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6-Anistiia.Relator.ADPF153

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RELATOR : MIN. EROS GRAU

ARGTE.(S) : CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - OAB

ADV.(A/S) : FÁBIO KONDER COMPARATO ADV.(A/S) : RAFAEL BARBOSA DE CASTILHO ARGDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA ADV.(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO ARGDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL

INTDO.(A/S) : ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA ADV.(A/S) : PIERPAOLO CRUZ BOTTINI E OUTRO(A/S) INTDO.(A/S) : CENTRO PELA JUSTIÇA E O DIREITO

INTERNACIONAL - CEJIL

ADV.(A/S) : HELENA DE SOUZA ROCHA E OUTRO(A/S) INTDO.(A/S) : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANISTIADOS

POLÍTICOS - ABAP

ADV.(A/S) : ADERSON BUSSINGER CARVALHO E OUTRO(A/S)

INTDO.(A/S) : ASSOCIAÇÃO DEMOCRÁTICA E

NACIONALISTA DE MILITARES

ADV.(A/S) : EGON BOCKMANN MOREIRA E OUTRO(A/S)

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU: O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB propõe argüição de descumprimento de preceito fundamental objetivando a declaração de não-recebimento, pela Constituição do Brasil de 1988, do disposto no § 1º do artigo 1º da Lei n. 6.683, de 19 de dezembro de 1979. A concessão da anistia a todos que, em determinado período, cometeram crimes políticos estender-se-ia, segundo esse preceito, aos crimes conexos --- crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.

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“Lei n. 6.683, de 19 de dezembro de 1979

Art. 1º - É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram, crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.

§ 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.”

3. O arguente alega ser notória a controvérsia constitucional a propósito do âmbito de aplicação da “Lei de Anistia”. Sustenta que “se trata de saber se houve ou não anistia dos agentes públicos responsáveis, entre outros crimes, pela prática de homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor contra opositores políticos ao regime militar” [fl. 04].

4. Afirma ainda que a controvérsia constitucional sobre a lei federal está consubstanciada na divergência de entendimentos, notadamente do Ministério da Justiça e do Ministério da Defesa, no que toca à aplicação da lei de que se cuida. Caberia ao Poder Judiciário pôr fim ao debate.

5. Daí o cabimento da ADPF, instrumento hábil a definir, com eficácia geral, se a lei federal guarda conformidade com a ordem constitucional vigente.

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6. Acrescenta não ser possível, consoante o texto da Constituição do Brasil, considerar válida a interpretação segundo a qual a Lei n. 6.683 anistiaria vários agentes públicos responsáveis, entre outras violências, pela prática de homicídios, desaparecimentos forçados, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor. Sustenta que essa interpretação violaria frontalmente diversos preceitos fundamentais.

7. A eventual declaração, por esta Corte, do recebimento do § 1º do artigo 1º da Lei 6.683 implicaria, segundo o arguente, desrespeito [i] ao dever, do Poder Público, de não ocultar a verdade; [ii] aos princípios democrático e republicano; [iii] ao princípio da dignidade da pessoa humana.

8. Por fim, alega que os atos de violação da dignidade humana não se legitimam com a reparação pecuniária [Leis ns. 9.140 e 10.559] concedida às vítimas ou aos seus familiares, vez que os responsáveis por atos violentos, ou aqueles que comandaram esses atos, restariam “imunes a toda punição e até mesmo encobertos pelo anonimato”.

9. Requer que esta Corte, dando interpretação conforme à Constituição, declare que a anistia concedida pela Lei n. 6.683/79 aos crimes políticos ou conexos não se estende aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão, contra opositores políticos, durante o regime militar.

10. Solicitei informações, em 30 de outubro de 2008, e determinei fossem os autos, posteriormente, encaminhados ao Ministério Público Federal, nos termos do disposto no artigo 7º, parágrafo único, da Lei n. 9.882/99.

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11. A Câmara dos Deputados prestou informações às fls. 53/60. Informou apenas que a Lei n. 6.683/79 foi aprovada na forma de projeto de lei do Congresso Nacional, conforme andamento a elas acostado.

12. O Senado Federal alegou, em suas informações, inépcia da inicial, vez que a Lei da Anistia teria exaurido seus efeitos “no mesmo instante em que entrou no mundo jurídico, há trinta anos, na vigência da ordem constitucional anterior” [fls. 70/81]. Sustentou ainda a impossibilidade jurídica do pedido e a ausência do interesse de agir do arguente.

13. A Associação Juízes para a Democracia requereu ingresso no feito na qualidade de amicus curiae, o pedido tendo sido deferido às fl. 778. Afirma o cabimento da presente ADPF. Postula, às fls. 130/176, que esta Corte reconheça “com base em seus próprios precedentes, na doutrina, e na legislação material e processual em vigor, a inexistência de conexividade entre delitos praticados pelos agentes repressores do regime militar e os crimes políticos praticados no período, de forma a afastar a incidência do § 1º do artigo 1º da Lei 6.683/79, e que as eventuais situações concretas que ensejem a aplicação destes dispositivos sejam apuradas singularmente pelos Juízos competentes para a instrução penal” [fl. 149]. Sustenta ainda que a interpretação extensiva da Lei de Anistia caracterizaria expansão da extinção de punibilidade aos agentes do regime militar e legitimaria a auto-anistia [fl. 160].

14. A Advocacia Geral da União encaminhou manifestação da qual constam informações prestadas pela Secretaria Especial de Direitos Humanos – SEDH, pela Subchefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil

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da Presidência da República – SAJ-CC, pelo Ministério das Relações Exteriores, pelo Ministério da Justiça, pelo Ministério da Defesa e pela Consultoria–Geral da União.

15. A Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça, em manifestação de 11 de novembro de 2008, afirma que deveria ser declarada “inconstitucional a interpretação que estende a anistia aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra opositores políticos, durante o regime militar” [fl. 472]. A Secretaria-Geral de Contencioso da Advocacia-Geral da União conclui todavia pelo não-conhecimento da presente arguição e, no mérito, pela improcedência do pedido [fl. 206].

16. Sustenta preliminarmente, a Secretaria-Geral de Contencioso da Advocacia-Geral da União, a ausência de comprovação da controvérsia judicial e a falta de impugnação de todo o complexo normativo. No mérito, que “a abrangência conferida, até então, à Lei n. 6.683/79, decorre, inexoravelmente, do contexto em que fora promulgada, sendo certo que não estabeleceu esse diploma legal qualquer discriminação, para concessão do benefício da anistia, entre opositores e aqueles vinculados ao regime militar. Dessa forma, desde a promulgação do diploma legal prevalece a interpretação de que a anistia concedida pela Lei n. 6.683/79 é ampla, geral e irrestrita” [fls. 192/193].

17. Rechaçando as alegações do arguente, a Secretaria-Geral de Contencioso afirma que a pretensão contida nesta ADPF é de mudança de interpretação do texto normativo --- segundo o qual a anistia seria uma benesse ampla e irrestrita --- e que essa limitação consubstanciaria modificação da própria hipótese de incidência do preceito, o que contrariaria a intenção do legislador.

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18. Prossegue, “considerando-se que entre a edição da Lei n. 6.683/79 e a promulgação da nova ordem constitucional transcorreram praticamente dez anos, é certo que a anistia, tal como concedida pelo diploma legal, ou seja, de forma inegavelmente ampla, produziu todos os seus efeitos (fato consumado), consolidando a situação jurídica de todos aqueles que se viram envolvidos com o regime militar, quer em razão de oposição, quer por atos de repressão. [...]. Destarte, o desfazimento da situação jurídica existente quando da inauguração da nova ordem constitucional esbarra, por certo, no princípio da segurança jurídica, ínsito ao Estado Democrático de Direito e garantido pela própria Carta de 1988.” [fls. 197/198]. Diz que a alteração superveniente da abrangência da anistia colidiria com o princípio da irretroatividade da lei penal, contemplado no artigo 5º, inciso XL, da Constituição do Brasil.

19. A anistia conferida pela Lei n. 6.683/79 teria sido ratificada pela Emenda Constitucional n. 26/85. Conclui no sentido de que a pretensão, do argüente, de restringir o alcance de aplicação do preceito contido no § 1º do artigo 1º da Lei n. 6.683/79 é vedada pela Constituição do Brasil em razão do postulado do Estado Democrático de Direito e do princípio da segurança jurídica. Aponta ainda o fato de o arguente ter aguardado a Lei n. 6.683 viger por trinta anos e vinte anos a Constituição de 1988 para manifestar irresignação em relação a ela.

20. O Procurador Geral da República opina, no parecer de fls. 575/614, em 29 de janeiro passado, pelo conhecimento da ADPF e, no mérito, pela improcedência do pedido. No tocante às preliminares suscitadas pela Advocacia-Geral da União, sustenta que “preliminarmente, são apontados vícios formais que impediriam o conhecimento da presente arguição. A despeito dos respeitáveis argumentos desenvolvidos, alguns - pelo menos em princípio - de inegável consistência, parece à Procuradoria Geral da República que a

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extrema relevância do tema proposto recomenda afastar-se na espécie visão reducionista do instituto que inviabilize a apreciação pelo Supremo Tribunal Federal de questão de tamanha importância” [fls. 577/578].

21. Afirma que a análise da questão posta nestes autos demanda o exame do contexto histórico em que produzida a lei da anistia. A anistia tem índole objetiva, não visando a beneficiar alguém especificamente, mas dirigindo-se ao crime, retirando-lhe o caráter delituoso e, por consequência, excluindo a punição dos que o cometeram.

22. Prossegue dizendo que “[a] relevantíssima questão submetida ao Supremo Tribunal Federal, entretanto, não comporta exame dissociado do contexto histórico em que editada a norma objeto da arguição, absolutamente decisivo para a sua adequada interpretação e para o juízo definitivo acerca das alegações deduzidas pela Ordem, como, aliás, já destacado em outros pronunciamentos trazidos aos autos. A anistia, no Brasil, todos sabemos, resultou de um longo debate nacional, com a participação de diversos setores da sociedade civil, a fim de viabilizar a transição entre o regime autoritário militar e o regime democrático atual. A sociedade civil brasileira, para além de uma singela participação neste processo, articulou-se e marcou na história do país uma luta pela democracia e pela transição pacífica e harmônica, capaz de evitar maiores conflitos” [fls. 598/599].

23. O Centro pela Justiça e o Direito Internacional – CEJIL, a Associação Brasileira de Anistiados Políticos – ABAP e a Associação Democrática e Nacionalista de Militares - ADNAM ingressaram neste feito como amici curiae [decisões de fls. 806, 807 e 854].

24. O arguente, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB, requereu a realização de audiência pública sob o

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fundamento da relevância da matéria discutida nesta arguição. Indeferi o pedido, vez que a ação foi proposta em outubro de 2008 e só em 2010 foi afirmada sua necessidade, necessidade de audiência pública. Afirmei, ademais, estarem os autos instruídos de modo bastante, permitindo o perfeito entendimento da questão debatida e que o pedido suscitado longo tempo após sua propositura redundaria em inútil demora no julgamento do feito [fl. 805]. A decisão de indeferimento de audiência pública transitou em julgado no dia 20 de abril, consoante certidão de fl. 858.

25. No dia 16 de abril passado a Associação Juízes para a Democracia, que figura nos autos como amicus curiae, requereu fosse a eles acostado “manifesto de juristas e de abaixo-assinado contendo 16.149 assinaturas contra a anistia dos militares”. Diz que os documentos evidenciam a comoção social contra a anistia dos militares e seria imprescindível a sua juntada aos autos. Determinei que a documentação fosse a eles juntada por linha.

26. É o relatório.

V O T O As preliminare s

01. A e ste tribunal incumbe, na a rguição de de scumprimento de preceito fundamental, a ferir a compatibilidade e ntre textos normativos pré-constitucionais ou atos normativos municipais e a Constituição, se e quando controversa tal compatibilidade, de sde que não seja possível, a fim de que se a que stione, a propositura de açã o direta ou de ação de claratória. Refiro neste passo, por tudo, o acórdão la vrado na ADPF/ MC n. 33, Relator o Ministro Gilma r Mendes.

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No que concerne à maté ria atinente às prelimina re s, vou me valer, em linhas gerais, para ser breve, do quanto observou Sua Excelência o Procurad or Geral da República em seu parecer de fls.

02. Quanto à primeira de las, suscitada pela Advo cacia Geral da União --- ausência de com provação de controvérsia constitucional ou judicial quanto ao ato que stionado ---, a norma ve iculada pelo inciso I, do parágra fo único, do artigo 1º, da Lei n. 9.882/99, pre vê o cabimento d a ADPF quando f or relevan te o f undamento da c on trovérsia consti tucional sobre lei ou ato normativo f ederal, estadual ou munic ipal, incluídos os anteriores à Consti tuiç ão. Há, aí, amplia ção da regra do c aput do artigo 1º, de sorte a admitir-se a ADPF autônoma para que stionar lei ou ato normativo de qualquer ente federativo e m face de preceito fundamental constitucional.

Esta ADPF amolda-se tanto à hip ótese do caput do artigo 1º da Lei n. 9.882/99 (lesã o a pre ceito fundamental por ato mate ria l, do P oder Público, d e não promo ver investigações e ações penais por indevida aplicação da le i), com o ta mbém à do seu p ará grafo único, inciso I (le são por produçã o de ato normativo federal que teria conferido indevidame nte anistia a autores de crime s não passíveis de rece berem o bene fício). Aqui nã o se tratando de ADPF incidental --- já que não se pretende discutir, paralela mente a qualquer outro processo judicia l, matéria relativa à validade de ato norm ativo --- é de snecessária a comprova ção da existê ncia de contrové rsia

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judicia l a tinente à aplicação do preceito constitucional. Ba sta a demonstração de controvérsia jurídica (e m qualquer sede) sobre a va lidade da norma questionada (ou da sua interpretaçã o).

Está satisfatoriamente demonstrada a e xistência d e polêmica quanto à va lidade constitucional da interpretaçã o q ue reconheça a anistia aos agente s públicos que praticaram delitos por conta da repressão à dissid ência política durante a ditadura militar.

A divergência e m rela ção à abrangência da anistia penal de que se cogita é notória mesmo no seio do Poder Executivo fede ral, tendo sido a portadas aos autos notas té cnicas que a comprova m. Esta Corte, ela me sma dia gnosticou a presença de controvérsia sobre a interpretação a ser conferid a à anistia penal d a Lei n. 6.683/79. Confira m-se os votos prolatados na Extradição n. 974 [Informativos ns. 519 e 526 do STF]. Isso é suficiente pa ra que re sulte de monstrada a contrové rsia instaurada . Rejeito a preliminar.

03. A Advocacia Geral da União e o Senad o Federal invocam també m a pre liminar de ausê ncia de impugnação de todo o complexo normativo relacionado ao tema. A inicia l haveria de ter q uestiona do o § 1º do artigo 4º da Emenda Cons titucional n. 26, de 1985.

Ocorre que essa preliminar confunde-se com o mérito, será a seu te mpo e xaminada.

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04. Mais, a ADPF seria inca bível por estar voltada contra lei cujos efeitos se e sgotaram na data da sua edição. Nada poré m impe de que leis te mporárias sejam que stionadas mediante ADPF. Adoto, ainda ne ste ponto, razõe s expostas no parecer do Procurador Geral da República. Preliminar rejeitada.

05. No que tange a pre liminar do Ministério d a De fesa, relativa à falta de indicação das autorida des re sponsáveis pelos atos concretos de des cumprimento de preceitos fundamentais, a fixação da interpretação pre tendida pela Arguente , se vier a ser fixada, abra ngerá todos os a gentes públicos de uma ou outra forma re lacionados à persecução penal, juíze s, trib unais, membros do Ministé rio Público e age ntes da Polícia Judiciária q ue aplicaram, aplicam e podem vir a aplicar a L ei n. 6.683 e m sentido incompatível c om a Constituiçã o em a çõe s judicia is e investigaçõe s sob sua competência.

A observaçã o no pare cer do Procurador Ge ral da Repúb lica é, també m ne ste ponto, correta: “[a] ausência de qualquer dificuldade na ide ntificação das autoridades e órgãos resp onsáveis pela prática dos atos ques tionados não impede que se advirta, toda via, que essa exigência de ide ntificação é relativizada e m relação à pretensa ADPF autônoma: nessa modalidade , realiza-se um controle objetivo da conformidade constitucional do ato normativo, sendo ge néricos os efeitos do pronuncia mento judicial em relação a o descumprime nto de preceito fundame ntal. (...) Vale aqui o quanto se re conhe ce à s

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ações diretas de (in)constitucionalidade: q ue nã o há réus ou legitimados pa ssivos, pois é a validade constitucional d e normas o que se discute. Em precede nte s, o STF, ao julgar procedente a a lega ção de descumprimento de pre ceitos fundamentais, aceitou os efeitos ge néricos naturais ao controle objetivo de constitucionalidade. Na ADPF nº 101/DF (Relatora Ministra Cármen Lúcia, julga mento e m 24/06/ 2009), proposta pe lo Presidente d a República, combatiam-se os ef eitos das decisões judiciais que autorizaram a importação de pneus u sados. Na ADPF nº 130/DF (Relator Ministro Carlos Britto, julgamento em 30/04/2009), proposta pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT, pedia-se a de claração da revogação tota l da Lei de I mprensa (Lei 5.250/1969). O STF satisfez-se com tal formula ção e soube reconhecer se m dificuldade as autoridades e órgã os destinatários da s providência s cabíveis”.

Esta preliminar também é re jeitada.

06. O Ministério da Defesa afirma por fim, contra o cabiment o da ADPF, a inutilidade de e ventual decisão de procedência. Isso por que os crimes --- ainda que não anistiad os --- estaria m prescritos. Ca so vie sse a ser julgada proce dente, dela não resultaria nenhum efeito prático.

Suce de que a matéria da pre scriçã o não prejudica a apre ciação do mérito da ADPF, visto que somente se ultrapa ssada a controvérsia sobre a previsão ab strata da anistia abrir-se-á a oportunidade de apura ção da pre scrição. A preliminar é,

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de starte, rejeitada.

Afastadas todas elas e tendo como presentes os requisitos da ação, dela tomo c onhecimento.

07. Registre-se, contudo, que o pedido consta nte d a inicial --- item 5, alíne a b --- menciona “os crimes comuns praticados pelos a gentes da repre ssã o contra opositore s políticos, [sic] durante o regime militar (1964/1985)”.

Ora, como a anistia foi concedida a todos que cometeram dete rminados crimes “no período compreendid o entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979”1, não alcançou crime s pratica dos após 15 de agosto de 1979 [= praticados entre essa data e 1985]. De modo que o pe dido re sulta parcialmente impossível: esta Corte não teria como decla rar por ele nã o alcançado período de tempo ao qual o artigo 1º da Lei n. 6.683 não refere . Pass o porém ao largo dessa circunstância, até porque a ela nada foi oposto e o prejudicaria, o pedido, apena s parcialmente.

A inicial: pr imeira s considera ções

08. A inicial compreende duas linha s de argumentação: [i] de uma banda visa à contempla ção de interpretação conforme à Constituiçã o, de modo a de clarar-se que a anistia concedida pela lei aos crimes políticos ou c onexos não se e stende aos crime s comuns praticados pelos agentes da repressão contra

1 A r t i g o 1 º d a L e i n. 6 . 6 8 3/ 7 9.

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opositores políticos, durante o regime militar; [ii] d’outra, o não recebimento da Lei n. 6.683/79 pela Constituição de 1988 .

Afirma inicialmente que determinada interpretação do preceito veiculado pelo § 1º do seu artigo 1º seria com ela incompatível, a interpretação a ele conferida “no s entido de que a anis tia es tende-s e aos crimes c omuns, pratic ados por agen tes públic os contra op ositores políticos, durante o regime mili tar”.

Por isso o pedido é de “inte rpreta ção conforme à Constituição, de mod o a declarar, à luz dos se us preceitos fundame ntais, que a a nistia concedida p ela citada lei a os crime s políticos ou conexos nã o se e stende aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra opositores p olíticos, dura nte o regime militar (1964/1985)”.

A Associa ção J uízes para a Democracia [AJ pD] afirma, e m razões aportadas a os autos, que nele s se trata de delinea r o conceito de crimes políticos e crimes cone xos com este s, previstos na Lei n. 6 .683/79, para que seja determinada a sua exte nsã o.

09. A redação do tex to se ria, segundo a inicial, propositadame nte ob scura (a inicial menciona a redação da norma). E assim seria porque “se procurou” [sic] e stend er a anistia criminal de natureza política aos agentes do Estado encarre gados da repre ssão. Daí porque a norma [o tex to, digo eu] seria obscura e tecnicamente inepta [fls. 13 inicial]. Vê-se

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be m que , nos termos da inicial, a obscuridade da norma (do texto) pre tenderia e sconder o que “se procurou”. O que “se procurou”, segundo a inicial, foi a exte nsão da anistia crimina l de nature za política aos agente s do Esta do encarre gados da repressão.

10. Permito-me, neste passo, deixar be m vincados dois pontos, o primeiro dizendo com o fato d e que todo, todo e q ualquer texto normativo é obscuro a té o mo mento da inte rpretação. Hoje temos com o assentado o pensame nto que distingue texto normativo e norma jurídica, a dimens ão textual e a dimens ão normativa do fenômeno jurídico. O intérprete produz a norma a partir d os tex tos e da realidade. Permitam-me , senhore s Ministros, uma breve digressão, que não se rá vã, eis q ue voltare i a ela na parte fina l deste voto, incisivamente.

A interpretação do direito tem caráter constitutivo --- não mera mente de claratório, p ois --- e consiste na produção, pelo intérprete, a partir de textos normativos e da rea lidade, de normas jurídica s a serem aplicada s à solução de determina do ca so, solução ope rada mediante a definição de uma norma de de cisã o. Interpretar/aplicar é dar concreção [= concretizar] ao direito. Neste sentido, a interpretaçã o/aplicaçã o do direito opera a sua inserção na realidade; realiz a a mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular; e m outros termos, ainda: a sua inserç ão na vida.

A interpretaçã o/aplicaçã o vai do universa l ao particular, do transce ndente ao contingente; opera a inserção das leis [= do

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direito] no mund o do ser [= mundo da vida]. Como ela se dá no quad ro de uma situa ção determinada, expõe o enunciado se mântico do texto no contexto histórico presente, nã o no conte xto da redação do texto.

Interpretar o direito é ca minhar de um ponto a outro, do universal ao singular, atravé s do particular, conferindo a carga de contingencialidade que fa lta va pa ra tornar plenamente contingencial o singular2. As norma s re sultam da interpretaçã o e podemos dizer que elas, en quanto textos, enunciados, dispo siç ões, não dizem nada: elas diz em o que os intérpretes d izem que ela s diz em3.

11. Se for assim --- e a ssim de fato é --- todo texto será obscuro até a sua interpretação, isto é, até a sua transformação em n orma. Por isso me smo afirmei, e m outro conte xto, que se impõe “observarmos que a clare za de uma lei não é uma premissa, ma s o re sultado da interpre tação, na medida em que a penas se pode a firmar que a lei é clara após ter sido e la inte rpretada”4. Daí não cabe r a afirmação de q ue o texto de que nesta ação se cuida seria, por obscuridade, tecnicamen te inepto.

Obse rvo apenas, quanto a e ste primeiro p onto, aspe cto ao qual adia nte retornarei. É que --- como a interpreta ção do direito

2 S o br e a i n t er pr e t a ç ã o d o d i r e i t o , v i d e m eu E n s a i o e d i s c u r s o s o br e a i nt e r pr e t aç ã o / a pl i c a ç ã o d o di r e i t o, 5ª e di ç ã o , M a l h e i r o s E d i t or e s, Sã o P a u l o , 2 0 0 9 . 3 M eu E n s ai o e di sc u r s o s o br e a i n te r p r e t aç ã o / a pl i c a ç ã o d o di r e i t o, c i t . , p á g . 8 6. 4 M eu E n s ai o e di sc u r s o s o br e a i n te r p r e t aç ã o / a pl i c a ç ã o d o di r e i t o, c i t . , p p . 7 4 - 7 5.

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consiste na produção, pelo intérpre te, a partir de textos normativos e da realida de, de normas jurídicas --- cumpre definirmos qual a re alidade, qual o momento da realidade a ser tomado pe lo intérpre te da Lei n. 6.683/79.

12. O se gundo ponto a ser considera do está em que --- se o que “se procurou”, segundo a inicial, foi a extensão da anistia crimina l de nature za política aos agente s do Esta do encarre gados da repressão --- a revisão de sse desígnio haveria de ser procedida por quem procurou e stende -la aos agentes do Estado encarregados da repres são, isto é, pelo P oder Le gisla tivo. Não pelo P oder Judiciário. També m a ele adiante voltare i.

Afronta a preceitos fundamentais

13. Permito-me exa minar as duas linhas de a rgumentação compreendidas na inicial na seguinte orde m: de sde já a atinente ao não recebimento da Lei n. 6.683/79 pela Constituiçã o de 1988; ap ós, a que pretende uma interpretação conforme a Constituição, de modo a declarar-se q ue a anistia concedida pela citada lei aos crimes políticos ou conexos nã o se estende a os crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra opositore s políticos, durante o regime militar.

14. A Arguente afirma ser inválida a conexã o criminal q ue aproveitaria aos agentes polític os que praticaram crime s

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comuns contra opositore s político s, pre sos ou não, durante o regime militar. Essa conexão criminal, que fundamentaria a interpretaçã o objeto da ADPF, não seria válida porque ofende vários preceitos fundamentais inscritos na Constituição.

15. O primeiro deles seria o da is onomia em matéria de seguranç a, de stacado do artigo 5º, c aput, da Cons tituição do Bra sil.

Suce de que a Arguente inicialmente não conte sta exclusivamente uma determinada inte rpretação do preceito veiculado pelo § 1º do a rtigo 1º da Lei n. 6.683/79, mas o próprio te xto d a lei. Ora, deline ada a distinção entre te xto e norma, teremos a Arguente não investe, ne sse passo, contra uma determinada norma re sultante da interpretação do te xto do § 1º do artigo 1º da Lei n. 6.683/7 9. O que, segundo ela, afrontaria a isonomia se ria o próprio texto, que “e stende a anistia a classes absolutame nte indefinidas de crimes” e, de spropositadame nte --- diz a inicial ---, usa do adjetivo “relacionados”, c ujo significado não esclarece e a doutrina ignora, além de mencionar crimes “p raticados por motivação política”. A isonomia e staria se ndo afrontada --- é verdade que neste ponto a inicial menciona a “interpretação q uestionada da Lei n. 6.683, de 1979” --- na medida em que nem todos s ão iguais perante a lei em matéria de anis tia criminal. I sso p orq ue uns “praticaram crimes polític os, necessariamente def inidos em lei, e f oram proc essados e condenados. Mas há, tam bém, os que c ome teram delitos, cuja classif icação e reconhecimen to n ão

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f oram f eitos pelo legislador, e sim deixados à discrição do Poder Judiciário, c onf orme a orientaç ão polí tica de c ada magistrado”.

Que a Arguente inve ste neste passo contra o texto da lei, iss o é re afirmado na alusão ao § 2º d o seu artigo 1º, que não é obje to da ADPF.

É certo, pois, que o argume nto da Arguente não p rospera, me smo p orq ue há desigualdade entre a prática de crime s políticos e crimes cone xos com eles. A lei pod eria, sim, se m afronta à isono mia --- que consiste també m em tratar de sigualmente os desiguais --- anistiá -los, ou não, de sigualmente.

16. O segundo preceito fundame ntal malferido pe la interpretaçã o questionada do § 1º do artigo 1º da Lei n. 6.683/79 esta ria contido no inciso XXXIII do artigo 5º da Constituiçã o, que assegura a todos o direito de receber dos órgãos públic os inf ormações de se u in teress e p articular, ou de interes se c ole tivo ou geral.

A Lei n. 6.6 83/79, se gunda a Arguente, impediu que a s vítima s dos agente s da repressão e o povo bra sileiro toma sse m conhecimento da “ide ntidade dos responsá veis pelos horrore s perpetrados, durante dois decênios, pe los que haviam empalma do o poder”. Diz ela que a lei, “[a]o conceder anistia a pe ssoas indeterminadas, ocultas sob a e xpressão inde finida ‘crime s conexos com crime s políticos’, (...) impediu que a s vítima s de torturas, praticadas na s ma smorras policiais ou

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militares, ou os familiare s de pe ssoas assassinadas por agentes das força s policiais e militares, pude ssem identificar os algoz es, os quais, em regra, operavam nas prisões sob codinome s”.

Ocorre que o quê cara cteriza a anistia é a sua objetividade, o que importa e m que este ja referida a um ou mais delitos, não a determinadas pe ssoas. Liga-se a fatos, não estando direcionada a pessoas determinadas. A anistia é mesmo para ser concedida a pe ssoas ind eterminada s.

17. Não vejo, de outra parte, como se possa afirmar q ue a Lei n. 6.6 83/79 impede o acesso a informa çõe s a tine ntes à atuação dos agentes da repressão no período compreendido entre 02 de sete mbro de 1961 e 15 de agosto de 1979.

Permito-me ne ste passo reproduzir tre cho do pare cer do Procurador Geral da República:

“É e vidente que reconhecer a le gitimidade da Lei da Anistia não significa apagar o pa ssado.

105. Nesse sentido, o estado de mocrático de direito, para além da discussão a cerca da punibilida de, pre cisa p osicionar-se sobre a afirmaçã o e concretizaçã o do direito funda mental à verda de histórica.

106. Com a precisão habitual, o Ministro Sepúlve da Pertence, e m entrevista antes referida, afirmou que

vi abil iz ar a recon s titu iç ão h is tó r ica d aqu e l es te mpo s é u m imper ativ o d a d ign id ad e n ac io n al . P ar a

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pro pic iá-l a às ge r açõ e s d e h oje e d e aman h ã, é n e ce ss ár io d esco brir e esc an car ar os ar qu ivo s, es te jam on d e es tive re m, se ja qu e m f or qu e o s d e ten h a.

107. Romp er com a boa-fé dos atores sociais e os anse ios das dive rsas cla sse s e instituições políticas do fina l dos anos 7 0, que em conjunto pugnaram – como já demonstrad o – por uma Lei de Anistia ampla, geral e irrestrita, significaria também prejudicar o acess o à verdade histórica.

108. O que se propõe, ao invés, é o desemba raço d os me canismos e xiste nte s que ainda dificultam o conhe cimento d o ocorrido naque las décadas. Ne sta toada, e stá pendente de julgamento a ADI nº 4077, proposta pelo anterior Procurador-Geral da Repúb lica, que que stiona a constitucionalidade d as Leis 8.159/91 e 11.111/05 .

109. O julga mento da ADI nº 4077 é sensível para resolver a controvérsia político-jurídica sobre o acesso a documentos do regime a nte rior. Se esse Supremo Tribuna l Fed eral reconhecer a legitimidade da Lei da Anistia e , no mesmo compasso, afirmar a p ossibilidade de acesso aos d ocumentos históricos como forma de exercício do direito fundamental à verdade , o Bra sil certame nte e stará em condiçõe s de, atento às lições do passado, pross eguir na construç ão madura do futuro democrático”.

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O argumento de que se cuida, a ncorado no inciso XXXIII do artigo 5º da Cons tituiçã o, não pros pera.

18. O terceiro pre ceito funda mental afrontado pela interpretaçã o questionada do § 1º do artigo 1º da Lei n. 6.683/79 e staria contido nos princípios democrátic o e republicano.

A inicial diz que “os que cometeram crime s comuns contra opositores p olíticos, durante o re gime militar, e xerciam funções pública s e eram, por conse guinte, remunerados com recursos também públicos, isto é , dinheiro do povo”. Daí é retirada a se guinte conclusão: “Nestas condiçõe s, a interpretaçã o questionada da Lei no 6 .683 representa clar a e

dire ta ofensa ao princípio democr ático e ao princípio republicano, que emb asam toda a nossa organização polític a” (ne gritos no original).

Mais, diz a inicial que a lei foi votada pelo Congresso Nacional “na época em que os seus membros eram ele itos sob o placet dos comandant es militares” --- aí a alusão a senadores escolhidos p or via d e eleição indireta (os cha mados “Senad ore s Biônicos”) --- e ela, a lei, “foi sanciona da por um Chefe de Estado que era General do Ex ército e for a guindado a essa posição, [sic] não pelo p ovo, ma s por se us companheiros de farda” (ne gritos no original).

Em consequência , “o me nciona do diploma le gal, para produzir o efeito de anistia de a gentes públicos que comet eram crimes cont ra o povo , de veria ser legitimado, após a entrada

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em vigor da atua l Constituição, pelo órgã o le gislativo oriundo de ele içõe s livre s, ou então diretamente pelo povo soberano, mediante re ferendo (Constituição Fede ral, art. 14). O que não ocorreu” (ne gritos no original).

Em se gundo luga r, “num re gime a utenticame nte re publica no e não autocrático os governantes não têm pode r para anistiar crimina lmente, quer eles próprios, quer os funcionários que, ao d elinqüirem, e xecutaram suas ordens”.

19. Não vejo realmente com o possam, e sses argume ntos, sustentar-se, menos ainda justifica r a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Pois é certo que, a dar-se crédito a ele s, não apena s o fenômeno do rec ebimento --- a recepção --- do direito anterior à Constituição de 1988 seria afastado, ma s també m outro, este verdad eiramente um fenôme no, teria ocorrido: toda a legislação a nte rior à Constituiçã o de 1988 seria, poré m exclusivamente por força de la, formalmente inconstitucional. Um autêntico fe nôme no, a exigir le gitimação de toda essa legislação pelo órgão legislativo oriundo de ele içõe s livres ou então dire tamente pelo povo soberano, mediante referendo. Os argumentos ad otados na inicial vão ao ponto de ne gar me smo a anistia concedida aos crimes p olíticos, aque les de que trata o a rtigo 1º da lei, a anistia concedid a a os acusados de crimes políticos, que agiram contra a ordem política vigente no País no p eríodo compreendido entre 0 2 de setemb ro d e

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1961 e 15 de agosto de 1979. A contradição é, como se vê, inarredável.

O que se pretende é extre mame nte contraditório: a ab-rogação da anistia em toda sua amplitude, conduzindo inclusive a tormentosas e insuportáveis conseqüê ncias financeiras para os anistiados que re ce beram indeniz açõe s do Estado, compelid os a re stituir aos cofre s públicos tudo quanto rece beram até hoje a título de indenização. A procedência da ação levaria a este funesto resultado.

Também este argumento, que diria com os princípios democrá tic o e republic ano, não pro spera.

O outro argumento --- “num re gime autenticamente republicano e nã o autocrático os governantes não tê m p oder para anistiar criminalmente, quer eles próprios, quer os funcionários que, a o delinqüirem, e xecutara m suas ordens” --- será considerado mais adiante, ao final de ste voto.

20. O quarto pre ceito fundame ntal a frontado pe la interpretaçã o questionada do § 1º do artigo 1º da Lei n. 6.683/79 seria o da dignidade da pes soa humana e do povo brasileiro, que não pode ser negoc iada.

A Arguente diz que “o derradeiro argumento dos q ue justifica m, a todo custo, a encobe rta inclusão na Lei no 6.683

dos crime s com etidos por funcionários do Estado contra presos políticos é o de que houve, no caso, um acordo para permitir a transição do regime militar ao Estado de Dire ito”.

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Afirma-o pa ra inicialmente questionar a e xistência de sse acordo --- “que m fora m a s parte s nesse acord o”? indaga --- e em seguida afirmar que, tendo ele e xistido, “força é re conhe cer que o Estad o instituído com a liquidação do regime militar nasceu em condiçõe s de grave de srespeito à pe sso a humana, contrariamente ao texto expresso da nova Constituição Federal: ‘A República Feder ativa do Bra sil [...] constitui-se em Estado Democ rát ico de Direito e tem como fundamentos: [...] a dignida de da pessoa humana. (art. 1 º, III)” (negritos no original).

Trata-se, també m ne ste ponto, de argumentaçã o exclusivamente política, não jurídica, argumentaçã o que entra em testilhas com a História e com o te mpo. Pois a dignida de da pe ssoa humana precede a Constituiçã o de 1988 e esta não poderia ter sido contrariada, em seu artigo 1º, III, anteriorme nte a sua vigência . A Arguente desqualifica fatos históricos que ante cedera m a aprovação, pelo Congresso Nacional, da Le i n. 6.683/79 . Diz mesmo que “no suposto acordo político, jamais re vela do à opinião pública, a anistia aos re sponsáveis por delitos de opinião serviu de biombo para encobrir a conce ssão d e impunidade aos criminosos oficiais, que agiam em nome do Estado, ou se ja, por conta de todo o povo bra sileiro” e que a dignidade das pessoas e d o povo foi usada como “moe da de troca em um a cordo político”.

21. A inicial ignora o mome nto talvez mais importante da luta pela rede mocratizaçã o do país, o da batalha da anistia,

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autêntica batalha. Toda a gente que conhece nossa História sabe que esse acordo político existiu, re sultando no te xto da Lei n. 6.683/79 . A procura d os sujeitos da História conduz à incompreensão da História. É expressiva de uma visã o abstrata, uma visão intimista da História, que não se reduz a uma estática coleção de fatos desligados uns dos outros. Os homens nã o pode m fazê-la senã o nos limite s materiais da realida de. Para que a possam fazer, a História, hão de estar em condiçõe s de fazê-la. Está lá, n’O 18 Brumário de Luís Bonaparte5: “Os homens faz em sua própria história, mas nã o a fazem com o que re m, nã o a faze m sob circunstâncias de sua escolha e sim so b aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e tra nsmitidas pelo pa ssa do”.

A inflexã o do regime [= a ruptura da aliança entre os milita re s e a burguesia] deu-se com a crise do p etróleo de 1974, ma s a formidável luta pela anistia --- luta que, com o respaldo da opiniã o pública internacional, uniu os "culpados de sempre" a todos os que eram capaz es de se ntir e pensar as liberda des e a de mocracia e revelou figuras notáveis como a do bravo senador Te otonio Vilela; luta encetada inicialmente por oito mulhere s reunidas em torno de Terezinha Zerbini, do que resultou o CBD (Comitê Bra sileiro pela Anistia ); pelos autênticos do MDB, pela própria OAB, pela ABI (à frente Barbosa Lima Sobrinho), pelo IAB, pelos sindicatos e confede ra çõe s de trabalhadore s e até por alguns dos que apoiaram o movimento

5 K a rl M ar x , s / i n d i c a ç ã o d e t ra du t or , E di t o r i a l V i t ó r i a, R i o d e J a n e i r o , 1 9 5 6 , p á g. 1 7.

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militar, como o general Peri Be vilácqua, ex-ministro do STM [e foram ta ntos os que a ssinaram manife stos em favor do movimento militar!] --- a formidável luta pela anistia é expre ssiva da página mais vibrante de re sistê ncia e ativida de de mocrática da nossa História. Nos este rtores d o re gime viam-se de um lado os exilados, q ue criaram comitês pró-anistia e m quase todos os paíse s que lhes dera m refúgio, a Igreja (à frente a CNBB) e presos p olíticos em gre ve de fome que a vota ção da anistia [de squa lificada pela inicial] salvo u da morte certa --- pois não recuaria m da gre ve e já muitos e stavam debilitados, como os jorna is da época fartamente documentam --- de outro os que, e m represália ao acordo que os de mocratas e sboçava m com a ditadura, e m torno da lei, resp onderam com atos te rroristas contra a própria OAB, com o sa crifício de dona Lydia; na Câmara de Vereadores do Rio de Jane iro, com a mutilaçã o do se cretário do combativo vereador Antonio Carlos; com duas bomb as na casa do então deputa do do cha mado grupo autên tic o do MDB Marcello Cerqueira, um dos negociadore s dos termos da anistia; com atentados contra bancas de jorna l, contra O Pas quim, contra a Tribuna de Imp rensa e tantos mais. Reduzir a nada essa luta, inclusive nas rua s, as pas seatas reprimid as duramente pelas Polícia s Militares, os comícios e atos públicos, reduzir a nada essa luta é tripudiar sobre os que, co m de sassombro e corage m, com de sassombro e corage m lutaram pela anistia, ma rco do fim do regime de exceçã o. Se m ela, não teria sido aberta a porta do Colégio Eleitoral para a ele ição do “Dr. Tancredo”, como

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diziam os que pisa vam o chão da História . Essa s jornadas, inesquecíveis, foram heróicas. Nã o se as pode despre zar. A mim causaria espanto se a brava OAB sob a direçã o de Raimundo Faoro e d e Eduardo Seabra Fagunde s, denodada mente empenhada nessa luta, agora a de sprezasse, em autêntico venire c ontra f actum proprium.

22. Leio trechos de depoimento de Dalmo de Abreu Dallari6, que sofreu --- ele mesmo relata --- prisã o e sequestro pela ousadia de não transigir e não ca lar, empenhad o em localizar de sapare cidos, salvar torturados, libertar patriotas vítimas de prisão arbitrária, pre gando sempre a re staura ção d emocrática. Assim, diz ele, che gou-se à Lei da Anistia:

“Nós sabíamos q ue seria ine vitável aceitar limitações e admitir que criminosos participantes do gove rno ou prote gidos por ele escapasse m da punição q ue mereciam p or justiça, mas considerávamo s conveniente aceitar e ssa distorção, pelo b enefício q ue resultaria aos pe rseguidos e às sua s famílias e pela perspectiva de que teríamos ao nosso lado comp anheiros de indiscutível voc açã o democrática e a madurecidos pela e xperiência. (...) A idéia inicial de anistia era muito genérica e re sultou no lema ‘a nistia a mpla, geral e irrestrita’, mas logo se perce beu q ue seria nece ssária uma confrontaçã o de propostas, pois

6 D e p o i m e n t o p r e s t a d o à F u n d a ç ã o P er s eu A br a m o , ht t p : // w w w 2. f p a. o r g . b r/ c o nt e ú d o / d al m o - da l l ar i

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os que ainda mantinham o comando político logo admitira m que seria impossíve l ignorar a proposta dos democratas, mas perceberam que uma supe rioridade de força lhe s dava um poder de negociação e cuidaram de usar a idéia generosa de anistia para dizer que não seria justo beneficiar somente presos políticos e e xilados, de ve ndo-se dar garantia de impunida de àquele s que, segundo e les, movidos por objetivos patrióticos e para de fender o Brasil do pe rigo comunista, tinham combatid o a subve rsão, prende ndo e torturand o os inimigos do regime. Nasceu assim a proposta de ‘anistia recíproca’. De início, procurou-se limitar a anistia aos perse guidos políticos, dizendo-se que não deveriam ser anistiado s os que tive sse m come tido ‘crimes de sangue ’. Isso foi, afinal, sintetizado numa enumeraçã o de crime s que não seriam anistiados, compreendendo, se gundo a lei da anistia (Lei n. 6683, de 28 de agos to de 1979), os que tivessem sido co ndenados ‘pela prática de crime s de terrorismo, a ssalto, seque stro e atentado pe ssoal’. Em sentido op osto, beneficiand o os que abusando de uma função pública tivessem cometido crimes [.] (F)oram abra ngidos os que tivessem come tido crimes políticos ou ‘ cone xos’ com e sse s. Assim, aquele que matou alguém numa se ssão de tortura estaria anistiado p orque seu principal obje tivo era combater um adve rsário polític o. O homicídio seria apena s conexo

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de outro crime, a açã o arbitrária por motivos p olíticos, que seria o principal. Assim se chegou à Lei da Anistia”.

23. Tem razão a Arguente ao afirmar que a dignidade nã o te m preço. As coisas têm preço, as pessoas têm dignidade. A dignidade não tem preço, vale para todos quantos participam do humano.

Estamos, todavia, em perigo quand o algué m se arrog a o direito de tomar o que perte nce à dignid ade da pessoa humana como um seu valor [valor de quem se arrogue a tanto]. É que, e ntão, o valor do humano assume forma na substância e medida de que m o afirme e o pretende impor na qualidade e quantidade em que o mensure. Então o valor da dignidade da pe ssoa huma na já não s erá mais valor do huma no, de todos quantos pertencem à humanidade , porém de quem o proclam e conforme o seu critério particular. Estamos então em p erigo, submissos à tirania dos valores. Então, como diz Hartma nn7, quando um dete rminado va lor apodera-se de uma pessoa tend e a erigir-se em tirano único de todo o ethos huma no, a o custo de outros valores, inclusive dos q ue não lhe seja m, do ponto de vista mate ria l, dia metralme nte opostos.

7 E t h i k, 3. e d i ç ã o, Wa l t er de G r u y te r & C o. , B er l i n , 1 9 4 9 , pá g. 5 7 6 ( “ J e d e r W e r t h a t – w e n n e r ei n m a l M a c ht g ew o n n e n h at ü b er e i n e P e r s o n – d i e T e n d e n z, s i c h z u m al l e i n i g e n T y r a n n e n d e s g a n z e n me n s c h l i c h e n E t h o s a u f z u w e rf e n, u n d zw a r a u f K o s t e n a n d e r e r W er t e , a u c h s o l c h er , di e i h m n i c h t ma t e ri a l e nt g eg e n ge s e t z t si n d ” ) .

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24. Se m de qualquer modo ne gar o que diz a Arguente ao procla mar que a dignida de não te m preço [o que subscrevo], tenho que a indignidade que o cometimento de qualquer crime expre ssa não pode ser retribuída com a proclama ção de que o instituto da anistia viola a dignidade humana. De resto, ao acordo político que re sultou no te xto da Lei n. 6.683/79 e cuja s p arte s a Arguente indaga quais te riam sid o, retornarei linhas adiante.

O argumento descolad o da dignidade da pe ssoa humana para afirmar a invalidade da cone xão criminal que aproveitaria aos agentes políticos que praticaram crimes comuns contra opositores políticos, pre sos ou nã o, durante o re gime militar, esse argumento nã o prospera.

A interpret ação conforme a Constituição e os crime s conex os

25. No que concerne à segunda linha de argumentação enunciada na inicia l, sustenta -se que dete rminada interpretaçã o do preceito veiculado pelo § 1º do artigo 1 º da Lei n. 6.683/79 é incompatível com a Constituição. Essa interpretaçã o, incompatível com a Constituiçã o, seria a de que a anis tia estende-se aos crimes com uns, pratic ados p or agentes públicos c ontra op osi tores políticos, durante o regime mili tar. Daí o pedido de “interpretação conforme a Constituição, de modo a declarar, à luz dos seus preceitos funda mentais, que a anistia conce dida pela citada lei aos crimes políticos ou conexos nã o se e stende aos crimes comuns praticados pelos

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agentes da repressão contra opositores p olíticos, dura nte o regime militar (1964/1985)”.

A conexã o criminal implicaria uma identida de ou comunhão de propósitos ou objetivos nos vários crimes pratica dos. Se o agente é um só, a lei reconhece a ocorrência de concurso mate ria l ou formal de crimes (Código Penal, artigos 69 e 70); se os a gentes forem vários há , tendo e vista a comunhão de propósitos ou objetivos, co-autoria (Código Penal, artigo 29). E també m há cone xão criminal qua ndo os agentes criminosos atuaram uns contra os outros, embora aqui se trate de re gra de unificação de competência, de mod o a evitar julgamentos contraditórios; não há, e ntã o, norma de direito material.

Por isso os crimes praticados por agentes públicos contra opositores políticos dura nte o regime militar seriam crimes c omuns. Não e ram crimes contra a segurança nacional e a ordem p olítica e social [de creto-lei 314/67, decreto-lei 898/69 e Lei n. 6.620/78]. A repressão a e sses crime s era imple mentada mediante a prática de crime s comuns, se m q ue houvesse comunhã o de propósitos e objetivos entre agente s criminosos de um e de outro lad o. De outra banda, alé m de a regra de cone xão ser unicame nte processual no último caso, “os a cusa dos de crimes políticos --- diz a inicial --- não a giram contra os que os torturaram e mataram, dentro e fora da s prisõe s do regime militar, mas contra a ordem política vige nte no País naque le períod o”.

A se guinte conclusão p arcial é, des tarte, extraída da inicial: a norma veiculada pelo § 1º do artigo 1º da Lei n. 6.683/79 “te m

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por objeto, exclusiva mente, os crime s comuns, comet idos pelos mesmos autores dos crime s político s. Ela não abrange o s agentes po lít icos que prat icaram, durante o regime militar, crimes comuns contra opositores políticos, presos ou não” [red ação da inicia l, fls. 16; ne gritos no original]. Diz endo-o de outro modo: tem por objeto, exclusivamente, os crimes c omun s, cometidos pelos me smo s autores dos crime s políticos; não abrange os crimes c omu ns praticados contra opositores políticos, presos ou não, por agentes p olíticos dura nte o re gime militar.

A Associação Juízes para a Democracia aprese ntou raz õe s “pelas quais postula a procedê ncia do pedid o formulado, nos termos do [artigo] 6º, § 1º da Lei 9.882/99, [sic] e no artigo 131, § 3º do Re gimento Inte rno do Supremo Tribuna l Federal”. Diz que se trata de delinear o c onc ei to de crimes políticos e crime s cone xos com estes, previstos na Lei n. 6 .683/79, para que seja d eterminada a sua e xtensã o.

26. Obse rvo neste passo, parenteticamente, que não é exatame nte isso o que ocorre, visto que o § 1º do a rtigo 1º da Lei n. 6.683/79 def ine crime s conexos aos crimes políticos: “[c]onsideram-se cone xos, para efeitos d este artigo, os crime s de qua lquer na tureza relacionados com os crimes políticos ou praticados por motiva ção política”. Não me estenderei aqui e m debate acadêmico a re speito da distinção entre c onc eitos e def iniç ões, mas é certo que a def inição juridica explicita o

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termo de um determinad o concei to jurídico8. O § 1º do artigo 1º da Lei n. 6.683/79 define crimes c onexos aos crimes p olíticos “para os e feitos” desse artigo 1º. São crimes c onexos aos crimes polí tic os “os crimes de qualquer natureza relacionados c om os crimes políticos ou pratic ados por mo tivação polí tica”. Podem ser d e “qualquer natureza”, ma s [i] hão de te re m esta do relacionados com os crimes polític os ou [ii] hão de terem sido praticados por motivação polític a. Sã o crimes outros que n ão polí ticos; logo, são c rimes comuns, poré m [i] relacionados com os crimes polític os ou [ii] pra ticados por motivaç ão política.

27. A matéria há, porém, de se r examinada à luz da Constituiçã o. P or isso não me deterei no quadro da infraconstitucionalidade senão para lembrar q ue a alusão a crime s cone xos a crimes políticos aparece já na anistia concedida, em janeiro de 1916, a civis e militare s que, direta ou indire tame nte, se envolveram em movimentos revolucionários no Estado do Ceará (decreto 3.102, de 13 de jane iro de 1916, do Presidente do Sena do Federal). Posteriormente isso se repete [i] no de creto 3.1 63, de 27 de setembro de 1916, de Wenceslau Braz, Ministro da Justiça Carlos Maximilano, decreto que concedeu anistia às pessoa s envolvidas em fatos políticos e conexos ocorridos no Estad o d o Espírito Santo e m virtude da sucessão presid encia l estadual; [ii] no de creto 19.395, de 6 de nove mbro de 1930, que

8 V i d e m e u E n s ai o e di s cu rs o s o br e a i nt e r p r et a çã o / a p l i c a ç ã o d o d i r e i t o , c i t . , p á g s . 2 3 7- 2 3 8.

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concedeu anistia a todos os civis e militares envolvidos nos movimentos re volucionários ocorridos no país; [iii] no de creto 24.297, de 28 d e maio de 1934, que concedeu anistia ao s participante s do movimento revolucioná rio de 1932; [iv] no de creto-lei 7.474, de 18 de abril de 1945, que conce deu anistia a todos quantos te nham cometido crime s políticos de sde 16 de julho de 1934 até a d ata de sua publicação, cujo § 2º do artigo 1º considera conexos, para os efe itos desse mesmo preceito, “os crimes comuns pratica dos com fins políticos e que tenham sid o julgados pelo Tribunal d e Segurança Nacional”.

Outrossim, a exp re ssã o anistia ampla e irrestrita te rá surgido no artigo 1º d o decreto-le gislativo 22, de 23 de maio de 1956, que a concedeu a todos os civis e militares que, dire ta ou indiretame nte, se envolveram nos movimentos revolucionários ocorridos no P aís a partir de 10 de novembro de 1955 até 1º de março de 1956.

28. Essa express ão, crimes conexo s a crimes polític os, conota sentido a ser sindicad o no momento histórico da sa nção da lei. Sempre há de ter sido assim. A chamada Lei de anis tia diz com uma cone xão sui generis, própria ao momento histórico da transiçã o para a democra cia. Tenho que a e xpress ão ignora, no contexto d a Lei n. 6.683/ 79, o sentido ou os se ntidos correntes, na doutrina, da chamada conexão crimin al. Refere o que “se procurou”, segundo a inicial, vale dize r, e stender a

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anistia criminal de natureza política aos agentes do Estado encarre gados da repressão.

Esse significado, de conexão sui generis, é assinalado no voto do Ministro Decio Miranda no RHC n. 59.834: “nã o e stamos diante do conceito rigoroso de cone xão, mas de um conceito mais amplo, em que o le gislad or considerou existente e sta figura p rocessual, desde que se pudesse rela cionar uma infração a outra”. Le mbre-se bem o texto do preceito d o § 1º do artigo 1º: “Consideram-se cone xos, para efeito de ste artigo, os crime s de qualquer natureza relacionados com crime s políticos ou praticados por motivação política”.

29. A Arguente tem razã o: o legislador procurou e stender a conexã o aos crimes praticad os pe los agentes do Estado contra os que lutavam contra o Estado de e xce ção. Daí o caráter bilateral da a nistia, ampla e geral. Anistia que somente nã o foi irre strita p orque não abrangia o s já condenados --- e com sentença transitada em julgado, qual o Supremo assentou, vere mos logo adiante --- pe la prática de crime s de terrorismo, assalto, seqüe stro e atentado pess oal.

Parente ticame nte transcrevo, neste passo, o que afirmou o Ministro Julio de Sá Bierrenba ch quando do julgamento pelo Supe rior Tribuna l Militar, em sessã o do dia 6 de fevereiro de 1980 , do Recurso Criminal n. 5.367, relator o Ministro Jacy Guimarães Pinheiro:

“Em 2 8 de junho próximo passado, a o tomar conhecimento do projeto da Lei da Anistia, que me foi traz ido p or um

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jornalista, critiquei o § 2º d o artigo 1 º daquele projeto tal como estava redigido. Se o Governo desejava excetuar dos bene fícios da anistia os indivíduos que praticaram crime s de terrorismo, a ssalto, seqüestro e atentado pe ssoal, não deveria utiliz ar a exp re ssã o "os que fora m condenados pela prática” de tais crimes: melhor teria sido utiliz ar a palavra denuncia dos, abrangendo todos os p rocessados por aquele s crime s que se constituiriam na e xce ção da Lei da Anistia. Como todos sa bemos, condenados são a quele s cuja condenação transitou em julgado, isto é, quando não mais cabe re curso à de cisão judicial.

Da forma em que estava no projeto, os cond enados definitiva mente por crime s de assalto, seqüestro, atenta do pessoal e terrorismo nã o seriam anistiados, ao passo e m que os acusados pelos mesmos crimes, ma s com proce ssos em curso, seriam contemplados co m a anistia! O projeto era injusto, pois beneficiaria os revéis, enquanto poderia manter no cárcere indivíduos menos re sponsáveis pelo mesmo delito, porém, já condenados. A celerida de da Justiça , tão de se jada por todos nós, segundo o projeto, era contra os réus. Os condena dos não seriam anistiados enquanto aquele s, cujos processos a rrastavam-se na Justiça Militar, receberiam o bene fício da anistia. Sem ser jurista , ne m ao menos bacharel em direito, fiz esta e outra s críticas construtivas a o projeto da lei na data e m que o mesmo foi publica do, ace ntuando que o projeto ainda não havia passado no Congresso e que eu me

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curvaria diante da decisão que fosse sancionada . Minha s declara çõe s, com um único propósito construtivo, evitar iniqüidade s, fora m publicadas nos jornais de 1º de julho de 1979. Três ou quatro dias de pois, um dos líd eres do Governo no Congresso a firma va à imprensa que a s injustiças seria m corrigida s com indulto pre side ncial. O projeto ainda não era lei, pois a mesma só foi sancionada dois mese s depois, em 28.8.79, e já a dmitia injustiças ...” (negritos e grifos no original).

A propósito, lembre-se a inda que o STM, no dia 21 de novembro de 1979, no julga mento do Re curso Criminal n. 5.341, relator o Ministro Faber Cintra , concedeu a anistia do artigo 1 º da Lei n. 6.683/79 a que m, condenado por delito dela e xcluído pelo seu § 2º, já cumprira inteirame nte a pena que lhe fora imposta; isso e m afirmand o que o cumprimento da pena acarreta a cessação da punibilid ade, exclusivamente a ela dizendo re speito, ao passo que a anistia diz com o fato perdoado. No me smo sentido, aliás, as decisõe s tomada s nos Recursos Criminais n. 5.338, 5.459, 5.666 e 5.751 e na Apela ção n. 3 7.808.

A verdad e é que a anistia da Lei n. 6.683/79 somente não foi totalme nte ampla por conta d o que o § 2º do se u artigo 1º definiu, a exclusão, a ela, dos condenados p ela prática de crime s de terrorismo, a ssalto, se questro e atenta do pe ssoal. Não foi a mpla ple name nte , mas seguramente foi bilateral.

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30. Desta Corte coleciono algumas de cisões que, de uma forma ou d e outra, importam ao qua nto esta mos, neste s autos, a conside rar. Faço-o sem esquecer o histórico aresto lavrado na Açã o Originária Espe cial n. 13, Relator para o acórdã o o Ministro Marco Auré lio, e m 1992, na qual se cuidava do se guinte: um Brigadeiro da Aeronáutica que a me mória nacional há de e sque cer tentou usar uma unidade da FAB, conhecida como PARASAR, para a prática de atos terrorista s na cid ade do Rio de Janeiro; o Capitão Sérgio Ribeiro Mira nda de Carvalho impediu-o, contrariando ordens recebidas d esse brigade iro; foi reforma do, no posto que ocupava , por haver se recusado a pra ticar atos d e terrorismo (assassinato de políticos e outros cidadãos --- transcrevo voto do Ministro Marco Auré lio --- , explosã o do gasôme tro do Rio de Ja neiro e de struição de instalações de força e luz, atos que seriam atribuídos aos comunistas, se guindo-se, como consectário, a ca ça a e stes últimos); como fora já punido com prisão de vinte e cinco dias, sobrevindo a reforma de caráter punitivo, o trib unal reconhec eu a duplicidad e punitiva, bem assim que a se gunda puniçã o deveu-se a simples vindita, reconhecendo a existência do “v ício grave”, p or duplicidade de punição, mencionado no artigo 9º do ADCT da Constituiçã o de 1988.

31. I mporta em especial considerarmos, no entanto, e m relação ao caráter a mplo da s anistias concedida s entre nós, os julgados que pa sso a rememorar, inicialmente os atinentes ao caráter amplo das anistias.

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31.1 Para começar, entre os acórdãos mais antigos de sta Corte, o Habeas Corpus n. 1 .386, Relator o Ministro Piza e Alme ida, em 4 de julho de 1900, que, ao considerar a anistia concedida pelo Decreto n. 310, de 21 de outubro de 1895, interpretou-a de modo a aplic á-la a crimes de morte praticados em 1 2 de outubro de 1896; diz o acórdão: “É conseqüência do caráter geral da anistia que ela se este nda aos delitos ace ssórios que se prende m ao crime político”.

31.2 No Habeas Corpus n. 34.866, relator o Ministro Luiz Galloti, em 1957, afirmou o caráter amplo do De creto Le gisla tivo n. 27, de 20 de junho de 1956; a anistia nele concedida --- diz a eme nda --- “nã o protege apenas a participação em gre ve, mas també m os crime s com ela conexos, excluído o homicídio doloso”; isso porque o artigo 2º do de creto le gisla tivo expre ssa mente os excluía do benefício. 31.3 No Re curso Criminal n. 1.019, relator o Ministro Ary Franco, e m 1957, e stendeu a ato ocorrido após 1º de março de 1956 , mas ante s de sua publicação, os efe itos do De creto Le gisla tivo n. 22, de 23 maio do me smo ano, que anistiou de modo amplo e irrestrito todos aque les que houve sse m praticado atos e ntre 10 de nove mbro de 1955 e 1º de março de 1956 , relacionados com o movi mento ocorrido a 10 de novembro de 1955.

31.4 No Recurso Criminal n. 1.025, relator o Ministro Hahnemann Guimarãe s, e m 1958 afirmou-se o caráter amplo da anistia concedida aos jornalistas, em relação a de litos de imprensa, pelo De creto Le gislativo n. 27.

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31.5 A ementa d o Re curso de Habe as Corpus n. 59.834, Relator para o a córdão o Ministro Cord eiro Guerra, em 1982, linhas a cima refe rido, diz: “ANISTI A. Interpreta ção do art. 1º e seu § 1º da Lei n. 6.683, de 28 de agosto de 1.979. Crime de de serçã o praticado conte mporâne a ou ante cedentemente aos crime s políticos anistiados, [sic] considera-se conexo ou relacionado com os crimes políticos para o re conhe cimento da extinção da punibilidade, por força do § 1º do art. 1º da Lei n. 6.683, de 28.8.1979”.

32. Que o Supre mo Tribunal Federal interpreta essa matéria de modo benéfico, disso dão conta, e xemplarmente, os acórdãos lavrados nos Re cursos Criminais 1.396 e 1.400, Relatore s, respe ctiva mente, os Ministros Xavier de Albuque rque e L eitão de Abreu, já e m setembro de 1979, nos quais unanime mente atribuiu-se à e xpressão “condenad os”, no § 2º do artigo 1º da Lei n. 6.683/79, o significado de c onden ado p or sentenç a pas sada em julgad o. No mesmo sentido o Re curso Criminal 1.410, Relator o Ministro Decio Miranda , e o Recurso Criminal 1.401, Relator o Ministro Cordeiro Guerra, ainda em 1 979.

E, no RE 165.438, Relator o Ministro Carlos Velloso, em 2004, de staco voto, que tudo re sume, d o Ministro Cezar Peluso: “e m tema de anistia, a interpreta ção tem de ser ampla e generosa, sob pena d e frustrar seus propósitos político-jurídicos”.

Referências

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