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ESTUDO I: INVESTIGAÇÃO DE ASPECTOS DO FENÓTIPO NEUROPSICOLÓGICO DE

4. Comportamento Adaptativo & Síndrome de Down

A definição da Deficiência Intelectual (DI), como discutido anteriormente, tem passado nos últimos anos por importantes modificações. Inicialmente, os critérios diagnósticos e de classificação da DI focavam, sobretudo, nos escores de QI obtidos pelos indivíduos em testes de inteligência. No entanto, uma mudança paradigmática tem possibilitado uma evolução no entendimento da DI, dando-se importância maior, atualmente, não apenas aos déficits

intelectuais e cognitivos apresentados, mas também à capacidade de adaptação dos indivíduos ao seu meio social (Antunes, 2015).

Historicamente falando, a observação de limitações no funcionamento ou comportamento adaptativo como um dos critérios para o diagnóstico da DI começou a estar presente a partir da 5ª edição da Associação Americana de Deficiência Mental (AAMD), hoje chamada Associação Americana de Deficiências Intelectuais e do Desenvolvimento (AAIDD). O Comportamento Adaptativo (CA) pode ser compreendido como o conjunto de habilidades conceituais, sociais e práticas, aprendidas pelos indivíduos e necessárias para o funcionamento adequado na vida cotidiana (AAIDD, 2017; Macho, Alonso, Martínez & Sanchez, 2010; Tassé et al., 2012).

Considera-se que o conceito de CA está intrinsecamente relacionado ao conceito de funcionalidade, proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS). De acordo com esta organização, a funcionalidade é um termo que engloba funções do corpo, atividades e participação (Mecca et al., 2015). O CA, por sua vez, engloba o conjunto de habilidades conceituais, práticas e sociais, sendo assim, mais específico que o conceito geral de funcionalidade.

De acordo com Tassé et al., (2012) seis elementos comuns são observados nas definições até então disponíveis do comportamento adaptativo. São elas: (a) a aprendizagem e o desempenho de competências necessárias para satisfazer com êxito às expectativas da sociedade; (b) exibição de comportamentos esperados para um indivíduo de mesma idade e cultura; (c) um funcionamento adequado às necessidades físicas e participação na comunidade; (d) capacidade do indivíduo de manter relacionamentos sociais; (e) a natureza do desenvolvimento do comportamento adaptativo, o qual aumenta com a idade; e (f) o CA refletindo o comportamento típico e cotidiano de um indivíduo.

Dentro da definição do CA, as habilidades conceituais estão relacionadas às habilidades de comunicação (linguagem expressiva, receptiva e leitura e escrita), habilidades acadêmicas, noções de tempo, números e dinheiro. Já as habilidades práticas são as habilidades necessárias para uma vida independente, como cuidados pessoais, autocontrole, organização de tarefas escolares e profissionais, segurança, cuidados com a saúde, uso de transportes, cumprimento de horários e rotinas, uso do dinheiro, etc. Por fim, as habilidades sociais referem-se às habilidades de percepção de pensamentos, sentimentos e experiências dos outros, empatia, habilidades de comunicação interpessoal, estabelecimento de amizades e julgamento social (AAIDD, 2017; Mecca et al., 2015; Tassé et al., 2012).

No que diz respeito ao seu desenvolvimento, considera-se que as habilidades adaptativas observadas na infância, adolescência e idade adulta refletem as expectativas da sociedade em relação aos comportamentos esperados para estas faixas etárias. De acordo com Reschly, Myers e Harte (2002), na primeira infância espera-se um desenvolvimento adequado das habilidades sensório-motoras, habilidades básicas de comunicação, habilidades de autoajuda, socialização e interação com os outros. Na infância propriamente dita e início da adolescência, por sua vez, espera-se a aplicação de habilidades básicas acadêmicas nas atividades de vida diária, bem como a aplicação do raciocínio e julgamento no domínio adequado dos meios ambiente e social, além de habilidades de participação em atividades de grupo e relações interpessoais. Já na adolescência e vida adulta, espera-se que o indivíduo tenha desenvolvido responsabilidade profissional e social.

Com a publicação da quinta edição do DSM-5, os níveis de severidade da DI (leve, moderada, grave ou severa) passaram a ser estabelecidos com base na avaliação do CA e não mais nos escores de QI (APA, 2013). As formas mais comumente empregadas para a avaliação do CA, por sua vez, são baseadas em situações de análise de observações, entrevistas, questionários, entre outros (Ferreira & Van Munster, 2015). A APA (2013) recomenda que a

avaliação do CA se dê através da utilização de medidas padronizadas. Algumas destas medidas estão disponíveis no contexto internacional, sendo as mais utilizadas a Escala de Comportamento Adaptativo Vineland II, a Adaptive Behavior Scale (ABS), a Adaptive Behavior System (ABAS), dentre outras (Ferreira & Van Munster, 2015).

Em revisão de literatura, Mecca et al. (2015) constataram que investigações nacionais do domínio do CA são relativamente recentes, porém, crescentes nos últimos anos, com uma concentração maior de estudos na área multidisciplinar. Ressaltam, ainda, que apesar do CA ter se tornado nos últimos anos um domínio de extrema importância na avaliação da DI e apesar da APA e AAIDD recomendarem para sua avaliação o uso de medidas padronizadas (Tassé et al., 2012), no contexto nacional observa-se uma carência destes instrumentos (Ferreira & Van Munster, 2015). Os estudos que tiveram como foco os instrumentos detiveram-se apenas na sua tradução, havendo apenas um relato de investigação de evidências de validade de um instrumento (Mecca et al., 2015).

No que diz respeito às características do CA em crianças com SD, algumas investigações foram desenvolvidas, principalmente no contexto internacional. No estudo de Dykens, Hodapp e Evans (2006), por exemplo, o perfil e a trajetória de desenvolvimento do CA de crianças com SD foram avaliados utilizando a Escala de Comportamento Adaptativo Vineland II. Participaram do estudo 80 crianças com SD, com idades entre um e 11,5 anos. Os resultados apontaram um perfil caracterizado por fraquezas significativas na área de comunicação (notadamente no que diz respeito à linguagem expressiva) em comparação aos domínios de habilidades de vida diária e socialização.

Já o estudo de Van Duijn, Dijkxhoorn, Scholte e Van Berckelaer-Onnes (2010) buscou responder à questão de como as crianças com SD adquirem, ao longo do seu desenvolvimento, as habilidades adaptativas e se o desenvolvimento das mesmas poderia ser considerado semelhante ao de crianças com DT. As habilidades adaptativas de um grupo de 822 crianças

holandesas com SD, com idades variando de 0 a 12 anos, foram comparadas com as habilidades adaptativas de um grupo de crianças com DT, também utilizando a Escala Vineland II. Os resultados indicaram que as crianças com SD adquiriam as habilidades adaptativas em um ritmo mais lento e atingiam os maiores escores em torno dos 12 anos de idade, sendo estes em nível substancialmente inferior ao das crianças com DT. Os resultados também apontaram que o perfil de habilidades adaptativas das crianças com SD era caracterizado por forças relativas no domínio de atividades diárias, enquanto fraquezas no domínio de comunicação.

Em estudo mais recente, Marchal e colaboradores (2016) analisaram os resultados desenvolvimentais de uma amostra de 123 crianças com SD, acompanhadas ao longo de 10,7 anos. Os objetivos do estudo eram investigar os pontos fortes e fracos no funcionamento adaptativo e nas habilidades motoras de crianças com SD, bem como determinar o valor prognóstico das características iniciais destas crianças para a inteligência, CA (também avaliado pela Escala Vineland II) e habilidades motoras posteriores.

Os resultados deste estudo apontaram o domínio de socialização como a habilidade adaptativa mais forte, enquanto que a comunicação foi identificada como o domínio de maior força em relação às habilidades de vida diária. Estes resultados diferem, em parte, de estudos anteriores, os quais apontaram o domínio de comunicação como o mais fraco nestas crianças. Os autores consideram que aparentemente as habilidades de vida diária, talvez, não estejam sendo devidamente estimuladas em crianças com SD, ao contrário do domínio de comunicação, que por ser constantemente relatado como mais prejudicado, possivelmente é mais focalizado em projetos de intervenção (Marchal et al., 2016).

A avaliação do CA em indivíduos com DI é importante para o seu diagnóstico, mas também por uma série de outras razões. Primeiramente, a avaliação deste domínio pode contribuir para o planejamento de programas de intervenção voltados para comportamentos da vida real, visto que possibilita um entendimento multidimensional do funcionamento humano.

Além disto, esta medida também permite a clarificação dos pontos fortes e fracos dos indivíduos, podendo orientar adaptações curriculares educacionais, dentre outros projetos. Medidas de CA também podem ser utilizadas como indicadores da eficácia de um programa de intervenção, avaliando o progresso alcançado pelo indivíduo. Por fim, esta medida também pode ser utilizada, em certas ocasiões, como critério de elegibilidade dos serviços que as pessoas com DI frequentam (Antunes, 2015; Macho et al., 2010).

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