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PIAFEX-SD: Programa de Intervenção em Autorregulação e Funções Executivas para a Síndrome de Down

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

PIAFEX-SD: PROGRAMA DE INTERVENÇÃO EM AUTORREGULAÇÃO E FUNÇÕES EXECUTIVAS PARA A SÍNDROME DE DOWN

Rosália Carmen de Lima Freire

NATAL/RN 2018

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ROSÁLIA CARMEN DE LIMA FREIRE

PIAFEX-SD: PROGRAMA DE INTERVENÇÃO EM AUTORREGULAÇÃO E FUNÇÕES EXECUTIVAS PARA A SÍNDROME DE DOWN

Tese elaborada sob a orientação da Profª Drª Izabel Hazin e co-orientação da Profª Drª Natália Martins Dias, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Psicologia.

NATAL/RN 2018

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que permitiu a realização de mais este sonho, e por ter me dado forças para enfrentar e suportar os momentos de maiores dificuldades nestes anos de doutorado.

À minha orientadora Izabel, por ter acreditado e confiado no meu potencial, por ser para mim um exemplo de competência, ética e dedicação com a vida acadêmica. Obrigada pela orientação, paciência, apoio e incentivo ao longo de todos estes anos!

À minha co-orientadora Natália, por ter aceitado a co-orientação deste trabalho, por ter desenvolvido um material de tamanha importância como o PIAFEX, e principalmente pela disponibilidade que demonstrou de ajudar em todos os momentos solicitados.

Às mães e crianças com Síndrome de Down, participantes da pesquisa, pela disponibilidade e convivência durante os meses de realização do estudo, e por me proporcionarem diversas aprendizagens que levarei ao longo de toda da minha vida.

Às instituições onde foram realizadas o estudo, FUNAD e CAEHH (e a seus profissionais), por terem aberto as suas portas e por permitirem a concretização desta pesquisa.

Às juízas que participaram do segundo estudo desta Tese, pela leitura atenta e pelas contribuições que trouxeram à pesquisa.

Aos meus pais, Jozilda e Hermano, por serem meu alicerce e por me darem forças nos momentos de maiores dificuldades. Obrigada por todo o suporte, emocional e financeiro,

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indispensáveis para que eu pudesse chegar até aqui. Agradeço também aos meus irmãos, Renata e Raphael pelo apoio oferecido.

Aos amigos de sempre, Cibele, Olívia e Diogo, pela amizade sincera e pelo apoio e incentivo que me ofereceram ao longo desta e de outras trajetórias.

Às amigas que fiz durante minha temporada em Recife, em especial a Valéria, Anelise e Sâmid, e às amigas de Natal, Heloísa e Sayonara, por todo carinho e apoio durante período em que morei nestas cidades.

Ao meu amor de quatro patas, Lolla, por ter sido minha companhia fiel noites e madrugadas adentro durante a escrita desta Tese.

Aos colegas de trabalho da UFPB, em especial à Socorro e Sandra.

Aos colegas do Laboratório de Pesquisa e Extensão em Neuropsicologia (LAPEN) pelos aprendizados e experiências compartilhadas ao longo do mestrado e doutorado.

À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), pela concessão da bolsa de estudos, e pelo apoio e incentivo à pesquisa.

A todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram com este trabalho, meu muito obrigada!

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SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS...viii

LISTA DE TABELAS...ix

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS...xii

RESUMO...xiii

ABSTRACT...xv

INTRODUÇÃO...17

1.1.Funções Executivas: Aspectos Gerais...23

OBJETIVOS...30

OBJETIVO GERAL...30

OBJETIVO ESPECÍFICO...30

ESTUDO I: INVESTIGAÇÃO DE ASPECTOS DO FENÓTIPO NEUROPSICOLÓGICO DE CRIANÇAS ESCOLARES COM SÍNDROME DE DOWN...31

1. Introdução...31

2. Funções Executivas & Síndrome de Down...33

3. Funcionamento Intelectual & Síndrome de Down...38

4. Comportamento Adaptativo & Síndrome de Down...43

5. Sintomas de Desatenção e Hiperatividade em crianças com SD...48

6. Objetivos...50

6.1. Objetivo Geral...50

6.2. Objetivo Específico...50

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7.1. Participantes...51

7.2. Instrumentos...52

7.3. Procedimento...58

8. Análise dos Dados...59

9. Resultados...60 9.1. Análises Descritivas...60 9.2. Análise de Cluster...65 10. Discussão...72 11.Considerações Finais...91 12.Referências...94

ESTUDO II: PIAFEX-SD: PROGRAMA DE INTERVENÇÃO EM AUTORREGULAÇÃO E FUNÇÕES EXECUTIVAS PARA A SÍNDROME DE DOWN...106

1. Introdução...106

2. Intervenções das Funções Executivas...110

3. Intervenções das FE para crianças com Síndrome de Down...111

4. Fenótipo Neuropsicológico da Síndrome de Down: Implicações para intervenções...115

5. Programa de Intervenção em Autorregulação e Funções Executivas (PIAFEX)...121 6. Objetivos...125 6.1. Objetivo Geral...125 6.2. Objetivos Específicos...125 7. Método...126 8. Resultados e Discussão...129

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9. Considerações Finais...150 10. Referências...152 APÊNDICES...157

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Gráfico apontando a qualidade dos Clusters a partir de medidas de coesão e separação...66 Figura 2 - Gráfico apontando o tamanho dos Clusters...66 Figura 3 - Gráfico apontando o grau de importância de cada variável para a partição dos grupos...67 Figura 4 - Gráfico apontando a qualidade dos Clusters a partir de medidas de coesão e separação...69 Figura 5 - Gráfico apontando o tamanho dos Clusters...69 Figura 6 - Gráfico apontando o grau de importância de cada variável para a partição dos grupos...70 Figura 7 - Modelo hipotético do impacto das alterações motoras sobre o comportamento dirigido a objetivos (constructo análogo ao das FE)...88 Figura 1 - Fluxograma metodológico das cinco etapas da adaptação do PIAFEX para a

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Caracterização da amostra...50

Tabela 2 - Instrumentos utilizados para avaliação das crianças com SD...51

Tabela 3 - Exemplo de itens do IFERA-I...52

Tabela 4 - Resultado da análise descritiva das pontuações totais obtidas pelas crianças com SD no IFERA-I...60

Tabela 5 - Resultado da análise descritiva das pontuações obtidas pelas crianças com SD nas cinco subescalas do IFERA-I...60

Tabela 6 - Frequência e porcentagem de crianças que obtiveram a melhor pontuação em cada subescala...60

Tabela 7 - Frequência e porcentagem de crianças que obtiveram a pior pontuação em duas subescalas...60

Tabela 8 - Resultado da análise descritiva das idades mentais obtidas pelas crianças com SD no SON-R...61

Tabela 9 - Idades mentais das crianças com SD avaliadas pelo SON-R 2 ½ - 7 [a] e respectivas frequências...62

Tabela 10 - Resultados da análise descritivas das pontuações brutas obtidas pelas crianças com SD nos subtestes do SON-R...62

Tabela 11 - QIs obtidos pelas crianças com SD na faixa etária de sete anos...63

Tabela 12 - Frequência e porcentagem de crianças com sintomas de desatenção...63

Tabela 13 - Frequência e porcentagem de crianças com sintomas de hiperatividade...63

Tabela 14 - Frequência e porcentagem de crianças com SD em relação ao nível de desenvolvimento nas subescalas do domínio de Comunicação do Vineland II...64

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Tabela 15 - Frequência e porcentagem de crianças com SD em relação ao nível de desenvolvimento nas subescalas do domínio de Atividades de Vida Cotidiana do Vineland II...64 Tabela 16 - Frequência e porcentagem de crianças com SD em relação ao nível de desenvolvimento nas subescalas do domínio de Socialização do Vineland II...65 Tabela 17 - Caracterização dos dois grupos obtidos após submissão dos dados a análise de cluster...67 Tabela 18 - Diferença das crianças participantes em função das variáveis pontuação hiperatividade e idade mental no SON-R...68 Tabela 19 - Caracterização dos dois grupos obtidos após submissão dos dados a análise de cluster...70 Tabela 20 - Níveis de significância encontrado entre os resultados das crianças nas escalas e subescalas utilizadas e a pontuação de hiperatividade...71 Tabela 21 - Níveis de significância encontrado entre as idades os resultados das crianças nas escalas e subescalas utilizadas...71 Tabela 1 - Atividades pilotadas em cada encontro...127 Tabela 2 - Adaptações empreendidas ao PIAFEX para o perfil das crianças com SD

(PIAFEX-SD)...129 Tabela 3 - Comparação entre as versões do PIAFEX e PIAFEX-SD...129 Tabela 4 - Resultado da avaliação dos juízes dos quatro primeiros componentes dos “Aspectos Essenciais” do PIAFEX-SD...132 Tabela 5 - Resultado da avaliação dos juízes dos três últimos componentes dos “Aspectos Essenciais” do PIAFEX-SD...133 Tabela 6 - Resultado da avaliação dos juízes do Módulo I do PIAFEX-SD...134 Tabela 7 - Resultado da avaliação dos juízes do Módulo II do PIAFEX-SD...135

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Tabela 8 - Resultado da avaliação dos juízes do Módulo III do PIAFEX-SD...136

Tabela 9 - Resultado da avaliação dos juízes do Módulo IV do PIAFEX-SD...137

Tabela 10 - Resultado da avaliação dos juízes do Módulo IV do PIAFEX-SD...138

Tabela 11 - Resultado da avaliação dos juízes do Módulo V do PIAFEX-SD...140

Tabela 12 - Resultado da avaliação dos juízes do Módulo VI do PIAFEX-SD...141

Tabela 13 - Resultado da avaliação dos juízes do Módulo VII do PIAFEX-SD...142

Tabela 14 - Resultado da avaliação dos juízes do Módulo VIII do PIAFEX-SD...143

Tabela 15 - Resultados das atividades pilotadas do Módulo I...146

Tabela 16 - Resultados das atividades pilotadas do Módulo II...147

Tabela 17 - Resultados das atividades pilotadas do Módulo III...147

Tabela 18 - Resultados das atividades pilotadas do Módulo IV...147

Tabela 19 - Resultados da atividade pilotada do Módulo V...147

Tabela 20 - Resultados da atividade pilotada do Módulo VI...147

Tabela 21 - Resultados das atividades pilotadas do Módulo VII...148

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AD Aversão à Demora AR Autorregulação

BRIEF-P Behavior Rating Inventory of Executive Function CA Comportamento Adaptativo CI Controle Inibitório CPF Córtex Pré-frontal DI Deficiência Intelectual DT Desenvolvimento Típico FC Flexibilidade Cognitiva FE Funções Executivas

FUNAD Fundação Centro Integrado de Apoio à Pessoa com Deficiência IFERA- I Inventário de Funções Executivas e Regulação Infantil

MT Memória de Trabalho

PIAFEX Programa de Intervenção em Autorregulação e Funções Executivas

PIAFEX-SD Programa de Intervenção em Autorregulação e Funções Executivas para a Síndrome de Down

QI Quociente de Inteligência SD Síndrome de Down

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RESUMO

Nos últimos anos, pesquisas vêm destacando que déficits nas Funções Executivas (FE) se constituem uma das principais características do funcionamento cognitivo de indivíduos com Síndrome de Down (SD). Identificam-se dificuldades dos mesmos na iniciação de atividades, construção de planos e estratégias, atualização e monitoramento destas, manutenção do foco e persistência, flexibilidade cognitiva, dentre outros aspectos. Tais prejuízos impactam negativamente a vida destes indivíduos e apontam para necessidade da elaboração de programas interventivos que busquem estimular o desenvolvimento das FE neste subgrupo clínico, uma vez que estas funções são consideradas fundamentais para a realização de diversas atividades do nosso cotidiano, notadamente para a aprendizagem e sucesso escolar. Neste sentido, a presente pesquisa teve como objetivo adaptar para o grupo clínico da SD um programa interventivo das FE. A fim de atingir tal objetivo, foram realizados dois estudos, o estudo I: I) Investigação de aspectos do Fenótipo Neuropsicológico de crianças escolares com SD; e o estudo II) PIAFEX-SD: Programa de Intervenção em Autorregulação e Funções Executivas para a SD. Participaram do estudo I 31 crianças diagnosticadas com SD, com idades entre 7 e 12 anos, de ambos os sexos, bem como os seus respectivos pais ou responsáveis. Estas foram avaliadas através de escalas e medidas neuropsicológicas específicas. Os resultados deste estudo contribuíram para a compreensão de aspectos do fenótipo neuropsicológico da SD, aspectos estes que foram levados em consideração na adaptação da intervenção no estudo II, tais como: os déficits pronunciados na memória de trabalho, o nível de desenvolvimento rebaixado nos diferentes subdomínios do comportamento adaptativo, as idades mentais observadas e a presença ou ausência de sintomas do TDAH nestas crianças e o impacto disto para seus resultados. Em relação ao estudo II, inicialmente, foi realizada uma análise detalhada dos módulos e atividades que compõem o PIAFEX, objetivando selecioná-las e adaptá-las ao

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fenótipo neuropsicológico da SD. Finalizada a adaptação, o programa foi enviado para juízes especialistas na SD, com o objetivo de avaliá-lo, bem como possibilitar o seu aprimoramento e/ou reformulação. Após a síntese da avaliação dos juízes, o programa foi pilotado com um grupo de três crianças com SD, a fim de verificar sua adequabilidade para este grupo clínico. Ao final deste processo, o programa foi revisado e realizadas as últimas modificações. Esta pesquisa possibilitou a disponibilização para a população com SD de um programa de intervenção inédito voltado para a estimulação das FE. Tal estudo poderá, portanto, servir de base para intervenções posteriores e instrumentalizar o trabalho, futuramente, de diversos profissionais que atuam junto a estes indivíduos, seja em contexto clínico ou em contexto escolar.

Palavras-chave: Síndrome de Down; funções executivas; intervenção neuropsicológica;

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ABSTRACT

In recent years, research has highlighted that deficits in executive functions (EF) constitute one of the main characteristics of the cognitive functioning of individuals with Down Syndrome (DS). Difficulties are identified in the initiation of activities, construction of plans and strategies, updating and monitoring of these, maintenance of focus and persistence, cognitive flexibility, among other aspects. Such damages negatively impact the lives of these individuals and point to the need for the elaboration of intervention programs that seek to stimulate the development of EF in this clinical subgroup, since these functions are considered fundamental for the accomplishment of several activities of our daily life, especially for learning and school success. In this sense, the present research had as objective to adapt an intervention program of the EF to the clinical group of the DS. In order to achieve this objective, two studies were carried out, the study I: I) Investigation of aspects of the Neuropsychological Phenotype of school children with DS; and study II) PIAFEX-DS: Intervention Program in Self-Regulation and Executive Functions for DS. Thirty-one children diagnosed with DS, aged 7 to 12 years, of both sexes, as well as their respective parents or guardians participated in the study. These were assessed through specific neuropsychological scales and measures. The results of this study contributed to the understanding of aspects of the neuropsychological phenotype of DS, aspects that were taken into account in the adaptation of the intervention in study II, such as the pronounced deficits in working memory, the level of development lowered in the different subdomains of the adaptive behavior, the observed mental ages and the presence or absence of ADHD symptoms in these children and the impact of this for their results. In relation to study II, initially, a detailed analysis of the modules and activities that PIAFEX composite was performed, aiming to select them and adapt them to the neuropsychological phenotype of DS. After the adaptation, the program was sent to specialists judges in the DS, with the objective of

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evaluating it, as well as making possible its improvement and/or reformulation. After the synthesis of the judges' evaluation, the program was piloted with a group of three children with DS, in order to verify their suitability for this clinical group. At the end of this process, the program was reviewed and the last modifications were made. This research made possible the availability to the population with DS of an unprecedented intervention program aimed at the stimulation of EF. Such a study may serve as a basis for subsequent interventions and instrumentalize the work, in the future, of several professionals who work with these individuals, either in a clinical context or in a school context.

Keywords: Down syndrome; executive functions; neuropsychological intervention;

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1. INTRODUÇÃO

A Síndrome de Down (SD) é uma cromossomopatia que atinge indivíduos independentemente de sua raça, etnia, sexo ou classe socioeconômica. Ela é considerada atualmente a causa genética mais comum de deficiência intelectual (DI) (D’Ardhuy et al., 2015), possuindo uma incidência aproximada, em todo o mundo, de um para cada 1000-1100 nascimentos vivos (World Health Organization - WHO, 2015). No nosso país, estima-se que existam aproximadamente 270 mil pessoas com esta condição clínica (BRASIL, 2014).

Na quase totalidade dos casos (95%), esta síndrome é ocasionada pela trissomia do cromossomo 21 (ou seja, a presença de três cópias inteiras deste cromossomo nas células do organismo). No entanto, a SD também pode ser associada a outros dois grupos de anomalias genéticas: a translocação e o moisacismo. Na translocação, que ocorre em 4% dos casos, observa-se a presença de material cromossômico extra 21 em todas as células do corpo, porém, ligado a outro par cromossômico que não o par 21 (muitas vezes ao cromossomo 14). Já no mosaicismo, ocorre uma variação no número extra de cromossomos 21 em determinadas células, sendo outras consideradas normais. Há comprovações de que 1% dos casos de SD refere-se a este subgrupo de alterações (Cunningham, 2008; Fávero & Oliveira, 2004; Rondal, 1993).

Independentemente do tipo de anomalia citada acima, todas as pessoas com SD possuem uma porção extra crítica do cromossomo 21 (a banda cromossômica 21q22, referente a 1/3 desse cromossomo), presente em todas ou algumas de suas células. Este material genético adicional está associado, por sua vez, a uma cascata de efeitos no curso de desenvolvimento dos indivíduos e à emergência do fenótipo neuropsicológico que caracteriza os funcionamentos cognitivo e comportamental deste grupo clínico. No entanto, vale ressaltar, que como um modelo de interrupção da homeostasia gênica que é, a SD afeta não apenas os produtos do

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cromossomo trissômico, mas também os de outros cromossomos. Assim, as contribuições ao fenótipo provêm de todo o conjunto do genoma não balanceado (Moreira, El-Hani & Gusmão, 2000).

Normalmente, crianças com SD podem ser identificadas imediatamente após o seu nascimento, através da constatação da presença de expressões fenotípicas específicas, tais como fissuras palpebrais oblíquas, orelhas pequenas, prega palmar única, pregas epicânticas, entre outras características. Porém, o diagnóstico final da SD só pode ser obtido com o exame do cariótipo do indivíduo. Além das expressões fenotípicas, é comum que crianças com SD apresentem uma série de comprometimentos clínicos, que incluem: hipotonia muscular, alterações cardiovasculares, oftalmológicas, auditivas, gastrointestinais, imunológicas, respiratórias, problemas na tireoide e distúrbios no sono. Ressalta-se que nem todos os indivíduos apresentam estas alterações, existindo uma enorme variação no que diz respeito aos comprometimentos clínicos (Moreira et al., 2000; Schawartzman, 2003).

Além dos aspectos citados acima, as anomalias cromossômicas que ocorrem nesta síndrome também estão associadas a alterações estruturais e funcionais no sistema nervoso. Existem diversas evidências de que o volume do cérebro na SD encontra-se reduzido, ocorrendo diminuições dos tamanhos de áreas como o lobo frontal, lobo temporal, tronco cerebral, cerebelo e hipocampo (Contestabile, Benfenati & Gasparini, 2010; Ma´ayan, Gardiner & Iyengar, 2006; Menghini, Costanzo & Vicari, 2011; Pennington, Moon, Edgin, Stedron & Nadel, 2003; Pinter, Eliez, Schimitt, Capone & Reiss, 2001). Estas alterações neuroanatômicas, que podem ser observadas desde muito cedo no desenvolvimento neurológico destes indivíduos, estão associadas à deficiência intelectual, bem como aos diversos prejuízos nas suas funções neurocognitivas (Contestabile et al., 2010; Lott & Dierssen, 2010).

Apesar destas frequentes alterações em diversos sistemas do organismo, a SD é considerada a única desordem genética cuja expectativa de vida dobrou nos últimos anos. Isto

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se deve, principalmente, à ampliação das intervenções médicas, com a oferta de melhores tratamentos clínico-cirúrgicos, o que possibilitou que a expectativa de vida de pessoas com a síndrome passasse de uma média de 12 anos de idade em 1940 para 60 anos ou mais na atualidade (Contestabile et al., 2010; Lott & Dierssen, 2010).

Este aumento da expectativa de vida tem impulsionado, por sua vez, a ampliação de estudos sobre a SD em diversos campos do saber, objetivando-se principalmente a associação desta maior longevidade com uma melhor qualidade de vida. Assim, cada vez mais se torna necessário o desenvolvimento de estudos com esta população clínica, buscando-se um maior entendimento sobre a síndrome, bem como a elaboração de intervenções destinadas à sua estimulação.

Um dos campos do saber que tem contribuído para ampliar a compreensão acerca da SD é a neuropsicologia, notadamente através dos estudos sobre o fenótipo neuropsicológico da SD. Tais estudos têm como objetivo realizar uma descrição do perfil de capacidades destes indivíduos, apontando as suas áreas de forças e de fragilidades (Silverman, 2007). Na medida em que descrevem estas características se afastam daquelas investigações que buscavam identificar apenas as deficiências no desenvolvimento deste grupo clínico, procurando realizar uma análise minuciosa dos seus processos cognitivos através de comparações com outras síndromes genéticas, ou entre a SD e crianças com desenvolvimento típico (DT) (Freire, Duarte & Hazin, 2012).

O conceito de fenótipo neuropsicológico da SD implica na crença de que estas crianças possuiriam uma probabilidade aumentada de apresentar um perfil de desenvolvimento específico (Silverman, 2007). Este perfil inclui, de maneira geral, pontos fortes ou desempenho de acordo com a idade mental em determinadas habilidades, tais como as visoespaciais e linguagem receptiva, bem como déficits em outros conjuntos, como as habilidades de linguagem expressiva, memória de longo prazo, memória de curto prazo verbal/auditiva,

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velocidade de processamento e funções executivas (Will, Fidler & Daunhauer 2014; Kogan et al., 2009; Menghini et al., 2011; Silverman, 2007; Tsao & Kindelberger, 2009; Wang, 1996).

É importante ressaltar que quando se faz referência ao fenótipo neuropsicológico da SD não significa que se pressuponha a existência um padrão estereotipado e previsível de desenvolvimento para todas as pessoas que possuem esta síndrome. Isto porque, o desenvolvimento cognitivo não depende exclusivamente das alterações cromossômicas que são observadas, mas também do restante do potencial genético, e de modo fundamental, das importantes influências do ambiente histórico-cultural (Schawartzman, 2003). Deste modo, fatores como programas de intervenção precoces, medicamentos, estilos familiares, nível socioeconômico, dentre outros, acabam propiciando uma grande variabilidade no desenvolvimento cognitivo desta população clínica (Lott & Dierssen, 2010; Silverman, 2007).

Recentemente, uma teoria tem se destacado na explicação da emergência do fenótipo neuropsicológico da SD explicitado acima, sugerindo que este pode ser melhor compreendido em termos de déficits em sistemas neurais de desenvolvimento tardio, notadamente, o córtex pré-frontal (CPF). As funções do CPF, muitas vezes agrupadas sobre a denominação de “Funções Executivas” (FE) incluem, dentre outras, (1) a capacidade de armazenar informações na mente e manipulá-las (memória de trabalho), (2) a capacidade de inibir ações para as quais uma tendência de resposta foi estabelecida (controle inibitório) e (3) a capacidade de mudar de forma flexível uma série de respostas (flexibilidade cognitiva) (Edgin, 2013).

De acordo com Edgin (2013), a caracterização da SD como uma síndrome que afeta os sistemas neurais de desenvolvimento tardio coaduna-se com o que é conhecido atualmente acerca de seu fenótipo neuropsicológico. Isso porque, a maioria dos estudos que investigaram este fenótipo encontraram déficits relacionados às funções destes sistemas, incluindo o CPF, o Lobo Temporal Medial, e os sistemas neurais da linguagem, todos estes caracterizados pelo prolongado curso de desenvolvimento. Vale ressaltar que, além de déficits nestas regiões, Edgin

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(2013) considera que os prejuízos neurocognitivos observados na SD também podem ser compreendidos como resultado da comunicação menos eficiente entre as diversas regiões cerebrais, e não apenas como resultado de déficits associados a regiões isoladas.

Em pesquisa anterior de mestrado (Freire, 2013), que despertou o interesse em desenvolver a presente investigação, encontramos resultados que, de certa forma, reforçam a teoria supracitada. Na referida pesquisa, buscamos contribuir para o estabelecimento do fenótipo neuropsicológico da SD investigando um grupo de adolescentes com a síndrome. Os resultados apontaram que os adolescentes apresentavam maiores dificuldades em todas as atividades que requeriam um maior envolvimento das FE, principalmente as funções de iniciativa, memória de trabalho, planejamento e flexibilidade cognitiva. Os resultados deste nosso estudo somam-se, então, aos de outras pesquisas e apontam para a necessidade da elaboração de programas interventivos que busquem estimular o desenvolvimento das FE nesta população clínica, programas estes ainda inexistentes na literatura científica atual.

Sabe-se que os déficits nas FE podem ter diversas implicações críticas para o desenvolvimento das crianças com SD. Isto porque, estas funções são consideradas fundamentais para a execução de diversas atividades do nosso cotidiano. Além disto, tem sido extensamente documentado, tanto em crianças com desenvolvimento típico (DT) (Diamond & Lee, 2011; Moriguchi, 2014), quanto em crianças com SD (Will, Fidler, Daunhauer & McDonald, 2016), que as habilidades executivas estão fortemente associadas ao desempenho e sucesso escolar, uma vez que são importantes para a aprendizagem de novas informações. Crianças com FE frágeis apresentam dificuldades para iniciar e completar tarefas, inibir comportamentos impulsivos, sustentar a atenção por períodos prolongados, trabalhar com múltiplas informações, dentre outras habilidades (Seabra, Reppold, Dias & Pedron, 2014).

Segundo Seabra et al. (2014), crianças que iniciam a escolarização com menores habilidades de FE possuem tendência a se tornarem mais resistentes à escolarização, a se

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esforçarem cada vez menos e a abandonar mais rapidamente as atividades escolares, todos estes comportamentos já reportados para a SD (Freire, 2013). Desta forma, torna-se extremamente necessário o desenvolvimento de programas interventivos para esta população clínica, a fim de proporcionar meios e oportunidades para a prática e o desenvolvimento das habilidades executivas. Tal trabalho poderia prevenir a exarcebação dos déficits executivos, bem como minimizar dificuldades já instaladas, possibilitando assim que estas crianças lidem melhor com as demandas impostas pela escola e pela sociedade (Dias, 2013).

A presente tese de doutorado pretende então contribuir com este cenário através da adaptação de um programa de intervenção para a estimulação do desenvolvimento das FE em indivíduos com SD. Tal projeto nasceu diante da constatação da grande dificuldade que este grupo apresentam em atividades que requerem as FE, da escassez de programas de intervenção e materiais voltados para o desenvolvimento das FE desta população, e, não menos importante, das queixas das escolas, professores, pais e sociedade em geral em não saber como trabalhar adequadamente com estas crianças (Freire, 2013).

A fim de atingir o nosso objetivo, foram realizados dois estudos. Um Estudo Prévio (I) que teve como objetivo central a “Investigação de Aspectos do Fenótipo Neuropsicológico de crianças escolares com SD” e o Estudo (II) “PIAFEX-SD: Programa de Intervenção em Autorregulação e Funções Executivas para a Síndrome de Down”.

A seguir, as funções executivas serão melhor apresentadas e definidas. As características específicas das FE em crianças com SD, identificadas em estudos anteriores, serão explicitadas na introdução do Estudo (I).

1.1. Funções Executivas: Aspectos gerais

Para obtermos sucesso na execução de qualquer comportamento direcionado a um objetivo, precisamos ser capazes de controlar nossa atenção, pensamentos, comportamentos

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e/ou emoções, ou seja, possuir a habilidade de controle inibitório preservada; manter e manipular diferentes informações na mente, o que envolve a memória de trabalho; bem como, eventualmente, mudar o nosso comportamento e pensamentos dependendo da demanda, exigindo para tanto flexibilidade cognitiva (Amadó, Serrat & Vallès-Majoral, 2016). Todas estas habilidades constituem o guarda-chuva conceitual das denominadas Funções Executivas (FE).

As FE são consideradas um dos processos cognitivos mais investigados na literatura científica e referem-se a um conjunto de habilidades cognitivas integradas que possibilitam o controle de comportamentos orientados por objetivos (Brydges, Fox, Reid & Anderson, 2014). Estas funções são recrutadas durante a execução de diversos comportamentos complexos, nos quais é necessário que o indivíduo exerça controle e regule tanto os seus pensamentos, quanto os seus comportamentos e/ou emoções, bem como se adapte a diferentes demandas e mudanças ambientais (Dias, Menezes & Seabra, 2010).

As FE se incluem dentro das chamadas “funções cognitivas superiores”, “de alta ordem” ou “complexas”, que requerem um processamento mais ativo, em oposição a processos cognitivos mais automáticos (Arán Filippetti & López, 2013). Como pontua Diamond (2013), o uso das FE requer um maior esforço mental, visto que é mais fácil, por exemplo, continuar fazendo algo que já vem sendo feito do que mudar; ceder a uma tentação do que resistir a ela; ou continuar agindo no “piloto automático” do que parar e considerar o que vem depois. Desta forma, as FE são semelhantes a um “maestro de uma orquestra”, exercendo controle sobre processos cognitivos mais automáticos, manipulando informações na mente, ao mesmo tempo em que inibem as informações irrelevantes e regulam a atividade cognitiva, emocional e comportamental direcionada a um objetivo final (Arán Filippetti & López, 2013).

Nos últimos anos, a importância das FE tem sido bastante ressaltada, através de estudos que demonstram que tais habilidades estão fortemente associadas ao desempenho escolar e

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consequente sucesso acadêmico, sendo consideradas preditoras das habilidades de leitura e escrita e do raciocínio lógico-matemático (Kirk, Gray, Riby & Cornish, 2015). Além disso, estas funções também têm sido associadas a uma melhor socialização, bem como à manutenção da saúde física e mental ao longo da vida (Diamond, 2013; Kirk et al., 2015).

Por outro lado, quando estas funções falham, ou apresentam-se deficitárias, os indivíduos podem vivenciar uma série de dificuldades no seu cotidiano social, acadêmico e emocional. Déficits nas FE têm sido associados a diversos transtornos, tais como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtorno Obsessivo Compulsivo, Autismo, Depressão, ou ainda, a síndromes genéticas, como a SD (Carreiro, Reppold, Córdova, Vieira & Mello, 2014).

No que diz respeito aos seus correlatos neuroanatômicos, considera-se que as FE estão associadas a um sistema neural distribuído, atribuindo-se ao Córtex Pré-frontal (CPF) um papel fundamental. Apesar do papel privilegiado do CPF, é mais apropriado afirmar que as FE resultam da atividade de diferentes circuitos neurais, necessitando-se da participação do cérebro como um todo para um eficaz funcionamento das mesmas (Barros & Hazin, 2013; Pires, 2010). O CPF constitui quase um terço da massa total do córtex cerebral e mantém múltiplas relações, quase sempre recíprocas, com outras inúmeras estruturas encefálicas. Dentre estas relações, destacam-se as conexões com as regiões de associação do córtex parietal, temporal e occipital, assim como com diversas estruturas subcorticais, notadamente o tálamo. Além disso, considera-se que o CPF possui as únicas representações corticais de informações provenientes do sistema límbico. Esta localização privilegiada tem levado pesquisadores a caracterizá-lo como um local de integração entre diferentes processos cognitivos e como importante para as relações entre a cognição e a emoção (Gazzaniga, Ivry & Mangun, 2002).

Diversos modelos teóricos têm sido propostos na tentativa de explicar e classificar as FE. No entanto, esses modelos nem sempre estão em concordância acerca de quais seriam estas

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funções. Às vezes, as definições também possuem significados e conotações distintas de acordo com o campo em que são utilizadas (por exemplo: Educação, Neuropsicologia, Psicologia Cognitiva, etc...) (Arán Filippetti & López, 2013).

Vale destacar que há pouco tempo atrás identificava-se discordância entre os pesquisadores acerca da estrutura fatorial deste constructo, ou seja, se as FE seriam constituídas por apenas um fator, uma FE geral, assumindo-se assim a sua unicidade, ou se elas seriam compostas por múltiplas funções dissociáveis e independentes entre si (Purdy, 2011). Porém, atualmente, parece existir um consenso acerca da diversidade das FE, já que se entende que elas não constituem uma entidade única, mas englobam vários subprocessos distintos e relativamente independentes entre si.

Um dos modelos que tem se destacado na conceituação e classificação das FE é o modelo fatorial de Miyake et al. (2000). Este propõe a unidade e diversidade das FE, ou seja, existiria um fator ou componente geral e, ao mesmo tempo, três habilidades executivas diferenciadas (inhibition, updating e switching) que, apesar de relativamente correlacionadas entre si, também apresentam certa independência (Miyake et al., 2000; Miyake & Friedman, 2012).

Além do modelo de Miyake et al. (2000), outro modelo amplamente aceito e utilizado na área de neuropsicologia do desenvolvimento é o modelo de Diamond (2013). Este modelo partiu dos estudos desenvolvidos por Miyake e também considera a existência de três habilidades executivas centrais (inibição, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva), a partir das quais outras habilidades executivas mais complexas emergiriam, como planejamento, tomada de decisão e raciocínio (Dias et al., 2015). A seguir, estas três habilidades centrais serão abordadas mais detalhadamente.

A primeira das FE centrais refere-se à inibição ou controle inibitório. Esta função consiste na habilidade para inibir respostas impulsivas e/ou automáticas, bem como o controle

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de comportamentos inapropriados e processos de pensamento e atenção, auxiliando o indivíduo a pensar antes de emitir uma resposta. Ela envolve tanto a inibição do comportamento, referido como inibição da resposta (ou autocontrole), quanto o controle de interferências, incluindo a inibição da atenção a distratores (ou seja, a atenção seletiva) e a inibição de pensamentos ou memórias, também referida como inibição cognitiva (Diamond, 2013; Seabra, Reppold, Dias & Pedron, 2014).

De acordo com Diamond (2013), sem o controle inibitório ficaríamos presos a velhos hábitos de pensamento ou ação, impulsos ou estímulos do ambiente. Desta forma, o controle inibitório permite que o indivíduo mude o seu comportamento e escolha como reagir e se comportar (ao invés de se levar pelo hábito), superando assim o controle do meio externo, emoções ou tendências prévias e automáticas de resposta (Seabra et al., 2014).

Indivíduos com prejuízos no controle inibitório comumente apresentam problemas comportamentais, como impulsividade, baixa tolerância à espera, necessidade de recompensa imediata e déficits na autorregulação. Por outro lado, indivíduos com melhor habilidade de controle inibitório tendem a apresentar maior sucesso acadêmico e profissional, menor envolvimento com drogas, crimes e abuso de substâncias (Seabra et al., 2014).

A segunda FE central é a memória de trabalho, definida como a habilidade para manter e manipular mentalmente informações por um determinado período, como durante a execução de uma atividade. A memória de trabalho também é conhecida na literatura com o nome de “memória operacional” e foi primeiramente descrita por Baddeley e Hitch (1974), como um modelo independente do conceito de FE (Seabra et al., 2014). Este modelo será descrito sucintamente a seguir, visto que parece ser particularmente propício para a discussão dos prejuízos executivos que são associados com a SD, a serem apresentados a posteriori.

De acordo com o modelo de Baddeley e Hitch (1974), revisado por Baddeley (2000), a memória de trabalho (ou operacional) pode ser dividida em diferentes subsistemas,

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responsáveis por tarefas distintas, porém relacionadas. O primeiro sistema corresponde ao sistema supervisor, executivo central, que é responsável pela coordenação do fluxo de informações, pelas estratégias de recuperação de traços da memória de longo prazo e pelo raciocínio lógico e aritmético. Dois outros sistemas subsidiários seriam a alça fonológica e o esboço visoespacial (Baddeley e Hitch, 1974; Baddeley, 1992).

A alça fonológica é responsável pelo armazenamento temporário de informações auditivas, de duração limitada, e que são mantidos disponíveis na consciência através do processo de reverberação. O esboço visoespacial, por outro lado, é responsável pelo armazenamento de informações visoespaciais ao longo de períodos breves e desempenha um papel fundamental na geração e manipulação de imagens mentais (Lanfranchi, Jerman & Vianello, 2009; Lanfranchi, Carretti, Spanò & Cornoldi, 2009).

Além destes, um quarto elemento foi adicionado ao modelo, o buffer ou retentor episódico, responsável por integrar as informações dos subsistemas subordinados e permitir sua representação em um sistema de armazenamento temporário, até que a informação seja utilizada na resposta à tarefa ou reprocessada (Baddeley, 2000; Seabra et al., 2014). Além disto, este elemento também relacionaria a memória de trabalho à memória de longo prazo, facilitando o acesso aos conteúdos armazenados e tornando-os conscientes à medida em que são utilizados.

Considera-se que a memória de trabalho é essencial para a execução de uma série de atividades, tais como o estabelecimento de relações entre dois assuntos, integração de informações presentes com outras armazenadas na memória de longo prazo, realização de cálculos mentais, estabelecimento de prioridades entre várias tarefas, lembrança de sequências ou ordens de acontecimentos, dentre outros aspectos (Baddeley, 2000; Diamond, 2013; Seabra et al., 2014). Esta habilidade também possui um papel significativo para a aprendizagem. Estudos vêm apontando a memória de trabalho como preditora da aquisição e sucesso das

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competências de leitura e escrita e do raciocínio lógico-matemático (Diamond, 2013; Seabra et al., 2014).

Por fim, a última habilidade executiva central refere-se à flexibilidade cognitiva. Tal função consiste na capacidade de alternar o foco atencional, perspectivas, prioridades ou regras, bem como adaptar-se às demandas contextuais. Ter uma “boa” flexibilidade cognitiva (o que está diretamente relacionado à criatividade) permite que consideremos diferentes abordagens de uma situação ou problema, sem que fiquemos presos a padrões rígidos ou pré-estabelecidos de comportamentos (Diamond, 2013; Seabra et al., 2014). Considera-se que alterações nessa função podem ocasionar a emergência de padrão rígido comportamental, caracterizado pela dificuldade em mudar respostas ou o foco da atenção de modo apropriado, prejudicando a autorregulação do indivíduo. Tal padrão, conhecido como perseveração, pode resultar em comportamentos repetitivos e não adaptativos (Seabra et al., 2014).

Conforme já mencionado, de acordo com a proposição de Diamond (2013), a partir destas três habilidades executivas centrais emergiriam FE mais complexas, como o raciocínio, resolução de problemas e o planejamento. A habilidade de planejamento, por exemplo, caracteriza-se enquanto processo complexo que, de certa forma, requer a atuação integrada das outras habilidades executivas centrais, como a memória de trabalho (importante para a manutenção em mente do plano inicial, bem como dos objetivos e sub objetivos durante a execução deste), a inibição de pensamentos ou comportamentos que possam atrapalhar o alcance do objetivo, bem como a flexibilidade cognitiva necessária para mudar o plano inicial, caso algo dê errado (Will, Fidler & Daunhauer, 2014).

Cabe acrescentar que outros teóricos citam outras habilidades integrando o escopo das FE, tais como organização (que consiste na capacidade de sistematizar informações ou materiais necessários para execução de uma atividade), manejo do tempo (que envolve a estimação e alocação adequada do tempo ao realizar uma atividade), atenção sustentada

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(capacidade de manter e sustentar a atenção sobre um estímulo durante certo período), iniciação e persistência (capacidade de iniciar uma atividade e persistir em direção à uma meta), dentre outras (Dias & Seabra, 2013).

Em relação ao desenvolvimento destas funções, considera-se que elas começam a se desenvolver bastante precocemente, tornando-se paulatinamente mais robustas a partir dos anos pré-escolares e estendendo o seu aprimoramento até o início da idade adulta, o que está em consonância com a estabilização do desenvolvimento do CPF (Kirk et al., 2015; Lanfranchi, Jerman, Dal Pont, Alberti & Vianello, 2010). Tal fato é importante, pois esse processo prolongado de amadurecimento permite que a interação da criança com o ambiente molde as redes neuronais que sustentam o seu funcionamento executivo, abrindo assim a possibilidade de trabalhos interventivos direcionados ao aprimoramento destas funções (Barros & Hazin, 2013). Porém, o desenvolvimento das FE não é homogêneo, com habilidades específicas atingindo platô em idades precoces, enquanto outras estendem o seu desenvolvimento ao início da vida adulta.

Ainda que o modelo de FE proposto por Miyake et al. (2000) seja considerado atualmente um dos mais aceitos, tentativas de adaptá-lo para programas de intervenção direcionados ao público infantil têm proporcionado resultados díspares. Conforme ressaltam Brydges et al. (2014), a estrutura das FE em crianças de até cerca de nove anos de idade parece ser unitária, ou seja, um modelo de um único fator de funcionamento executivo (apenas uma habilidade executiva “geral”). No entanto, após os nove anos de idade, as FE da criança se diferenciam umas das outras, de modo que com a idade de 10-11 anos, os componentes executivos que compõem o modelo de FE de Miyake et al. (2000) começam a ser identificados, ou seja, o modelo de unidade e diversidade (Brydges, et al., 2014). Em resumo, as FE parecem ser menos diferenciáveis na infância, porém, com o desenvolvimento, as distintas habilidades passam a se tornar interdependentes (Amadó et al., 2016; Seabra et al., 2014).

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Diante da importância das FE para a vida dos indivíduos e diante dos déficits que crianças com SD apresentam nas mesmas, o objetivo geral desta pesquisa foi adaptar um programa interventivo das Funções Executivas para o grupo clínico da Síndrome de Down (SD). A fim de atingir este objetivo, fez-se necessário inicialmente o desenvolvimento de um Estudo prévio (I) para melhor compreensão de aspectos do fenótipo neuropsicológico destas crianças e nível de desenvolvimento das mesmas, e assim, embasar a adaptação do Programa de Intervenção em Autorregulação e Funções Executivas (PIAFEX) para a SD (Estudo II).

A seguir, serão elencados os objetivos gerais e específicos. Posteriormente, se dará início ao detalhamento dos dois estudos frutos desta pesquisa.

2. OBJETIVOS

2.1. Objetivo Geral

Adaptar um programa interventivo das Funções Executivas para o grupo clínico da Síndrome de Down (SD).

2.2.Objetivos Específicos

 Investigar aspectos do fenótipo neuropsicológico de crianças escolares com SD, a saber, as funções executivas, funcionamento intelectual e o comportamento adaptativo;

 Investigar a presença de sintomas de desatenção e hiperatividade num grupo de crianças escolares com SD;

 Adaptar as atividades que compõem o Programa de Intervenção em Autorregulação e Funções Executivas (PIAFEX) considerando o fenótipo neuropsicológico da SD;  Investigar a adequabilidade do programa adaptado.

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ESTUDO I: INVESTIGAÇÃO DE ASPECTOS DO FENÓTIPO NEUROPSICOLÓGICO DE CRIANÇAS ESCOLARES COM SÍNDROME DE DOWN

1. Introdução

A presente investigação constituiu-se num estudo prévio para o desenvolvimento do Estudo II. Tal pesquisa fez-se necessária devido à importância de melhor compreender aspectos do perfil neuropsicológico e comportamental de crianças com Síndrome de Down (SD), bem como do nível de desenvolvimento global das mesmas, para assim embasar a adaptação do programa de intervenção proposto.

Portanto, este estudo prévio tem como objetivo a avaliação de domínios específicos em crianças escolares com SD, de maneira a possibilitar a análise acerca da pertinência e/ou necessidade de adaptação de cada uma das atividades que integram o programa de intervenção proposto (PIAFEX). Foram investigados neste estudo, além das FE, outros aspectos apontados como características marcantes da SD, a saber, o funcionamento intelectual, o comportamento adaptativo e os sintomas de desatenção e hiperatividade.

Apesar do avanço das intervenções médicas direcionadas aos problemas clínicos de indivíduos com SD terem resultado num aumento de sua expectativa de vida, estas características marcantes de seu fenótipo neuropsicológico e comportamental ainda exercem um impacto significativo em suas vidas, comprometendo o desenvolvimento de habilidades funcionais necessárias para uma vida independente na sociedade (Dierssen & De la Torre, 2012).

Considera-se que a deficiência intelectual (DI) está presente em praticamente todos os indivíduos com a síndrome. Além disto, como ocorre em outros transtornos associados à DI,

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pessoas com SD também apresentam déficits no funcionamento ou comportamento adaptativo, em particular no domínio da linguagem expressiva e conhecimento abstrato (Edgin, 2013).

A literatura também tem ressaltado que indivíduos com SD apresentam um risco aumentando de desenvolverem algumas comorbidades (às quais exacerbariam os déficits cognitivos e comportamentais), sendo as mais comuns o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e o Transtorno do Espectro Autista (Davis, 2008).

Neste sentido, como dito anteriormente, o objetivo do presente estudo foi investigar as funções executivas, o funcionamento intelectual, o comportamento adaptativo, bem como sintomas de desatenção e hiperatividade em um grupo de crianças escolares com SD. Esta investigação pretende contribuir com a adaptação de um programa interventivo voltado para a estimulação das FE em crianças com SD (Estudo II), fornecendo informações específicas acerca do seu perfil neuropsicológico e nível de desenvolvimento.

A partir dos resultados desta pesquisa, pretende-se, também, refletir acerca da adequação dos instrumentos existentes para avaliação das crianças com SD, uma vez que atualmente observamos uma carência de instrumentos padronizados e normatizados que possam ser utilizados com esta população clínica. A seguir, serão caracterizados em crianças com SD os domínios investigados neste estudo.

2. Funções Executivas & Síndrome de Down

Nas últimas décadas, alguns estudos têm sido realizados com o intuito de investigar as FE na SD. Em uma destas pesquisas, Rowe, Lavender e Turk (2006) identificaram a presença de déficits nas habilidades de flexibilidade cognitiva, atenção sustentada e planejamento em amostra de adultos com a síndrome, o que foi relacionado com a presença de demência precoce nesta população. No entanto, de acordo com Lanfranchi et al. (2010), um número menor de pesquisas voltou-se para a investigação destas funções em crianças e adolescentes com SD.

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Segundo os autores, tal aspecto é importante a fim de determinar se os déficits nas FE estão relacionados com o declínio cognitivo associado à idade e à presença de demência precoce nesta população, ou trata-se de uma característica do seu fenótipo neuropsicológico.

Objetivando contribuir com tal questão, Lanfranchi et al. (2010) avaliaram as FE em um grupo de adolescentes (N = 15; idades entre 11 a 18) com SD através de um conjunto de testes neuropsicológicos. No estudo, os adolescentes avaliados obtiveram desempenhos significativamente inferiores em praticamente todas as tarefas de FE quando comparados com o grupo controle de crianças com DT pareadas por idade mental. As maiores deficiências encontradas foram nas habilidades de memória de trabalho, planejamento, controle inibitório e flexibilidade cognitiva.

Em pesquisa mais recente, Will, Fidler, Daunhauer e Gerlach- McDonald (2016) utilizaram bateria de testes de FE para avaliação de um grupo de crianças com SD, relacionando, porém, os resultados nos testes com os conhecimentos acadêmicos básicos das mesmas. Os resultados desta pesquisa demonstraram que a memória de trabalho e o controle inibitório possuíam um papel predominante na relação entre as FE e os conhecimentos acadêmicos na SD. Isto porque, estes domínios foram apontados como preditores significativos de realização (sucesso) em testes de conhecimentos acadêmicos nas crianças avaliadas. Os autores finalizaram destacando a importância de se estimular os domínios da memória de trabalho e controle inibitório em crianças com SD, considerando a importância que assumiram na investigação.

No que diz respeito a estudos que analisaram subdomínios específicos das FE, identifica-se um número maior destes direcionados para investigação da memória de trabalho, que tem sido repetidamente relatada como prejudicada nesta população. Esses estudos têm apontado a presença de déficits no componente verbal da memória de trabalho (subsistema da alça fonológica), enquanto que o esboço visoespacial encontra-se menos deficitário (Baddeley

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& Jarrold, 2007; Carretti & Lanfranchi, 2010; Duarte, Covre, Braga & Macedo, 2011; Jarrold, Nadel & Vicari, 2008; Lanfranchi et al., 2009; Laws, 2002;). No entanto, outros estudos vêm destacando que o desempenho de indivíduos com SD apresenta-se diminuído, tanto em tarefas verbais quanto em tarefas visoespaciais ativas, ou seja, quando as mesmas exigem um alto grau de controle executivo (Contestabile et al., 2010; Lanfranchi et al., 2009; Lanfranchi et al., 2004; Lanfranchi, Carretti et al., 2009).

Em relação ao mecanismo de controle inibitório, poucos estudos dedicaram-se à investigação de tal aspecto em crianças com SD, ainda que este seja um mecanismo (ou melhor, um conjunto de funções) que possui uma contribuição central para o desempenho cognitivo eficiente. Dentre os estudos realizados, Borella, Carretti e Lanfranchi (2012) pesquisaram o desempenho de um grupo de crianças e adolescentes com a síndrome (com idades entre 10 e 19 anos) em tarefas de controle inibitório. A pesquisa tinha como objetivo examinar se o grupo com SD possuía uma deficiência geral ou em subprocessos específicos de inibição. De maneira geral, os resultados evidenciaram dificuldades generalizadas no domínio de controle inibitório.

Ressalta-se que os estudos relatados anteriormente foram realizados buscando avaliar habilidades cognitivas em indivíduos com SD através de medidas diretas, ou seja, utilizando testes e tarefas neuropsicológicas. No entanto, conforme destacam Startin, Rogder, Wynne, Hamburg & Strydom (2016), muitas vezes estes instrumentos acabam não sendo adequados para uma significativa parcela desta população, notadamente para aqueles indivíduos mais comprometidos, ou crianças mais novas que comumente não compreendem as atividades ou pontuam escores muito baixos (efeitos de chão) em diversas tarefas. Nestes casos, medidas indiretas, como classificações de comportamento, obtidas através de relatos de pais/responsáveis ou professores possuem um valor inestimável, visto que através delas é possível avaliar diversos aspectos de toda a população, bem como acompanhar possíveis melhorias associadas a projetos de intervenção.

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De acordo com Pritchard, Kalback, McCurdy e Capone (2015) evidências crescentes sugerem que as medidas de desempenho (testes neuropsicológicos) e as classificações de comportamento por pais/professores não avaliam o mesmo constructo. No entanto, eles podem fornecer informações complementares acerca das FE das crianças. Nesse sentido, escalas baseadas em relatos de pais/professores, como o Behavior Rating Inventory of Executive Function (BRIEF), possuiriam uma maior validade ecológica, visto que abordariam as FE em situações mais complexas, como manifestações da vida diária das crianças (Pritchard et al., 2015).

Recentemente, alguns estudos vêm empregando este tipo de abordagem na investigação das FE de crianças com SD. O estudo realizado por Lee et al. (2011), por exemplo, avaliou as FE de crianças com a síndrome (N= 26; idades entre 4 e 10 anos) através do Behavior Rating Inventory of Executive Function Preschool (BRIEF-P), que foi respondido pelos pais e/ou responsáveis. O BRIEF-P possui 63 itens divididos em cinco escalas (Inibição, Flexibilidade, Controle Emocional, Memória de Trabalho, Planejamento/Organização) e foi utilizado porque os autores o consideraram mais apropriado ao nível de desenvolvimento das crianças da amostra.

Em concordância com estudos anteriores que utilizaram testes neuropsicológicos, os resultados do estudo de Lee et al. (2011) também revelaram maiores prejuízos das crianças com SD na escala de memória de trabalho, bem como na de planejamento/organização, em comparação às normas das crianças com DT de mesma idade mental. Vale destacar que os déficits encontrados no domínio da memória de trabalho foram identificados em idade inferior àquelas encontradas em estudos anteriores que investigaram tal aspecto, sugerindo que déficits nesta habilidade podem estar presentes precocemente no desenvolvimento das crianças com SD. Tal resultado é importante, principalmente porque as medidas tradicionais desta habilidade (como o teste span de dígitos, ordem direta e inversa), não são possíveis de serem administrados

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em crianças com a idade mental incluídas na amostra. Desta forma, instrumentos destinados aos pais/responsáveis ou cuidadores podem ser uma solução para investigar as habilidades cognitivas em crianças pequenas com SD, notadamente quando não for possível a utilização de medidas neuropsicológicas tradicionais.

Daunhauer et al. (2014) buscou replicar as descobertas de Lee et al. (2011) em uma amostra diferente de crianças com SD, também utilizando o BRIEF-P, porém, coletando respostas tanto dos pais/responsáveis, quanto de professores. Semelhante aos resultados de Lee et al. (2011), déficits significativos foram observados no grupo de crianças com SD em comparação ao grupo com DT pareado por idade mental, tanto a partir dos relatos dos pais quanto dos seus professores, nos domínios de memória de trabalho e de planejamento/organização. Além disso, as respostas dos pais para o BRIEF-P também indicaram que o grupo com SD possuía maiores deficiências na escala de inibição (controle inibitório) do que o grupo com DT.

Uma alternativa de interpretação dos estudos citados anteriormente pode ser realizada através de um quadro teórico que diferencia as FE em dois grandes grupos: as FE do tipo “frias” e as FE do tipo “quentes”. As FE do tipo “frias” envolvem aspectos cognitivos lógicos, tais como o raciocínio lógico e abstrato, planejamento, resolução de problemas e memória de trabalho. Já as FE do tipo “quentes” estariam associadas com os aspectos emocionais, crenças e desejos, como a regulação do afeto, motivação e do próprio comportamento, tomada de decisão, interpretações pessoais e julgamento moral (Uehara, Fichman, Landeira-Fernandez, 2013; Zelazo, Qu & Muller, 2005).

Considerando os resultados das crianças com SD nos estudos relatados, observa-se que dentro do contexto das FE “frias” X “quentes”, crianças com SD apresentam um comprometimento mais acentuado em aspectos “frios” das FE, como memória de trabalho e planejamento, do que nas chamadas FE "quentes", como a inibição comportamental e o controle

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emocional (Lee et al., 2011; Lee et al., 2015; Daunhauer et al., 2014). No entanto, de acordo com Lee et al. (2015), é importante destacar que embora esta seja uma força relativa na SD, se comparada com ela mesma, não é uma força absoluta. Dificuldades com o controle emocional, por exemplo, são maiores nestas crianças do que os encontrados em pares com DT de mesma idade cronológica.

Em resumo, os estudos citados anteriormente têm permitido constatar a existência de déficits generalizados nas FE deste subgrupo clínico. Estas dificuldades estão presentes em uma série de habilidades, como na iniciação de atividades, organização e planejamento, memória de trabalho, controle inibitório e flexibilidade cognitiva (Freire & Hazin, 2015; Will et al., 2014;). Torna-se, assim, de extrema importância a continuidade de investigações neste domínio, a fim de melhor compreender como as FE específicas se caracterizam e se desenvolvem nestas crianças, o que pode vir a embasar a elaboração de programas interventivos destinados para estas funções.

3. Funcionamento Intelectual & Síndrome de Down

A inteligência é considerada um dos domínios mais investigados (e também um dos mais polêmicos) da Psicologia. Ao longo dos anos, este constructo tem gerado diversas controvérsias entre os autores que se dedicaram ao seu estudo (Almeida, 2002). Apesar disto, atualmente o conceito de inteligência, para grande parte dos pesquisadores, está relacionado à capacidade de aprender relações utilizando conhecimentos prévios ou apenas o raciocínio (Laros, Valentini, Gomes & Andrade, 2014), ou ainda, à capacidade dos indivíduos de raciocinar e resolver problemas (Almeida, 2002).

Identifica-se uma variedade de conceitualizações já propostas e diferentes modelos desenvolvidos com o intuito de explicar a inteligência. Semelhante ao que ocorreu durante o desenvolvimento do conceito das FE, inicialmente, as primeiras abordagens da inteligência

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assumiam a sua unicidade (Almeida, 2002). Posteriormente, outras definições foram propostas (advindas principalmente do campo da psicometria) postulando-se a existência de mais de um fator explicativo para a inteligência, como o modelo bi-fatorial de Spearman (que propôs a existência de um fator geral (g) de inteligência e múltiplos fatores específicos (s) e a teoria de Thurstone, que utilizando técnicas de análise fatorial sugeriu a existência de fatores independentes ou capacidades mentais primárias (Laros et al., 2014).

Posteriormente, outros autores desenvolveram novas e importantes teorias, como o Modelo de Cattell de Inteligência Fluida (Gf) e Cristalizada (Gc). Para este modelo, a inteligência fluida (Gf) refere-se a uma habilidade que depende pouco das experiências e conhecimentos prévios do indivíduo e estaria relacionada à capacidade de raciocínio abstrato e à resolução de problemas. Estudos indicam que a Gf se associa com domínios como a memória de trabalho, principalmente com as funções do executivo central (Primi, 2002). Por outro lado, a inteligência cristalizada (Gc) relaciona-se à aquisição e consolidação de conhecimentos formais e informais adquiridos a partir da inserção do indivíduo na cultura e sociedade (Laros et al., 2014).

Além do modelo de Cattell, outros modelos foram desenvolvidos, como a Teoria dos Três Estratos de Carroll. No entanto, de acordo com Primi (2003), atualmente o modelo Cattell-Horn-Carroll (CHC) vem sendo considerado o “estado da arte” no campo da inteligência. Este modelo baseou-se na integração de outros desenvolvidos anteriormente e resultou numa visão multidimensional e hierárquica (constituída de três estratos) da inteligência. De acordo com este modelo, o nível III, mais amplo, seria composto por uma única dimensão geral. O nível II abrangeria 16 dimensões amplas, entre elas, a inteligência fluida e memória. Por fim, o I nível abarcaria cerca de 80 habilidades específicas da inteligência, como o tempo de reação e o raciocínio indutivo (Laros et al., 2014). Em resumo, a visão predominante atual considera que

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a inteligência é constituída não apenas de uma capacidade única e sim de múltiplas habilidades ou capacidades específicas.

Outro aspecto que tem levantado intenso debate e polêmicas no campo da inteligência refere-se à sua natureza predominantemente genética ou adquirida, apesar de atualmente ser bem estabelecido que a inteligência depende da interação de ambos os fatores. No caso de transtornos do desenvolvimento associados a anomalias genéticas, como é o caso da SD, observa-se a influência do fator genético no funcionamento intelectual destas crianças, sendo a Deficiência Intelectual (DI) considerada uma das principais características da síndrome. No entanto, a inteligência da criança com SD não é determinada apenas pelas alterações genéticas que são observadas, mas também, e de modo fundamental, pelo restante do potencial genético e pelas importantes influências do ambiente no qual esta criança vive (Voivodic & Storer, 2002).

Aproximando-se da concepção de Melero (1999), entende-se aqui que a inteligência se constrói (Voivodic & Storer, 2002). A criança com SD é, assim, mais que sua carga genética, é um organismo que funciona como um todo, sendo a genética apenas um aspecto que integra uma complexa teia de determinantes. Desta forma, a estimulação proporcionada por um ambiente rico em estímulos e aprendizagens significativas, a crença nas suas capacidades, a interação com outras crianças e adultos mais experientes, dentre outros aspectos, pode proporcionar imensos avanços no desenvolvimento destas crianças.

Atualmente, considera-se que a DI (característica em crianças com SD) define-se por prejuízos no desenvolvimento de dois aspectos, a saber, a inteligência e o comportamento adaptativo. De acordo com o DSM-5 (APA, 2013), os prejuízos nas funções intelectuais referem-se a dificuldades nas habilidades de raciocínio, resolução de problemas, planejamento, pensamento abstrato, capacidade de julgamento, aprendizagem acadêmica e capacidade de

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aprendizagem com a experiência. Além disto, o diagnóstico deve se basear em uma avaliação clínica individualizada e com testes padronizados que avaliam estas funções.

Tradicionalmente, a DI era determinada através de medidas de QI (coeficiente de inteligência) obtidas pela utilização de instrumentos psicométricos padronizados. De acordo com Schwartzman (2003), nestes testes de inteligência, os indivíduos com SD costumam apresentar pontuações que variam de 20 a 85 pontos de QI. Cerca de 70 a 75% dos indivíduos com SD apresentam escores de QI entre 20 e 50, sendo a causa de dificuldades leves, moderadas e severas de aprendizagem (Mecca, 2013; Rihtman et al., 2010).

Um dado que merece atenção e que precisa ser discutido, a fim de se evitar interpretações errôneas, refere-se ao aparente declínio no QI que pode ser observado à medida que crianças com SD vão envelhecendo. De acordo com Schawartzman (2003), este declínio pode ser resultado da forma como o QI tem sido avaliado. Nestas avaliações as crianças com SD são comparadas com crianças e adolescentes com DT da mesma idade cronológica, o que não seria o mais adequado, visto que é necessário que se leve em consideração que o desenvolvimento na SD é mais lento, sendo óbvio que os seus QIs, verbal e não-verbal, serão mais baixos se comparados com crianças com DT. Este tipo de comparação, segundo o mesmo autor, acaba desprezando importantes ganhos que os indivíduos com SD podem estar apresentando em vários aspectos de seu funcionamento cognitivo.

Apesar da avaliação da inteligência ser realizada primordialmente através da utilização de instrumentos psicométricos, tal avaliação em casos de transtornos do desenvolvimento intelectual tem sido alvo de uma série de questionamentos. Isto porque, em sua grande maioria, estes instrumentos foram desenvolvidos para crianças com DT, desconsiderando, muitas vezes, as necessidades e características específicas daquela população (Antonio, Mecca & Macedo, 2012). Tal fato ocasiona uma série de dificuldades, tanto no que diz respeito à avaliação destas crianças com estes instrumentos, quanto em relação à interpretação dos seus resultados.

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De acordo com Pacanaro, Santos e Suheriro (2009), em grande parte dos instrumentos existentes atualmente para a avaliação da inteligência, o uso da linguagem oral tem sido uma exigência comum, além de ser considerada uma habilidade indispensável na manifestação da própria inteligência da criança. No entanto, de acordo com as mesmas autoras, muitos comportamentos não dependem obrigatoriamente do uso da linguagem, mas sim de manifestações de outros processos, como o raciocínio abstrato, raciocínio numérico e várias outras formas de resolução de problemas (Pacanaro et al., 2009; Mecca, 2013).

No caso das crianças com SD, a avaliação de aspectos cognitivos baseada nas suas habilidades linguísticas pode constituir-se como um obstáculo para a delimitação do seu verdadeiro potencial, uma vez que estudos demonstram que o desenvolvimento cognitivo destas crianças é superior ao seu desenvolvimento da linguagem (Pacanaro et al., 2009). Desta forma, a utilização de instrumentos que minimizem a demanda linguística poderia favorecer a avaliação do real potencial destas crianças.

Para exemplificar tal concepção, em um estudo nacional utilizando as escalas Wechsler de Inteligência para crianças e adultos, Duarte (2009) relata que de uma amostra composta por 67 indivíduos com SD, 46,2% dos participantes tiveram que ser excluídos, sendo um dos motivos destas exclusões o fato dos indivíduos com a síndrome não terem sido capazes de compreender as atividades, bem como responder (utilizando-se da linguagem oral) os subtestes que compõem as escalas verbais dos instrumentos. Desta forma, conforme ressalta Mecca (2013), a perda amostral pode ser associada às características do instrumento, que se mostrou pouco adequado para ser utilizado com o grupo de estudo.

Observa-se, portanto, uma maior preocupação atualmente no que diz respeito à escolha mais adequada de instrumentos para avaliação do funcionamento intelectual destas crianças. Um dos instrumentos que tem sido bastante utilizado em contexto internacional refere-se à Escala Internacional de Inteligência Leiter-R (D’Ardhuy et al., 2015; Daunhauer et al., 2014;

Referências

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