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Nossa análise da WCIT-12 toma como material de análise os documentos dis- poníveis sobre o evento como as Propostas de Trabalho que podem ser encontradas nos

Apêndices de 5.1 a 5.5. O texto produzido como resultado da conferência, o “Final Acts”17

gerou a cisão no evento, logo é um dos principais documentos analisados.

Começo com uma abordagem mais simples buscamos as citações à Internet no documento e encontramos o uso do termo apenas na Resolution Plen/3 do Final Acts

(2012), onde o documento recorre às resoluções das WSIS de 2003 (Genebra) e de 2005

(Túnis), e com isso expressa a importância da presença e participação de toda espécie de

stakeholder. Os documentos da WSIS são citados em geral no item (a) da resolução, e

especificamente o Artigo 35 da Agenda de Túnis é recuperado no item (d). A importância disso está na afirmação no documento que reitera o apoio à ideia de que a Internet

deve seguir se desenvolvendo dentro em um ambiente multissetorial18. Ainda é possível

reconhecer o que seriam as esferas de atuação do Estado segundo os itens (c) e (e), que falam respectivamente da ampliação da banda larga e o desenvolvimento de políticas públicas.

Estes pontos, por si só, já nos levam a reavaliar as críticas feitas à estrutura do evento por não levar em conta o modelo multistakeholder de governança. É verdade que o fato do evento ter sido feito sob portas fechadas, sendo permitidos assistir apenas representantes oficiais dos países, e isso pode ser tomado como uma quebra do modelo multissetorial. Entretanto, a definição de multistakeholder adotada, em que cada um dos stakeholders deve atuar segundo a sua função abre a possibilidade de interpretação segundo a qual este seria apenas um evento de um dos diversos setores envolvidos em um ecossistema maior e mais complexo.

E enquanto falamos deste ecossistema mais amplo é importante aqui resgatar as comparações feitas durante o evento entre a ITU e a ICANN. Essas comparações partiam da ideia de que a ITU estaria tentando passar a regular os recursos críticos da Internet

assumindo o papel da ICANN19. No Final Acts não há nenhum ponto que sustente essa

17 Atos Finais

18 Ainda que cada um destes setores deva se manter em seu respectivo campo de atuação.

19 Uma crítica apresentada pelo Internet Governance Project sobre a atuação da ICANN pode ser encontrada em ℎ𝑡𝑡𝑝 : //𝑏𝑖𝑡.𝑙𝑦/29𝑢𝑄𝑢6𝑘 Acessado em novembro de 2016.

5.3. Análise dos Documentos da Conferência 85

ideia. Um dos pontos que encontramos como destaque desse argumento pode ser encon- trado na Resolution Plen/3, em que o documento associa a atuação da ITU à camada física da rede, sem associar à camada lógica, com a qual a ICANN está mais fortemente associada pela regulação de IP e DNS.

f) Resolutions 101, 102 and 133 (Rev. Guadalajara, 2010) of the Plenipoten- tiary Conference, resolves to invite Member States

1) to elaborate on their respective positions on international Internet-related technical, development and public-policy issues within the mandate of ITU at various ITU forums including, inter alia, the World Telecommunication/ICT Policy Forum, the Broadband Commission for Digital Development and ITU study groups;

2) to engage with all their stakeholders in this regard,20

No segundo item do inciso F, como visto acima, o documento chama para o de- bate os stakeholders relacionados tanto com as questões técnicas da rede quanto com o desenvolvimento de políticas públicas, ou seja, explicitamente chamando para novos de- bates multissetoriais. Entretanto, esse é o único ponto em que explicitamente se trata da

Internet. Esses dois pontos nos fazem resgatar DeNardis (2013) para afirmar que a ITU

atua sim no modelo multissetorial, mesmo não tendo atuado assim na WCIT-12.

Independente do resultado do Final Acts o processo que levou à produção desse documento fez com que diversos países se recusassem a assinar o documento. Como já apresentado acima o EUA foi o principal crítico da WCIT-12, e foi sua comitiva a principal articuladora para afastar outros países de assinarem o Final Acts. Para entender o que levou os países a negarem a conferência é preciso olhar para o processo que leva à produção desse documento, e para tanto devemos ver algumas das contribuições separadamente, antes delas serem diluídas em um documento final que tenta acomodar os diversos pontos do debate.

A questão central da disputa está na escolha entre Recognized Operating Agencies (ROAs) e Operating Agencies (OAs). As ROAs são um grupo mais restrito de operadores que estão diretamente relacionados com o setor de telecomunicações, ao passo que as OAs são mais abrangentes e poderiam abranger também empresas de setores diversos, como empresas do setor de infraestrutura de internet, até de redes sociais como o Facebook. No documento apresentado por este grupo as ROAs eram consideradas como uma parte do conjunto maior de OAs, então quando se fala neste documento de agências operadoras

20 f) Tradução livre: “Resoluções 101, 102 e 133 (Rev. Guadalajara, 2010) da Conferência Plenipoten- ciária convidam os Estados Membros a: 1) elaborar suas respectivas questões e posicionamentos sobre questões técnicas, de desenvolvimento e de políticas públicas sobre a Internet em nível internacional; 2) engajar com todos setores envolvidos nessas questões.

estava se falando de agências operadoras reconhecidas, mas também estava se falando de uma gama maior de empresas. A diferença entre as ROAs e as outras operadoras de telecomunicações é que essas, podendo trabalhar fora dos padrões postos pela ITU-T, podem conseguir ter algumas vantagens como maior competitividade de preço e menor burocracia, apesar do risco de apresentar trabalhos de qualidade menor do que a exigida pela ITU.

O cerne da questão está na figura do Estado como determinante de quem pode operar em seu território. Pode ser uma ROA, mas também pode ser qualquer outra OA escolhida, e ficaria tarefa do governo assegurar que os requisitos de qualidade estariam sendo seguidos.