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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO COORDENAÇÃO DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E MONOGRAFIA JURÍDICA VICTOR SAMPAIO GONDIM

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FACULDADE DE DIREITO

COORDENAÇÃO DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E MONOGRAFIA JURÍDICA

VICTOR SAMPAIO GONDIM

EMPREENDEDOR INDIVIDUAL E LIMITAÇÃO PATRIMONIAL:

PANORAMA ATUAL E AS MUDANÇAS PROMOVIDAS PELA LEI N.º 12.441/2011

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EMPREENDEDOR INDIVIDUAL E LIMITAÇÃO PATRIMONIAL:

PANORAMA ATUAL E AS MUDANÇAS PROMOVIDAS PELA LEI N.º 12.441/2011

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação de Atividades Complementares e Monografia Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Área de concentração: Direito Empresarial

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Uinie Caminha

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

G637e Gondim, Victor Sampaio.

Empreendedor individual e limitação patrimonial: panorama atual e as mudanças promovidas pela lei n.° 12.441/2011 / Victor Sampaio Gondim. – 2011.

58 f. : enc. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2011.

Área de Concentração: Direito Empresarial. Orientação: Profa. Dra. Uinie Caminha.

1. Sociedades Limitadas - Brasil. 2. Empresas Individuais – Brasil. I. Caminha, Uinie (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.

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EMPREENDEDOR INDIVIDUAL E LIMITAÇÃO PATRIMONIAL:

PANORAMA ATUAL E AS MUDANÇAS PROMOVIDAS PELA LEI N.º 12.441/2011

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação de Atividades Complementares e Monografia Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Empresarial.

Aprovado em 30 de novembro de 2011.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________ Prof.ª Dr.ª Uinie Caminha (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará – UFC

_______________________________________________ Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo

Universidade Federal do Ceará – UFC

_______________________________________________ Prof. Dr. Francisco Régis Frota Araújo

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Agradeço, primeiramente, à minha mãe, Angela, ao meu pai, Assis, e ao meu padrasto, Francisco José, pelo amor, carinho e cuidado que dedicaram a mim nesses vinte e cinco anos.

Aos meus avôs e avós, que sempre acreditaram na minha capacidade e transmitiram pelo exemplo os valores que carrego comigo, como a integridade e a solidariedade.

À professora Uinie Caminha, com quem tive o prazer de conviver neste ano, que me ensinou como a dedicação e a paixão pelo que se faz levam à excelência.

Aos meus amigos e colegas da Faculdade, que, por estarem sempre ao meu lado, tornaram muito mais prazeroso este longo caminho percorrido.

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“Uma forma de ajudar as pessoas a sair da pobreza é ajudá-las a explorar e utilizar sua própria capacidade. Todo ser humano tem ampla capacidade, mas muitos nunca têm a chance de explorá-la.”

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Analisa a Lei n.º 12.441/2011, que permitiu no ordenamento brasileiro a limitação da responsabilidade patrimonial do empreendedor individual através da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI. Descreve a evolução histórica da personalidade jurídica, da limitação da responsabilidade patrimonial e dos tipos societários até o Código Civil de 2002, para destacar que o reconhecimento da limitação de responsabilidade do empreendedor individual seria a etapa seguinte deste processo. Expõe os preconceitos acerca do tema, a fórmula de que os empreendedores individuais fazem uso para limitar sua responsabilidade nos ordenamentos em que não há esta previsão específica e os modelos propostos pela doutrina brasileira para a limitação desejada, quais sejam, o patrimônio de afetação com personalidade jurídica, o patrimônio especial despersonalizado e a sociedade unipessoal, salientando seus pontos positivos e negativos. Estuda a legislação em vigor pertinente à responsabilidade patrimonial do empreendedor individual e as exceções previstas atualmente no ordenamento. Comenta as mudanças promovidas pela Lei n.º 12.441/2011 no Código Civil de 2002.

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Analyses Law no. 12.441/2011, which allowed in the Brazilian legal framework a limited liability for individual entrepreneurs by using the Limited Liability Individual Enterprise – EIRELI. Describes how legal entity, limited liability, and commercial partnerships have historically evolved up until the Civil Code of 2002, to highlight that limiting the liability of the individual enterpreneur would be the next step of this process. Shows the resistance on the subject, the way in which individual entrepreneurs limit their liability in legal systems that do not allow it directly, and the models proposed by the Brazilian doctrine for this kind of limitation, which are: patrimony of affectation as a legal entity, patrimony of affectation as a legal object, and single-member company, underlining its positive and negative aspects. Studies how Brazilian law currently treats the liability of the sole proprietorship and the exceptions provided. Remarks the changes made by Law no. 12.441/2011 to the Brazilian Civil Code of 2002.

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1 INTRODUÇÃO ... 10

2 PERSONALIDADE JURÍDICA, LIMITAÇÃO PATRIMONIAL E TIPOS SOCIETÁRIOS: EVOLUÇÃO HISTÓRICA ATÉ O CÓDIGO CIVIL DE 2002 ... 12

2.1 Origens da personalidade jurídica e das sociedades ... 13

2.2 Personalidade jurídica e limitação patrimonial ... 14

2.3 Sociedades de responsabilidade ilimitada ... 17

2.4 Sociedades de responsabilidade mista ... 19

2.5 Sociedades de responsabilidade limitada ... 22

2.5.1 Sociedade anônima ... 22

2.5.2 Sociedade limitada ... 23

3 EMPREENDEDOR INDIVIDUAL E RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL ... 26

3.1 Origens da resistência à limitação da responsabilidade patrimonial do empreendedor individual ... 27

3.2 Sociedades fictícias ou de favor ... 29

3.3 Modelos de limitação da responsabilidade patrimonial para o empreendedor individual ... 32

3.3.1 Patrimônio de afetação com personalidade jurídica ... 32

3.3.2 Patrimônio de afetação despersonalizado ... 35

3.3.3 Sociedade unipessoal ... 37

4 EMPREENDEDOR INDIVIDUAL NO BRASIL ... 40

4.1 Legislação em vigor: responsabilidade ilimitada ... 41

4.2 Exceções à responsabilidade ilimitada ... 42

4.2.1 Incapacidade do empresário ... 42

4.2.2 Unipessoalidade temporária superveniente ... 44

4.2.3 Subsidiária integral ... 46

4.3 Mudanças introduzidas pela Lei n.º 12.441/2011 ... 47

4.4 Crítica à Lei n.º 12.441/2011 ... 50

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 55

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1 INTRODUÇÃO

O tratamento jurídico dispensado aos empresários no Brasil, com o advento do Código Civil de 2002, manteve a tradição observada no Código Comercial de 1850 e no Código Civil de 1916, deixando de regulamentar a limitação de responsabilidade do empreendedor individual, ainda que a discussão relativa a tal possibilidade já estivesse madura na doutrina brasileira, com experiências de sucesso no Direito Comparado.

As razões de ordem doutrinária para a resistência em limitar a responsabilidade patrimonial daquele que empreende sozinho já haviam sido há muito identificadas: em primeiro lugar, porque historicamente a pessoa jurídica e a sociedade – instrumentos que seriam úteis ao propósito da limitação – deveriam servir a um interesse público ou coletivo, e não à vontade de um indivíduo. Também não se admitia a possibilidade de separar o patrimônio de uma só pessoa – na reserva de bens especialmente para a atividade empresária, por exemplo –, haja vista considerar-se, numa visão individualista, que o patrimônio seria emanação da própria personalidade, só podendo ser considerado de forma una.

Percebeu-se, contudo, a partir do final do século XIX, que a limitação de responsabilidade do empreendedor individual não era apenas possível, mas necessária. No pragmatismo que sempre conduziu o Direito Empresarial, as teorias que impediam a limitação da responsabilidade do empresário perdiam sua razão de ser no confronto com a realidade. Isto porque se tornou comum a formação de sociedades fictícias, nas quais a reunião de pessoas se dava apenas para o cumprimento dos requisitos legais para a limitação da responsabilidade patrimonial. O empreendedor, a fim de resguardar seu patrimônio pessoal, valia-se de tal artifício com a ajuda de pessoas que nunca participariam das decisões societárias. Embora sem o reconhecimento legal, estabeleciam-se assim sociedades, na prática, unipessoais.

O fortalecimento da atividade comercial, o alto risco nela envolvido e a atenção dos juristas para os fatos descritos ensejaram pelo mundo diversos projetos de lei que regulamentavam o empreendimento individual com responsabilidade limitada, sendo pioneiro o principado de Liechtenstein, micropaís europeu.

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fato de que o legislador, em quase trinta anos de tramitação do projeto, manteve-se silente sobre os aspectos ora abordados.

Tal lacuna foi preenchida em julho corrente, com a promulgação da Lei n.º 12.441/2011, que, alterando o Código Civil Brasileiro, passará, quando de sua entrada em vigor, a permitir a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada. Optou o legislador brasileiro pela personificação do patrimônio reservado ao empreendimento econômico, que se torna distinto da pessoa do empreendedor.

Este último passo evolutivo na organização empresarial prevista no ordenamento jurídico pátrio merece exame detido. Através do estudo da evolução histórica da personalidade jurídica, da limitação da responsabilidade patrimonial e das sociedades, bem como das possibilidades elencadas pela doutrina brasileira para a limitação de responsabilidade do empreendedor individual, tais como a sociedade unipessoal, o patrimônio de afetação despersonalizado e o patrimônio de afetação com personalidade jurídica, analisar-se-á a escolha brasileira.

Para melhor acompanhamento desse estudo, deve-se esclarecer que os termos

empreendedor, negociante e comerciante serão utilizados com o fito de identificar a pessoa física envolvida na atividade empresarial como empresário individual ou sócio de sociedade empresária. Da mesma forma, a limitação patrimonial ou limitação da responsabilidade

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2 PERSONALIDADE JURÍDICA, LIMITAÇÃO PATRIMONIAL E TIPOS SOCIETÁRIOS: EVOLUÇÃO HISTÓRICA ATÉ O CÓDIGO CIVIL DE 2002

A atividade mercantil tem registros que datam da Antiguidade. A influência fenícia, grega, romana e árabe é notada e continua sendo estudada nos dias atuais. No entanto, a regulamentação jurídica do comércio, pelos elementos históricos de que hoje se tem ciência, era insípida nesse período, sendo composta apenas por legislação rudimentar, incapaz de ser identificada como um ramo especial do direito. Se já era possível observar o embrião de muitos dos institutos que hoje se estudam, é certo que as condições políticas, econômicas e culturais da época não suscitavam a criação de uma matéria mercantil distinguível do ordenamento como um todo (BULGARELLI, 1998).

Apenas na Idade Média, com o reflorescimento do comércio no Mediterrâneo, o ramo do direito que seria denominado primeiramente Mercantil, rebatizado Comercial e agora designado como Empresarial começa a tomar forma. O comércio passa a exercer papel fundamental no sistema econômico e constrói a base sobre a qual surgiria o Capitalismo. Aqueles que o praticavam, ante o seu acúmulo de capital e poder, galgam posições políticas e passam a influir diretamente nos rumos da sociedade. Todo esse contexto contribuiu para a edição de regras e formulação de princípios próprios da atividade, que passaram a ser impostos àqueles que mantinham relação com os comerciantes. Nas palavras de Rubens Requião (2008, p. 10):

Deve-se anotar que os comerciantes, organizados em suas poderosas ligas e corporações, adquirem tal poderio político e militar que vão tornando autônomas as

cidades mercantis a ponto de, em muitos casos, os estatutos de suas corporações se confundirem com os estatutos da própria cidade.

O desenvolvimento, porém, levou ao aumento da complexidade do ofício comercial, exigindo uma dedicação pessoal e patrimonial cada vez maior do empreendedor. O próprio surgimento do direito comercial condiz com a profissionalização dos mercadores, algo que, se nunca impediu a atuação informal no comércio, condicionou o sucesso na atividade a um aporte financeiro considerável e à sujeição aos riscos dela inerentes.

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profissionais. Surgia, assim, a denominada pessoa jurídica, definida por Fran Martins como “o ente incorpóreo que, como as pessoas físicas, pode ser sujeito de direitos” (2006, p. 184).

Embora não seja possível afirmar tratar-se de criação legal ou mera normatização da realidade social, dentre outras teorias que justificam a existência da pessoa jurídica, fato é que este reconhecimento já é há tempos pacífico, muito por se observar que ela foi e é essencial para o progresso da atividade econômica.

Tornou-se premente, ainda, a necessidade dos comerciantes de unir esforços e patrimônio para a consecução de seus objetivos, motivo pelo qual passaram a se organizar em sociedades e a dedicar um conjunto de bens exclusivamente a estas, as quais, albergadas pelo manto da pessoa jurídica, passariam a negociar em nome próprio, dissociadas daqueles que a compunham.

O estágio seguinte seria limitar o risco patrimonial envolvido, dando a segurança ao comerciante de que o empreendimento não teria o potencial de levar a si e a sua família à bancarrota. Esta limitação, conforme se verá, foi aplicada de diversos modos ao longo da história, numa evolução que se encontra resumidamente ainda positivada no novel Código Civil Brasileiro e servirá de orientação para o desenvolvimento deste capítulo.

2.1 Origens da personalidade jurídica e das sociedades

A pretensão de revisitar as origens da personalidade jurídica e das sociedades necessariamente passa por uma análise romanista do tema. São do Direito Romano as raízes de grande parte do sistema jurídico europeu ocidental e latino-americano, mormente no que se refere ao direito privado – esta clássica divisão entre direito público e privado, aliás, nos é

apresentada pelo jurisconsulto romano Ulpiano: “Huius studii duae sunt positiones, publicum

et privatum. Publicum ius est quod ad statum rei Romanae spectat, privatum quod ad singulorum utilitatem”1.

O ordenamento jurídico romano não apresentava uma distinção especial para a matéria mercantil. Não obstante houvesse regulação da atividade comercial, as normas relativas a este ramo do direito encontravam-se esparsas dentro do direito privado, ou dele eram adaptadas pelo pronunciamento dos pretores, como ensina Waldirio Bulgarelli (1998, p. 28). A noção de pessoa jurídica ainda não era conhecida, mas a necessidade de organismos

1 Digesto, livro I, título 1, fragmento 1, parágrafo 2º. Disponível em: <http://www.umt.edu/law/faculty/natelson/

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que representassem o intento de um conjunto de indivíduos já era sentida e foi suprida, primeiramente, pela Societas.

A Societas consistia na justaposição da vontade individual de cada associado. Sua natureza diverge bastante da noção de sociedade que se tem hoje por admitir a sua extinção em caso de modificação ou supressão de um dos associados, visto que, nestes casos, os interesses originais não estariam preservados (SALEILLES, 1922). Rubens Requião (2008, p. 372) e Fran Martins (2006, p. 229) a qualificam como uma antecedente da sociedade em nome coletivo, que surgia comumente pela necessidade familiar de administrar os bens herdados de um mercador falecido.

Outra coletividade surgida no Direito Romano foi o collegium, a qual detinha maior semelhança com as sociedades atuais em virtude de que a sucessão de sócios não era capaz de alterar sua existência e essência jurídica. Este instituto era mais associado ao direito público, pois dava natureza a órgãos estatais com certa autonomia. Seu caráter de vontade coletiva fez Raymond Saleilles (1922, p. 48) afirmar estar-se diante de novo paradigma, posto que se saia da esfera do direito privado puro para adentrar no que ele chamou de direito das coletividades:

Cela suffit à montrer que nous dépassons ainsi la sphère du droit individuel et du droit privé. Le droit privé concerne les individus en tant qu'individus, il ne tient compte que de l'individualité. Le droit des associations ne tient plus compte, au contraire, des individualités prises en tant qu'individualités; il ne concerne que les droits du groupe, en tant qu'unité corporative. C'est un droit des collectivités2.

Já no período pós-clássico, admitia-se em Roma a existência de agrupamentos de pessoas – notadamente os municípios italianos que adquiriam maior independência administrativa – ou coisas com personalidade civil própria, denominados por universitas. Concebidos como sujeitos de direito, estes entes já não se confundiam com seus membros. O instituto rapidamente difundiu-se pelo Império e germinou a noção atual de pessoa jurídica.

2.2 Personalidade jurídica e limitação patrimonial

A influência romana no direito germânico e, mais tarde, o direito canônico delineariam a personalidade jurídica em sua feição moderna. O instituto revelou-se

2 Em tradução livre: “Isto basta para mostrar que ultrapassamos a esfera dos direitos individuais e do direito

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especialmente útil à Igreja Católica, que promovia a autonomia dos ofícios eclesiásticos que lhe eram subordinados com base neste conceito (FRONTINI, 2005).

Para os fins privados, a personalidade jurídica tornou-se imprescindível quando já não se podia conceber a atividade comercial desenvolvida por um único indivíduo, que restava inviabilizada à medida que as relações mercantis aumentavam sua complexidade. Neste sentido, Washington de Barros Monteiro (2009, p. 130) bem descreve o animus envolvido no surgimento de uma pessoa jurídica:

Para bem compreender a existência de semelhantes entidades, as pessoas jurídicas, é preciso partir da idéia de que o indivíduo, muitas vezes, por si só, será incapaz de realizar certos fins, que ultrapassam suas forças e os limites da vida individual. Para consecução desses fins, o indivíduo tem de unir-se a outros homens, formando associações, dotadas de estrutura própria e de personalidade privativa, com as quais supera a debilidade de suas forças e a brevidade de sua vida. Acrescentando sua atividade à de seus semelhantes, juntando seu poder ao de outros indivíduos, o homem multiplica quase ao infinito suas possibilidades, propiciando a execução de obras extraordinárias e duráveis em benefício da comunidade.

Criava-se, desta forma, um ente com patrimônio próprio capaz de lhe ter imputados direitos e obrigações de forma independente dos indivíduos que lhe deram origem, que contava com a força em comum destes, mas sem que sua essência estivesse a eles vinculada, podendo, pois, resistir ante a efemeridade da vida humana. No Brasil, o reconhecimento legal desta característica se deu através do art. 20 do Código Civil de 1916 (“As pessoas jurídicas tem existência distinta da dos seus membros”). Suprindo a lacuna existente no diploma comercial de 1850, o Código de Beviláqua sistematizou a matéria referente à pessoa jurídica – assim designada em contraposição à pessoa física ou natural, já que se trata de criação do mundo do direito.

O conceito de pessoa jurídica, por sua vez, nunca foi estabelecido pelo legislador pátrio, nem com o advento do Código de 2002. Este papel coube então aos doutrinadores, como Fran Martins, citado supra, e José da Silva Pacheco (1979, p. 24), que definiu a personalidade como “a aptidão para o exercício de direitos, podendo impregnar a pessoa física

ou jurídica”. Prossegue o autor afirmando que, depois de adquirida a personalidade (para as

pessoas jurídicas, através do registro), tanto a pessoa física quanto a jurídica têm a mesma expressão no campo jurídico, isto é, estão ambos aptos a serem titulares de direitos e obrigações.

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a dissociação dos conceitos. Embora compartilhem da mesma origem, é certo que não se confundem, mas apenas se complementam. Por outro viés, há doutrinadores, como Caio Mário da Silva Pereira (2001, p. 185) e Orlando Gomes (1999, p. 191), para os quais, em tese, o agrupamento de indivíduos é essencial à pessoa jurídica, seguindo a raiz histórica deste instituto.

Juntamente com o conceito de sociedade, a limitação de responsabilidade é outro instituto que tem ligação profunda com a pessoa jurídica. Ainda que encobertos sob um ente capaz de se obrigar em nome próprio, os comerciantes perceberam que a atividade mercantil os expunha a riscos consideráveis, capazes de comprometer o seu patrimônio pessoal. Interessava-lhes, portanto, restringir o montante que poderia ser atingido pelas obrigações assumidas pela pessoa jurídica, de forma a resguardar seus bens individuais.

Tal limitação certamente foi um incentivo para que mais indivíduos decidissem empreender. Isto porque um possível insucesso empresarial capaz de comprometer todo o patrimônio do comerciante seria empecilho intransponível para as atividades cujo retorno não fosse extremamente lucrativo; acaso ultrapassado esse obstáculo, a rentabilidade que compensaria o risco elevaria em demasiado o preço do produto e desestimularia o consumo, frearia a circulação de riquezas e impediria o desenvolvimento. Fábio Ulhoa Coelho (2003a, pp. 4 e 5), tecendo considerações acerca da sociedade limitada, aduz que a limitação de responsabilidade:

[...] corresponde a regra jurídica de estímulo à exploração das atividades econômicas. Seu beneficiário direto e último é o próprio consumidor. De fato, poucas pessoas – ou nenhuma – dedicar-se-iam a organizar novas empresas se o insucesso da iniciativa pudesse redundar na perda de todo o patrimônio, amealhado ao longo de anos de trabalho e investimento, de uma ou mais gerações.

[...]

Os novos produtos e serviços somente conseguiriam atrair o interesse dos capitalistas se acenassem com altíssima rentabilidade, compensatória do risco de perda de todos os bens. Isso significa, em outros termos, que o preço das inovações, para o consumidor, acabaria sendo muito maior do que costuma ser, sob a égide da regra da limitação de responsabilidade dos sócios, já que esses preços deveriam cobrir custos e gerar lucros extraordinários, capazes de remunerar o risco de perda total do patrimônio, a que se expos o empreendedor. A limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais é, em suma, direito-custo.

(grifo no original)

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afirma que isto era observado em Roma, onde a nobreza, os senadores e altos magistrados, encantados com o lucro do comércio, participavam de sociedades mercantis, seja como membros ocultos, seja por meio de propostos, originando a sociedade em comandita simples, que será abordada adiante.

2.3 Sociedades de responsabilidade ilimitada

O Direito, buscando acompanhar a inventividade dos comerciantes, reconheceu ao longo dos séculos diversos tipos societários criados, cada um com suas especificidades. Nota-se, observada a evolução, que estes tipos seguiram em direção à personificação e à limitação plena da responsabilidade dos sócios, abrindo exceção apenas para os casos de abuso da personalidade jurídica ou confusão patrimonial, de acordo com o art. 50 do Código Civil Brasileiro.

Embora muitos dos tipos societários estejam francamente em desuso, o Código Reale manteve a previsão legal de vários deles, sendo possível acompanhar o desenvolvimento histórico das sociedades – sob o enfoque aqui pretendido, da autonomia patrimonial e personificação jurídica – através da análise de seus artigos. Para este trabalho, abordar-se-ão os cinco tipos de sociedades empresárias (nome coletivo, comandita simples, comandita por ações, anônima e limitada), além das sociedades em comum e em conta de participação, as quais têm importante papel na evolução que se quer demonstrar.

O Código Civil inicia seu título relativo às sociedades definindo, em seus artigos 986 a 990, aquela que era chamada pela doutrina como irregular ou de fato: a sociedade em comum.

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benefício apenas para o sócio que contrata pela sociedade. Subsidiariamente, esta espécie observará, no que forem compatíveis, as regras das sociedades simples.

Sobre a sociedade em comum, aduz Marlon Tomazette (2011, p. 285) que, por não se tratar de uma pessoa, este tipo societário não comporta autonomia patrimonial, isto é, não possui patrimônio. Seus bens sociais serão aqueles que compõem o conjunto organizado posto à disposição do exercício da atividade empresarial, pertencendo aos sócios em condomínio (art. 988 do CC/02), e não à sociedade.

A sociedade em nome coletivo é o segundo tipo societário de responsabilidade ilimitada apresentado pelo Código de 2002, já no subtítulo atinente às sociedades personificadas. Disso, deduz-se que a herdeira da Societas romana é tratada pelo ordenamento jurídico como titular de direitos e obrigações, capaz de contratar autonomamente. A doutrina a classifica como o protótipo das sociedades empresárias.

É considerada a modalidade mais simples de constituição societária, através da qual todos os membros mantêm posição igualitária na participação na sociedade. Estas características fazem Pontes de Miranda (1984) observar a sociedade em nome coletivo como a sociedade empresária genérica, isto é: nos casos em que não se pode dizer com segurança qual o tipo societário adotado, considerar-se-á a escolha pela sociedade em nome coletivo, em virtude do princípio da prevalência do tipo social mais simples ou princípio da prevalência da igualitariedade social. Renomado autor afirma ainda que este princípio também será aplicado aos sócios participante ou oculto (na sociedade em conta de participação) e comanditário (na sociedade em comandita) quando estes mostrarem-se a terceiros como sócios. Por isso, responderão tal qual o sócio ostensivo e o comanditado, respectivamente.

O art. 1.039 do Código Civil de 2002 preconiza que apenas pessoas físicas podem tomar parte na sociedade em nome coletivo, e que estas responderão solidária e ilimitadamente perante terceiros pelas obrigações sociais, embora a responsabilidade de cada sócio possa ser ajustada no ato constitutivo, com efeitos interna corporis. Decerto, este tipo comporta responsabilidade subsidiária para os sócios, nisto abrangidos os administradores da sociedade, os quais necessariamente têm participação nesta, exigência do art. 1.042 do diploma civil.

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A responsabilidade a que se sujeitam os sócios (solidária, subsidiária e ilimitada) fez com que a sociedade em nome coletivo deixasse de ser utilizada por aqueles que desejam empreender, haja vista os elevados riscos de prejuízo pessoal. No Brasil, a tendência é que perca seu caráter de tipo social geral para a sociedade por quotas de responsabilidade limitada (ou simplesmente sociedade limitada), hoje a opção mais comum.

2.4 Sociedades de responsabilidade mista

A sujeição de todos os seus bens aos riscos do negócio trazia prejuízo tanto ao próprio empreendedor quanto ao consumidor. Enquanto este pagava mais caro pelo produto final em razão do risco incluído no preço, aquele abdicava de se dedicar a certas atividades que, embora lucrativas, não prescindiam de capital inicial vultoso ou tinham potencial para, ocorrendo imprevistos, arrastá-lo à sarjeta. Outrossim, os comerciantes eram submetidos a uma exposição que tornava a atividade mercantil desinteressante para os que buscavam a discrição, especialmente por estarem impedidos moral ou legalmente de comerciar. Esta proibição, entretanto, não foi suficiente para frear a ânsia humana de possuir cada vez mais.

Entre tais atividades temerárias, destaca-se, na Idade Média, o comércio marítimo. Antônio Martins Filho (1999, p. 290) explica que os empreendimentos marítimos exigiam uma cada vez maior soma de capital, a fim de tornar possíveis transações mais avultadas e, em consequência, lucrativas. A nobreza da época, por outro lado, necessitava multiplicar sua fortuna para assegurar sua condição superior. O catedrático cearense continua sua lição afirmando que:

[...] sendo a mercancia considerada profissão infamante ou menos honrosa e, portanto, incompatível com a dignidade da nobreza, teria de surgir nova espécie de negócio que satisfizesse àquelas necessidades convergentes. Essa modalidade foi encontrada no contrato de pacotilha, pelo qual o capitalista fornecia ao mestre ou capitão de navio determinada soma, sob as seguintes condições: a) o nome do prestamista não ficaria ostensivamente ligado à transação; b) os lucros seriam repartidos na proporção convencionada; c) na hipótese de malôgro ou prejuízo, a responsabilidade do dador se limitaria ao valor da importância então fornecida.

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O sócio comanditado é a pessoa física (o capitão de navio, no caso descrito pelo professor Martins Filho) que se compromete mais diretamente com o fim societário, sendo responsável solidária, subsidiária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, nos ditames do art. 1.045 do novel Código Civil. Apenas a esta categoria de sócios será permitido praticar atos de gestão da sociedade, o que está intimamente ligado ao fato de que responderão com seu patrimônio pessoal pelos negócios sociais.

Por sua vez, o sócio comanditário possui apenas responsabilidade limitada e é classificado pela doutrina como um simples prestador de capital. Este não deve participar ostensivamente da administração societária, sob pena de, fazendo-o, se responsabilizar da mesma maneira do sócio comanditado. Sua participação se reduz à integralização de sua quota, fiscalização da sociedade e participação nas deliberações societárias e no lucro auferido. Não há restrição quanto ao fato de ser pessoa física ou jurídica, porquanto as qualidades pessoais do sócio comanditário não têm grande influência na sociedade, ao contrário do que ocorre com os sócios comanditados.

A sociedade em comandita simples tem, como a sociedade em nome coletivo, personalidade jurídica distinta de seus sócios, sendo capaz de se obrigar autonomamente, como descrito anteriormente.

Não é o caso da sociedade em conta de participação. Com a mesma origem da sociedade em comandita simples, elas se confundiam até a edição da Lei de Florença, em 1408. Através deste dispositivo legal, que deu à sociedade em comandita seu caráter de pessoa jurídica, buscou-se inibir a fraude contra credores obrigando o registro do nome dos sócios comanditários no órgão competente (MARTINS, 2006, p. 221).

Permanecia a necessidade, porém, de ocultação a certos empreendedores, que desejavam investir e lucrar com as atividades mercantis mesmo à margem da lei. Estes continuaram a contratar com o sócio ostensivo sem o devido registro, mantendo tal acordo em sigilo, já que este valeria somente entre os contratantes.

Surgia uma sociedade oculta, cuja atividade era exercida somente pelo sócio ostensivo, que se responsabilizava em nome próprio perante terceiros, enquanto o sócio oculto ou participante participava dos resultados e respondia apenas perante o ostensivo, de forma limitada, nos termos pactuados. Em face da ausência de registro, a sociedade era despersonalizada, característica que foi mantida no atual Código Civil Brasileiro.

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jurídica. Por suas peculiaridades, recebeu os seguintes comentários de Rubens Requião (2008, pp. 440-441):

É curiosa a sociedade em conta de participação. Não tem razão social ou firma; não se revela publicamente, em face de terceiros; não terá patrimônio, pois os fundos do sócio oculto são entregues, fiduciariamente, ao sócio ostensivo que os aplica como seus, pois passam a integrar o seu patrimônio. O Código Civil considera a contribuição do sócio participante, bem como a do sócio ostensivo, um patrimônio especial, sendo que essa especialização patrimonial somente produz efeitos em relação aos sócios (art. 994). A sociedade não é irregular, mas regular, por fora da lei, embora não possua personalidade jurídica. Não será clandestina ou secreta, podendo os sócios divulgar sua existência se não forem impedidos pelo contrato.

O terceiro e último tipo societário de responsabilidade mista trazido pelo Código de 2002 é a sociedade em comandita por ações. Criada no Código de Comércio francês, foi inicialmente prevista como uma sociedade em comandita cujo capital era dividido em ações, mantendo-se as demais disposições atinentes, como a divisão entre sócios comanditários e comanditados e suas respectivas responsabilidades (MARTINS, 2006, p. 405).

No Brasil, vigorou durante anos a proibição a este tipo societário, sobre o qual não havia disciplina no Código Comercial de 1850. Apenas em 1882, com a Lei do Império n.º 3.150, restaria autorizada a divisão do capital dos sócios comanditários em ações, excluindo essa possibilidade aos sócios comanditados. Segundo Fran Martins (2006, p. 406), essa orientação só se modificaria com a edição do Decreto-Lei n.º 2.627/1940, no qual se admitiu que todo o capital da sociedade em comandita fosse dividido em ações. A responsabilidade dos sócios, então, decorreria da função que ocupavam na sociedade (gerentes/diretores ou não), sendo todos eles acionistas.

O Código de 2002 conservou o regramento do aludido Decreto-Lei, no que se refere à responsabilidade societária. Dessa forma, o acionista diretor, nomeado em estatuto, responderá subsidiária e ilimitadamente (além de, havendo mais de um diretor, solidariamente entre estes) pelas obrigações societárias, enquanto a responsabilidade dos demais acionistas será adstrita às ações que subscreverem. Cite-se ainda que apenas acionistas podem administrar a sociedade. No mais, de acordo com o art. 1.090 do Código Reale, este tipo societário rege-se pelas normas relativas à sociedade anônima.

(23)

2.5 Sociedades de responsabilidade limitada

A análise da evolução da personalidade jurídica, da responsabilidade patrimonial e dos tipos societários sob o prisma do Código Civil de 2002 encontra termo nas sociedades empresárias de responsabilidade limitada: a sociedade anônima e a sociedade limitada. Elas representam a conquista da limitação de responsabilidade para todos os sócios, indistintamente. É possível resumir sua importância no seguinte excerto da obra de Fábio Ulhoa Coelho (2003b, pp. 22-23):

Mas, embora sejam cinco os tipos disponíveis [para as sociedades empresárias], somente as limitadas e anônimas possuem importância econômica. As demais, em razão de sua disciplina inadequada às características da economia da atualidade, são constituídas apenas para as atividades marginais, de menor envergadura. No ano de 2000, por exemplo, as Juntas Comerciais registraram 231.758 sociedades limitadas, 1.466 anônimas e 369 sociedades de outros tipos. (comentou-se)

A estatística relatada demonstra que as limitadas compuseram, naquele ano, 99,21% das sociedades registradas, enquanto as anônimas corresponderam a 0,63% e os demais tipos a 0,16%. Assim, é certo que os empreendedores invariavelmente optam pelos tipos societários que lhes garantem o resguardo de seu patrimônio pessoal, variando entre a sociedade anônima e a limitada, a depender da complexidade do negócio.

2.5.1 Sociedade anônima

As origens da sociedade anônima são ligadas comumente à Casa di San Giorgio, constituída na cidade de Gênova, em 1407. Naquela época, as cidades italianas recebiam financiamento particular em troca da emissão de títulos transmissíveis, os quais garantiam aos credores o direito de administrar tributos em nome do Estado. Para viabilizar o exercício destas prerrogativas, os credores reuniam-se em associações, sendo a citada genovesa a mais importante delas (MARTINS, 2006).

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descentralização política, social e econômica de suas funções, num esforço conjunto de capital público e privado, em semelhança ao que hoje se denomina sociedade de economia

mista.

Em ambas as situações, fica clara a possibilidade de agregar capital em torno de uma atividade, permitindo o desenvolvimento de grandes empreendimentos através da soma dos investimentos aplicados, sejam estes de vulto ou não. O investidor, além de ter sua responsabilidade limitada ao valor das ações que possui, pode negociá-las a qualquer momento, sem que isso descaracterize a sociedade. Com um risco baixo, pode auferir ganhos através da participação nos lucros da empresa e da valorização de suas ações no mercado. Reverte-se a lógica historicamente apresentada: ao invés do mercador que assume solitária e ilimitadamente os riscos, muitas vezes inviabilizando sua atividade ou encarecendo em demasiado seu produto, surge uma modalidade que permite, de forma ilimitada, a dispersão dos riscos e a atração de recursos.

O atual conceito de sociedade anônima, que bem resume as características abordadas, é, na expressão de Fábio Ulhoa Coelho (2003b, p. 63), o de sociedade empresária com capital social dividido em ações, na qual os sócios, chamados acionistas, respondem pelas obrigações sociais até o limite do preço de emissão das ações que possuem (conforme o art. 1.088 do atual Código Civil e o art. 1º da Lei n.º 6.404/1976). O jurista esclarece que tais ações correspondem a uma espécie de valor mobiliário, título que materializa direitos e, por vezes, deveres, sendo alternativa de investimento (emprego remunerado ao dinheiro) para o seu titular e instrumento de captação de recursos para a sociedade.

Apesar de referenciada no Código Reale, a menção à sociedade anônima é meramente para se fazer remissão à lei especial, que hoje consiste na Lei n.º 6.404/1976, com as alterações promovidas principalmente pelas Leis n.º 9.457/1997 e 10.303/2001.

2.5.2 Sociedade limitada

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Esta situação deixava pequenos e médios empreendedores sem um tipo societário ideal para suas intenções: a atividade pretendida não comportava a complexidade nem carecia dos investimentos anônimos que a sociedade por ações proporcionava; por outro lado, a responsabilidade solidária e ilimitada era indesejada.

Embora se cite com frequência, como o faz Manoel de Queiroz Pereira Calças (2003), o direito inglês como nascedouro da sociedade limitada, através de sua limited by

shares, criada em 1862, a doutrina majoritária3 prefere associar suas origens ao direito alemão. Curiosamente, o tipo societário mais utilizado nos dias atuais decorreu de iniciativa parlamentar, em contraste com o pragmatismo, inerente ao Direito Comercial, que fez surgir grande parte das modalidades societárias antes mesmo de disciplina legal que as normatizasse. A Gesellschaft mit beschränkter Haftung, ou, abreviadamente, G.m.b.H., espalhou-se pelo continente europeu. Felipe de Sola Cañizarès (1950, pp. 51 e seguintes) indica que Portugal, em 1901, incorporou o novo tipo ao seu ordenamento de forma quase idêntica à alemã, enquanto a Áustria, em 1906, o aperfeiçoou ao suprir lacunas e corrigir defeitos. Mais tarde, Polônia (1919), Tchecoslováquia (1920), e a União Soviética (1922) fariam o mesmo.

Na América Latina, o primeiro país a adotar a sociedade limitada foi o Brasil, através do Decreto n.º 3.708/1919 (a chamada Lei das Limitadas). A norma deixou acentuado o caráter pessoal desta modalidade, porém silenciou sobre diversos aspectos atinentes à organização societária, o que, até a entrada em vigor do Código Civil de 2002, implicava em intensa discussão doutrinária e exigia a aplicação subsidiária do Código Comercial de 1850 e da Lei n.º 6.404/1976 (Lei das Sociedades Anônimas) (COELHO, 2003b, p. 367).

O novo diploma civil aproximou as limitadas das sociedades anônimas, muito em razão da hibridez do tipo, que pode ser personalista (no qual as qualidades pessoais do sócio têm grande influência) ou capitalista (se o intuitu pecuniae é latente e a cessão das quotas societárias é livre), a depender do pacto social firmado. Sobre o tema, assim se manifesta Manoel de Queiroz Pereira Calças (2003, pp. 28-29):

O contrato social poderá, pois, estabelecer a livre alienabilidade das quotas sociais para terceiros, conferindo à sociedade natureza capitalista. Poderá, também, ser previsto no contrato que a alienação das quotas para estranhos fique na dependência da anuência de todos os demais sócios, ou exigir a concordância de um percentual maior do que os 3/4 do capital social, previsto no artigo 1.057.

(26)

Porém, sendo omisso o contrato a respeito do tema, exige-se a anuência mínima de sócios que representem 3/4 do capital social para a eficácia da cessão das quotas para terceiros, o que outorga natureza personalista à sociedade limitada.

No que tange ao objeto deste estudo, importa destacar que a sociedade limitada trazida pelo Código de 2002 é ente personalizado e a responsabilidade dos sócios é restrita ao valor de sua quota ou, no máximo, à totalidade do capital social, quando ainda não integralizado, assegurado o regresso contra o sócio inadimplente.

(27)

3 EMPREENDEDOR INDIVIDUAL E RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL

Os avanços trazidos pelo texto original do Código Civil de 2002 quanto à atividade empresária, como o foco na empresa e no empresário, tratamento especial ao estabelecimento, normatização expressa acerca da sociedade em comum (antes denominada irregular ou de fato) e a melhor e mais esmiuçada regulamentação da sociedade limitada não foram suficientes para compensar uma ausência: a previsão sobre a limitação de responsabilidade daquele que empreende individualmente. Hoje, o empresário individual no Brasil assume pessoal e ilimitadamente os riscos de sua atividade, já que não há diferenciação entre o patrimônio destinado aos fins empresários e o da pessoa física. Também não lhe é facultado constituir sociedade empresária solitariamente, não podendo gozar dos regramentos explicitados no capítulo anterior.

O legislador prestou desserviço ao não conceder o benefício da responsabilidade limitada a este empreendedor, no que ignorou grande parcela dos empresários no país, conforme demonstra a estatística do Departamento Nacional de Registro do Comércio – DNRC, referente aos anos de 2001 a 2005:

Tabela 1 – Constituição de empresas por tipo jurídico (Brasil)

Ano individual Firma Sociedade limitada Sociedade anônima Cooperativa Outros tipos Total

2001 241.487 245.398 1.243 2.344 439 490.911

2002 214.663 227.549 1.012 1.556 371 445.151

2003 228.597 240.530 1.273 1.503 310 472.213

2004 222.020 236.072 1.366 2.438 303 462.199

2005 240.306 246.722 1.800 1.297 413 490.538

Fonte: DNRC4.

Observa-se que, em termos absolutos, o número de regularizações jurídicas de empresários individuais é similar ao das sociedades limitadas. Isto – sem adentrar nos dados relativos à informalidade, os quais certamente são compostos em grande parcela por quem empreende singularmente, pela comum simplicidade do negócio, e à constituição de sociedades só formalmente pluripessoais, as chamadas sociedades fictícias – já indicava a relevância do tema de limitação de responsabilidade para este empresário em particular. Apesar disso, tal assunto só receberia a atenção do legislador brasileiro com a edição

(28)

recentíssima da Lei n.º 12.441/2011, que permitiu a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada e aguarda sua entrada em vigor, o que somente virá a ocorrer em janeiro de 2012.

O silêncio do Código Reale não condiz ainda com o antigo interesse da doutrina brasileira acerca do tema. Ele pode ser exemplificado através da tese do catedrático cearense Antônio Martins Filho, intitulada Limitação da responsabilidade do comerciante individual e apresentada no ano de 1950, em congresso jurídico na cidade de Porto Alegre, bem como da edição de obra homônima, em 1956, pelo professor Sylvio Marcondes Machado. Surgiriam ainda, dentre outros, os eminentes trabalhos de Romano Cristiano, em 1977 (A empresa

individual e a personalidade jurídica), e de Calixto Salomão Filho, que lançou A sociedade unipessoal em 1995.

Nesses títulos, os autores apontam diversas alternativas para a limitação da responsabilidade patrimonial do negociante singular, prevendo tanto formas societárias como não societárias para atingir esse objetivo, assim como traçam os motivos da resistência ao instituto e as maneiras encontradas pelos empreendedores individuais para exercer a empresa sob risco controlado. É sobre o que se debruçará neste capítulo.

3.1 Origens da resistência à limitação da responsabilidade patrimonial do empreendedor individual

Antônio Martins Filho (1999, p. 289) expõe que tanto a responsabilidade civil como a penal têm origem na noção de responsabilidade moral. Contudo, enquanto a penal manteve-se fundamentada na responsabilidade moral, que não comporta limitação, à responsabilidade civil deu-se noção técnica, mormente quanto à necessária repartição equitativa de riscos.

Essa acepção técnica da responsabilidade civil serviu de base para toda a evolução histórica já apresentada, da Societas romana à sociedade limitada, e o mesmo raciocínio pode ser utilizado para justificar o benefício ao comerciante individual. Não o foi durante muito tempo, levando seus defensores a indagar por que apenas entes coletivos teriam este direito.

(29)

Duas são as questões tratadas. A primeira é a possibilidade de personificação (no sentido de criação de um novo centro de imputação de direitos e deveres) de um ente não-coletivo. A segunda diz respeito à possibilidade de separação de uma parte do patrimônio da pessoa natural para o exercício de uma determinada atividade.

O autor conduz magistralmente suas explicações acerca desses pontos quando expõe as razões econômicas que os permeavam. O direito empresarial, com suas raízes pragmáticas, nunca se curvou às teorias jurídicas, impondo-se quando necessário. Por isso, resiste-se aqui a enfrentar os problemas apresentados unicamente sob a ótica das teorias a respeito da pessoa jurídica (se é possível ou não personalizar um objeto de direito ou um ente não coletivo), do patrimônio (quanto à divisibilidade do patrimônio de um indivíduo) e do direito societário (acerca da sociedade formada por vontade não coletiva). Decerto, estas colaboraram profundamente com a melhor delineação dos modelos de limitação patrimonial para o negociante singular, mas não servem para explicar os preconceitos sobre o tema, já que apenas consistiram em justificativas doutrinárias para a realidade vivida à época.

Assim, vê-se que, em verdade, o preconceito histórico e doutrinário nasce da realidade socioeconômica vivida pela Alemanha – um dos berços do direito pátrio – no século XIX, conforme Salomão Filho (1995, p. 17), na qual vigorava um modo de produção pré-industrial, caracterizado pela inexistência de mercado nacional e de sistema bancário e creditício. Esse contexto exigia estímulo à aglomeração de recursos e, ao mesmo tempo, preocupação com a capacidade de pequenos empreendedores em honrar com seus compromissos. Logo, a constituição de entes coletivos capazes de se obrigar deveria ser facilitada, pois estes seriam novos centros de imputação de direitos e deveres, enquanto o exercício do comércio singular e a separação patrimonial livre seriam desaconselhados.

(30)

A verdade é que quando alguém quer ser desonesto pode sê-lo de qualquer forma, inclusive através de sociedades comerciais, onde sua responsabilidade poderá estar limitadíssima. Não é raro acontecer tal coisa. Muitas vezes soubemos de sociedades comerciais que não passavam de verdadeiras arapucas, organizadas com a finalidade única e exclusiva de ludibriar outros comerciantes ou os consumidores. A limitação, portanto, da responsabilidade do comerciante individual não modificaria substancialmente os termos do problema.

O panorama viria a mudar no século XX, com o crédito facilitado e um ambiente favorável ao desenvolvimento de pequenas e médias empresas, ainda mais quando ganharam relevância temas como a redução das desigualdades sociais e a sustentabilidade. A partir disto, começa-se a refutar as teses contrárias à limitação da responsabilidade do empreendedor individual, demonstrando-se seus equívocos e contradições e fazendo a discussão evoluir para a eleição do modelo mais adequado aos fins pretendidos.

3.2 Sociedades fictícias ou de favor

Não sendo possível limitar sua responsabilidade de maneira direta, o empreendedor individual cuidou de obter este benefício obliquamente, possibilitando a si a exploração da empresa sob risco controlado, da mesma maneira que já era facultada àqueles que negociavam por meio de sociedades empresárias.

Para tanto, fez uso do que os autores denominaram testa de ferro ou laranja (na doutrina estrangeira, strawman– homem de palha, espantalho): um indivíduo próximo, quase sempre familiar, que assumiria posição de sócio do empreendedor, mas não teria qualquer participação nos desígnios societários. Essas mesmas expressões são utilizadas popularmente para nomear quem empresta seu nome, voluntária ou involuntariamente, para disfarçar o cometimento de ilícitos. Fica evidenciado, portanto, o preconceito com que tal artifício é visto, inobstante se saiba que ele é comum a todos os ordenamentos que não propõem soluções viáveis para a limitação de responsabilidade do empreendedor individual, sendo utilizado com a mais absoluta boa-fé na maioria das situações.

Através do testa de ferro, vão sendo preenchidos os requisitos formais para a constituição e manutenção da sociedade. Antônio Martins Filho (1999, pp. 293-294) exemplifica:

(31)

Para conseguir essa finalidade, delibera organizar uma sociedade anônima, com o concurso de outras pessoas estranhas ao giro especulativo e que, a título de favor, concordam em figurar no ato de constituição, a fim de tornar possível o funcionamento do ente societário.

Posteriormente, ainda se prontificam a assinar os livros de ata ou até mesmo a comparecer às assembléias convocadas. Tudo ficará aprovado sumàriamente e a organização vai realizando o seu objetivo, acobertada por uma aparente legalidade.

Mais habitual que a organização de anônimas é a constituição de sociedades limitadas, que necessitam de dois sócios apenas e não exigem maiores formalidades. O empreendedor assume, por exemplo, 99% das quotas do capital social da empresa, enquanto o sócio laranja compõe 1% de participação. Integraliza-se o capital social e, pelo menos no que se refere ao seu caráter fictício, não se vislumbra qualquer prejuízo a terceiros que tratem com a sociedade, a menos, é claro, que a constituição social já tenha o prévio dolo de fraude – possibilidade que acomete qualquer ato jurídico, e não este em especial. Ademais, aquele que negocia com a sociedade deve estar ciente de que apenas o capital social servirá de garantia para as obrigações por ela assumidas, sendo irrelevante para o credor que a sociedade seja de favor.

O sócio minoritário, entretanto, pode sofrer as consequências da sua falta de acompanhamento dos rumos da sociedade quando ocorre o abuso da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil de 2002). Neste caso, é possível que o patrimônio pessoal dos sócios seja atingido por dívidas da sociedade, abrangido inclusive o sócio laranja, por mínima que seja sua participação societária.

Não se trata de solução ideal, portanto. É resultado apenas da inventividade dos comerciantes, reféns da inércia do legislador em acompanhar a evolução da sociedade e propor soluções para os problemas que surgem. Reconhecendo a questão apresentada, Sylvio Marcondes Machado (1956, p. 47) manifesta-se no sentido de que:

[...] parece resultar evidente que as sociedades fictícias e unipessoais constituem expediente indesejável para limitação da responsabilidade. Todavia, o próprio desenvolvimento das controvérsias a seu respeito demonstra a importância do problema gerador do fenômeno: a responsabilidade limitada no exercício do comércio singular.

O direito constituído, ao reconhecer sucessivamente formas restritivas do princípio da responsabilidade ilimitada, atendeu à solicitação de fatos da economia, mas não saiu do terreno das atividades realizadas em sociedade. Ora, se a lei, por autorizar limites à responsabilidade, admite a existência de um interêsse social na limitação do risco, êsse mesmo interêsse se manifesta nos empreendimentos individuais e explica o desejo de uma solução adequada para delimitar o risco e a responsabilidade do comerciante singular.

(32)

A regulamentação exigida pelo distinto mestre era urgente. O legislador, porém, deveria atentar não só para a limitação de responsabilidade em si, mas também para a proposição de um modelo viável e atrativo aos empreendedores individuais. Nos dizeres de Calixto Salomão Filho (1995, p. 38): “Para o empresário, é de importância fundamental dispor de um instrumento que lhe permita ao mesmo tempo organizar-se administrativamente,

ter acesso ao crédito, e que seja enfim separado de sua pessoa”. Mas o assunto não recebia a

devida atenção nem mesmo dos estudiosos, como alerta Cinira Gomes Lima Melo (2005, p. 50):

O empresário individual é visto pela maior parte da doutrina como um ente sem relevância jurídica, em razão do pequeno e médio porte das empresas por ele exploradas. Tal fato pode ser facilmente constatado consultando-se os livros de Direito Comercial que quase nada trazem sobre o assunto.

Mais à frente, falando especificamente da realidade brasileira, ela arremata (p.

55): “Apesar de todos esses argumentos contrários, o que podemos constatar, analisando a

realidade do empresário individual, é uma verdadeira falta de atenção às suas necessidades e até discriminação no seu tratamento pelo legislador”.

A discriminação denunciada pela autora é reforçada na obra de Fábio Ulhoa Coelho (1998, p. 62), quando o jurista discorre que:

Neste capítulo – e, de resto, em todo o Curso –, o exame das questões em geral terá

por foco o empresário pessoa jurídica. Não se tratará, senão em pouquíssimas passagens, do exercente individual da atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços, porque esta figura, na verdade, não possui presença relevante na economia. (grifo no original)

O resultado deste desprezo é exatamente a adoção, pelos empreendedores individuais, de modelos que não foram pensados para este uso. Isto pode causar transtornos tanto para o comerciante, que necessita de outro indivíduo disposto a participar formalmente da sociedade e é obrigado a esperar que este nunca venha a exigir o gozo de seus direitos patrimoniais e pessoais inerentes à condição de sócio, como para o testa de ferro, cujos bens podem ser afetados pela má administração da empresa.

(33)

cuidado necessário, surgiria o risco óbvio de que o novo regramento não cumprisse o seu papel, tornando-se “letra morta”, pois comerciante algum abandonaria a sociedade fictícia já plenamente constituída e que não lhe causa problemas para aderir a um formato que trouxesse inconvenientes ao seu negócio ou tivesse potencial para tanto.

Assim sendo, o legislador consciente de seu papel deveria perguntar-se: qual modelo seria mais atraente do que a alternativa atual e já consolidada, a sociedade fictícia?

3.3 Modelos de limitação da responsabilidade patrimonial para o empreendedor individual

A doutrina, ao longo do tempo, concebeu diversas formas que possibilitassem a limitação da responsabilidade patrimonial ao negociante singular, sendo que as principais diferenças entre estas se dão em relação à personalização ou não do ente formado e a sua forma societária ou não societária.

Percebeu-se, na pesquisa acerca do tema, que ainda não se firmou precisão terminológica quanto às estruturas sobre as quais se debaterá, à exceção da sociedade unipessoal, esta bem delineada. Assim, o estudo se apoiará não na nomenclatura dada pela lei ou pelos estudiosos (empresa individual de responsabilidade limitada, estabelecimento individual de responsabilidade limitada, empresário individual de responsabilidade limitada), que muitas vezes misturam-se e confundem-se, mas nas características observadas em cada modelo, a fim de dar destaque ao seu conteúdo5.

Dessa maneira, abordar-se-ão o patrimônio de afetação com personalidade jurídica, o patrimônio de afetação despersonalizado e a sociedade unipessoal, salientando os pontos essenciais de cada um deles.

3.3.1 Patrimônio de afetação com personalidade jurídica

O modelo adotado pelo legislador brasileiro através da Lei n.º 12.441/2011, na qual é denominado Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI, é o primeiro

5 A doutrina quase unânime considera que a empresa é a atividade, o estabelecimento é o complexo de bens

(34)

que será estudado. Esta forma caracteriza-se pelo destacamento de um patrimônio em separado destinado à atividade empresarial que receberia autonomia e personalidade jurídica própria.

Através deste modelo, transforma-se uma universalidade de fato (de acordo com o

art. 90 do Código Civil, “a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa,

tenham destinação unitária”) – aqui, os bens do empresário individual destinados ao negócio –

em universalidade de direito, definida no art. 91 do CCB como “o complexo de relações

jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico”. Trata-se de fenômeno semelhante às fundações, porém, neste caso, a universalidade teria claro intuito de lucro e continuaria ligada a quem a instituiu, o empreendedor.

É a estrutura defendida por Romano Cristiano (1977, pp. 152-153) para solucionar o problema do empresário individual. Aduz o autor que, após a outorga, pelo ordenamento, de personalidade jurídica às sociedades empresárias, o próximo passo na evolução histórica seria o reconhecimento de que o capital sobrepôs-se à pessoa do sócio, e isto se daria com a personificação do patrimônio. Ele prossegue:

[...] Esse problema só será resolvido quando se conceder personalidade jurídica à empresa em si, sem que se tome em consideração a pessoa de seu proprietário, ou melhor, reduzindo-se a figura do proprietário a mero elemento da própria empresa. Aliás, tal coisa deverá acontecer, mais cedo ou mais tarde, uma vez que o direito não pode ficar por muito tempo “divorciado” da realidade, base indiscutível de qualquer ordenamento jurídico, em sentido geral, isto é, naquilo que representa a tendência predominante do grupo social respectivo. Afinal, o ordenamento jurídico existe para que o grupo social viva melhor e deve ser ele, portanto, a se adaptar ao grupo, nunca o contrário. Por esse motivo, o ordenamento jurídico deve acompanhar as mudanças, podendo fazê-lo lentamente, para que a nova realidade se consolide.

Com a empresa aconteceu justamente assim. Na realidade, alcançou posição ímpar, tornando-se uma nova pessoa e absorvendo a figura de seu proprietário individual ou social. Cabe, agora, ao direito adequar-se a essa nova realidade, outorgando à empresa, em si, o que a esta altura já lhe é devido: a personalidade jurídica.

Analisando a polêmica doutrinária que surge sobre a divisibilidade do patrimônio, manifesta-se Cinira Gomes Lima Melo (2005, pp. 51-52):

O conceito de separação patrimonial e afetação de parte de um patrimônio a um fim específico está intimamente ligado à idéia de limitação de responsabilidade do empresário.

Ocorre que, na concepção tradicionalmente concebida pela doutrina e legislação, um mesmo sujeito de direito não pode ser titular de dois patrimônios: um geral (particular) e outro especial (destinado à exploração da atividade).

(35)

Compartilha da mesma opinião Caio Mário da Silva Pereira (2001, pp. 251-252):

Com a construção da teoria da afetação, uma corrente de juristas pretendeu atingir a doutrina tradicional da unidade do patrimônio, sustentando que aqueles bens constituem patrimônios de afetação, distintos e separados. Opera-se, assim, a cisão

do complexo bonitário, sustentando-se que, afora o patrimônio geral, há os especiais, destacados pela afetação. Desta sorte, abrir-se-ia uma brecha na noção da

unidade e indivisibilidade, pois que, enquanto a doutrina tradicional considera o patrimônio como uma relação subjetiva(“cada pessoa tem um patrimônio”), a teoria

da afetação entende que existem bens a compor os patrimônios da pessoa (natural ou

jurídica), objetivamente vinculados pela idéia de uma afetação a um fim

determinado (De Page, Brinz). A idéia tem feito carreira ultimamente. [...]

A afetação, porém, implicará composição de um patrimônio se se verificar a criação de uma personalidade, como se dá com as fundações. Caso contrário, eles se prendem ao fim, porém continuam encravados no patrimônio do sujeito.

A possibilidade de personificação da própria empresa (ou do estabelecimento) já fora destacada por Alberto Asquini (1996, pp. 118-119), em seu clássico Perfis da empresa, quando abordou o perfil objetivo da empresa:

É notório que não faltam doutrinas tendentes à personificação do tal patrimônio especial tendentes a nele identificar “a empresa” como sujeito de direito (pessoa jurídica) distinto do empresário. Mas esta tendência não foi acolhida nem no nosso, nem em outros ordenamentos jurídicos.

[...]

Nota-se, também, que o nosso ordenamento jurídico tem sempre excluído e exclui toda construção tendente a fazer do patrimônio especial, de que estamos falando, um patrimônio juridicamente separado do remanescente patrimônio do empresário (patrimônio com escopo; Sondervermogen; Patrimoine d’affection). Vale, a

propósito, o princípio geral pelo qual cada um responde pela obrigação com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as limitações da responsabilidade admitidas pela lei (art. 2740 CC); e não há qualquer norma geral que derrogue tal princípio para o empresário.

Sylvio Marcondes Machado (1956, p. 165), por sua vez, encontra nas lições de Asquini o caminho para a justificação do modelo que viria a ser defendido por Romano Cristiano. Quanto ao comentário de Asquini de que a doutrina tendente a personalizar o patrimônio especial e a fazer dele um patrimônio juridicamente separado não foi acolhida pelos ordenamentos, ele conclui:

(36)

Frise-se que, embora Machado indique a rota que poderia levar à personalização do patrimônio afetado, sua conclusão é de que a melhor saída é a separação do patrimônio de forma meramente objetiva, continuando a sujeitá-lo ao empresário individual. Este modelo será estudado em tópico seguinte.

A escolha pelo patrimônio especial personalizado consolidaria no ordenamento o que Waldirio Bulgarelli (1990) chamou de esquizofrenia jurídica: a dupla personalidade empresarial.

Em seu artigo, o renomado autor observa que na prática jurídica haveria a crença de que o empresário individual, uma pessoa física, desdobraria sua personalidade em duas, constituindo também pessoa jurídica. Ele aponta que este mal surgiu de dispositivos do direito tributário, que, para certos efeitos, equipararam o comerciante individual às pessoas jurídicas, exigindo daquele registro próprio no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, declaração de imposto de renda em separado (uma de pessoa física e outra de pessoa jurídica), balanço contábil específico da atividade empresarial, etc.

Bulgarelli então ressalta que a equiparação não consistiria em transfiguração, e o empresário individual manteria juridicamente a sua condição de pessoa física apenas. O legislador brasileiro, no entanto, optou, através da Lei n.º 12.441/2011, por contrariar o mestre e adotar no ordenamento pátrio a extravagância examinada, trazendo ao direito empresarial o que a Fazenda Pública engendrara para facilitar a arrecadação tributária.

3.3.2 Patrimônio de afetação despersonalizado

A segunda forma de limitação da responsabilidade patrimonial do empreendedor individual consiste na separação de patrimônio especial para os fins empresariais, porém mantendo-o vinculado, como objeto de direito, à pessoa física do empresário. Este continua como titular dos direitos e obrigações advindos da empresa, mas responde, enquanto empresário, apenas com os bens afetados, e, enquanto pessoa natural, com o patrimônio restante.

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Tabela 1 – Constituição de empresas por tipo jurídico (Brasil)

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