas coma gestão dos top-leve domains .ARPA e .INT, que tem aplicações mais amplas na manutenção da Internet.

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0.1 Preparação da pesquisa

O primeiro contato que tivemos com o objeto desta pesquisa se deu graças às notícias que tomaram cadernos especializados em tecnologia dos mais diversos jornais – brasileiros e internacionais – sobre o desenvolvimento do encontro promovido pela ITU em Dubai, o WCIT-12, para discutir propostas sobre a Governança da Internet entre países ligados às Nações Unidas. Este evento ganhou notoriedade no campo da Governança da Internet por dois pontos chave: 1) seguindo a tradição da ONU ele foi organizado como um debate entre Estados Nação, quebrando assim o costume de se atacar este tema com a presença do terceiro setor e das empresas, modelo conhecido como multstakeholder; 2) a polarização dos participantes do evento em torno do papel assumido pela ICANN na gestão de recursos críticos da Internet. Esses pontos são relevantes por que por as regulações de internacionais de telecomunicações nunca foram atualizadas pela ITU, e todo o setor passou passou por importantes mudanças graças ao desenvolvimento da Internet e à popularização da telefonia móvel. Esses desenvolvimentos recentes fez com que a indústria de telecomunicações e o debate envolvendo direitos humanos e novos paradigmas de comunicação estivessem mais relacionados do que nunca.

Algumas das análises feitas na época mostravam um caráter maniqueísta, e pa-reciam atacar as partes envolvidas usando argumentos carregados de preconceitos, para não dizer falácias, além de pouco aparecer nos comentários sobre o principal motivo do debate, que era a regulação das telecomunicações. Dessa forma é preciso observar a WCIT pelo viés da Governança da Internet.

O fato de não ter acontecido nenhum evento preparatório para a WCIT abriu o espaço para que o tema da Internet se tornasse central na Conferência. O tema em si, bem como o apoio ao tema por parte dois terços dos países participantes foram centrais para que os Estados Unidos abandonassem o evento. Um ponto de grande relevância aqui é o de que não necessariamente os países que apoiaram a posição de que a Internet seja um serviço que deva ser regulado integralmente como as telecomunicações, mas sim que aquele espaço seria também um dos fóruns válidos para aquele debate. Apoiar o fortalecimento de um fórum como o da ITU que favorece as vozes oficiais dos governos é uma estratégia para combater as posições que tem mais força em debates multissetoriais.

Nossa primeira intenção ao começar este trabalho era de descrever a WCIT e seu papel sobre o campo da Governança da Internet, entretanto, com o desenvolvimento da pesquisa pudemos ver que apesar da agitação gerado pelo evento ele não alcançou os desdobramentos práticos que se propunha: a atualização das ITRs. Apesar da conferência ter produzido um documento oficial no final ele não tem força de lei e sequer vale como um acordo a não ser que seja universalmente aceito.

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0.1. Preparação da pesquisa 17

pois é um exemplo prático da pressão que o tema pode ter no desenvolvimento de políticas internacionais. A conferência de Dubai não conseguiu emplacar as atualizações para as ITRs justamente por tentar trazer para o documento final a pauta da Internet, e os Estados Unidos não permitiriam que este tópico fosse referenciado naquele documento.

De forma preliminar podemos dizer que os dois grupos que então se formaram poderiam ser apontados pelos países que os encabeçavam. De um lado os Estados Unidos defendiam que aquele fórum não deveria debater questões relacionadas à Governança da Internet. Do outro lado estava o grupo liderado pela China e pela Rússia, que pressionaram por um debate entre Estados, com menor influência de outros grupos de pressão. Esses posicionamentos distintos trouxeram a tona temas como o do contrato da NTIA, ou o papel da ICANN na promoção de uma Internet que refletisse valores como a liberdade de expressão, a proteção contra a vigilância em massa ou processos de coerção sobre usuários. Comentadores pró Estados Unidos diziam que a Internet que havia sido gerada até aquele momento era boa, e de que em time que está ganhando não se mexe, e por tanto os Estados

deveriam se manter afastados4. Em contrapartida comentadores de fora dos EUA falavam

sobre o incomodo gerado pela conexão entre as funções da IANA e o Departamento

de Comercio Norte Americano e a justiça do estado da Califórnia5, que soava como uma

afronta a soberania de outros países, que tinham uma parte de sua Internet supervisionada por um governo estrangeiro. Este grupo criticava a ICANN menos pelos serviços prestados, e mais por problemas que apresentava em seus processos de prestação de contas enquanto instituição que tem atuação global.

Outro argumento que aparecia com força no debate era a composição do grupo liderado por China e Rússia. Além destes dois países o grupo contava com Egito, Argélia, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Iraque e Sudão, países que ficaram marcados pelos acontecimentos da Primavera Árabe. Este governos que ficaram famosos por derrubar a Internet para tentar conter a capacidade de comunicação de manifestantes de seus países carregam o estigma nos EUA e no ocidente liberal, de países que aplicam a censura sobre seus cidadãos e desrespeitam a liberdade de expressão que é defendida ferrenhamente no ocidente, e especialmente entre norte americanos. Acreditamos que alguns dos argumen-tos usados aqui fazem parte de uma espécie de “guerra de propaganda”, em que eram usados argumentum ad hominem. Eram usados os deméritos desses países que defendiam a presença do tema da Internet entre as ITRs, para vender a ideia de que eles estariam tentando tomar a Internet de assalto. Estes argumentos atingiram o Brasil quando ele declarou apoio ao posicionamento do bloco que propunha seguir com o debate naquele espaço. O posicionamento da ANATEL, tida no evento como a voz do governo brasileiro,

4 Estes argumentos seriam mais difíceis de defender dois anos depois, em 2014. Neste ano, graças às denuncias de Edward Snowden contra o governo norte americano sobre atividades de vigilância em massa, a imagem dos Estados Unidos na comunidade relacionada à Internet foi abalada. Ainda assim em 2012 este era um argumento forte que atraía uma série de apoiadores.

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contra os norte-americanos e europeus parece ter sido tomado automaticamente como um posicionamento pró-censura, ou um sinal de uma movimentação em direção a restrição de liberdades na Internet brasileira; trataremos desse assunto de forma mais detida nos próximos capítulos.

As críticas ao posicionamento brasileiro, as afirmações genéricas sobre a censura na China e em diversos outros países, e mesmo as afirmações de que os Estados Unidos se posicionavam como um bastião da liberdade de expressão no mundo foram os primeiros motivos para despertar minha curiosidade sobre o tema da governança internacional da Internet. Apesar da documentação oficial do evento não ter sido divulgada na época nos

foi possível acesso via publicações do site WCIT Leaks6, que apresentavam rascunhos

e posicionamentos oficiais de diversos países e coalizões. Os documentos publicados ali pelos pesquisadores Eli Dourado e Jerry Brito ajudavam a confirmar minha intuição de que haviam discordâncias entre os países que criticavam a ICANN.

Além disso a importância da Internet nos leva a pensar se, e como, as disputas em torno da regulação da rede podem influenciar as relações entre os países. Esta questão se torna de central relevância graças ao potencial para crise quando há uma polarização muito forte entre potências como Estados Unidos, Rússia e China. A tensão entre estes dois polos poderia, no limite, ferir a unidade da rede, um dos princípios mais prezados na Governança da Internet.

Por fim, nos parece um imperativo de nosso tempo a relevância das tecnologias da informação e comunicação.

0.2 Revisão de Literatura

Na revisão bibliográfica podemos dividir os tópicos abordados em algumas catego-rias. Nosso primeiro passo foi a entrada em uma bibliografia que abordasse questões mais amplas da Internet, permitindo com isso ter uma visão mais abrangente sobre o debate no que diz respeito ao impacto da rede especialmente no mundo ocidental. A primeira bibliografia a que tivemos acesso e que relacionava o uso da Internet às mudanças de comportamento em nossa sociedade foram os livros de Pierre Lévy. O autor publicou seus primeiros livros abordando a filosofia da tecnologia no final dos anos 80 e tem uma postura bastante otimista em relação ao desenvolvimento das novas tecnologias de comunicação; talvez um dos livros que mais realce este otimismo teve seu título traduzido no Brasil como “As tecnologias da inteligência:o futuro do pensamento na época da informática”, e tratava dos ganhos para uma especie de inteligência coletiva que se daria a partir da

inten-sificação da capacidade de comunicação das pessoas. Em seu livro Cibercultura (LEVY,

2010) são postas algumas leituras sobre como estaria se desenvolvendo uma sociedade

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0.2. Revisão de Literatura 19

radicalmente diferente a partir de um maior relacionamento com computadores. Em sua obra encontramos muito mais os pontos positivos que a tecnologia nos traz, sobre como o trabalho braçal e degradante poderá ser substituído, ou como a comunicação mais

rá-pida nos permitirá ter acesso a um maior leque cultural; em “O que é o Virtual” (LEVY,

1996) ele aponta como será possível desenvolver cada vez mais nossa criatividade e como

passaremos a ser mais tolerantes pois a Internet e a cultura do remix nos permitiriam acessar um volume maior de objetos imateriais e transformá-los, e indo desde musicas e fotografias, até mesmo o processo de criação de novas identidades criadas para fóruns e jogos online.

Lévy aponta muitos pontos interessantes e importantes para nos ajudar a pensar nossa realidade, mas nos parece que as disputas que ele aponta são entre o novo e o velho, não passando pelos momentos de tensão e disputas por novos espaços. Não é possível dizer que o autor seja leviano, ou otimista em demasia, mas ele nos passa a impressão de atuar como um ideólogo, sem apontar as crises que eram trazidas com essas alterações. Acre-ditamos ser necessário uma avaliação do impacto que as novas tecnologias da informação e comunicação que avalia os fenômenos sem ignorar as vicissitudes que podem implicar na vida das pessoas, ou minimamente levando em conta que toda vez que uma solução tecnológica é adotada ela traz consigo um posicionamento político, econômico e social que beneficia mais a uns do que a outros.

O aumento da velocidade na comunicação aumentou a velocidade das relações entre pessoas. É natural pensarmos em como mensageiros eletrônicos que vão de e-mails a aplicações como o Whatsapp, mas perfis em redes sociais atuam no sentido de encurtar o processo de conhecer o outro. Sabemos os que os outros gostam, suas preferências musicais e políticas. Com essa aceleração nas relações sociais passou a ser necessário se tomar decisões também de forma mais rápida, seja pra se relacionar afetivamente ou para fazer negócios. Essa crescente velocidade parece borrar fronteiras entre o eu e o outro, modifica o tempo que consideramos algo como novidade, familiar ou ultrapassado, e essa postura passa a nos influenciar fortemente, como apontam Stuart Hall e Paul du Gay (HALL; GAY, 1996).

Apesar destes autores terem trabalhos interessantes, e que nos ajudam a pensar o impacto das novas tecnologias sobre as formas das pessoas se posicionarem frente ao mundo, nos era necessário entender como estava se dando uma estruturação em nível macro, e para estas análises começamos usando os trabalhos de Manuel Castells. Seu li-vro sobre como a sociedade em rede é o caldo de cultura de novos processos produtivos (CASTELLS,2000) foi fundamental para entender que da mesma maneira que o processo comunicativo afetou o a forma como as pessoas passaram a desenvolver suas identidades e relacionamentos, o aumento dessa velocidade permitiu a criação do Toyotismo e de todo processo de personalização de serviços e produção por demanda. Este modelo é

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respon-sável pela maior parte dos produtos feitos para a Internet, baseados na personalização de experiências de navegação. Castells explorou ainda a aceleração do processo

comu-nicativo em outros livros como “A Galaxia da Internet” (CASTELLS, 2003) e “Mobile

Communication and Society: A Global Perspective” (CASTELLS et al.,2009), entretanto

a perspectiva do autor na maior parte de seu trabalho é a de que a chegada das novas tecnologias vem mudando o comportamento das pessoas, dando ao desenvolvimento tec-nológico, e à organização da comunicação em rede um papel de agência ao passo que as indivíduos são relegados à posição de mediadores entre estas novas tecnologias e a cultura na qual estão imersos.

Apesar da importância das análises do impacto das novas tecnologias sobre pessoas, culturas, ou negócios, acreditamos que é necessário dar atenção para uma perspectiva que permita encarar o tema da Internet tirando a agência da tecnologia. Observar como as escolhas feitas por pessoas, empresas e instituições ajudam a moldar essas tecnologias que possibilitam o desenvolvimento. A ideia é buscar uma bibliografia que nos ajudasse a observar antes questões políticas, ou que questionassem a capacidade inventiva dos engenheiros e programadores que influenciam e moldam os aparatos técnicos.

Pekka Himanen em “The Hacker Ethic” (HIMANEN, 2009) trabalha com novos

modelos de criação e gestão de empreendimentos que giram em torno de bens imateriais relacionados à informática. Jovens com recursos limitados passam a criar novos produ-tos. O expediente de trabalho em projetos pessoais passam a substituir o tempo para o descanso. Ao falar de uma ética hacker Himanen traça um paralelo direto com ética protestante de Weber mostrando como a nova relação com a tecnologia passa a moldar a forma como as pessoas passam a gerenciar seu tempo, seu dinheiro, sua ética de trabalho.

Concordamos com a ideia do autor de que os hackers7 são comparáveis aos protestantes

de antigamente, pois muito além de difundirem sua fé – ou sua paixão por tecnologia – eles disseminaram uma nova forma de pensar o trabalho.

Se em Webber vemos como os protestantes ajudaram a disseminar a racionali-dade e o comprometimento com o trabalho, Himanen mostra como os hackers ajudaram a desenvolver o que podemos chamar de uma cultura das startups. Nesse modelo contem-porâneo é valorizado o posicionamento empreendedor, e valoriza-se a busca por soluções técnicas para o aumento da produtividade em todos âmbitos da vida. Busca-se o controle da vida pela otimização de como nos comunicamos uns com os outros e nos relaciona-mos, comprarelaciona-mos, nos locomovemos pela cidade etc. Esse desenvolvimento técnico está um pouco mais descolado do modelo industrial fordista e mais próximo de uma tenta-tiva de resoluções de necessidades sob demanda. Com isso o valor de comunidade volta

7 A ideia de hacker aqui não é a do estereótipo que pensa hackers como alguém que invade computadores de pessoas ou corporações buscando roubar dados ou promover alguma espécie de ataque. Hackers neste nosso contexto são pessoas conhecimento técnico sobre tecnologia e programação. Em alguma medida podemos considerá-los como artesões do mundo digital.

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0.2. Revisão de Literatura 21

a ser importante, e se passa a responder a demandas mais pontuais. Parte destes pontos já haviam sido apontados por Castells, mas acreditamos que a sistematização feita por Himanen ilustra melhor o atual desenvolvimento das coisas.

Embora essas análises nos dêem uma boa perspectiva sobre o desenvolvimento

da ética dos hackers, é em um livro de caráter mais filosófico (LEVY, 1984) que vemos

quem foram de fato as pessoas que vestiram o título de hacker pelo primeira vez, ainda no contexto dos laboratórios de inteligência artificial, ou trabalhando com hardware em tempos em que os recursos para a computação eram tão escassos. Com o aumento das facilidades e a chegada da Internet muito se fala sobre um processo de gentrificação da figura do hacker, e do desaparecimento dos “hackers verdadeiros” – aqueles desbravadores anti-sociais obcecadas por aquilo que estudavam, e com verdadeira paixão pela abertura do conhecimento.

O tema também foi abordado por diversos outros autores8, mas destacamos aqui

o livro “The Pirate’s Dilemma” (MASON,2008), uma vez que ele aborda especificamente

a ideia de como bens imateriais como músicas, filmes e programas de computador podem ser compartilhados a um custo muito pequeno, e que tudo isso que agora pode ser com-partilhado também pode modificado e remixado sem a permissão do idealizador inicial do projeto. Esta diminuição do custo marginal é fundamental pois contribui no desen-volvimento de um ideal segundo o qual é possível ter acesso a qualquer coisa na rede e não é mais necessário pagar para consumir. Pedaços de códigos de programas, filmes ou músicas de todo tipo de artistas são distribuídos livremente na rede a despeito da ilegali-dade dessa atitude. Essa ampliação do acesso gera uma gigantesca disputa pelos direitos autorais, mas para nós esse ponto é secundário aqui, o que nos é relevante no momento é ver como as pessoas acostumadas a terem esse acesso gratuito, e praticamente instantâneo a bens imateriais passam a tomar este acesso como um direito, e a defendê-lo.

O Partido Pirata nasce em 2006 na Suécia deste movimento de defesa, e se firmou como uma das mais importantes articulações políticas no sentido dos cidadãos influenci-arem governos em relação ao debate sobre como deve ser regulada a Internet. O partido têm mostrado um significativo crescimento, especialmente nos países do norte europeu.

Segundo uma pesquisa de março de 2015 da empresa MMR9 o Partido Pirata é o maior

partido da Islândia com apoio de 23,9% da população10. Entretanto não é apenas no norte

europeu que o partido está presente, existem menções ao partido pirata em 64 países, e dentre estes o Partido Pirata está ativo e mantendo relações com o Partido Pirata Inter-nacional em 37 países. O partido, segundo seu estatuto, está firmado sobre 18 pontos de

8 Podemos citar aqui Linus Trovalds (TORVALDS; DIAMOND,2002), McKenzie Wark (WARK,2004) e Katie Halfner (LYON; HAFNER, 1999).

9 ℎ𝑡𝑡𝑝: //𝑏𝑖𝑡.𝑙𝑦/1𝐵7𝑐𝑔𝑥𝐽 Visualizado pela últimas vez em outubro de 2016.

10 Estima-se que a Islândia tinha uma população de aproximadamente 332 mil habitantes, implicando em um apoio de cerca de 79 mil pessoas para as eleições parlamentares.

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defesa que têm como tônica o livre acesso à informação e a defesa dos direitos humanos11. No Brasil a politização do debate sobre a informática e a Internet passou pelo

de-bate dentro do Movimento Software Livre (SOLAGNA, 2015). O desenvolvimento deste

debate se deu antes da chegada do Partido Pirata e do desenvolvimento de uma organiza-ção formal que congregasse politicamente essas posições. Os participantes do movimento acreditam na importância do software livre para a democratização dos benefícios trazi-dos pela informática, e a movimentação deste grupo fez com que eles se aproximassem progressivamente da política no Brasil na tentativa de “hackear o sistema” por dentro.

Os textos que nos ajudam a sistematizar a descrição, tanto do nível técnico quanto da influência de pessoas e instituições sobre como a a Internet vem sendo desenvolvida. Entender qual o impacto de empresas, dos governos, e da população como um todo sobre o formato que a Internet tomou hoje, e quem são os responsáveis pelo que ela virá a se tornar. Tomamos neste trabalho como ponto de partida a definição de trabalho do

Working Group on Internet Governance (2005), de que:

“Internet governance is the development and application by Governments, the private sector and civil society, in their respective roles, of shared principles, norms, rules, decision-making procedures, and programmes that shape the evolution and use of the Internet. ”

Ao buscarmos uma bibliografia específica sobre Governança da Internet nossa pri-meira intenção era angariar material descritivo sobre os processos de governança. Entre-tanto esse material também trouxesse alguma análise das implicações sociais, políticas ou econômicas das escohas tomadas na condução do desenvolvimento da rede mundial de computadores.

Os principais documentos sobre a Governança da Internet em seu âmbito mais técnico são os Request for Comments (RFCs). Estes documentos organizados pela IETF

apresentam pontos relevantes para entendermos o desenvolvimento técnico da rede12, e

em alguma medida mostram um pouco de como a comunidade ativa na manutenção da Internet se comporta. Parte de nossa bibliografia vem então como facilitadora do acesso a

11 Art. 3o São cláusulas pétreas do Partido Pirata: I – a defesa dos direitos humanos e das liberdades civis; II – a defesa do direito à privacidade; III – a defesa ao acesso livre à informação; IV – a defesa do acesso e compartilhamento livres de cultura e conhecimento; V – a transparência pública; VI – a democracia plena; VII – o Estado Laico; VIII – a liberdade de expressão; IX – a colaboratividade; X – a igualdade de gênero, em todas as suas expressões; XI – o combate a todas as formas de discriminação; XII – o combate a todas as formas de autoritarismo; XIII – a defesa do direito inalienável de resistir à opressão; XIV – o internacionalismo; XV – a defesa do ativismo hacker; XVI – o gozo pleno dos direitos inerentes à cidadania, inclusive políticos, ativos e passivos, independente da nacionalidade; XVII – a plena autodeterminação individual; XVIII – a neutralidade da rede. Essas informações fora retiradas no site do partido: http://partidopirata.org/. Visualizado em outubro de 2016.

12 Como a RFC 5000 que descreve os padrões oficiais para protocolos da Internet, ou a RFC 1700 que trata sobre a IANA.

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0.2. Revisão de Literatura 23

essa informação técnica, assumindo a posição de que escolhas técnicas podem ter grandes repercussões sociais.

O primeiro texto específico sobre a recente área da governança a marcar com força nossa bibliografia foi “The Global War for Internet Governance” de Laura DeNardis (DENARDIS, 2014). Neste livro a autora traça o que consideramos ser um dos mais abrangentes trabalhos sobre o campo descrevendo os pontos tecnológicos que estão sendo disputados, quais as instituições que estão atuando nos jogos de poder em torno da rede, e alguns dos muitos impactos das disputas pela governança. DeNardis é professora na Escola de Comunicação na American University em Washington; é formada em engenharia e atua como consultora sobre o desenvolvimento da Internet tanto para o setor público quanto para o privado.

Ela demonstra em seu livro como os recursos da Internet – sejam recursos físicos como servidores e cabos, ou sejam lógicos como os sistemas de IP e DNS – vem sendo controlados por governos, entidades supra-nacionais ou empresas. Ela leva o ponto de atenção não apenas pra como se tece essa rede da infraestrutura, mas também discute

sobre como padrões vão sendo construídos com base em dependências tecnológicas13.

Essa disputa tem três setores industriais em seu cerne: bélico, entretenimento e tecnologias da informação. Esse último, mais recente, tem em seu cerne a gestão de informação, sendo especializadona obtenção de dados sobre pessoas e instituições por meio de emails, redes sociais, dados de navegação, mapeamento de fluxos de informações. O uso de bancos de dados com esses registros convencionou-se chamar de Big Data, e é graças a isso que se viabilizou a customização de serviços, e essa customização responsável por uma significativa mudança nos campos da propaganda e marketing, fazendo com que a venda de produtos e ideias seja mais eficiente. São esses métodos responsáveis pela criação dos jardins murados do Facebook, as buscas customizadas no Google, as recomendações de vendas de lojas online como a Amazon, e as recomendações de bens culturais em serviços como da revendedora de jogos Steam e do Netflix. Esse controle sobre o acesso à informação viabiliza o novo modelo de consumo por demanda para

a indústria de entretenimento, uma das mais lucrativas do ocidente14. O consumo de

filmes, jogos e músicas, ou seja, o consumo de cultura é um dos principais motores do processo de globalização e de ideologias norte-americanas – país com a maior indústria de entretenimento – em alguma medida revisitando a teoria de McLuhan sobre a Aldeia

Global (MCLUHAN, 1972).

Outra forma menos sutil se controlar o acesso a esses bens culturais vem por meio

13 Um dos exemplos que ela usa e ao qual nós vamos recorrer mais de uma vez neste trabalho é sobre como a Internet foi desenvolvida sobre a estrutura da versão 4 do IP, e como a migração para o IPv6"vem sendo problemática justamente por uma quebra de padrões e dependências.

14 Um dos destaque dos últimos anos é a Netflix, que fechou o ano de 2016 com valor erstimado em $41 bilhões.

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de controle do trafego de informação nas redes, discriminando pacotes de dados por sua origem, destino ou conteúdo – quebrando assim a neutralidade da rede. Essa prática pode ter como objetivo por exemplo o favorecimento de uma empresa, o controle de um tipo

de discurso ou bloquear fluxos tidos como danosos como SPAM15

Por fim essa questão do controle está ligada a como a segurança é pensada no ambiente digital. A cibersegurança diz respeito ao controle do acesso a informação e ao controle de equipamentos que possam ser controlados de forma remota, ou seja segurança está relacionada à ideia de soberania. Controlar o acesso a dados é fundamental para empresas que podem se proteger de espionagem industrial, seja para não permitir que seus projetos que exigem segredo comercial sejam roubados, ou que a lista de emails de clientes não seja usada para fins perversos como espalhar vírus ou roubar dados de usuários. Para governos a mesma lógica se aplica, com a proteção de informações de conversas confidenciais entre pessoas de alto escalão e dados de cidadãos que usam serviços de governo eletrônico. Por fim as pessoas que usam a Internet estão correndo o risco de terem suas identidades digitais roubadas, especialmente perfis de redes sociais e emails, podendo gerar transtornos na vida pessoal, ter seus computadores contaminados para que sejam usados em ataques a outros computadores ou ainda serem enganados em golpes de

pishing em seus dados bancários são roubados.

Todo este cenário de fragilidade gera a demanda por produtos e serviços de se-gurança. Empresas especializadas tanto no setor da defesa e também de ataque surgem atraladas a produtos que vão de anti-vírus até máquinas que permitem maquiar redes de Wi-Fi para o roubo de informações dos aparelhos ligados à essa rede.

Essas empresas fazem parte do processo sociotécnico que implicou no desenvolvi-mento e manutenção da Internet. Nas maiores empresas desses três setores – bélico, de entretenimento e de tecnologias da informação – existem equipes pensando em como se pode tirar vantagem da estrutura que existe hoje. Como a Internet pode ser mudada para atender melhor às demandas da empresa. E as demandas desses polos do setor privado influenciam diretamente os diálogos dentro de instituições e fóruns de Governança da Rede como a IETF, a ITU e a ISOC.

DeNardis tem outros textos introdutórios ao campo como “The Emerging Field

of Internet Governance” (DENARDIS,2010) e “Multi-Stakeholderism: The Internet

Go-vernance Challenge to Democracy” (DENARDIS, 2013) nos quais fala sobre o aspecto

político da rede. Ela aponta a mudança dada pelos analistas em relação à agencia da tecnologia, e da Internet sobre os homens. Trata-se agora de como pessoas influenciam pessoas por meio de alterações em um aparato técnico, a Internet. Aponta também como apesar dessas mudanças terem sim uma explicação técnica plausível, elas trazem em si

15 Não se pode perder de vista que o poder de decidir o que se considera SPAM pode ser usado politicamente para conter algum tipo de discurso.

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0.2. Revisão de Literatura 25

motivações políticas, e tem efeitos sociais. Outro artigo que trata deste tema é “Gover-nance at the Internet’s Core: The Geopolitics of Interconnection and Internet exchange

points in Emerging Markets” (2012), onde as diferenças entre países economicamente

de-senvolvidos e países em desenvolvimento ficam evidentes pela presença de infraestrutura para a viabilização da Internet naquele território. Segundo a autora a presença da In-ternet em regiões pobres pode auxiliar no desenvolvimento da autonomia e da eficiência econômica local. Outro ponto que ainda tangencia esta questão é de que o desenvolvi-mento de infraestrutura de Internet em países subdesenvolvidos não é economicamente

atrativa, e segundo a própria autora (DENARDIS,2010b) o capital privado tem um papel

fundamental para a expansão da rede, especialmente na implantação de servidores e de cabeamento.

Outro autor que influenciou nosso trabalho e ajudou no entendimento do pano-rama sobre a governança, especialmente em relação ao impacto que a Internet tem sobre

as relações entre os Estados foi Milton Mueller (MUELLER, 2010). Ele é professor na

universidade de Siracusa na Escola de Estudos da Informação, e na Universidade Técnica de Delft, na Holanda. Um de seus temas problematiza o cenário em que a maior parte da transmissão de valores financeiros e de informações é feita por meio da rede: transações bancárias online, negócios fechados por e-mail ou em video-conferências, informações cir-culam sigilosas, usuários de redes sociais postam suas informações. A capacidade técnica e a regulação precária permitem que hoje um país ou empresa possam captar informações que antes seriam impossíveis sobre as pessoas, e isso altera significativamente as relações sociais. Por exemplo, a capacidade que hoje uma empresa como o Facebook tem de an-gariar informações como a idade, estado conjugal, circulo de relacionamentos e interesses é muito maior do que a de um instituto de pesquisa, ou mesmo que os braços de inteli-gência de um governo; mas ainda há dificuldades de regulamentar os usos destes dados,

e de garantir que esta regulamentação esteja sendo seguida16. Outro ponto chave de que

Mueller trata é o impacto que a pirataria na Internet teve sobre o modelo de negócios das tradicionais industrias de entretenimento – especialmente Hollywood – e como isso está afetando a relação entre países. O relatório norte americano Special 301 é o principal balizador deste tema, uma vez que com base neste relatório o governo dos Estados Unidos avalia qual o nível da pirataria no território de seus parceiros comerciais, e faz ameaças de sanções comerciais. Até mesmo a questão de como vai passar a se gerenciar a espionagem entra em debate.

Mueller tem uma atuação marcante no blog “Internet Governance Project”17 em

que comenta sobre disputas institucionais sobre governança, e expõe, junto a outros co-lunistas, suas opiniões sobre o desenvolvimento do campo. Este espaço funciona também

16 Este ponto levanta questões sobre vigilância em massa, que pode ser aplicada por uma empresa sobre seus clientes, ou por um país sobre seus cidadãos, ou sobre os cidadãos de outros países

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como plataforma para a divulgação de artigos que exijam maior atenção e um debate mais aprofundado como a passagem do domínio sobre a IANA dos Estados Unidos para uma

organização internacional (MUELLER; KUERBIS, 2004) ou a preparação para grandes

eventos internacionais para debater governança (MUELLER; WAGNER,2014). Este tipo

de plataforma – o uso de blogs ou posicionamentos em listas de e-mails, ou publicações em sites institucionais, são cada vez mais usuais e marcam este espaço de debate que é multi-setorial e que exige ser acessível para interessados das mais diversas esferas de posicionamento. É um movimento que mostra como a bibliografia, nesta área está muitas

vezes fora dos espaços tradicionalmente usados pela academia18.

Ainda na linha do debate levantado por Mueller sobre a importância dos Estados no debate sobre a governança da rede usamos o livro “Who Controls the Internet? Illusions

of a Borderless World” (GOLDSMITH; WU, 2006). Este debate estressa a questão do

impacto da rede na relação entre diversos países. Um dos pontos mais sensíveis que este trabalho toca diz respeito ao modo como diferentes países tratam a liberdade de expressão e lidam com seus tabus. A rede aproxima os países e em alguma medida deixa as fronteiras mais fluidas, mas como os autores mostram em seu livro, as fronteiras ainda estão lá. A valorização da liberdade de expressão muito mais ampla dos Estados Unidos não se aplica na China, mas tão pouco na França, a diferença está no que é tomado como proibido – ao passo de que na China algumas manifestações políticas e sociais são barradas, na França é tabu comercializar artigos que façam referência ao nazismo. E mesmo os norte americanos barram conteúdo que cruza a barreira do que entendem por decência ou civilidade – como proibição de imagens de seios no Facebook, a divulgação de sites de torrent no Google – e daquilo que interfere diretamente com suas indústrias - especialmente a farmacêutica e a de entretenimento.

Dessa forma nos cabe reconhecer que, diferente do proposto pelos ideólogos que advogam pela total liberdade de expressão, como Barlow (1996) por exemplo, em toda rede há algum nível de limite para o discurso. Em uma primeira esfera há o Estado que regula o discurso por meio de suas leis e assegura por meio da força que o discurso indesejado seja tratado como crime. O caso da França, citado acima, é um bom exemplo, mas também podemos imaginar o monitoramento policial para proteger seu país da disseminação de vírus de computador por meio dos grupos de respostas a ameaças digitais, ou ainda o monitoramento de mensagens com ameaças de terrorismo.

Em outra esfera está o limite imposto pelas próprias redes. Aqui vemos a maior parte das barreiras técnicas, como a possibilidade de enviar ou não uma mensagem edi-tada em HTML em uma rede social. As determinações dos desenvolvedores das redes também podem criar regras contra determinados tipos de conteúdo ou usos, e essa

es-18 Os exemplos mais claros aqui são os blogs como o http://www.Internetgovernance.org/, en-ciclopédias digitais como a Wikipedia, e sites que publicam documentos confidenciais como o http://wcitleaks.org/.

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0.2. Revisão de Literatura 27

colha independe do país em que se encontra. Por exemplo, não é possível publicar fotos de mulheres nuas no Facebook, independente do país apesar de não haver impedimentos legais para isso em boa parte dos países em que a rede atua. Por outro lado pessoas usam redes sociais como o Twitter e o Tumblr para oferecer serviços sexuais apesar de isso ser ilegal em países como o Brasil e o EUA.

Por fim, em uma terceira esfera, há o controle feita pelos pares. Como as redes sociais implicam nessa interação social, grupos podem vetar conteúdos, reportanto para os administradores da rede aquele conteúdo como incomodo, ou mesmo repreendendo e fazendo pressão sobre o usuário que posta conteúdo que seja considerado indevido. Dessa forma é a maior parte do conteúdo que é criado para a Internet está sujeito à interdição por pelo menos essas 3 esferas.

Os textos nos ajudaram a compreender o ponto em que o debate está se desen-volvendo, e enfrentar as minúcias, tanto técnicas quanto políticas e sociais, implicadas na governança internacional da Internet. O esforço é para compreender a Governança da In-ternet como um objeto de pesquisa social, e quais são os diversos impactos deste processo de regulação sobre as mais diferentes áreas das relações entre pessoas, países e empresas. No debate sobre a passagem dos poderes da IANA dos Estados Unidos para uma organização como a ITU ficam evidentes atritos. Na WCIT–12 a formação de um bloco composto pela Rússia, China e países que recentemente reduziram a liberdade de expressão e imprensa em seus territórios, trouxe a tona o debate sobre a vigilância em massa e a censura na Internet. Esse debate é tradicionalmente feito em comparação com os Estados Unidos, e nesse caso não foi diferente. Esta diferença da gestão da comunicação e o tensão que se criou em torno dessa polarização foi descrita por Negroponte e Palmisano em publicação com objetivo de aconselhamento ao governo norte americano: “Defending an

Open, Global, Secure, and Resilient Internet” (2013).

O apoio do Brasil à China, Rússia e Egito foi tomado por alguns analistas como um sinal brasileiro de apoio à censura, como é feito na China. Uma análise abrangente de como se dá o processo de monitoramento e censura na rede chinesa foi desenvolvida por

uma equipe do MIT (KING; PAN; ROBERTS, 2013), e a partir deste trabalho nos foi

possível comparar o posicionamento do Brasil e da China frente às manifestações de seus cidadãos. Seguindo nesta linha, mas nos afastando ligeiramente de 2012, ainda usamos as denuncias de Snowden de que os Estados Unidos monitoravam lideres de estado e e civis de outros países. O especialista em cibersegurança trouxe a tona documentos que mostravam a presidente brasileira, a Primeira-Ministra alemã e outros políticos de alto escalão tinham sua comunicação monitorada, o mesmo acontecia com funcionários-chave de empresas de grande porte como a brasileira Petrobrás. Além disso demonstrou como toda comunicação feita por email e redes sociais de empresas como Google, Yahoo e Facebook que entrassem no EUA estava potencialmente sendo analisada por agências do

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governo norte-americano como a CIA e a NSA. Estes dados nos ajudaram a dar mais base para rechaçar a ideia de que a dicotomia montada em torno da ICANN (aqueles a favor de um fortalecimento da ICANN como países pró-liberdades civis, e os contra ICANN como países que apoiam a censura).

Outro ponto que merece nossa atenção foi um livro que trata sobre o

desenvol-vimento da Internet no Brasil e em países dos BRICS (WILSON, 2004). Com essa

bi-bliografia pudemos lançar a hipótese de que não foi apenas para se proteger do poder norte-americano que os países em desenvolvimento pediram pela passagem dos poderes da IANA, mas também para que isso ajudasse no desenvolvimento de empresas locais que competiriam com menor desvantagem competitiva; nosso principal exemplo disso está na China onde estão surgindo novos gigantes da Internet, graças ao protecionismo em relação

a gigantes como o Google e o Facebook (SO; WESTLAND,2010), e na tentativa de abrir

espaço para novos atores econômicos nacionais e alinhados com os “valores da nação”. Entretanto, este tema é muito rico, e tentaremos desenvolvê-lo melhor a frente.

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1 Materiais e métodos

Para o desenvolvimento desta pesquisa foi necessário abordar os temas de que tratamos tanto pelo viés das ciências humanas quanto do escopo técnico da Governança da Internet. Como trabalhamos com um tema que tange tanto as ciências exatas relacionadas às tecnologias da comunicação e da informação como as ciências humanas, e que vem se solidificando como um espaço de debates e disputas, havia a necessidade de se entender como se dão as relações neste campo tão particular, e para tanto, além da leitura de bibliografia que trata do tema, fizemos um esforço de pesquisa participando de eventos em que o debate sobre a Governança da Internet estivesse posto. Nestes momentos de imersão usamos da observação participante. Durante esta pesquisa foi feita a usamos de observação participante em eventos com especialistas: a NETMundial (2014), foi o evento promovido por uma parceria entre o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR e (NIC.br) e pela Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN) em resposta às denuncias de Edward Snowden e que teve em sua organização baseada

em um “modelo multissetorial em pé de igualdade”1; o Fórum da Internet do Brasil

(2014), cujo principal destaque foi a aprovação do Marco Civil da Internet; a Escola de Governança da Internet (2015) que foi um curso de curta duração promovido pelo NIC.br com o objetivo aumentar a especialização de brasileiros sobre o tema da Governança da Internet e trabalhar na formação de lideranças e “evangelistas” das posições adotadas pelo Comitê Gestor da Internet; e a South School on Internet Governance (2016) organizada em uma parceria entre membros da Internet Society (ISOC) e da Organização dos Estados Americanos (OEA).

A participação no NETMundial permitiu a que presenciar um evento suis generis por seu tamanho, capacidade de atrair representantes de alto escalão das mais diversas áreas como a própria presidente do Brasil, Dilma Rousseff, representantes ministeriais de 12 países – África do Sul, Alemanha, Argentina, Brasil, Coreia do Sul, Estados Unidos da América, França, Gana, Índia, Indonésia, Tunísia e Turquia – além de alguns dos maiores especialistas do mundo em Internet, como Vint Cerf, um dos criadores do protocolo IP e Tim Berners-Lee, inventor da World Wide Web, estavam presentes debatendo perspectivas para o futuro da rede. Outro ponto de destaque do evento estava em sua organização cujo arranjo, desde a composição das mesas de palestrantes que tentavam equilibrar questões regionais, de gênero e de representatividade entre os setores do governo, de empresas, sociedade civil e especialistas, até a organização da plateia, com quatro microfones um para cada um dos quatro setores citados, e a mesma oportunidade de fala em cada um

1 Este modelo de equal footing multstakeholderism foi o termo adotado pela organização da organização para apontar que os quatro setores diferenciados pela organização do evento teriam o mesmo tempo de fala durante o evento.

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destes microfones. Entretanto, é importante que se leve em conta que essa tentativa de por em pé de igualdade governos, empresas, terceiro setor e especialistas se concentrou no tempo de fala que cada um desses grupos teve, mas essa igualdade não se concretizou da mesma forma graças aos diferentes níveis de preparação e capacidade de se manifestar durante as reuniões para escrever o documento final do evento. É importante apontar como em eventos como este em que o desenvolvimento de um documento final se dá por meio da deliberação entre as partes se evidencia que os grupos e países com mais investimento em pessoal, com mais treinamento técnico, melhor desenvoltura na língua inglesa e capacidade oratória tem vantagem na apresentação das ideias que defendem. E isso se torna especialmente relevante no âmbito da Internet, onde mesmo no Brasil é comum que a maior parte das intervenções sejam feitas em inglês. A atenção para este ponto surgiu neste primeiro evento, mas se estendeu para as demais análises, pois este comportamento é recorrente em todo o debate sobre a Governança da Internet.

Por sua vez o processo de formação oferecido pelas escolas de governança das quais tivemos a oportunidade de participar – uma em São Paulo e a outra em Washington – nos permitiram ver como os processos educativos promovidos por organizações diversas em países distintos são claramente influenciados pelos atores locais. As duas escolas têm modelos organizacionais significativamente diferentes, com abordagens diversas e aparen-temente um público também diverso, entretanto as duas se propõe como escolas para tratar de Governança da Internet. Além disso ambas de forma mais ou menos explicita buscaram um modelo de representatividade de interesses muito similar, o modelo multis-takeholder, refletindo o poder e a capacidade diferenciada dos atores envolvidas disputas que acontecem nesses eventos.

A principal diferença entre as escolas são o número de alunos: cerca de 35 em São Paulo e 180 em Washington. Essa diferença implica diretamente na capacidade de inte-ração entre os alunos e os professores, bem como na relação entre os próprios estudantes. Ambas as escolas se organizavam em torno de conferências, palestras e workshops que culminavam em uma seção de perguntas, e a disputa por espaço para fazer questões fica mais acirrada quanto maior o número de participantes. Também aumenta a percepção a disparidade entre nível de conhecimentos sobre as áreas abordadas nos cursos, bem como a capacidade de aprofundamento nas questões apresentadas.

A diferença entre o corpo docente também revela algo sobre as escolas. Estar em Washington abre um leque de possíveis professores que não seriam possíveis na maior parte das outras cidades do globo. Ali, Vint Cerf pode fazer uma pausa de duas horas no seu caminho até o escritório para dar uma palestra. Representantes de grandes empresas, do FBI e do governo americano estão próximos e disponíveis para ensinar àqueles que foram até a sua cidade para aprender com eles.

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ti-31

nham grande domínio tanto do campo sobre o qual falavam, quanto da oratória essencial para a defesa de suas empresas e pontos de vista. É inegável a qualidade da maior parte das apresentações, mas foi difícil afastar a sensação de que na maior parte do tempo o que estávamos vendo – especialmente nas falas de representantes do setor privado – eram falas comerciais. A questão que ficava então no ar era: “Uma escola, mesmo que seja uma escola para especialistas, deve ser tratado como um espaço comercial?”, e se ele for tra-tado como um espaço comercial e para propaganda de marcas, tecnologias e ferramentas, o que leva a escolha das marcas, tecnologias e ferramentas que foram ali apresentadas? A presença de grandes empresas já bem estabelecidas como Google, Facebook, Amazon e Cisco nos ajudam a entender melhor qual o posicionamento delas. Isso em alguma medida não incentiva o desenvolvimento de alternativas locais; é um tipo de organização que leva os especialistas que estão ali sendo educados a olhar para soluções oferecidas por grandes marcas. Essas questões me parecem particularmente relevantes no contexto de uma Escola cujo público primário são as pessoas que participam do campo da Governança da Internet em seus respectivos países, sejam elas do campo técnico ou dos direitos humanos, e que vão desenvolver o campo em países em desenvolvimento. Essa postura pode levar a um processo de agravamento da dependência tecnológica.

A Escola que aconteceu em Washington tentou dar conta de três pilares da Gover-nança da Internet, sem, entretanto, responder plenamente as questões de nenhum deles. Parte da comunidade técnica presente teve tempo para explicar como a Internet funciona tanto em sua estrutura física quanto lógica; também se concentrou muito do debate técnico nos diferentes níveis de infraestrutura nos países representados no encontro. Reservou-se tempo também para o debate sobre as diferenças sociais na região e como isso impac-tou tanto o acesso quando a capacitação nesses países. Por fim as maiores empresas do mercado de Internet – Google, Facebook, Amazon, Microsoft, Cisco, AT&T etc – tiveram espaço reservado para falas que tiveram como objetivo mostrar projetos e serviços com um caráter que se aproxima muito mais de apresentações comerciais do que propriamente de falas dentro de um processo formativo independente.

A estratégia dos organizadores da EGI foi a de trazer especialistas do NIC.br que estão mais próximos das questões sobre as quais deveriam ministrar. Alguns belos exemplos dessa organização foram as falas e atividades propostas pelos representantes do CERT.br que tiveram duas horas para abordar riscos de segurança e estratégias de defesa para empresas e usuários, e depois ainda ministraram atividades mais pontuais como um curso básico sobre PGP. Outro destaque ficou com a fala do Ceweb.br e do W3C Brasil sobre as relações entre a Internet, a web e o desenvolvimento dos ambientes mobile que tem como foco o uso de aplicativos.

É sempre interessante ver como duas propostas tão parecidas podem assumir de-senvolvimentos práticos tão diversos. Ambas escolas têm como princípio o

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desenvolvi-mento de um espaço de organização baseada no multstakeholderism. Com a proposta de ter representantes dos mais diversos setores envolvidos e relacionados à Internet atuando no processo educativo dos alunos das escolas o que diferenciou os dois espaços foram os diferentes pesos que alguns grupos tiveram em detrimento de outros.

Tanto em São Paulo quanto em Washington a comunidade técnica representada por entidades como ICANN, LACNIC, ARIN, CERTs e coordenadores de ccTLDs foi bem representada. Isso tem uma grande importância, uma vez que é um grupo que tem cen-tralidade em todo debate. É necessário sempre recorrer a esses grupos para entendermos quais os limites das plataformas sobre as quais falamos. É muito difícil falarmos sobre o direito ao esquecimento, ou sobre a neutralidade da rede sem um parecer da comu-nidade técnica, ou ao menos um sólido conhecimento dos pré-requisitos técnicos para a viabilização de políticas envolvendo essas ideias.

Um ponto levantado nas duas escolas foi a relevância na recente história da Gover-nança da Internet dos anos de 2012 e 2013, especialmente graças à Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais e das denuncias de Snowden. Na Escola paulista tive-mos a oportunidade de conversar com Jeferson Nacif, Chefe da Assessoria Internacional da ANATEL, que foi um dos representantes brasileiros durante a Conferência e Hartmut Glaser do NIC.br que também esteve presente representando o Comitê Gestor da Internet brasileira.

Em sua fala Nacif se mostrou bastante desapontado com o desenrolar da Confe-rência uma vez que toda preparação e todo o esforço para o desenvolvimento de mudanças na área de tributação de telecomunicações e modernização das políticas foi em vão, já que o tema da Internet acabou por invalidar todo o debate do evento. Por sua vez Glaser, que não faz parte do governo, também manifestou frustração, mas não tanto pela impos-sibilidade de uma atualização das políticas e sim pela imposimpos-sibilidade de participar dos debates da Conferência que foi a portas fechadas. Glaser se mostra nesse sentido comple-tamente alinhado com os ideais de transparência dos que debatem Internet no ocidente, e que em 2012 afirmaram que a Conferência foi no sentido contrário dos debates sobre a Governança da Internet, que se baseia em modelos multissetoriais.

Durante a South School on Internet Governance o tema da Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais foi trazido a tona pelo professor da Universidade de Zúrique, William Drake, mas por sua vez em uma abordagem completamente distinta da adotada pelos brasileiros, indicando como o os atritos em torno da Governança da Internet poderiam levar a uma cisão da Internet. Graças ao antagonismo entre os Estados Unidos e a coalizão formada por Chineses e Russos na Conferência vieram a tona comentários sobre uma possível Guerra Fria em torno do controle da Internet. Em um recente artigo

Drake e Vint Cerf (2016) argumentam sobre como a Internet vem se fragmentando. Um

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destaque para a China, estão criando bolsões na Internet.

Como a Governança da Internet é um campo complexo pois trata de questões tecnicamente muito complexas, questões centrais para os direitos humanos e com grandes empresas que trabalham com muito dinheiro e com questões muito delicadas de sigilo. Cada um desses temas é tratado em fóruns específicos, mas de tempos em tempos é necessário congregar todas essas questões para desenvolver uma visão da Internet como um todo. Dessa forma assuntos já difíceis de serem tratados ficam mais complexos quando postos lado a lado, e assim ficam mais evidentes os atritos que surgem na tentativa de garantir a perpetuação e resiliência da Internet – ou seja, para que a rede siga existindo e funcionando da maneira como estamos acostumados, ou melhor. Para tanto foi necessário aprender sobre o funcionamento técnico da Internet e mapear o sistema de instituições responsáveis pelos diversos aspectos da rede mundial de computadores.

No jargão de programadores e pessoas relacionadas com tecnologia é costumeiro chamar de documentação uma espécie de manual detalhado daquilo com que se está tra-balhando. Essa documentação pode conter desde um glossário explicando a função de cada parte de um programa, a ideologia por trás do desenvolvimento do programa, até o histórico desse desenvolvimento. A Internet como um todo tem sua própria

documen-tação, e cada protocolo, e cada tecnologia desenvolvida está presente neste apanhado de

documentos que contam a história da Internet, os protocolos conforme foram criados, suas atualizações e até mesmo parte das relações dos homens responsáveis pelo desenvolvimento tecnológico da rede. Este apanhado de documentos é mantido pela Internet Engineering

Task Force e é conhecido por Request for Comments Ainda para acompanhar as questões

técnicas envolvidas com a dissertação foram usados diversos Requests for Comments, ou

RFCs. Um dos principais RFCs para este trabalho foi a RFC 11802, que é um tutorial para

o conjunto de protocolos centrais para o funcionamento da Internet; Outros documentos

importantes para a base deste trabalho foram as RFCs 11223 e 11234 que dão as bases

para a camada física da Internet, e a RFC 67565 que fala sobre o relacionamento entre a

IETF e a ITU. Os protocolos discriminados nas RFCs se organizam em camadas.

Figura 1: Camadas da Internet e seus Protocolos

A camada mais alta da Internet, a camada de Aplicação é a mais próxima dos

2 https://tools.ietf.org/html/rfc1180 Acessado pela última vez em novembro de 2016. 3 http://tools.ietf.org/html/rfc1122 Acessado pela última vez em novembro de 2016. 4 http://tools.ietf.org/html/rfc1123 Acessado pela última vez em novembro de 2016. 5 http://tools.ietf.org/html/rfc6756 Acessado pela última vez em novembro de 2016.

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usuários da Internet, correspondendo de forma mais direta àquilo com que se interage e que faz com que sejam possíveis sites, e-mail e comunicação instantânea. Conforme descemos nos aproximamos cada vez mais de linguagem de máquina, codificação binária etc. Diferentes organizações são responsáveis por diferentes protocolos, e atuam em dife-rentes camadas. A ITU via de regra está relacionada com as camadas 1 e 2, ou seja, a camada Física de que cabos, satélites e comprimentos de onda fazem parte, e do Data Link, responsável por protocolos de rede e Wi-Fi. Para chegarmos à clareza sobre qual instituição é responsável por que parte da Internet foi necessário conhecer o que é conhe-cido no campo da Governança como o Ecossistema da Internet. Esse grupo de instituições interdependentes se organiza aproximadamente da seguinte forma:

Figura 2: Entidades do Ecossistema da Internet - Dados do site NETMundial

Outro ponto de destaque dentro dos materiais usados foi a bibliografia que tem como base tanto uma abordagem tradicional usando livros e artigos das várias áreas

re-lacionadas com nosso tema6, quanto artigos de jornais de 2012 e 2013 que tratavam da

Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais e seus desdobramentos como o

6 Dentre as diversas áreas temos artigos e livros de Sociologia, das Ciências Políticas, Comunicação e Relações internacionais, mas também abordamos artigos da Ciência da Computação.

Referências

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