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DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA PROCESSO DISCIPLINAR

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Tribunal da Relação de Évora Processo nº 603/05.7TTFAR.E1 Relator: JOÃO LUÍS NUNES Sessão: 20 Dezembro 2011 Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: ÁPELAÇÃO SOCIAL

DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA PROCESSO DISCIPLINAR

INDEMNIZAÇÃO JUROS DE MORA

Sumário

a) A nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão apenas se verifica numa situação de absoluta falta de motivação, e não em situação de insuficiência ou mediocridade de motivação;

b) As questões a que se reportam os artigos 660.º e 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, que o tribunal deve conhecer são os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litigio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções;

c) O processo disciplinar, embora constituindo um meio obrigatório para a efectivação do despedimento por parte do empregador não perde a sua

natureza extrajudicial, e é na acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que cumpre ao(à) empregador(a) a prova dos factos integradores da justa causa de despedimento que constam da nota de culpa;

d) Não tendo na referida acção a empregadora provado os factos integradores da justa causa despedimento, terá, necessariamente, este que ser considerado ilícito;

e) Sendo a empregadora condenada a pagar ao trabalhador uma indemnização de antiguidade calculada até ao trânsito em julgado da decisão final do

processo, tal significa que o valor da indemnização devida pelo despedimento só se torna líquido com o trânsito em julgado da decisão do tribunal, pelo que os respectivos juros de mora só devem ser contados desde então;

f) E condenando-se também a empregadora no pagamento das retribuições vencidas e vincendas, desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, mas a que será deduzido o montante do subsídio de desemprego

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entretanto recebido pelo trabalhador, bem como outras importâncias recebidas em virtude da cessação do contrato, em montante a apurar em posterior liquidação, daí decorre que o montante da obrigação não é líquido e a iliquidez não é imputável à empregadora, pelo que apenas são devidos juros de mora a partir da liquidação.

Sumário do relator

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório

J…, residente em Faro) intentou, no Tribunal do Trabalho de Faro, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de

contrato individual de trabalho, contra C…, pedindo que o seu despedimento seja declarado ilícito e, em consequência, a Ré condenada a pagar-lhe:

(i) a quantia de € 11.500,00 a título de danos patrimoniais (artigo 436.º, n.º 1, do Código do Trabalho);

(ii) a quantia de € 7.500,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais;

(iii) as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença;

(iv) a indemnização de antiguidade prevista no artigo 439.º do Código do Trabalho;

(v) a quantia de € 396,69 referente a 11 dias de férias não gozadas no ano de 2004;

(vi) a quantia de € 721,26 de proporcionais de férias não gozadas de 2005;

(vii) juros sobre as quantias em dívida desde a citação até integral pagamento.

Alegou para o efeito, em síntese, que foi trabalhador da Ré desde 18 de

Setembro de 1992 e que por carta de 30 de Agosto de 2005, e na sequência de processo disciplinar, esta lhe comunicou o despedimento imediato com justa causa a partir do seu recebimento.

Porém, os factos em que a Ré fundamentou o despedimento não correspondem à verdade, sendo, por isso, o mesmo ilícito, com as consequências daí

inerentes.

Além disso a Ré não lhe pagou retribuições e subsídios que peticiona, e o comportamento da mesma provocou-lhe uma “forte tensão nervosa e um abalo moral irreparáveis”, o que justifica o pagamento de uma indemnização por tais danos.

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*

Tendo-se procedido à audiência de partes, e não se tendo logrado o acordo das mesmas, contestou a Ré, por excepção e por impugnação: (i) por excepção, sustentando a sua falta de capacidade judiciária – uma vez que é apenas um órgão local da C…; (ii) por impugnação, afirmando que o comportamento do Autor justificou o despedimento com justa causa e, por consequência,

pugnando pela improcedência da acção.

*

Respondeu o Autor, alegando que tendo o despedimento sido decretado pelo Presidente do Núcleo de Tavira da Ré, não detendo este poderes para o acto, é nulo o procedimento disciplinar.

*

A Ré respondeu, a reafirmar a regularidade do procedimento disciplinar.

*

Em sede de despacho saneador, foi determinada a citação da C…, na pessoa do seu Presidente, para, em 10 dias, ratificar os actos até essa data praticados e juntar procuração a constituir mandatário judicial.

*

Na sequência, veio a C… ratificar o processado e constituir mandatário.

*

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, respondeu-se à matéria de facto, que não foi objecto de reclamação, e em 9 de Junho de 2011 foi

proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor:

«Destarte, julgo parcialmente procedente a acção, condenando a Ré C…, no seguinte:

a) a reconhecer como ilícito o despedimento do A. J…;

b) pagar ao A. uma indemnização de antiguidade, correspondente a € 1.081,89 por cada ano completo ou fracção de antiguidade, desde 18.09.1992 e até ao trânsito em julgado da decisão final do processo;

c) pagar ao A. a remuneração base mensal de € 1.081,89, desde 29.11.2005 e até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, incluindo subsídios de férias e de Natal, mas com dedução das importâncias referidas no art. 437.º n.ºs 2 e 3 do CTrabalho de 2003, o que será liquidado no incidente a que se referem os arts. 378.º e segs. do CPCivil;

d) pagar ao A. as quantias de € 396,69, a título de férias não gozadas no ano de 2004, e de € 721,26, a título de proporcionais de férias não gozadas no ano de 2005;

e) pagar ao A. os juros de mora, à taxa a que se refere o art. 559.º n.º 1 do CCivil, desde a data de trânsito em julgado da decisão final do processo, quanto à quantia supra fixada na al. b), desde a liquidação, quanto à que

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resultar da condenação supra da al. c), e desde a citação quanto às quantias supra fixadas na al. d).

No mais, julgo a acção improcedente».

*

Inconformada com a decisão, a Ré dela interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:

«1- A sentença recorrida é nula “in casu” a previsão da alínea b), c) e d) do n.º 1 do art.º 668º do C.P.C..

2 – O Mmº Juiz “ a quo” apenas refere que não foi feita prova dos factos que levaram ao despedimento, e não fundamenta dos factos apurados, quais os que levaram à conclusão, ou seja, apenas concluiu pelo despedimento ilícito.

3 – Não fundamentou assim o Mmº Juiz “ a quo”, a questão primordial dos autos licitude/ilicitude do despedimento do Autor, verificando-se in casu uma falta absoluta de motivação e não apenas o seu laconismo, o que

inevitavelmente desencadeia a sanção grave de nulidade (neste sentido o Ac.

RE, 01.07.93, BMJ, 429, P. 902).

4 - Por seu turno, o artigo 659º, n.º 3 do C.p.C. refere que “Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer” o que manifestamente não foi o caso.

5 - Da decisão recorrida não consta qualquer exame às provas produzidas, apenas referências, meras ilações como “ a alegada baixa não ficou provada”, quanto à alegada baixa fraudulenta do A. diremos desde já que, estando em causa um acidente de trabalho, foram os serviços clínicos da Seguradora Laboral quem lhe fixou uma ITA de 7 dias…”.

6 – Ao que era exigível ao tribunal “a quo” a indicação dos factos que julgou provados e os que julga não provados analisando criticamente as provas ou especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artº 653º nº 2 e 791º nº 3 do CPC).

7 – Na factualidade apurada e constante do capítulo II da sentença deu-se como provado que “É do conhecimento dos trabalhadores do Núcleo… da C…

que esta o despediu com fundamento no facto dele, no dia 24-05-2005, ter atingido o assistente da Direcção, A…, com uma cabeçada na Clínica de Santo António, em Vila Real de Santo António”

8 – Se no julgamento da matéria de facto se considera provado que é do

conhecimento dos trabalhadores do Núcleo… da C… que o Autor foi despedido com fundamento em determinada agressão, necessariamente se terá de

concluir que esta agressão foi perpetrada.

9 – Ao apurar-se aquela factualidade, dever-se-ia ter concluído pela existência

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de agressão e, consequentemente, pela licitude do despedimento e, consequentemente pela absolvição da Ré/Recorrente.

10 – Ao concluir-se pela ilicitude do despedimento, o tribunal “a quo” entrou em manifesta contradição com aquele facto dado como provado.

11 – Tal circunstância determina a nulidade da sentença nos termos previstos na alínea c), do nº 1, do artigo 668º do CPC, por manifesta oposição entre a fundamentação (de facto) e a decisão.

12 – Para além disso, o Tribunal a quo não analisou correctamente a verificação da justa causa para o despedimento e omitiu pronúncia.

13 – A douta sentença de que se recorre concluiu pela ilicitude do

despedimento, embora a matéria de facto provada importasse decisão diversa.

14 - Em face desta factualidade dada como provada, deveria ter-se concluído na douta sentença que o Autor trabalhou como fisioterapeuta na Clínica…, durante o período de baixa médica, violando, sem sombra de dúvida os

deveres de fidelidade, honestidade, zelo, respeito, diligencia e lealdade, a que o trabalhador estava vinculado (art. 396º, nº 1 e 3, al. d), f), i) do Decreto-Lei 99/2003), o que por si só comprometeu gravemente o seu vínculo laboral.

15 - E bem assim, igualmente, que o Autor prestou falsas declarações na justificação das suas faltas, desempenhando a sua actividade profissional noutra instituição enquanto estava de baixa médica (art. 396º, nº 3, al. f) do Decreto-Lei 99/2003).

16 - A decisão proferida centra-se unicamente e conclui-se que foram os

serviços clínicos da Seguradora Laboral quem lhe fixaram uma ITA de 7 dias e que, nada resulta que o Autor tenha procedido de forma fraudulenta para obter tal justificação e que tal facto não pode servir de fundamento para justificar um despedimento.

17 - De acordo com o expresso no artigo 668º, nº 1 do CPC: " É nula a sentença: (…) d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar

conhecimento.”

18 - A omissão de pronúncia verifica-se quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve

conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença.

19 - Não era exigível, ou sequer curial à Ré, em face dos factos praticados pelo Autor e dados como provados, a manutenção da confiança e respeito para com o mesmo, que é o suporte de qualquer relação laboral, sendo lícito à Ré, dai em diante, perspectivar que em situações futuras o Autor actuasse da mesma forma.

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20 - Termos em que o ilícito disciplinar do Recorrido assume gravidade bastante que justifique o decretamento de sanção disciplinar de

despedimento, o que importa necessariamente a revogação da sentença proferida».

E a rematar as conclusões pede que sejam julgadas procedentes « (…) as nulidades invocadas e em consequência nula a sentença proferida, caso assim não se entenda deverá a douta sentença proferida revogada e substituída por outra que absolva a Ré, por assim ser de direito e justiça».

*

O recorrido apresentou contra-alegações, em que pugna pela improcedência do recurso, e interpôs recurso subordinado, no qual formula as seguintes conclusões:

«1.ª – No caso dos autos, tendo o despedimento sido ilícito, são devidos juros de mora desde a citação quanto às prestações vencidas nessa data e da data de vencimento das prestações que se vencerem após a citação ou, em

alternativa, a partir da data do vencimento das prestações mencionadas nas als. b), c) e d).

2.ª – Porém, a douta sentença recorrida apenas arbitrou juros a contar da data do trânsito em julgado relativamente às quantias referentes à indemnização por antiguidade (al. b) da decisão) e a partir da liquidação quanto às

remunerações devidas (als. c) e d) da decisão).

3.ª – Decidindo como decidiu, a douta sentença recorrida violou o disposto nomeadamente no art.º 804.º do Código Civil.

4.ª – Deve, consequentemente, quanto aos juros, ser revogada no sentido proposto».

*

A Ré não respondeu ao recurso subordinado.

*

Os recursos foram admitidos, como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

*

Recebidos os autos neste tribunal em 21 de Outubro de 2011, a Exma.

Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no sentido da improcedência do recurso interposto pela Ré.

*

Respondeu esta, a rebater, em síntese, o constante do referir parecer e a reiterar o constante das conclusões das alegações do recurso que

oportunamente apresentou.

*

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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*

II. Objecto dos recursos

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, como resulta do disposto nos artigos 684.º, n.º 3 e 690, n.º 1, do Código de Processo Civil (atenta a data da propositura da acção), ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro.

Tudo isto sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Assim, tendo em conta as conclusões dos recorrentes, são as seguintes as questões essenciais decidendas:

1. Do recurso (independente) da Ré:

(i) saber se a sentença é nula por falta de fundamentação [artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil], por contradição entre a

fundamentação e a decisão [alínea c), do mesmo artigo] e por omissão de pronúncia [alínea d) do mesmo artigo];

(ii) saber se existe fundamento legal para o despedimento com justa causa do Autor/recorrido.

2. Do recurso (subordinado) do Autor:

(i) saber desde quando são devidos juros de mora quanto à condenação da Ré a que se reportam as alíneas b), c) e d) da parte decisória da sentença.

*

III. Factos

A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:

1. O Autor exerceu a sua actividade profissional, sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, como fisioterapeuta, desde 18 de Setembro de 1992;

2. O vencimento mensal estabelecido era de € 1.081,89, acrescido de

alimentação (almoço) ou de subsídio de alimentação quando a cantina estava fechada;

3. No dia 11-07-2005, a Ré notificou pessoalmente o A. de que instaurara um processo disciplinar com intenção em proceder ao seu despedimento e que juntava para o efeito a respectiva nota de culpa;

4. À qual o Autor respondeu;

5. Foram inquiridas testemunhas;

6. Após o que, por carta registada com aviso de recepção de 30-08-2005, a Ré notificou o Autor de ter decidido proceder ao seu despedimento imediato com justa causa a partir do seu recebimento e que remeteu em anexo cópia do relatório final e da respectiva decisão final fundamentada, proferida em 9 de Agosto de 2005 pelo Presidente do Núcleo… da C…;

7. Dando como parcialmente provadas as acusações constantes da nota de culpa e ter ele cometido as infracções previstas nas alíneas d), f) e i) do n.º 3

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do art. 396.º do Código do Trabalho;

8. E que esses comportamentos, atenta a culpa do agente e a sua gravidade e consequências, praticamente impossibilitaram a subsistência da relação

laboral, constituindo por isso fundamento legal para o despedimento com justa causa, nos termos do n.º do art. 396.º daquele compêndio;

9. Do que constava da nota de culpa e da decisão final, provou-se apenas que:

- O Autor desempenha as funções de fisioterapeuta no Núcleo de…da C…, desde 18-09-1992;

- Exerce profissionalmente a sua actividade de fisioterapeuta noutras clínicas, nomeadamente, na Clínica…, em…;

- O que é conhecido da Ré e da generalidade dos seus trabalhadores;

- O Autor é considerado como competente, trabalhador, zeloso e leal para com os colegas;

- No corrente ano (de 2005), o A. esteve temporária e absolutamente

incapacitado para o trabalho e de baixa médica entre os dias 18 de Maio a 24 desse mês;

- No dia 25-05-2005, pelas 19:30 horas, teria consulta para aferição da sua situação clínica;

- No dia 24-05-2 005, o assistente da Direcção (A…) e o tesoureiro do Núcleo de… da C… foram à citada Clínica…, em…, para averiguarem e fiscalizarem a situação do arguido;

- Os quais, pelas 18 horas desse dia 24-05-2005, constataram que o Autor estava lá a desempenhar a sua actividade profissional de fisioterapeuta;

- E dirigiram-se a ele;

- O Autor pediu-lhes então que esperassem na sala de espera;

- O que eles fizeram;

- Decorrido entre cinco e dez minutos, bateram à porta da sala onde o Autor laborava para o informar que não podiam esperar mais tempo;

10. É do conhecimento dos trabalhadores da Núcleo de… da C… que esta o despediu com fundamento no facto dele, no dia 24-05-2005, ter atingido o assistente da Direcção, A…, com uma cabeçada na Clínica…, em…;

*

IV. Enquadramento Jurídico

Delimitadas supra (sob o n.º II) as questões a decidir é, então, o momento de analisar cada uma de per si e tendo em conta a precedência lógica que

apresentam.

Refira-se desde já que à relação de trabalho é aplicável, nesta matéria, o Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003, e por força do qual ficam sujeitos ao seu regime os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação

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colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento (art.s 3.º e 8.º, n.º 1), sendo certo que o despedimento do Autor ocorreu através de comunicação escrita datada de 30-08-2005 (facto n.º 6).

Assim, as futuras referências a Código do Trabalho, sem especificação, reportam-se ao referido diploma legal.

Por sua vez, em relação à lei processual é aplicável o Código de Processo do Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, pelo que as também futuras referências a Código de Processo do Trabalho se reportam a este diploma legal.

*

1. Da (arguida) nulidade da sentença

Alega a Ré/recorrente a nulidade da sentença, por falta de fundamentação, contradição entre os fundamentos e a decisão e omissão de pronúncia.

Estatui o artigo 668.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (aplicável ao caso ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho):

«1. É nula a sentença:

a) (…)

b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;

d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) (…)».

Analisemos cada uma das mencionadas nulidades.

*

(i) Da (arguida) nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito.

Como ensina Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 139), «[a] sentença deve representar a adaptação da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à apreciação do juiz; ao comando geral e abstracto da lei o

magistrado substitui um comando particular e concreto. Mas este comando não se pode gerar arbitrariamente. (…) Não basta, pois, que o juiz decida a questão posta; é indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto. A sentença, como peça jurídica, vale o que valerem os seus

fundamentos. Referimo-nos ao valor doutrinal, ao valor como elemento de convicção, e não ao seu valor legal».

E mais adiante (pág. 140) acrescenta: «Há que distinguir cuidadosamente a

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falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade».

No caso em apreciação, ancora-se a recorrente para arguir a aludida nulidade que o Exmo. Juiz, quanto à licitude ou ilicitude do despedimento do Autor e dispositivo da mesma, apenas refere que a Ré não logrou fazer prova dos factos que invoca para proceder ao despedimento.

Além disso, da decisão recorrida não consta qualquer exame às provas produzidas.

Vejamos.

Relacionado com esta problemática, respiga-se da sentença recorrida:

«(…) não logrou a Ré fazer prova dos factos que invocou para proceder ao despedimento, facto que o torna ilícito – art. 429.º al. c) do CTrabalho de 2003.

Com efeito, a alegada agressão não ficou provada. E quanto à alegada baixa fraudulenta do A., diremos desde já que, estando em causa um acidente de trabalho, foram os serviços clínicos da Seguradora laboral quem lhe fixou uma ITA de 7 dias, de 18.05.2005 a 24.05.2005 – cfr. os docs. de fs. 73, 74, 75 e 76.

Ora, nada nos autos demonstra que o A. tenha procedido de forma fraudulenta para obter tal justificação, inexistindo qualquer elemento que nos permita concluir pela intencionalidade do A. em falsamente justificar as suas faltas nesses dias. Tanto mais que se desconhecem os fundamentos clínicos para a concessão daquela ITA de 7 dias, nem existe qualquer parecer pericial que nos permita divergir da avaliação médica realizada.

Em consequência da inexistência de justa causa de despedimento, terá o A.

direito, conforme opção por ele efectuada logo na petição inicial (este deixou em aberto a possibilidade de optar pela reintegração, o que não fez), à

indemnização de antiguidade prevista no art. 439.º n.ºs 1 e 2 do CTrabalho de 2003, a qual se fixará em 30 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, que se pondera justa e adequada face às

circunstâncias do caso, com mediano grau de ilicitude do despedimento – tanto mais que não se demonstrou que o mesmo se ficasse a dever a alguma atitude discriminatória ou motivada pelo exercício legítimo de direitos

laborais».

Da referida transcrição resulta que o tribunal recorrido fundamentou o porquê de considerar o despedimento ilícito: a Ré não provou os factos que invocou para proceder ao despedimento, pelo que este é ilícito, conforme previsto no artigo 429.º, c), do Código do Trabalho.

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A recorrente poderá considerar tal justificação insuficiente: porém, ainda que assim fosse não estaríamos perante uma falta absoluta de fundamentação – única situação que acarretaria a analisada nulidade –, mas apenas perante uma fundamentação que por insuficiente, errada ou até incompleta poderia conduzir à revogação da sentença.

Sem embargo, sempre se acrescentará que se considera a referida fundamentação suficiente tendo em conta os factos apurados.

Expliquemos porquê.

Como é sabido, o processo disciplinar, embora constituindo um meio

obrigatório para a efectivação do despedimento por parte do empregador não perde a sua natureza extrajudicial, e é na acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que cumpre ao empregador a prova dos factos integradores da justa causa de despedimento que constam da nota de culpa.

Ou seja, e dito de outra forma: cabe ao empregador a imputação dos factos integrantes da justa causa do despedimento, a descrever na nota de culpa e a dar como assentes na decisão final do processo disciplinar, sendo esses os únicos que podem ser invocados na acção de impugnação do despedimento, pelo que tais factos são constitutivos do direito do empregador ao

despedimento do trabalhador.

Ora, volvendo ao caso em apreciação, se, na perspectiva do tribunal recorrido, a Ré/recorrente não fez prova dos factos que invocou para proceder ao

despedimento, a consequência, diremos inevitável, é considerar-se o despedimento sem justa causa.

Daí que tendo o tribunal chegado a tal conclusão, não se justificava uma mais desenvolvida fundamentação para considerar o despedimento ilícito.

E quanto à alegada falta de exame da prova produzida, não se pode olvidar que, como decorre do disposto no artigo 653.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir a juiz singular; a decisão proferida declarará quais os factos quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.

E as partes podem reclamar contra a deficiência, obscuridade ou contradição da decisão ou contra a falta de motivação (n.º 4 do mesmo artigo).

Após tal acto processual é que se verifica a elaboração da sentença, na qual deve, entre o mais, o juiz tomar em consideração os factos provados, fazendo o exame crítico das provas que lhe cumpra conhecer (n.º 3 do artigo 659.º, do Código de Processo Civil).

Estamos, porém, no âmbito de fases processuais distintas: (i) a resposta à

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matéria de facto, com análise critica das provas e (ii) a sentença.

Ora, o exame crítico das provas que cumpra conhecer na sentença só pode reportar-se àquela prova não analisada no momento processual anterior e, por consequência, em relação a factos que não foram atendidos anteriormente.

Como assinala Antunes Varela (et alii, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 665), entre os factos que cumpra conhecer na sentença estão os factos assentes por confissão, por acordo das partes ou por

documento, que não tenham sido levados à, então vigente, especificação.

No caso em apreciação, como resulta de fls. 256 a 259, o tribunal respondeu à matéria de facto, fazendo o exame crítico das provas produzidas, análise essa que aqui nos dispensamos de repetir.

E foram esses factos (e apenas esses) que foram consignados e atendidos na sentença: tendo a prova dos mesmos sido devidamente analisada na resposta à matéria de facto, não havia agora, novamente e na sentença, que voltar a

analisar-se tal prova; tal apenas se deveria verificar se houvessem factos que não haviam sido atendidos e analisados anteriormente, o que, como se

afirmou, não sucedeu.

Nesta sequência, só nos resta concluir que não se verifica arguida nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito.

*

(ii) Da (arguida) nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão.

Assinala Alberto dos Reis (Obra citada, pág. 141) que a oposição a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º, do Código de Processo Civil, se caracteriza por haver uma contradição real entre os fundamentos e a decisão e não contradição meramente aparente, resultante de simples erro material ( na fundamentação ou na decisão), caso em que a contradição é eliminada através de despacho a proferir nos termos do art. 667.º do CPC.

Na contradição em análise, o juiz escreveu o que queria escrever; porém, “ o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”.

Ou seja, verifica-se a nulidade prevista no art. 668.º, n.º 1, alínea c) do CPC, quando na construção da sentença existe realmente um vício lógico que a compromete pelo facto de o juiz, embora escrevendo o que realmente queria escrever, ter chegado a um resultado (a uma decisão) diferente daquele a que os fundamentos por ele invocados logicamente conduziriam.

Explicita também Lebre de Freitas (et alii, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, pág. 670), que “[e]ntre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguiu determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e,

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em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença”. E, logo a seguir esclarece: “Esta posição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade”.

No caso que nos ocupa, no entendimento da recorrente a arguida nulidade decorre da circunstância de se ter dado como provado que é do conhecimento dos trabalhadores da Ré, em Tavira, que esta despediu o Autor com

fundamento no facto dele, no dia 24-05-2005, ter atingido o assistente da Direcção, com uma cabeçada (facto n.º 10) e na fundamentação da sentença recorrida se ter concluído que a Ré não logrou fazer prova dos factos que invocou para proceder ao despedimento.

Diga-se, desde já, que não se detecta a alegada contradição.

Com efeito, o que se afirma no facto n.º 10 é que outros trabalhadores da Ré tiveram conhecimento que esta despediu o Autor com invocação (“com

fundamento”) de que este teria desferido uma cabeçada ao assistente da Direcção.

Porém, de tal factualidade apenas decorre o circunstancialismo que a Ré invocou para o despedimento, mas não a sua efectiva verificação.

Tenha-se novamente presente o que se afirmou supra, quanto ao ónus da prova dos factos que fundamentam o despedimento: o processo disciplinar, embora constituindo um meio obrigatório para a efectivação do despedimento por parte do empregador não perde a sua natureza extrajudicial, e é na acção de apreciação do despedimento que ao empregador cumpre a prova dos factos integradores da justa causa de despedimento que constam da nota de culpa.

A circunstância da Ré na nota de culpa imputar ao Autor a agressão e de ser esse o fundamento em que a Ré se baseou – fundamento esse que é do

conhecimento dos trabalhadores – para justificar o despedimento, não torna este lícito se na respectiva acção judicial a Ré não provou que, efectivamente, ocorreu aquela agressão.

Daí que inexista a alegada contradição.

*

(iii) Da (arguida) nulidade por omissão de pronúncia.

Finalmente a Ré vem arguir a nulidade da sentença, agora por omissão de pronúncia, uma vez que se encontra provado que o Autor esteve temporária e absolutamente incapacitado para o trabalho e de baixa médica entre os dias 18 e 24 de Maio de 2005 e que neste último dia foi constatado que o Autor se encontrava noutra clínica a desempenhar a actividade profissional (cfr. factos

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n.º 9).

Acrescenta a Ré que face a tal factualidade o Autor violou os deveres de fidelidade, honestidade, zelo, respeito, diligência e lealdade, prestando falsas declarações, o que não foi apreciado na sentença recorrida, que se limitou a apreciar que foram os serviços clínicos da seguradora que fixaram a

incapacidade do Autor.

Em face do descrito – conclui a Ré –, verifica-se omissão de pronúncia.

Sobre a omissão de pronúncia, escreve Antunes Varela (Obra citada, pág.

688): «Por um lado o julgador não tem que analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes; a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador.

Por outro lado, não é indispensável, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão: essencial é que se mencionem os princípios, as regras, as normas em que a sentença se apoia”.

Assim, o tribunal não tem que analisar e apreciar todos os argumentos, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa da sua posição: tem é que resolver todas as questões que lhe foram colocadas pelas partes (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras) no sentido da procedência ou improcedência da acção.

A dificuldade centra-se, então, em determinar o que deve entender-se por

«questões» para efeitos dos artigos 660.º, n.º 2 e 668.º, n.º 1, d), do Código de Processo Civil: ora, estas deverão ser encontradas perante a configuração que as partes deram ao litígio, tendo em conta o pedido, a causa de pedir e,

eventualmente, as excepções invocadas pelo réu.

Daí que, como se afirmou no acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 21-09-2005 (Recurso n.º 2843/04 – 4.ª Secção, sumariado em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de acórdãos), as «questões» «[n]ão serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litigio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções».

Ou ainda, no dizer do acórdão do mesmo tribunal de 10-05-2006 (Recurso n.º 481/05 – 4.ª Secção, também sumariado no sítio do STJ, referido

anteriormente), «as questões a que se reportam os art.ºs 660, n.º 1, 1.ª parte, e 668, n.º 1, alínea d), do CPC são as que se centram nos pontos fáctico-

jurídicos estruturantes das posições das partes na causa, ou seja, as que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções».

Pois bem: no caso, a sentença recorrida, para além de afirmar a não prova da

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alegada agressão, quanto à alegada baixa fraudulenta afirmou que estando em causa um acidente de trabalho, foram os serviços clínicos da seguradora

laboral que fixaram a incapacidade temporária absoluta de 7 dias, não existindo nos autos qualquer elemento a concluir pela intencionalidade do Autor em falsamente justificar as suas faltas nesses dias.

E nessa sequência conclui pela inexistência de justa causa de despedimento.

Resulta, pois, da referida fundamentação do tribunal recorrido que este se pronunciou quanto à alegada baixa fraudulenta do Autor, concluindo pela inexistência da mesma (onde, como parece notório, se inclui como decorrência necessária e directa a inexistência da violação dos deveres de fidelidade,

honestidade, etc.) e, consequentemente, pela inexistência de fundamento para o despedimento.

Daí que não se possa assacar à mesma sentença recorrida o vício de nulidade, por omissão de pronúncia.

Improcedem, por consequência, as conclusões das alegações de recurso quanto à arguida nulidade da sentença.

*

2. Da existência ou não de justa causa de despedimento do Autor A este propósito alega a recorrente, muito em resumo, que os factos

praticados pelo recorrido e dados como provados assumem gravidade e, em função dos mesmos, quebrou-se a relação de confiança entre as partes, o que justifica a aplicação da sanção mais gravosa de despedimento.

Importa, antes de mais, fazer uma abordagem, necessariamente breve, ao conceito de justa causa de despedimento.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 396.º do Código do Trabalho, constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

A referida noção de justa causa corresponde à que se encontrava vertida no artigo 9.º, n.º 1 do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT) e pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: (i) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, grave em si mesmo e nas suas consequências;

(ii) a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho; (iii) a verificação de um nexo de causalidade entre o referido comportamento e tal impossibilidade.

A ilicitude consiste na violação dos deveres a que o trabalhador está contratualmente vinculado, seja por acção, seja por omissão.

Relativamente à culpa, a mesma deve ser apreciada segundo o critério do artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil, ou seja, pela diligência de um bónus pater

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família, em face das circunstâncias de cada caso, o mesmo é dizer, de acordo com “um trabalhador médio, normal” colocado perante a situação concreta em apreciação.

Quanto à impossibilidade de subsistência do vínculo, a mesma deve

reconduzir-se à ideia de inexigibilidade da manutenção do contrato por parte do empregador, tem que ser uma impossibilidade prática, no sentido de que deve relacionar-se com o caso em concreto, e deve ser imediata, no sentido de comprometer, desde logo, o futuro do vínculo.

Verifica-se a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.

Como assinala a propósito Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, pág. 55), «[n]ão se trata, evidentemente, de uma

impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença – fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo(...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante a realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo (termo aposto ao contrato, sanções disciplinares conservatórias)”.

No dizer do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-02-2008 (disponível em www.dgsi.pt, sob doc. 07S3906), «[a] aferição da não exigibilidade para o empregador da manutenção da relação de trabalho, deve, aquando da

colocação do problema em termos contenciosos, ser perspectivada pelo tribunal com recurso a diversos tópicos e com o devido balanceamento entre os interesse na manutenção do trabalho, que decorre até do postulado

constitucional ínsito no art. 53.º do Diploma Básico, e da entidade

empregadora, o grau de lesão de interesses do empregador (que não deverão ser só de carácter patrimonial) no quadro da gestão da empresa (o que inculca também um apuramento, se possível, da prática disciplinar do empregador, em termos de se aquilatar também da proporcionalidade da medida sancionatória imposta, principalmente num prisma de um tanto quanto possível tratamento sancionatório igualitário), o carácter das relações entre esta e o trabalhador e as circunstâncias concretas – quer depoentes a favor do infractor, quer as depoentes em seu desfavor – que rodearam o comportamento infraccional».

Importa ter presente, volta-se a acentuar, que se deverá proceder a uma apreciação em concreto da situação de facto, seleccionando os factos e

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circunstâncias a atender e valorando-os de acordo com critérios de muito diferente natureza – éticos, organizacionais, técnico-económicos, gestionários, de ordem sócio-cultural e até afectiva -, designadamente atendendo, no

quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostre

relevantes, e aferindo a culpa e a gravidade do comportamento do trabalhador e o juízo de prognose sobre a impossibilidade de subsistência da relação

laboral em consonância com o entendimento de “um bom pai de família” ou de um empregador normal ou médio, em face do caso concreto, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade.

*

Feita esta breve análise conceptual sobre a justa causa de despedimento, importa agora fazer a respectiva subsunção aos presentes autos.

Resulta do disposto no art. 121.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho, que o trabalhador deve respeitar e tratar com urbanidade e probidade, entre o mais, o empregador, ou os superiores hierárquicos.

Constitui justa causa de despedimento, entre outras, o desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto confiado [artigo 396.º, n.º 3, alínea d), do CT], falsas declarações relativamente à justificação de faltas [alínea f), do mesmo número e artigo] e a prática, no âmbito da empresa, de injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre elementos dos corpos sociais ou sobre o empregador individual [alínea i), do referido número e artigo].

O comportamento do trabalhador deve ser apreciado nos termos do n.º 1, do mesmo preceito legal, ou seja, terá que ser um comportamento que pela sua gravidade e consequência, torne imediata e praticamente impossível a

subsistência da relação de trabalho.

No caso em apreciação, embora a Ré tenha imputado ao Autor a prática de violência física sobre um dos membros da Direcção (desferido uma cabeçada), o certo é que a Ré não logrou provar tal factualidade.

E como se afirmou abundantemente supra, à Ré/empregadora competia na acção judicial de apreciação da justa causa de despedimento a prova dos factos constitutivos do mesmo.

Porém, a Ré não logrou provar o referido facto.

E com eventual relevância para a questão, apenas se apurou que entre 18 e 24 de Maio de 2005 o Autor se encontrava temporária e absolutamente

incapacitado para o trabalho e de baixa médica, sendo certo que no dia 25 seguinte tinha uma consulta para aferir da sua situação clínica, e que naquele dia 24, pelas 18.00 horas, o Autor encontrava-se a desempenhar a sua

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actividade profissional noutra clínica.

Como se afirmou na sentença recorrida, estando em causa um acidente de trabalho, foram os serviços clínicos da seguradora laboral que atribuíram aquela incapacidade; e dos autos não resultam elementos que permitam aferir dos fundamentos clínicos para a atribuição daquela incapacidade, que esta não corresponda à realidade e que existiu intencionalidade do Autor em falsamente justificar as faltas naqueles dias.

Daí que, ao contrário do sustentado pela Ré/recorrente, da factualidade que assente ficou não se retira comportamento censurável do Autor/recorrido que justifique a sanção mais gravosa que lhe foi aplicada.

Nesta sequência, e sem necessidade de outros considerandos conclui-se pela inexistência de factos que justifiquem o despedimento do Autor.

Improcedem, por consequência, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

*

3. Da condenação em juros de mora (recurso subordinado do Autor) A este propósito, recorde-se que a sentença recorrida condenou a Ré a pagar ao Autor juros de mora à taxa legal:

(i) quanto à indemnização de antiguidade [alínea b) da parte decisória], desde a data do trânsito em julgado da decisão que considerou o despedimento ilícito até integral pagamento;

(ii) quanto ao pagamento da remuneração base mensal, incluindo subsídios de férias e de Natal, desde 29-11-2005 até ao trânsito em julgado do processo, mas com dedução das importâncias referidas no artigo 437.º, n.º 2 e 3, do Código do Trabalho, a liquidar nos termos do incidente a que se refere o

artigo 378.º e segts. do Código de Processo Civil [alínea c) da parte decisória], desde a referida liquidação até integral pagamento;

(iii) quanto às quantias de € 396,69, a título de férias não gozadas no ano de 2004, e de € 721,26 a título de proporcionais de férias não gozadas no ano de 2005 [alínea d) da parte decisória], desde a citação até integral pagamento.

O Autor/recorrente rebela-se contra tal entendimento, sustentando que os juros são devidos desde a citação quanto às prestações já vencidas nessa data e da data do vencimento das prestações que se vencerem após a citação ou, em alternativa, a partir da data do vencimento das prestações mencionadas nas alíneas b), c) e d).

Cumpre decidir.

Face ao supra descrito em iii, constata-se desde logo que o tribunal recorrido condenou a Ré, quanto às prestações mencionadas em d), desde a citação e não, como certamente por lapso o recorrente invoca, a partir da liquidação.

Daí que, tendo em conta o objecto do recurso e não havendo discordância do

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recorrente quanto à condenação em juros em relação às prestações mencionadas em d), não há que apreciar a mesma.

Resta, por isso, apreciar a condenação em relação às prestações mencionadas em b) e c).

A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor (n.º 1 do artigo 804.º, do Código Civil); o devedor

considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido (n.º 2 do mesmo artigo).

Nos termos previstos no artigo 806.º, n.º 1, do mesmo compêndio legal, na obrigação pecuniária a indemnização corresponde a juros de mora a contar do dia da constituição em mora.

O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (n.º 1 do artigo 805.º).

Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo (n.º 2, alínea a), do mesmo artigo).

Mas se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto não se tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor (n.º 3, 1.ª parte do referido artigo).

Ora, no caso a Ré foi condenada a pagar uma indemnização de antiguidade calculada até ao trânsito em julgado da decisão final do processo [alínea b) da parte decisória].

Tal significa que o valor da indemnização devida pelo despedimento só se torna líquido com o trânsito em julgado da decisão do tribunal, pelo que os respectivos juros de mora só devem ser contados desde então.

E o mesmo se verifica quanto à condenação no pagamento das remunerações desde 29-11-2005 até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, mas com a dedução das importâncias a que se refere o n.º 2 e 3 do artigo 437.º, do Código do Trabalho, ou seja, com a dedução de importâncias que o

trabalhador tenha obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, assim como de importâncias que o trabalhador recebeu a título de subsídio de desemprego, que serão deduzidas na

compensação, devendo o empregadora entregar essas quantias à segurança social.

O montante das importâncias em causa – seja as obtidas pelo trabalhador com a cessação do contrato de trabalho, seja com o subsídio de desemprego – terão que ser apuradas em incidente de liquidação.

Aliás, é isso mesmo que resulta da sentença recorrida quando refere que tais importâncias serão liquidadas no incidente a que se referem os artigos 378.º e segts do Código de Processo Civil.

(20)

Por isso, o montante da obrigação não é (ainda) líquido e a iliquidez não é imputável à Ré, uma vez que falta apurar o montante do subsídio de

desemprego auferido pelo Autor, bem como outras remunerações auferidas após a cessação do contrato e que não receberia se não fosse esta, sendo, pois, apenas devidos juros de mora a partir da liquidação.

Não merece, por isso, censura a decisão recorrida ao condenar a Ré em juros de mora (i) quanto à indemnização de antiguidade desde o trânsito em julgado da decisão e (ii) quanto às retribuições vencidas e vincendas a partir da

liquidação.

Improcedem, por consequência, as conclusões das alegações de recurso do Autor/recorrente.

Vencidos nos recursos interpostos, deverão Autor e Ré suportar o pagamento das custas do respectivo recurso interposto (artigo 446.º, do Código de

Processo Civil).

V. Decisão

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em:

1. Negar provimento ao recurso interposto por Cruz Vermelha Portuguesa e, em consequência, confirmam nessa parte a decisão recorrida;

2. Negar provimento ao recurso (subordinado) interposto por João António da Silva Lopes e, em consequência, confirmam nessa parte a decisão recorrida.

Custas por cada um dos recursos pelo respectivo recorrente.

Évora, 20 de Dezembro de 2011 (João Luís Nunes)

(Acácio André Proença)

(Joaquim Manuel Correia Pinto)

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