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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO COORDENADORIA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E MONOGRAFIA JURÍDICA LUCAS LEITE ALVES

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

COORDENADORIA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E MONOGRAFIA JURÍDICA

LUCAS LEITE ALVES

A VALORIZAÇÃO DOS PRECEDENTES E O INTERESSE RECURSAL

FORTALEZA

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LUCAS LEITE ALVES

A VALORIZAÇÃO DOS PRECEDENTES E O INTERESSE RECURSAL

Trabalho de Conclusão de Curso submetido à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC) como requisito parcial à obtenção do Grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Juvêncio Vasconcelos Viana

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

A valorização dos precedentes e o interesse recursal / Lucas Leite Alves. – 2011. 72 f. : enc. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2011.

Área de Concentração: Direito Processual Civil.

Orientação: Prof. Dr. Juvêncio Vasconcelos Viana.

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LUCAS LEITE ALVES

A VALORIZAÇÃO DOS PRECEDENTES E O INTERESSE RECURSAL

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Área de Concentração: Direito Processual Civil

Aprovada em ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________

Prof. Dr. Juvêncio Vasconcelos Viana (Orientador) Universidade Federal do Ceará – UFC

__________________________________________ Sr. Eric de Moraes e Dantas - Mestrando

Universidade Federal do Ceará – UFC

___________________________________________ Sra. Ana Karoline dos Santos Pinto - Mestranda

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RESUMO

Relata o fenômeno da valorização dos precedentes judiciais e sua influência sobre a concepção de interesse recursal, demonstrando que é necessário proceder-se a uma reinterpretação do significado da utilidade em recorre-se a fim de permitir-se a impugnação de decisões com base nas premissas desfavoráveis ao recorrente fixadas na fundamentação. Analisa-se a evolução do Estado, do conceito de jurisdição e do reconhecimento do papel criativo dos juízes. Aponta-se a convergência dos grandes sistemas jurídicos do Ocidente como fator preponderante para o fenômeno de valorização dos precedentes e a faz-se uma reflexão em torno da adequação da concepção clássica de interesse recursal em face das mudanças decorrentes das inovações processuais promovidas nos últimos anos.

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ABSTRACT

It reports the phenomenon of valorization of judicial precedent and its influence over the meaning of interest to appeal, demonstrating that it is necessary to give a new interpretation about the meaning of utility to appeal in order to allow the impugnation of judicial decisions based upon exclusively the reasoning. It analyzes the evolution of the State, the concept of jurisdiction and the acceptance of the creative role of the judges. It shows the trends toward convergence between the great Western legal traditions like a cause for the phenomenon of valorization of judicial precedent and it makes a reflection about the adequacy of the classical meaning of interest to appeal taking into account the changes provoked by procedural innovations occurred last years.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 9

2 A JURISDIÇÃO COMO ATIVIDADE CRIATIVA E O ESTADO CONSTITUCIONAL CONTEMPORÂNEO ... 11

2.1 A Evolução do Estado e da Concepção de Jurisdição ... 11

2.2 A mútua influência do Common Law e da Civil Law ... 16

3 A VALORIZAÇÃO DOS PRECEDENTES JUDICIAIS NO BRASIL... 19

3.1 Precedentes Judiciais ... 19

3.1.1 Natureza Jurídica dos Precedentes ... 19

3.1.2 Precedente e Jurisprudência ... 20

3.1.3 Precedente e Experiência/Exemplo/Costume ... 22

3.1.4 Precedente e Decisão Judicial ... 23

3.1.5 Precedente e Súmulas... 24

3.2 Elementos do Precedente... 25

3.2.1 Ratio Decidendi ... 25

3.2.2 Obiter Dictum ... 30

3.3 A Utilização e os Efeitos dos Precedentes Judiciais no Brasil ... 31

3.3.1 Motivos para a Utilização dos Precedentes no Brasil ... 31

3.3.2 Principais Efeitos atribuíveis aos Precedentes ... 34

4 INTERESSE RECURSAL NA PERSPECTIVA DA VALORIZAÇÃO DOS PRECEDENTES ... 35

4.1 Evidência da influência da valorização dos precedentes no processo civil brasileiro ... 36

4.2 Conceitos clássicos de recurso, juízo de admissibilidade e interesse recursal ... 38

4.3 A valorização dos precedentes e o interesse recursal ... 47

5 CONCLUSÃO ... 57

REFERÊNCIAS ... 60

ANEXO A – RECLAMAÇÃO 10.707 – MC/DF ... 65

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1 INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico brasileiro, em especial, a legislação processual civil, vem experimentando uma série de mudanças com o advento do Neoconstitucionalismo. Fenômenos como o ativismo judicial, a noção de princípios como normas jurídicas e a missão de concretizar os direitos fundamentais parecem atuar, quando conjugados com a convergência dos grandes sistemas jurídicos do Ocidente, no sentido de alterar profundamente o modo de agir do Poder Judiciário e das outras instituições que compõem o Estado Democrático de Direito brasileiro.

Diante da crise de efetividade (THEODORO JÚNIOR; NUNES; BAHIA, 2010, p.16) e da incerteza provocada por decisões contraditórias emanadas do Poder Judiciário, pouco a pouco o ordenamento pátrio vem abrindo espaço para o maior respeito aos precedentes judiciais, até como forma de garantir a segurança jurídica (MARINONI, 2009a, p.15) e a isonomia (MARINONI, 2009b, p.9) previstas na Constituição Federal. Inoculadas com mãos de gato no sistema processual civil (MOREIRA, 2005, p.5), a súmula vinculante, o regime de julgamento dos recursos repetitivos, a jurisprudência predominante obstativa de recursos, dentre outros institutos, ampliam sobremaneira a eficácia das decisões judiciais. Assim, os provimentos firmam teses jurídicas aplicáveis a casos semelhantes e pessoas que não tiveram a possibilidade de participar de seu processo de elaboração sofrem diretamente seus efeitos.

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2 A JURISDIÇÃO COMO ATIVIDADE CRIATIVA, O ESTADO CONSTITUCIONAL CONTEMPORÂNEO E A MÚTUA INFLUÊNCIA ENTRE OS SISTEMAS JURÍDICOS OCIDENTAIS

O Estado, como entidade social, está suscetível à evolução. Evolui de acordo com os valores vigentes em determinado contexto econômico, social e político. Legislar, executar e julgar, três das mais conhecidas funções estatais, com advento do Constitucionalismo, vêm sofrendo uma série de mudanças.

Neste capítulo do trabalho monográfico, far-se-ão algumas análises sobre a evolução do Estado e da concepção de jurisdição, para, em seguida, expor-se o fenômeno da convergência entre os sistemas jurídicos do Ocidente, ideias fundamentais a fim de se cumprir o objetivo expresso nas considerações introdutórias.

2.1A Evolução do Estado e da Concepção de Jurisdição

A Jurisdição, entendida como uma das funções estatais, expressão do poder ou atividade dos juízes (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2008, p.147), tem a evolução de seu significado atrelada à do próprio Estado que a exerce e, logicamente, dos valores e ideologias prevalentes em determinado meio social.

O Estado Liberal de Direito, que alçou a lei ao patamar de referencial da conduta dos indivíduos e da Administração, antes exercida pelo governo absolutista do Antigo Regime, constitui a legalidade como critério de identificação do direito, é dizer, “[...] o direito estaria apenas na norma jurídica, cuja validade não dependeria de sua correspondência com a justiça, mas somente de ter sido produzida por uma autoridade dotada de competência normativa” (MARINONI, 2011a, p.27).

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os poderes de legislar, executar e julgar deveriam ser exercidos separadamente, a concepção de jurisdição e de todas as teorias que a explicavam se construiu, influenciando enormemente o ordenamento jurídico brasileiro.

Assim, a partir desta época, restringiu-se bastante a atividade dos juízes, os quais, para Montesquieu, exerciam um poder nulo, porquanto ficariam limitados a dizer o que havia sido dito pelo legislador ( bouche de la loi), cabendo a execução material ao poder executivo. Desta forma, sendo o direito decorrência da lei, e não de uma pluralidade de fontes, o advento do novo Estado implicou mudanças na concepção de direito e de jurisdição (MARINONI, 2011a, p.27), o que seria fundamental para garantir-se a segurança e a liberdade que tanto se almejava. Tais valores, para se tornarem realidade, necessitariam de leis abstratas e gerais e de juízes que não as interpretassem, tampouco tivessem a prerrogativa de adequar sua aplicação às situações do caso concreto, uma vez que, do ponto de vista de uma sociedade burguesa e liberal, tal exercício acabaria por obnubilar a previsibilidade e certeza do direito, essencial para o desenvolvimento das atividades econômicas (MARINONI, 2011a, p.30).

Foi nesse ambiente, portanto, que se desenvolveram as principais ideias a respeito da jurisdição. A ciência processual brasileira, inspirada pelas Teorias de Chiovenda e Carnelluti, trilhou semelhante caminho, senão vejamos alguns conceitos dos principais doutrinadores para o significado de jurisdição: “[...] uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça [...]” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2008, p.145); “[...] é o poder que toca ao Estado, entre as suas atividades soberanas, de formular e fazer atuar praticamente a regra jurídica concreta que, por força do direito vigente, disciplina determinada situação jurídica [...]” ( THEODORO JÚNIOR, 2007 apud WAMBIER;TALAMINI, 2010, p.99); “[...] a jurisdição é o poder-dever-função do Estado de, quando provocado, substituindo a vontade das partes, fazer atuar a vontade concreta da lei para realizar a paz social [...] ” ( RODRIGUES, 2003 apud WAMBIER;TALAMINI, 2010, p.99).

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de direito subjetivos privados violados, para em seguida, tornar-se a atuação da vontade da lei, afirmando-se o direito objetivo (MARINONI, 2011a, p.33). São estas, inclusive, as principais contribuições dadas à ciência jurídica por Chiovenda e Carnelutti, que, a despeito da discordância metodológica, permanecem fiéis à noção de completa subordinação do juiz à lei1.

Para Carnelutti, a sentença integra o ordenamento jurídico, tornando concreta a norma genérica e abstrata, no que acaba divergindo de Chiovenda para quem a jurisdição é vista como simplesmente declaratória (MARINONI, 2011a, p.38). Há que se ressaltar, entretanto, que para Carnelutti, ao tornar concreta a norma, compondo a lide, o que se faz é um simples procedimento de adequação daquilo que já existente ao caso concreto, não tendo nenhuma relação com a idéia de que o juiz cria uma norma jurídica, trata-se, tão-só, de exercício declarativo e não de criação. No mesmo sentido, ensina-nos Piero Calamandrei ( 1945 apud MARINONI, 2011b, p.8):

Assim como a lei vale, enquanto está em vigor, não porque corresponda à justiça social, senão unicamente pela autoridade de que está revestida (dura lex sed lex),

assim também a sentença, uma vez transitada em julgado, vale não porque seja justa, senão porque tem, para o caso concreto, a mesma força da lei (lex especialis). Em

um certo ponto, já não é legalmente possível examinar se a sentença corresponde ou não à lei: a sentença é a lei, e a lei é a que o juiz proclama como tal. Mas com isto não se quer dizer que a passagem à coisa julgada crie o direito: a sentença (ou a coisa julgada material ou declaração de certeza), no sistema da legalidade, tem sempre caráter declarativo, não criativo do direito.

Entretanto, a evolução social e do Estado implicou o questionamento do mito de que o parlamento produz leis perfeitas, abstratas e que podem ser aplicadas a todos os indivíduos desconsiderando-se as circunstâncias especiais do caso concreto e ignorando os princípios de justiça. Começou a ganhar fôlego o Constitucionalismo, que passou a subjulgar a lei emanada do parlamento aos valores e princípios insculpidos na Constituição, a qual teve seus preceitos dotados de força normativa.

_______________

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Atualmente, a produção legislativa é reconhecidamente falível e submete-se ao controle judicial, tendo-se como parâmetro os princípios de justiça e os direitos fundamentais. Acabou-se, portanto, o mito de que o legislador não comete equívocos e pode atuar sem parâmetro e com poderes absolutos simplesmente porque representa o povo.

Muitas dessas mudanças correspondem à transformação metodológica que vem sofrendo a ciência jurídica a partir da segunda metade do século XX, o que inclui: a) a aceitação da força normativa da Constituição, passando esta a ocupar o topo da pirâmide do sistema jurídico, com eficácia imediata e, às vezes, sem necessidade de intermediação legislativa; b) o reconhecimento dos princípios como norma jurídica e não mais simples técnica de integração2; c) a ideia de que o juiz cria o direito através da hermenêutica jurídica;

d) a valorização dos direitos fundamentais (DIDIER JR., 2011, p.27-29).

Indubitável, portanto, que tais ideias produzem uma série de efeitos na concepção sobre o significado e o papel do direito e da jurisdição. Ora, se o Estado mudou, adotou novos princípios e objetivos, passando a se preocupar com a concretização de novos direitos, outro não poderia ser o destino da ciência processual e de alguns de seus institutos.

Essa transformação vem sendo denominada por muitos doutrinadores como Neoconstitucionalismo3, o qual demandaria uma interpretação da lei tendo-se como parâmetro a Constituição, sendo certo que o produto que de tal exercício se extrairia decorreria de uma construção, e não mais de uma simples revelação, atribuindo-se aos juristas maior responsabilidade no que se refere à efetivação dos planos constitucionais (MARINONI, 2011a, p.48).

_______________

2 “*...+ é preciso realçar um ponto: a Constituição Brasileira de 1988 tem princípios e regras, cada qual com

funções diferentes, não se podendo falar, desse modo, da primazia de uma norma sobre outra, mas tão-só, de funções e eficácias diferentes e complementares. No entanto, seguindo o modelo aqui criticado, caso se insista em escolher rótulo que melhor represente a estrutura normativa típica da Constituição Brasileira de 1988, no aspecto quantitativo, ele deverá ser “Constituição regulatória” e não, como costumeiramente se tem afirmado, “Constituição principiológica”” (ÁVILA, 2009, p.3)

3 “É certo que não há apenas um conceito de neoconstitucionalismo. A diversidade de autores, concepções,

elementos e perspectivas é tanta, que torna inviável esboçar uma teoria única do

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Resta claro e evidente, portanto, que aos novos juristas cabe o exercício de uma posição crítica diante do objeto sobre o qual debruça seu esforço intelectual. Os dispositivos legais, ao verem sua aplicação subordinadas a princípios e direitos fundamentais, à razoabilidade e à proporcionalidade, implicam, naturalmente, a noção de que o texto legal é diferente da norma que dele deriva. Passa-se a conviver, portanto, com os métodos da concretização e da subsunção, o que, aliado à técnica das cláusulas gerais, exigem dos juízos e Tribunais maior proatividade na definição daquilo que constitui o Direito.

Durante o Estado social e democrático [...] aumenta consideravelmente a intervenção dos juízes no processo de produção do Direito. Na hora de aplicar uma

norma ao caso concreto se convertem em verdadeiros “criadores” diretos do Direito,

já que gozam de certa discricionariedade na interpretação dos diferentes sentidos que aquela possa ter, aportando assim certo valor que acrescenta na cadeia de produção ou inovação do ordenamento jurídico. Está-se, portanto, diante da jurisprudência como fonte direta do Direito, que estabelece critérios jurídicos gerais vinculantes para os juízes e tribunais, transparecendo estar acontecendo uma verdadeira revisão entre os muros da civil law e da common law ( OLIVEIRA JÚNIOR, 2010, p.1).

Tal papel ativo vem sendo designado por alguns como ativismo judicial, postura que representaria o rompimento com o positivismo jurídico, referindo-se a uma atuação proativa do magistrado, o qual, em seu labor interpretativo, passaria a participar da criação da norma jurídica. Decorreria tal postura da flexibilização interpretativa, vista como inerente à atuação judicial, mormente diante de todas as possibilidades que se abrem perante o magistrado quando levado em conta o ordenamento jurídico em sua plenitude, restando-lhe realizar a escolha pela melhor solução ao caso concreto (NEGRELLY, 2010, p. 5).

O ativismo judicial associa-se, assim, ao aumento da intensidade da participação do Poder Judiciário na concretização de valores e fins constitucionais, representando, muitas vezes, uma interferência indevida (NEGRELLY, 2010, p. 6) . J.J. Gomes Canotilho, em recente entrevista para um portal de notícias jurídicas brasileiro demonstrou sua não concordância com tal fenômeno, uma vez que, em sua opinião, a política deve ser exercida pelos cidadãos, não por juízes, os quais nunca fizeram revoluções e “[...] portanto, pedir ao Judiciário que exerça alguma função de ordem econômica, cultural, social, e assim por diante, é pedir ao órgão que exerça uma função para a qual não está funcionalmente adequado[...]” (POLÍTICA, 2011, p.1).

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analisá-lo a partir da fotografia, mas somente a partir do filme, o que nos imporia um estudo a longo termo. A priori, pode-se considerar como resultante da ineficiência dos outros poderes, que parecem não estar dando conta da efetivação dos direitos exigidos pelos cidadãos, o que acaba gerando demandas perante o Poder Judiciário, o qual, diante de tanta mudança na maneira de pensar o direito e de aplicá-lo, acaba por quebrar o paradigma da Separação dos Poderes.

2.2 A mútua influência do Common Law e da Civil Law

Um dos efeitos provocados pela Globalização e pela consequente diminuição das fronteiras entre os países é a convergência entre os grandes sistemas jurídicos do Ocidente, ou seja, entre a common law e a civil law.

Está muita clara essa interpenetração, a qual acaba por implicar uma mútua influência e a possibilidade de evolução do modo como se distribui a justiça nos países que adotam esses sistemas. Alguns doutrinadores chegam até a realizar questionamentos desconfiados a respeito do real proveito decorrente dessa troca como a que interesses se estaria servindo, se não se estaria diante daquilo que se poderia designar por “neocolonialismo”, deixando para os cientistas políticos o encargo da resposta (MOREIRA, 2005, p.5). A despeito de se estar ciente sobre a referida polêmica, buscar-se-á analisar objetivamente o fenômeno e tendo como foco os efeitos no ordenamento jurídico, sem pretensão de elucidar eventuais motivos que lhe deram causa.

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A par disso, a doutrina estrangeira vem identificando uma crescente codificação no âmbito dos sistemas do common law, fundada tanto na proximidade decorrente da Internacionalização quanto no fato de que as cortes não são capazes de definir rapidamente as normas de que sociedade moderna necessita (FUNKEN, 2011, p.6). Para os países de common law, há doutrina que admite inclusive que a economia e eficiência do sistema da civil law deveria prevalecer em eventual novo sistema emergente da convergência entre os grandes sistemas jurídicos do Ocidente ( FUNKEN, 2011, p.29).

Por outro lado, nos países que adotam a civil law, é forte a tendência de valorização dos precedentes judiciais, inclusive com o reconhecimento de eficácia erga omnes e do efeito vinculante dos julgados das Cortes Superiores. Tudo isso se dá, entretanto, muito embora não se admita a doutrina do stare decisis, sendo identificável em alguns países um verdadeiro efeito vinculante de fato, o qual decorreria da má avaliação administrativa que se faz de magistrados que possuem um alto nível de alteração dos provimentos que expedem ( FUNKEN, 2011, p.12).

Atualmente, em decorrência do fenômeno da convergência, é possível perceber que tradicionais sistemas de civil law, como o francês, já entenderam que de modo geral a atividade interpretativa é criativa de sentidos, construtiva, sendo certo que “[...]quem diz interpretação diz criação, e não há duvidas de que a Corte de Cassação faz de sua jurisprudência uma fonte do direito tão importante quanto a lei” (GOBERT, 1992 apud BUSTAMANTE, 2007, p.35).

Dessa forma, a convergência entre os sistemas jurídicos, que se revela na incorporação, pelo menos a partir da perspectiva do civil law, de institutos e conceitos próprios da common law implica a necessidade de reavaliarmos os conceitos tradicionalmente concebidos a fim de que estes tenham aplicação em um sistema que sofre com tais influxos externos.

Veja-se que os sistemas jurídicos da common law e da civil law prestam deferência a modos de pensar bastante peculiares:

Lord Cooper, um importante juiz escocês, acredita que “um sistema jurídico de civil law

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pergunta a si mesmo cada vez que surge um novo problema: <<O que devemos fazer desta vez?>>, enquanto o segundo indaga em voz alta na mesma situação: <<O que nós fizemos da última vez?>> (COOPER, 1950 apud BUSTAMANTE, 2007, p.25)

Assim, se estamos mesmo diante do fenômeno da convergência, impõe que esta se dê de maneira responsável e crítica, até para que se evitem comparativismos maléficos ao funcionamento do Poder Judiciário, que já enfrenta uma crise de efetividade. Inclusive, alerta-se que a comparação entre dois sistemas deve levar em conta o quadro institucional em que vive o Brasil e , principalmente, a “[...] tendência, posterior à Constituição da República de 1988, de utilização do Poder Judiciário como compensador dos déficits de funcionalidade dos demais Poderes[...]” (THEODORO JÚNIOR; NUNES; BAHIA, 2010, p.16). Conseguintemente, é importante que se perceba o papel do Poder Judiciário e que se tenha em mente que qualquer reforma não será suficiente para alterar o panorama de profunda desigualdade social e de não concretização de alguns direitos fundamentais insculpidos na Carta Constitucional sem que haja a devida vontade política.

Neste sentido, mudanças recentes na legislação processual civil brasileira, como a introdução das súmulas vinculantes, o julgamento por amostragem dos recursos repetitivos, o efeito obstativo de recursos atribuídos à jurisprudência dominante, além das alterações que provavelmente estão por vir, prenunciadas pelo anteprojeto do Código de Processo Civil encabeçado pelo Ministro Luiz Fux, demonstram a importação da lógica de valorização dos precedentes em nosso sistema jurídico, mas isto não pode implicar uma adesão completa e acrítica ao que vem de fora. Devemos construir teorias próprias e adaptar os institutos jurídicos pátrios de forma inteligível aos aplicadores nacionais, não nos esquecendo que disso depende a própria funcionalidade de um sistema que vise à garantia de direitos.

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3 A VALORIZAÇÃO DOS PRECEDENTES JUDICIAIS NO BRASIL

Os precedentes judiciais sempre existiram e foram utilizados pelo Poder Judiciário brasileiro, às vezes com mais força, como na época dos Assentos da Casa de Suplicação (MANCUSO, 2010, p. 220), os quais eram dotados de força de lei; em outras épocas, menos, como durante o início da República.

Atualmente, os precedentes parecem estar ganhando importância, motivo pelo qual é interessante que se entenda no que consistem, quais seus elementos, como se formam e quais seus principais efeitos.

3.1 Precedentes Judiciais

Conforme visto, os grandes sistemas jurídicos do Ocidente exercem entre si mútua influência principalmente pelo maior intercâmbio de idéias proporcionado pelo fenômeno da globalização.

O instituto do precedente judicial, que constitui a fonte mais importante do direito dos países da common law – sendo considerada sua fonte primária, está sendo assimilado aos poucos pelo ordenamento jurídico brasileiro e, para ser melhor compreendido, além de uma teoria adequada que deve ser elaborada pela doutrina nacional, é assaz relevante que se estabeleça sua natureza jurídica e algumas distinções básicas com outros institutos ou conceitos.

3.1.1 Natureza Jurídica dos Precedentes

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estudo, importa que analisemos qual a essência do precedente e como podemos classificá-lo dentro do conjunto de figuras existentes no Direito.

O precedente pode ser compreendido como um fato, cujo tratamento jurídico variará conforme o direito de cada país. Trata-se de produção cultural a qual se pode atribuir bastante relevância ou não. Dão-se-lhes poucos ou muitos efeitos jurídicos, podendo ser meramente persuasivos ou vinculantes, ou até mesmo não se lhes confere efeito jurídico algum (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2011, p.392).

Didier et al (2011, p.392), inspirado na clássica doutrina de Pontes de Miranda, localiza os precedentes na categoria dos atos-fatos jurídicos, porquanto seriam atos humanos que produziriam efeitos jurídicos a despeito da manifestação de vontade do órgão jurisdicional que o prolatou, isto é, a vontade é irrelevante no que tange à escolha dos efeitos jurídicos perseguidos. Por conta disso, os efeitos ex lege que lhe forem atribuídos podem ser categorizados como efeitos anexos da decisão judicial.

3.1.2 Precedente e Jurisprudência

A distinção entre Precedente Judicial e Jurisprudência pode não se afigurar muita clara, mormente em razão do uso sinonímico que os operadores do direito realizam. Refere-se, muitas vezes, a decisões judiciais, precedentes e jurisprudência como se iguais fossem. No entanto, a doutrina especializada faz algumas distinções interessantes e que podem indicar imprecisões técnicas no emprego destes termos a depender do objeto a que se quer fazer menção.

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pelos órgãos colegiados integrantes dos Tribunais Judiciários, os quais vêm indicados, em

numerus clausus, no art.92 da CF[...]” (MANCUSO, 2010, p. 50), dentre outras.

Precedente, diferentemente de jurisprudência, indica a “[...] a decisão judicial tomada à luz do caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos [...]” (PORTO, 2009, p.2), é dizer, ao se referir a precedente, quer-se fazer menção a uma decisão que fornece elementos para que a resolução de casos futuros se dê de forma assemelhada, funcionando como verdadeiro principium, na acepção etimológica da palavra, um ponto de partida (PORTO, 2009, p.11)

.

É óbvio, portanto, que caso se tome a noção de jurisprudência como sucessão harmônica de decisões, conforme acima transcrito, verifica-se que o precedente estaria nela contido, mas com ela não se confunde, mormente porque é possível identificar-se uma decisão qualificável como precedente mesmo que ela seja única e não pertença a um coletivo de decisões iterativamente prolatadas.

Tal inferência foi inclusive feita pelo doutrinador Taruffo, o qual foi além dessa constatação e fez algumas ponderações relativas ao aspecto qualitativo da diferença entre precedente e jurisprudência:

Por sua vez, no tocante à diferença de caráter qualitativo, tem-se que o precedente fornece uma regra que pode ser aplicada como critério de decisão no caso sucessivo em função da identidade ou analogia entre o fato do primeiro caso e o fato do segundo caso, sendo que tal constatação - de identidade ou analogia - fica a cargo do juiz do caso sucessivo a ser decidido. (ROCHA; MARQUES FILHO, 2010, p.5)

Identifica-se, portanto, uma diferença entre precedente e jurisprudência no tocante a aspectos quantitativos (esta se refere a uma pluralidade; aquele, a uma singularidade) e qualitativos (dificuldade de identificação da regra da jurisprudência e sua aplicação subsuntiva; maior facilidade em identificar-se o precedente e sua aplicação analógica).

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decisões anteriores e que poderá se aplicar a casos sucessivos (ROCHA; MARQUES FILHO, 2010, p.5), não há dúvidas de que tais conceitos não são correlatos.

3.1.3 Precedente e Experiência/Exemplo/Costume

Precedente não se confunde também com a noção de experiência, tida esta como o conhecimento adquirido através da prática da observação, isso porque “[...] enquanto a experiência revela compreensão advinda da vivência de um fato ou de uma situação passada, que ensina ou explica algo a respeito do presente [...]”(MARINONI, 2011c, p. 104), o precedente dela independe para surgir e pode ser aplicado por quem não a detém e também afastado por aquele que observa que o precedente é ruim, tendo em conta, justamente, a experiência suportada em virtude de sua aplicação.

Não é possível confundir a noção de precedente com a de exemplo, visto que o exemplo possui valor em razão de seu conteúdo, diferentemente daquele, que por seu próprio status “[...] atua de forma persuasiva ou obrigatória em virtude da autoridade que está em sua base [...]”(MARINONI, 2011c, p. 105). Entendendo-se de forma simples, exemplo é tudo o que pode ser imitado, mas que não se presta a vincular aquele que o levou a efeito ou outros que estejam em situações análogas.

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3.1.4 Precedente e Decisão Judicial

Não se identifica na doutrina uma unidade no tocante à diferenciação de Precedente e Decisão Judicial. Neste tópico, examinar-se-ão duas das posições as quais se reputa sejam as mais relevantes para a boa compreensão da matéria.

Quando trata de distinguir Precedente de Decisão Judicial, Marinoni (2011c, p.215-216) fixa a premissa de que o precedente é decisão qualificada por sua potencialidade de ser um paradigma para os magistrados e para os jurisdicionados, devendo constituir a resolução de uma matéria de direito, não de fato, e que enfrente os principais argumentos do caso concreto, mormente porquanto o delineamento de um precedente pode advir da análise de vários casos, através da solução judicial da questão de direito que os perpassa. Não basta, assim, na visão do doutrinador paranaense, que tal decisão restrinja-se a, por exemplo, afirmar a letra da lei, pois é necessário que haja a elaboração de uma tese jurídica cristalina. O que resta claro, por conseguinte, é que nem toda decisão judicial é um precedente, mas todo precedente é uma decisão judicial.

Outra posição forma-se com base na perspectiva de que o processo decisório implica a criação de duas normas jurídicas: a primeira, genérica, delimitada na fundamentação do julgado e resultado do processo de interpretação do fatos e do direito que lhes são aplicáveis; a segunda, individual, restrita ao dispositivo da decisão e que objetiva regular o caso em apreço, tendo aptidão para a coisa julgada material (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2011, p.386) .

De acordo com esta última visão, o precedente estaria localizado nessa dimensão genérica e seu núcleo essencial pode servir como parâmetro para o julgamento de casos posteriores análogos. Não seria possível identificar restrições ao conteúdo, ou seja, a aplicação da letra da lei em determinado caso seria bastante para configurar um precedente, que seria um fenômeno factual presente em todos os países e cuja força dependerá muito mais da autoridade que o ordenamento jurídico de cada sistema o atribuir, podendo ser vinculante ou persuasivo, a depender da escolha política de distribuição da justiça.

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“[...] o precedente judicial será fonte do direito quando os sistemas ou ordenamentos jurídicos lhe conferirem aludida força [...]”(ROCHA; MARQUES FILHO, 2010, p.3), doutra forma, restringem-se seus efeitos a um caráter meramente persuasivo4.

3.1.5 Precedente e Súmulas

A diferença precípua entre Súmulas e Precedentes encontra-se no fato de que as súmulas descrevem decisões, são enunciados, em regra, não dotados de força vinculativa, produzidos pelos tribunais e que, por esta razão, não se adéquam ao conceito de precedente, entendido este como “ [...] decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para julgamento posterior de casos análogos[...]” (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2011, p.385). É bem certo que o Tribunal que produz as súmulas deve basear-se em seus precedentes, é dizer, na ratio decidendi dos casos concretos sobres os quais deliberou, mas isso não quer dizer que tais conceitos se confundam.

Sobre a matéria, o Supremo Tribunal Federal, por meio de seu Informativo nº 612, trouxe íntegra do relatório do Ministro Celso de Mello na Reclamação 10.707 – MC/DF, publicada em 4.11.2010 no DJE, na qual se destrinchou grande parte da questão relativa à natureza jurídica das Súmulas, produção essa que, por sua relevância, visto que representa o entendimento da mais alta Corte brasileira, consta como anexo a este trabalho monográfico (ANEXO A – Reclamação 10.707 – MC/DF).

A súmula tem como escopo converter a jurisprudência consolidada e predominante em determinados Tribunais em enunciados. Não se reveste, ordinariamente, de efeito vinculante e possui diversas funções, que variam desde a simplificação dos julgamentos até a estabilização da jurisprudência. Por destinar-se a orientar os órgãos jurisdicionais, não _______________

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são compreendidas como pautas vinculativas dos julgamentos, encerrando conteúdo meramente descritivo e não se prestando a prescrever, derrogar, autorizar ou impor qualquer conduta de caráter individual ou social (BRASIL, 2010, p.1).

É de destacar ainda outro aspecto consistente no fato de que apesar de resolver questões jurídicas, assim como o precedente judicial, deste difere por não abrir-se para a adequada participação dos litigantes. Como se sabe, a produção sumular decorre de uma deliberação do Tribunal a respeito dos casos que este reputa representar o entendimento predominante naquela Corte, é um juízo do Tribunal e que se forma sem que as partes tenham o direito de influenciar ou participar demonstrando pontos controversos na redação do enunciado.

No precedente, verifica-se a presença das partes que deram origem à formação da tese jurídica, o que, por certo, na trilha do entendimento defendido por Marinoni (MARINONI, 2011c, p. 217), implica maior zelo na configuração da tese jurídica que se pretende cristalizar. Desta forma, a súmula é uma metalinguagem da decisão judicial e, para sua formação, a preocupação do tribunal está muito mais na adequada delimitação dos enunciados jurídicos, que, muitas vezes, são aplicados sem observância dos casos concretos que lhes deram origem.

3.2 Elementos do Precedente

O precedente judicial, para ser melhor compreendido, pode ser decomposto em dois elementos principais: ratio decidendi e obiter dictum. Para entender-se a aplicação dos precedentes em qualquer sistema jurídico é fundamental que tais componentes sejam analisados.

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O interessante no estudo dos elementos do precedente é a verificação de que os tribunais brasileiros, principalmente as cortes superiores, já vêm trabalhando com tais noções, o que se dá a despeito da existência de uma teoria brasileira dos precedentes5. Assim, quando da construção da teoria, é possível que a prática já esteja bastante consolidada. Veja-se, como exemplo, visto que não é o escopo deste tópico desenvolver o debate sobre a aplicação do precedente no Brasil, transcrição de trecho do RE (ED) 194.662-BA, constante no Informativo 294 do STF, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes:

Decisivo se afigura, isto sim, que essa premissa tenha sido aceita como correta pela maioria e, por isso, integrado a "ratio decidendi". Aqui, afigura-se fundamental a distinção entre "ratio decidendi" e "obter dictum", tendo em vista a necessidade ou a imprescindibilidade dos argumentos para formação da decisão obtida (Cf. sobre o assunto, Winfried Schlüter, Das Obiter Dictum, Munique, 1973, p. 77 s). Embora possa haver controvérsias sobre a distinção entre "ratio decidendi" e "obter dictum", é certo que um critério menos impreciso indica que integra a "ratio decidendi" premissa que não possa ser eliminada sem afetar o próprio conteúdo da decisão (Cf. Schlüter, op. cit., p 85) (BRASIL, 2003, p.1)

A doutrina identifica que todo precedente é composto de dois elementos: “[...] a) as circunstâncias de fato que embasam a controvérsia; e b) a tese ou o princípio jurídico assentado na motivação (ratio decidendi) do provimento decisório[...]” ( TUCCI, 2004 apud DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2011, p.385); o entendimento de tais elementos ainda se afigura mais relevante, se observarmos que, inobstante a referência à eficácia persuasiva ou obrigatória do precedente, o que se deve entender é que a obrigatoriedade6 ou persuasão encontra-se em sua ratio decidendi (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2011, p.385). Acresça-se, todavia, que para alguns doutrinadores a ratio é algo distinto do dispositivo e da fundamentação, tratar-se-ia de elemento derivado destes e do relatório, sendo, entretanto, a eles externo (MARINONI, 2011c, p. 223).

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5 Existem inúmeros estudos nos últimos anos que mostram essa tendência de junção das tradições já no século XX: na experiência continental européia tornou-se evidente a concessão de maior espaço ao direito jurisprudencial, e, em sentido inverso, uma orgia legislativa que ofertam formas legais às regras do common law

clássico. E nós brasileiros não ficamos avessos a este fenômeno. A cada dia assistimos o reforço da importância dos julgamentos dos Tribunais superiores, na fundamentação das decisões proferidas. No entanto, tal fenômeno

de um “common law à brasileira” se dá sem a preocupação científica de consolidação de uma teoria dos

precedentes para nosso país. (THEODORO JÚNIOR; NUNES; BAHIA, 2010, p.40-41)

6 Não há como esquecer que a busca da definição de razões de decidir ou da

ratio decidendi parte da necessidade

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A compreensão daquilo que constitui a ratio decidendi decorre ainda da característica do common law de que os fundamentos da decisão são essenciais não somente às partes, mas também aos juízes e aos jurisdicionados. Ao contrário do que ocorre nesta tradição jurídica, na civil law, os fundamentos, apesar de relevantes para explicar a norma constante no dispositivo, única que, em regra, transita em julgado e é hábil tornar-se indiscutível pela coisa julgada material, podem ser rediscutidos em outra ação e não se prestam a assegurar previsibilidade e segurança (MARINONI, 2011c, p. 220) ao sistema, porquanto interessam só às partes, estando a idéia de segurança jurídica muito mais atrelada ao respeito à coisa julgada, que incide sobre o dispositivo, em regra.

No direito brasileiro, está em debate a atribuição de efeito vinculante aos fundamentos das decisões do STF sobre a constitucionalidade de leis ou atos normativos.

Através da propalada eficácia transcendente da motivação, muito bem exposta através da Rcl.1.987 ,o Ministro Gilmar Mendes, principalmente, defendeu a tese de que a eficácia da decisão da Suprema Corte transcenderia o caso em apreço, sendo certo que os princípios decorrentes do dispositivo e da fundamentação relativa à constitucionalidade da matéria devem ser observados pelos órgãos do Poder Judiciário e pelas autoridades administrativas (BRASIL, 2003, p.1).

O referido ministro utilizou ainda institutos discutidos no direito alemão, como a norma decisória concreta - espécie de norma jurídica subjacente ao comando decisório fixado no dispositivo da decisão e que permitiria o julgamento não somente do caso concreto, mas também de casos semelhantes, para justificar as razões pela qual compreende que seria indevida a limitação do efeito vinculante à parte dispositiva da decisão, visto que, a entender-se de modo contrário, estar-entender-se-ia diminuindo o papel do Tribunal Constitucional, além de ensejar, por consectário lógico, na inexistência de qualquer diferença em relação ao instituto da coisa julgada (BRASIL, 2003, p.1).

Vê-se, portanto, que verificadas as particularidades de cada instituto, é possível alocar os institutos da ratio decidendi, dos motivos determinantes e da norma decisória concreta em uma mesma dimensão (MARINONI, 2011c, p. 278)7.

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7 Interessante destacar a diferença entre o efeito vinculante e o stare decisis: O stare decisis se refere ao poder

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Taruffo (2007 apud ZANATTA, 2010, p.10) pondera, entretanto, que a identificação da ratio decidendi não é um exercício fácil, principalmente em razão dos diversos métodos e teorias que procuram explicar-lhe os significados. Segundo alguns ordenamentos, a ratio decidendi seria espécie de critério jurídico utilizado para adjetivar aqueles fatos de maior relevo da controvérsia e a decisão que sobre eles recaem; noutros, em vez de o foco residir no princípio decisório para a resolução dos fatos, a acentuação da ratio decidendi estaria na norma; por fim, pode-se encontrar alguns ordenamentos em que a argumentação jurídica que respalda a decisão relativa à qualificação dos efeitos jurídicos atribuídos aos fatos seria ratio decidendi. O mais importante é ressaltar-se que a definição e a decisão sobre aquilo que constitui a ratio decidendi é incumbência do juiz responsável pelo caso sucessivo.

O escopo deste estudo monográfico não é apreciar as diferentes teorias e métodos para identificação da ratio decidendi, porém, como o objetivo funda-se na análise da mudança do conceito de interesse recursal em função do fenômeno da valorização dos precedentes, é importante que ao menos elenquemos algumas das principais teorias, para, em tópico apropriado, abordarmos com mais precisão o que justificaria a ampliação do interesse em impugnar-se determinada fundamentação tendo em vista a necessidade de abrir-se mais espaço na atividade de construção dos precedentes.

Antes, no entanto, é importante que se destaque o caráter analogético do direito jurisprudencial, que influencia a incorporação da valorização dos precedentes. Diferentemente da clássica civil law, baseada no primado da lei, cuja principal atividade é a interpretativo-dedutiva, na common law , no que se refere ao precedente, “[...] não se busca revelar o conteúdo do seu texto, mas sim identificar os seus extratos formais, ou melhor, o significado formal das suas poções , das quais se extraem determinados efeitos[...]”(MARINONI, 2011c, p. 223), raciocinando a Corte por analogia, inexistindo, todavia, acordo quanto ao método mais apropriado.

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que, para que se lhe identifique, o aplicador do direito inverta o sentido da proposição tomada como essencial pelo tribunal. Caso a decisão se altere, esta é a ratio decidendi. Se o resultado do julgamento continua o mesmo, tal proposição deve ser considerada mero obiter dictum. A principal crítica seria quando da análise de casos com dois fundamentos, os quais, mesmo apartados, levariam a idêntica conclusão, não cabendo tal método nessas hipóteses (MARINONI, 2011c, p. 224).

Outro método clássico, é o estabelecido por Goodhart, para quem a ratio decidendi deve ser verificada de acordo com os “[...]fatos tratados como fundamentais ou materiais pelo juiz[...]”(MARINONI, 2011c, p. 226), isto é, há que se identificar quais fatos seriam relevantes para produzir determinados efeitos jurídicos.

O importante, conforme ensina Marinoni, é ter-se claro que:

[...] a identificação da ratio decidendi sempre foi buscada em dois pontos, um

especialmente preocupado com a identificação dos fatos do caso, já que a ratio seria

a decisão a respeito deles, e outro com as razões que embasam a conclusão, ou seja, com as razões que anunciam a regra que dá solução ao caso (MARINONI, 2011c, p.228).

Didier Jr. et al (2011, p.386), ao referir-se ao caminho necessário para chegar-se à conclusão daquilo que se pode compreender como ratio decidendi, entendida esta como “[...]a tese jurídica ou a interpretação da norma consagrada na decisão[...]”(MARINONI, 2011c, p. 222), explica que esta se trata de norma geral construída indutivamente com base no caso concreto. Seria geral, uma vez que, assim como aos princípios gerais, aos quais se alcança mediante raciocínio indutivo, a ratio decidendi possuiria aptidão para ser aplicada a casos semelhantes àquele que a deu origem, descolando-se do caso concreto.

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3.2.2 Obiter Dictum

O conceito daquilo que seja obiter dictum é alcançável mediante exclusão. Conforme visto, o precedente contém um princípio (ratio decidendi) e uma concreta decisão que vincula as partes. Todavia, tudo aquilo que se agregou a uma decisão mas não se pode reputar como ratio decidendi é considerado obiter dictum.

Trata-se de parte da decisão considerada dispensável, composta por argumentos usados na complementação do raciocínio e expostos no bojo da motivação, mas que constituem juízos acessórios, cuja supressão em nada afetaria o comando judicial. É importante destacar que questões de direito podem ser consideradas dictum, basta que não hajam sido suscitadas perante a Corte ou que ela não esteja realmente decidindo (MARINONI, 2011c, p. 235).

Sérgio Porto (2009, p.13) explica que o precedente possui como núcleo formador essencial a ratio decidendi, não o obter dictum, porquanto aquele veicula o princípio jurídico (tese jurídica) prestigiado na resolução do caso concreto. Eventuais declarações de direito, portanto, somente são consideradas ratio decidendi se necessárias para responder às questões principais do caso. Requer-se, assim, de forma mais simples, que hajam sido suscitadas, levadas a exame do órgão jurisdicional para que se revistam do qualificativo de ratio decidendi. O restante, consubstanciado em adicionais considerações de direito as quais não foram submetidas à apreciação da corte ou não concernem diretamente ao caso em apreço, constituiriam simples dictum, que, consoante a tradição da doutrina que adota a vinculação dos precedentes, não atrela qualquer julgamento futuro, podendo os magistrados segui-los ou não.

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3.3 A Utilização e os Efeitos dos Precedentes Judiciais no Brasil

Até este momento, analisaram-se aspectos genéricos em relação aos precedentes: sua natureza jurídica e seus principais elementos. Neste tópico, abordar-se-ão a questão da utilização dos precedentes no Brasil e quais os principais efeitos que se atribui aos precedentes no sistema jurídico pátrio.

3.3.1 Motivos para a Utilização dos Precedentes no Brasil

Não se pretende neste tópico tecer grandes considerações a respeito dos valores que fundamentam a adoção dos precedentes, até porque o escopo principal do trabalho monográfico é simplesmente investigar se a força dada aos precedentes deve importar em uma nova concepção de interesse recursal. Por isso, expor-se-á de forma genérica a respeito dos principais motivos elencados pela doutrina para uma maior valorização dos precedentes no Brasil.

Antes de tudo, é importante ressaltar que o direito deve ser, ou ao menos parecer, funcional, visto que, “[...] ao contrário de ciências outras de cunho especulativo, como a Filosofia, encontra sua justificativa, ou legitimidade, na razão direta de sua eficácia prática como instrumento regulador ou sancionador de condutas numa sociedade civil[...]”(MANCUSO, 2010, p. 51).

Outro ponto importante é que não há como assegurar a liberdade dos indivíduos, incutir a sensação de segurança ou mesmo de justiça, se aqueles que exercitam qualquer espécie de poder, em qualquer instância, se comportam de acordo com seu livre alvedrio. A ordem, a liberdade, a segurança e a igualdade são valores que demandam a existência e o respeito a limites, inclusive ao passado.

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decisões anteriores que funcionam como modelo para decisões futuras [...]” e que aplicar “ [...] lições do passado para solucionar problemas presentes e futuros é um elemento básico da racionalidade humana [...]”(MACCOORMICK; SUMMERS, 1997 apud BUSTAMANTE, 2007, p.12).

No Brasil, o movimento de valorização dos precedentes encontra respaldo em parte da doutrina e vem conseguindo refletir-se nas últimas reformas promovidas no Código de Processo Civil. Evaristo Aragão Santos (2010, p.40) , em artigo publicado na Revista de Processo, destaca dois pontos de grande relevância e que se pode apontar como razões do crescimento de tal movimento: o grande número de decisões antagônicas sobre o mesmo tema e o fato de que os tribunais com função constitucional de uniformizar a interpretação do direito não conseguem atingir seu objetivo, a exemplo do STJ, cuja “[...] volatilidade dos posicionamentos têm atingido níveis constrangedores, ainda mais se considerarmos tratar-se da Corte máxima para fins de interpretação do direito federal[...]”( SANTOS, 2010, p.41) .

Compreende-se, portanto, que além do aspecto cultural, consistente na natural aceitação de uma wilderness of individual and unconnected instances8, a fragilidade institucional do Poder Judiciário, organizado em uma complexa estrutura descentralizada e que, muitas vezes, não parece revelar que sua atuação está voltada a atingir os objetivos por que foi instituído, devem explicar o alto grau daquilo que se chama de jurisdictional uncertainty9 e, por consequência direta desta, o movimento contracorrente10 que prega a adesão a um sistema que valorize os precedentes.

No Brasil, a legislação vem encampando a necessidade de atribui-se mais força aos precedentes, vejam-se como exemplo os artigos 120; 475, §3º; 481, parágrafo único; 557; 544 §§3º e 4º; 518,§1º , 285-A, 543-B, 543-C, todos do Código de Processo Civil, além do propalado anteprojeto do novo CPC, adiante melhor analisado.

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8Tradução: “numa selvageria (= num caos) de decisões individuais desconexas” (WAMBIER, 2009, p.172)

9“[...] jurisdictional uncertainty, isto é, ausência de previsibilidade das controvérsias judicializadas, seja quanto à

duração do processo, seja quanto ao resultado final [...]” (MANCUSO, 2010, p.53).

10 Refiro-me a contracorrente, porque é muito claro que a corrente atual e que domina as instituições não se revela muito afeita à valorização daquilo que Humberto Theodoro muito bem denomina de “história institucional

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Teresa Arruda Alvim (WAMBIER, 2009, p.172) destaca como um dos fundamentos para o respeito aos precedentes a preservação do princípio da igualdade11 e, em síntese, pensa que aceitar-se ilimitadamente que “[...] o juiz tem liberdade para decidir de acordo com sua própria convicção, acaba por equivaler a que haja várias pautas de conduta diferentes (e incompatíveis) para os jurisdicionados [...]”, o que desafia o Estado de Direito, “[...] na medida em que as coisas passam a ocorrer como se houvesse várias „leis‟ regendo a mesma conduta: um clima integral de instabilidade e ausência absoluta de previsibilidade [...]”(WAMBIER, 2009, p.144).

Um dos efeitos do desrespeito aos precedentes é o círculo vicioso descrito por Evaristo Aragão Santos:

É um círculo vicioso: a desatenção ao posicionamento do sistema, encorajando o jurisdicionado a buscar a tutela almejada até a última manifestação possível do Judiciário, acaba gerando não apenas mais volumes de demandas, mas mais julgamentos díspares, os quais, por sua vez, encorajarão, mais ainda, essa postura de resistência ao entendimento já fixado pelo sistema, renovando as expectativas daqueles que contra ele reagem e assim por diante [...]( SANTOS, 2010, p.43)

Sérgio (PORTO, 2009, p.9) aborda diversas razões para utilização de precedentes vinculantes (stare decisis) elencadas pela doutrina norte-americana. Crê-se que muitos dos argumentos utilizados podem ser transplantados para justificar uma maior valorização dos precedentes no sistema jurídico brasileiro, quais sejam: a) ao decidir uma demanda, os juízes devem resolver questões de direito e, na mesma jurisdição, deve ser dada a mesma reposta a questões legais semelhantes, o que implica o necessário respeito às decisões de Cortes hierarquicamente superior, prestigiando-se a segurança jurídica; b) a justiça somente é imparcial e previsível se os casos semelhantes são decididos de forma idêntica, o que prestigia o princípio da isonomia; c) a previsibilidade é essencial para o planejamento das demandas; d) o respeito aos precedentes aumenta a credibilidade do Poder Judiciário, o qual expedirá opiniões razoáveis, constantes e imparciais. Em síntese, ao determinar-se o respeito aos _______________

11 Humberto Theodoro faz algumas ponderações sobre o princípio da igualdade e a uniformidade das decisões:

“Fala-se muito na necessidade de garantia da igualdade, isto é, que se deve buscar o estabelecimento de

uniformidade nas decisões porque o fato de haver divergência sobre um mesmo “tema” viola a garantia

constitucional de tratamento isonômico. Mas o que é igualdade? Sabemos que, há muito, igualdade deixou de ter apenas um conteúdo negativo (isonomia), como o era nos séculos XVIII e XIX e passou a incorporar também uma dimensão positiva (direito à diferença) [...] Assim, preserva-se a igualdade quando, diante de situações idênticas, há decisões idênticas. Entretanto, viola-se o mesmo princípio quando em hipóteses de situações

“semelhantes” aplica-se, sem mais, uma “tese” anteriormente definida (sem considerações quanto às questões

próprias do caso a ser decidido e o paradigma, cf.infra): aí há também violação à igualdade, nesse segundo

sentido, como direito constitucional à diferença e à singularidade[...]”(THEODORO JÚNIOR; NUNES; BAHIA,

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precedentes é possível imprimir qualidade e segurança na prestação jurisdicional, e, por conseguinte, melhorar-se a vida em sociedade.

É muito claro, dessa forma, que para atender às demandas atuais por justiça, eficiência, igualdade, segurança jurídica e previsibilidade, não há como conviver com um sistema que trata uns como se fossem “mais iguais” que outros12 e, cujos resultados lotéricos, retiram-lhe a credibilidade. Não que seja possível atribuir exclusivamente à valorização dos precedentes uma mudança no que tange à justiça social e à questão da imensa desigualdade da anacrônica e aristocrática sociedade brasileira, problemas que dependem de uma solução política, entretanto, é um passo no sentido de garantir-se maior transparência, coerência e controle social do exercício do poder.

3.3.2 Principais Efeitos atribuíveis aos Precedentes

É possível identificar três tipos principais de efeitos: persuasivo, obstativo da revisão de decisões e vinculante/obrigatório (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2011, p.393).

Vinculantes seriam os precedentes dos quais a autoridade julgadora não poderia se afastar, atrelando as decisões posteriores à sua ratio decidendi. Esta é a regra nos países de common law, em que vigora o princípio do stare decisis:

Neste sistema, a idéia de vinculação do julgado precedente às demandas semelhantes surgiu nos idos do século XIX, quando a Câmara dos Lordes admitiu o caráter vinculativo das suas próprias decisões nos casos Beamish v. Beamish em 1861, referendado no caso London Street Tranways v. London County Council, este último tido como o mais célebre case12. Restou decidido pelo Lord Halsbury que seria mais sensato para a sociedade que fossem estabilizados os litígios com uma solução por vezes, até mesmo, inadequada, do que eternizar as incertezas e inseguranças [...](PORTO, 2009, p.8)

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12 Paráfrase da alteração de um dos mandamentos da Revolução dos Bichos, do clássico

Animal Farm (A

Revolução dos Bichos), fábula do escritor britânico George Orwell, o qual muito bem descreve a corrupção

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Identificam-se no Brasil hipóteses em que a ratio decidendi de um julgado teria força vinculante: súmula vinculante editada pelo Supremo Tribunal Federal; os entendimentos sumulados de cada um dos tribunais teriam força vinculante em relação ao próprio tribunal; os precedentes oriundos do plenário do Supremo Tribunal Federal, em função da objetivação do controle difuso de constitucionalidade; e, por fim, decisões que fixam a tese para os recursos extraordinários ou especiais repetitivos (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2011, p.394). Claro que esta posição não é a adotada pelos Tribunais Superiores, tampouco é aceita por alguns doutrinadores, como Marinoni, que entende que as súmulas não representariam propriamente precedentes.

Outro tipo de efeito seria o obstativo da revisão de decisões. Em algumas hipóteses, o legislador permitiria ao órgão julgador que negasse seguimento a recursos ou dispensasse a remessa necessária caso o entendimento firmado na decisão esteja de acordo com as diretrizes dos tribunais superiores. Como exemplo, têm-se os artigos 475, §3º, 518, §1º, 544, §4º e 557 do CPC (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2011, p.395).

O último efeito seria o meramente persuasivo, o qual se tem até dúvidas se é possível atestar a existência, mormente porque se caracteriza por ser mero indício de uma solução adequada para resolver o caso concreto, não havendo obrigatoriedade a que se siga. Tal hipótese seria encontradiça nos casos de julgamento liminar improcedente ( Art.285-A), de instauração de incidentes de uniformização e na admissibilidade de recursos visando a tal objetivo, como os embargos de divergência e o recurso especial fundado em divergência (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2011, p.395).

4 INTERESSE RECURSAL NA PERSPECTIVA DA VALORIZAÇÃO DOS PRECEDENTES

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4.1 Evidência da influência da valorização dos precedentes no processo civil brasileiro

Consoante acima observado, o direito brasileiro vem incorporando institutos que implicam a vinculação de decisões, como súmulas vinculantes, súmulas impeditivas de recursos e outras soluções assemelhadas, o que, inevitavelmente, deve importar novas discussões no âmbito do processo civil, mormente diante do fato de que tais decisões vinculantes, ao passo que se destinam a conferir uma maior agilidade à prestação jurisdicional, podem também comprometer garantias asseguradas pelo sistema às partes em litígio.

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jurisdicionais, através de assistência ou de figura interventiva semelhante, equiparando-os aos terceiros prejudicados e reconhecendo-lhes o direito de recorrer de decisão contrária a sua futura demanda.

Assim, a continuar o direito brasileiro em linha que valoriza os precedentes e torna a fundamentação dos julgados verdadeira norma jurídica, distinta da lei, por óbvio, já que produzida com outro objetivo - unificar a posição do Poder Judiciário a respeito de determinada questão de direito a fim de assegurar a efetividade do processo e da tutela jurisdicional – há que se questionar sua adequação aos limites impostos pelo ordenamento, tendo como norte os princípios e regras insculpidos na Constituição Federal.

Tal premissa impõe, inclusive, a releitura de institutos clássicos pertencentes à teoria geral do processo, como o relativo ao interesse processual e seus consectários - interesse jurídico para intervir e o interesse recursal - assunto que será abordado de forma mais aprofundada no último tópico deste capítulo.

Uma evidência de que tais mudanças se impõem e parecem estar sendo percebidas pelos órgãos do Poder Judiciário é, por exemplo, o RE 550769 QO/RJ de relatoria do Min. Joaquim Barbosa no qual se admitiu a inclusão como assistente simples de sindicato representativo de indústria de fumo (DIDIER JR.; CUNHA, 2011, p.53) sob o argumento de que seria necessário pluralizar o debate e diante do fato de que a decisão do Supremo Tribunal Federal sob determinada matéria influenciaria em histórica orientação jurisprudencial aplicável a um número indefinido de jurisdicionados13.

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Tendo em conta que o interesse jurídico para intervir, que possui natureza semelhante ao interesse recursal que em seguida se examinará, está sofrendo uma evolução decorrente da adesão a uma lógica de valorização dos precedentes, proceder-se-á a uma análise da necessidade de expansão ou alteração da noção de interesse recursal a fim de adaptá-lo à nova realidade que se erige no sistema jurídico brasileiro.

4.2 Conceitos clássicos de recurso, juízo de admissibilidade e interesse recursal

Antes, porém, de proceder-se ao suprarreferido exame, impõe-se que analisemos conceitos clássicos de institutos essenciais à boa compreensão da questão aqui deduzida, como o que são e para que servem os recursos, o juízo de admissibilidade e o interesse recursal.

A palavra recurso advém do verbo latino recursare, cujo significado seria “[...]correr para o lugar de onde se veio[...]” (CÂMARA, 2002, p.3), identificando, no contexto de aplicação da ciência jurídica, que o Estado-Juiz deve retornar no caminho e reapreciar se o provimento jurisdicional expedido conteria algum tipo de vício, dando-se a ideia de que a interposição do recurso implica a renovação do processo perante o órgão jurisdicional superior (CÂMARA, 2002, p.3).

Segundo clássica lição de Barbosa Moreira, o recurso é “[...] simples aspecto, elemento, modalidade ou extensão do próprio direito de ação exercido no processo [...]”(DIDIER JR.; CUNHA, 2011, p.20), ou, conforme Cássio Scarpinella (BUENO, 2010, p.68), indicativo seguro dos “[...]desdobramento do direito ação e do direito de defesa pelo

SINDIFUMO encontraria amparo na manifesta necessidade de pluralização do debate, concorrendo com os elementos que julgasse úteis à melhor compreensão do quadro em exame e fossem processualmente admissíveis neste estágio do processo. Aduziu-se, ademais, que a decisão que viesse a ser tomada pela Corte durante o julgamento do recurso poderia influir na ponderação e calibração de uma linha histórica de precedentes que tratam sobre sanções políticas, sendo inequívoco que a norma impugnada se aplica especificamente às empresas produtoras de cigarro, cujo mercado parece limitado a poucos produtores. Além disso, as empresas que compõem o sindicato postulante se encontrariam em situação similar à da empresa recorrente. Daí, o interesse da postulante extrapolaria a mera conveniência e o interesse econômico de participação em processo que definirá

orientação jurisprudencial aplicável a um número indefinido de jurisdicionados.” RE 550769 QO/RJ, rel. Min.

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autor, pelo réu e, se for o caso, pelos terceiros intervenientes [...] e de seu efetivo exercício durante todo o processo[...]”. Alexandre Freitas Câmara, de forma elucidativa explica que:

[...] O poder de ação não é apenas o poder de tomar a iniciativa da instauração do processo. A redução do poder de ação ao poder de provocar a instauração do processo, registre-se, retiraria dela quase toda sua importância. Em verdade, o poder de ação é o poder de exigir do Estado que exerça a função jurisdicional, ocupando seu titular posições jurídicas ativas ao longo de todo o processo. Assim sendo, toda vez que, ao longo do processo, alguém ocupa uma posição jurídica ativa (como se dá, por exemplo, quando alguém produz prova, ou quando se interpõe um recurso) estará exercendo o poder de ação (CÂMARA, 2002, p.2).

O recurso é instrumento que torna efetivo o direito de ação, viabilizando a impugnação de decisões judiciais que se afastam daquilo que estabelecido pela ordem jurídica interna, pelo menos na concepção do que dele se utiliza.

Quando se pensa na atividade de interpor recurso, há que se ter em perspectiva que esta consiste num ônus, isto significa que ao ser “[...] desempenhada, quem, de regra, com isso se beneficia é a própria parte que a desempenha (e se desincumbe do ônus, portanto) [ e, ao se omitir,] as conseqüências negativas decorrentes dessa omissão voltar-se-ão exatamente contra aquele que se omitiu [...]”WAMBIER;TALAMINI, 2010, p.20). O direito de recorrer pode ser encarado ainda como direito potestativo processual, visto que “[...] objetiva alterar situações jurídicas, invalidando, revisando ou integrando uma decisão judicial [...]” (DIDIER JR.; CUNHA, 2011, p.20).

Tendo em conta a noção classicamente construída e de adesão majoritária da doutrina, é possível ainda perceber-se que a existência dos recursos funda-se na falibilidade do juiz e na irresignação das partes quanto a decisões judiciais contrárias a seus interesses, prevendo os sistemas processuais formas de impugnação de tais decisões através da revisão dos atos judiciais, tudo isso dentro da mesma relação processual (MARINONI; ARENHART, 2008, p.507).

Levando-se em consideração o que dito a respeito do conceito e da função dos recursos, incumbe analisar no que consistiria o juízo de admissibilidade.

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postulatório geralmente de iniciativa das partes e que o exame da validade do ato postulatório, é, por consequência, o exame da validade do próprio procedimento o qual o compõe. Por fim, localiza o juízo de admissibilidade como instituto pertencente à teoria geral do processo e que se aplica ao procedimento.

Desta forma, como acontece com qualquer procedimento, os recursos estão submetidos a pressupostos, os quais são necessários para o exame de mérito do meio de impugnação(MARINONI; ARENHART, 2008, p.515) . Tais pressupostos guardam íntima correlação com os requisitos de admissibilidade do processo14.

O Superior Tribunal de Justiça, em diversos julgados, inclusive da Corte Especial15, aplicou a classificação de Barbosa Moreira que divide os requisitos de admissibilidade dos recursos em intrínsecos, relacionados ao poder de recorrer, e extrínsecos, relacionados ao exercício de tal poder.

Os requisitos intrínsecos compreendem o cabimento, a legitimação, interesse e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer; já os extrínsecos envolvem o preparo, a tempestividade e a regularidade formal.

Por óbvio que classificações são maneiras distintas de apreciar o mesmo objeto. Não há, portanto, obrigatoriedade em aderir-se a uma ou outra, nem equívoco na escolha que _______________

14 Alexandre Freitas Câmara (2002, p.4): se o recurso é uma manifestação do poder de ação; e se através do recurso provoca-se uma renovação do processo, o exame do mérito do recurso deve estar sujeito aos mesmos requisitos exigidos para que, tendo sido proposta uma ação, e instaurado um processo, possa ser examinado o

mérito da causa. E tais requisitos, como sabido, são as “condições da ação” e os pressupostos processuais.

Assim, pode-se dizer que as “condições da ação” e os pressupostos processuais se manifestam, também, em sede

de recurso. E a tais manifestações específicas é que se deve dar os nomes de “condições do recurso” e

pressupostos recursais.

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