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ESTUDO I: INVESTIGAÇÃO DE ASPECTOS DO FENÓTIPO NEUROPSICOLÓGICO DE

9. Resultados

9.1. Análises descritivas

Serão apresentados, inicialmente, os resultados das crianças no IFERA-I, a escala utilizada para avaliar as FE. Foi realizada a análise descritiva para estabelecimento das médias e desvios-padrões, bem como valores máximos e mínimos obtidos pelas crianças com SD no instrumento. Conforme pode ser observado na tabela 4, a média da pontuação total obtida pelas crianças foi alta (M = 104, 90; DP = 10, 264), uma vez que a pontuação máxima na escala é 140, e mínima 28. Em relação à pontuação das crianças nas subescalas que compõem o instrumento (CI, MT, FC, AR e AD), conforme observa-se na tabela 5, as crianças obtiveram uma maior média na subescala de Memória de trabalho (MT) (M = 27,03; DP = 3,005), e a menor média na subescala de Aversão à Demora (AD) (M = 16,74; DP = 3,43), seguida da subescala de Flexibilidade Cognitiva (FC) (M = 17,52; DP = 2,73).

Tabela 4

Resultado da análise descritiva das pontuações totais obtidas pelas crianças com SD no IFERA-I

N Máximo Mínimo Média Desvio

Padrão IFERA-

ITOTAL

31 122 77 104,90 10,264

Tabela 5

Resultado da análise descritiva das pontuações obtidas pelas crianças com SD nas cinco subescalas do IFERA-I

N Máximo Mínimo Média Desvio

Padrão CI 31 27 13 20,65 3,693 MT 31 30 16 27,03 3,005 FC 31 22 10 17,52 2,731 AD 31 22 10 16,74 3,435 AR 31 26 18 22,97 1,975

Apesar das menores médias terem sido identificadas nas escalas de Aversão à demora (AD) e Flexibilidade Cognitiva (FC), o melhor resultado de 48,4% das crianças, representando o seu ponto de força, foi na escala de Controle Inibitório (CI). As menores médias nas escalas AD e FC explicam-se pelo número reduzido de itens (apenas cinco, em oposição aos seis itens das demais escalas – MT, CI e AR). Neste sentido, conforme observa-se na tabela 6, o melhor resultado da maioria das crianças com SD foi na escala de CI (48,4% das crianças tiveram uma menor média nesta escala), seguido das escalas de AD (22,6%) e FC (16,1%).

Tabela 6

Frequência e porcentagem de crianças que obtiveram a melhor pontuação em cada subescala Frequência Porcentagem Porcentagem

cumulativa AD 7 22,6% 22,6% AR 3 9,7% 32,3% CI 15 48,4% 80,6% CI/AR 1 3,2% 83,9% FC 5 16,1% 100% Total 31 100

Por outro lado, o pior resultado (maior pontuação) de 96,8% das crianças foi na escala de Memória de trabalho (MT). Apenas uma criança obteve uma maior pontuação na escala de CI (tabela 7).

Tabela 7

Frequência e porcentagem de crianças que obtiveram a pior pontuação em duas subescalas Frequência Porcentagem Porcentagem

cumulativa

CI 1 3,2% 3,2%

MT 30 96,8% 100%

Total 31 100

Quanto aos testes Bloco de Corsi e Dígitos do WISC IV, tentou-se aplicar os mesmos nas crianças com SD, no entanto, elas só compreendiam a primeira etapa dos testes (ordem direta) que avalia a memória visual (Bloco de Corsi) e auditiva (Dígitos IV) imediata. Na segunda etapa que avalia os subcomponentes da memória de trabalho, as crianças não conseguiram realizar por não compreenderem o sentido de “ordem inversa” (mesmo recorrendo-se a exemplos e explicando diversas vezes). Estes resultados serão explorados na sessão de Discussão.

Em relação aos dados das crianças com SD no SON-R 2 ½ - 7 [a], na tabela 8, apresenta-se a análise descritiva dos resultados obtidos. Antes de relatar estes resultados, é importante mencionar que para este instrumento temos dados disponíveis de apenas vinte crianças. Isto porque, cinco delas não conseguiram compreender, ou dispensar a atenção necessária na situação de testagem, e as demais não tiveram disponibilidade para realização do teste. Para o grupo de crianças com SD que responderam ao SON-R 2 ½ - 7 [a], tem-se que a idade mental média foi de 3,81 anos (DP = 0,87).

Tabela 8

Resultado da análise descritiva das idades mentais obtidas pelas crianças com SD no SON-R

N Máximo Mínimo Média Desvio

SON-R IDADE MENTAL

20 5,50 2,10 3,8165 0,87187

Na tabela 9, são apresentadas as idades mentais obtidas pelas crianças com SD e respectivas frequências.

Tabela 9

Idades mentais das crianças com SD avaliadas pelo SON-R 2 ½ - 7 [a] e respectivas frequências

Idades Mentais Frequência Porcentagem Porcentagem Cumulativa

2,10 1 5,0 5,0 2,11 1 5,0 10,0 2,80 1 5,0 15,0 3,10 1 5,0 20,0 3,11 1 5,0 25,0 3,50 1 5,0 30,0 3,60 2 10,0 40,0 3,80 1 5,0 45,0 3,90 2 10,0 55,0 4,00 1 5,0 60,0 4,11 1 5,0 65,0 4,20 1 5,0 70,0 4,30 1 5,0 75,0 4,50 1 5,0 80,0 4,70 2 10,0 90,0 4,80 1 5,0 95,0 5,50 1 5,0 100,0 Total 20 100,0

Na tabela 10, são apresentadas as análises descritivas das pontuações brutas obtidas pelas crianças em cada um dos quatro subtestes que compõem o SON-R 2 ½ - 7 [a]. Conforme é possível observar, a maior pontuação média foi no subteste Padrões (M = 6,55; DP = 1,847), representando o melhor desempenho.

Tabela 10

Resultados da análise descritivas das pontuações brutas obtidas pelas crianças com SD nos subtestes do SON-R

N Máximo Mínimo Média Desvio

Padrão

CATEGORIAS 20 10 1 6,20 2,308

SITUAÇÕES 20 9 1 5,00 2,052

PADRÕES 20 9 4 6,55 1,849

Para as crianças na faixa etária de sete anos avaliadas com o instrumento (40% das crianças), foi possível estimar seus QI´s (idades dentro da faixa etária da normatização disponível do teste). Estes são descritos na tabela 11.

Tabela 11

QIs obtidos pelas crianças com SD na faixa etária de sete anos

SON QI SON ER SON EE

Part1_7anos 60 68 61 Part2_7anos 66 80 59 Part3_7anos 59 72 54 Part4_7anos 54 67 52 Part5_7anos 52 62 52 Part6_7anos 48 52 42 Part7_7anos 48 52 52 Part8_7anos 48 52 52

Nota: Part, participante; SON QI, QI total no instrumento; SON EE, QI de execução e SON ER, QI de raciocínio.

Em relação aos sintomas de desatenção e hiperatividade, avaliados através da escala SNAP-IV, observa-se na tabela 12 e 13 os resultados obtidos. Ressalta-se que a criança foi considerada com sintomas de desatenção ou hiperatividade se pelo menos 6 itens fossem marcados como “BASTANTE” ou “DEMAIS” (dos itens de 1 a 9, que representam os sintomas de desatenção, e de 10 a 18 para os sintomas de hiperatividade/impulsividade). Nestes casos, existem mais sintomas de desatenção e/ou hiperatividade e impulsividade do que o esperado numa criança ou adolescente com DT. Onze crianças (35,48%) apresentaram ambos os sintomas de desatenção e hiperatividade.

Tabela 12

Frequência e porcentagem de crianças com sintomas de desatenção

Frequência Porcentagem Porcentagem cumulativa

Com desatenção 18 58,1% 58,1%

Sem desatenção 13 41,9% 100%

Total 31 100

Frequência e porcentagem de crianças com sintomas de hiperatividade

Frequência Porcentagem Porcentagem cumulativa

Com hiperatividade 15 48,4% 48,4%

Sem hiperatividade 16 51,6% 100%

Total 31 100

Por fim, serão apresentados os resultados das crianças com SD na escala VINELAND II. Conforme já mencionado, não existem normas brasileiras disponíveis para o instrumento. Desta forma, para análise dos dados, considerou-se a pontuação bruta obtida pelas crianças com SD e as idades correspondentes para estas pontuações. Por exemplo, na subescala de linguagem receptiva, a pontuação máxima é 40. Uma criança que pontua mais de 20 pontos na escala, tem um nível de desenvolvimento da linguagem receptiva acima de três anos, e aquelas que pontuam menos de 20, abaixo de três anos.

Não é possível estimar qual a idade exata correspondente à pontuação obtida pela criança a partir do instrumento, no entanto, é possível se ter uma ideia do seu nível de desenvolvimento em cada subescala a partir destas pontuações brutas.

Nas tabelas seguintes, observa-se as estatísticas descritivas para cada uma das subescalas do VINELAND II utilizadas no estudo.

Tabela 14

Frequência e porcentagem de crianças com SD em relação ao nível de desenvolvimento nas subescalas do domínio de Comunicação do Vineland II

Linguagem Receptiva

Frequência Porcentagem Porcentagem cumulativa

Abaixo de três anos 8 25,8% 25,8%

Acima de três anos 23 74,2% 100%

Total 31 100

Linguagem Expressiva

Frequência Porcentagem Porcentagem cumulativa

Abaixo de três anos 20 64,5% 64,5%

Acima de três anos 11 35,5% 100%

Total 31 100

Tabela 15

Frequência e porcentagem de crianças com SD em relação ao nível de desenvolvimento nas subescalas do domínio de Atividades de Vida Cotidiana do Vineland II

Pessoal

Frequência Porcentagem Porcentagem cumulativa

Abaixo de quatro anos 7 22,6% 22,6%

Acima de quatro anos 24 77,4% 100%

Total 31 100

Doméstica

Frequência Porcentagem Porcentagem cumulativa

Abaixo de sete anos 20 64,4% 64,5%

Acima de sete anos 11 35,5% 100%

Total 31 100

Comunidade

Frequência Porcentagem Porcentagem cumulativa

Abaixo de cinco anos 13 41,9% 41,9%

Acima de cinco anos 18 58,1% 100%

Total 31 100

Tabela 16

Frequência e porcentagem de crianças com SD em relação ao nível de desenvolvimento nas subescalas do domínio de Socialização do Vineland II

Relações Interpessoais

Frequência Porcentagem Porcentagem cumulativa

Abaixo de cinco anos 17 54,8% 54,8%

Acima de cinco anos 14 45,2% 100%

Total 31 100

Brincar e Lazer

Frequência Porcentagem Porcentagem cumulativa

Abaixo de quatro anos 14 45,2% 45,2%

Acima de quatro anos 17 54,8% 100%

Total 31 100

9.2. Análise de Cluster

Inicialmente, foi realizada análise de cluster com os dados das vinte crianças que responderam ao SON-R 2 ½ - 7 [a]. Para realização desta análise, os dados das crianças no SON-R 2 ½ - 7 [a], IFERA-I e SNAP-IV, bem como as variáveis sociodemográficas sexo, idade, nível de escolaridade dos pais e renda familiar foram transformados em categorias nominais. Obteve-se, por conseguinte, a partição dos sujeitos em dois grupos, sem perdas, cujas medidas de coesão e separação foram consideradas satisfatórias, conforme aponta as figuras 1 e 2.

Figura 1. Gráfico apontando a qualidade dos Clusters a partir de medidas de coesão e separação

Figura 2. Gráfico apontando o tamanho dos Clusters

O grau de importância de cada variável no âmbito da partição dos clusters é apresentado na figura 3. As características relacionadas aos dois clusters encontram-se descritas na tabela 16.

Figura 3. Gráfico apontando o grau de importância de cada variável para a partição dos grupos

Tabela 17

Caracterização dos dois grupos obtidos após submissão dos dados a análise de cluster

Características Cluster 1

60% (N = 12)

Cluster 2 40% (N = 8) Pontuação Desatenção 91,7% com desatenção 100% sem desatenção

Pontuação Hiperatividade

66,7% com hiperatividade 100% sem hiperatividade

IFERA TOTAL 75% maior que 105 87,5% menor que 105

Sexo 75% sexo masculino 62,5% sexo feminino

SON-R Idade Mental 66,7% menor que 4 anos 62,5% maior que 4 anos

Escolaridade dos pais 58,3% médio completo 37,5% médio completo

Renda Familiar 41,7% um salário mínimo 75% um a dois salários mínimos

Idade 66,7% 7 a 9 anos 50% 10 a 12 anos

Melhor IFERA 41,7% controle inibitório 75% controle inibitório

Realizou-se também análise estatística inferencial com o objetivo de investigar possíveis associações das variáveis sociodemográficas e dos resultados das crianças nas escalas com as idades mentais obtidas no SON-R. Identificou-se associações estatisticamente significativa apenas em relação à pontuação de hiperatividade das crianças no SNAP-IV e idade mental no SON-R.

Tabela 18

Diferença das crianças participantes em função das variáveis pontuação hiperatividade e idade mental no SON-R

Pontuação Hiperatividade Com Hiperatividade Sem hiperatividade Total Idade mental no SON-R Abaixo de 4 anos 7 4 11 Acima de 4 anos 1 8 9 Total 8 12 20 Teste exato de Fisher 0,028 V de Cramer 0,533

Como 50% das células apresentaram frequências esperadas menores do que 5 (o que viola as condições do Qui-quadrado), o teste estatístico apropriado foi o da probabilidade exata de Fisher. Ele forneceu p = 0,028, o que indica a rejeição da hipótese nula (inexistência de associação entre hiperatividade e idade mental) para o nível de significância p<0,05. O valor do V de Cramer mostrou um tamanho do efeito de 0,533, o que é considerado um tamanho de efeito médio.

Por fim, realizou-se também análise de cluster com os dados das 31 crianças nos instrumentos IFERA-I, SNAP-IV, VINELAND II, bem como com os dados referentes às variáveis sociodemográficas sexo, idade, nível de escolaridade dos pais e renda familiar. Novamente, estes dados foram transformados em categorias nominais. Obteve-se a partição dos participantes em dois grupos, sem perdas, cujas medidas de coesão e separação foram consideradas satisfatórias, conforme aponta as figuras 4 e 5.

Figura 4. Gráfico apontando a qualidade dos Clusters a partir de medidas de coesão e separação

Figura 5. Gráfico apontando o tamanho dos Clusters

O grau de importância de cada variável no âmbito da partição dos clusters é apresentado na figura 6. As características relacionadas aos dois clusters encontram-se descritas na tabela 19.

Figura 6. Gráfico apontando o grau de importância de cada variável para a partição dos grupos

Tabela 19

Caracterização dos dois grupos obtidos após submissão dos dados a análise de cluster

Características Cluster 1 58,1% (N = 18) Cluster 2 41,9% (N = 13) Pontuação Hiperatividade 88,9% sem hiperatividade 100% com hiperatividade

Brincar e Lazer 88,9% acima de 4 anos 92,3% abaixo de 4 anos

Interpessoal 72,2% acima de 4 anos 92,3% abaixo de 4 anos

Pessoal 100% acima de 4 anos 53,8% abaixo de 4 anos

Doméstica 61,1% acima de 7 anos 100% abaixo de 7 anos

Linguagem Expressiva 61,1% acima de 3 anos 100% abaixo de 3 anos

Pontuação Desatenção 66,7% sem desatenção 92,3% com desatenção

Linguagem Receptiva 94,4% acima de 3 anos 53,8% abaixo de 3 anos

Comunidade 77,8% acima de 5 anos 69,2% abaixo de cinco

anos

Idade 55,6 7 a 9 anos 84,6% 7 a 9 anos

Sexo 50% sexo masculino 76,9% sexo masculino

Melhor IFERA 66,7% CI 38,5% AD

IFERA TOTAL 55,6% menor que 105 69,2% maior que 105

Renda familiar 50% 1 a 2 SM 38,5% 1 SM

Escolaridade dos pais 38,9% médio completo 38,5% médio completo

Realizou-se novamente análise estatística inferencial com o objetivo de investigar possíveis associações das variáveis sociodemográficas e dos resultados das crianças nas escalas com a variável que demonstrou maior importância para a partição dos grupos, no caso, a

pontuação de hiperatividade. As associações estatisticamente significativas identificadas encontram-se na tabela abaixo:

Tabela 20

Níveis de significância encontrado entre os resultados das crianças nas escalas e subescalas utilizadas e a pontuação de hiperatividade

Pontuação Hiperatividade Brincar e Lazer Pearson Chi-Square 14,243

Significância 0,000

Interpessoal Pearson Chi-Square

7,429 Significância 0,006

Pessoal Teste exato de Fisher 0,002

Doméstica Pearson Chi-Square 6,229 Significância 0,013

Linguagem Expressiva Pearson Chi-Square 6,229 Significância 0,013

Pontuação Desatenção Pearson Chi-Square 9,764 Significância 0,002 Linguagem Receptiva Teste exato de Fisher 0,015

Comunidade Pearson Chi-Square

3,895 Significância 0,048

IFERA TOTAL Pearson Chi-Square

4,014 Significância 0,045

Ademais, realizou-se também análise estatística inferencial com o objetivo de identificar possíveis associações entre a variável sociodemográfica que demonstrou maior importância para a partição dos grupos, no caso, a idade das crianças, e os resultados das mesmas nas escalas utilizadas. As associações estatisticamente significativas identificadas encontram-se na tabela abaixo:

Tabela 21

Níveis de significância encontrado entre as idades os resultados das crianças nas escalas e subescalas utilizadas

IDADE

Significância 0,049

Pontuação Desatenção Pearson Chi-Square 4,775 Significância 0,029

Doméstica Pearson Chi-Square

7,682 Significância 0,006

6. Discussão

O objetivo do presente estudo foi investigar aspectos do fenótipo neuropsicológico de um grupo de crianças escolares com SD, a saber, os domínios das funções executivas, funcionamento intelectual, comportamento adaptativo, bem como sintomas de desatenção e hiperatividade. Os resultados da pesquisa possibilitaram também uma compreensão do nível de desenvolvimento das crianças avaliadas, o que foi útil para a adaptação do programa de intervenção fruto do segundo estudo desta tese.

Antes de discutir os resultados oriundos das avaliações, é necessário abordar inicialmente uma questão que impactou no desenho desta pesquisa, qual seja, a carência de instrumentos padronizados e normatizados, no contexto nacional, adequados para avaliação destas crianças, que considerem para tanto as características deste grupo, tais como a própria deficiência intelectual, déficits na linguagem expressiva, dificuldades em manter a atenção por períodos prolongados, memória, dentre outros.

A intenção inicial deste estudo incluía a utilização de medidas diretas (testes e tarefas neuropsicológicas) para avaliação das FE das crianças com SD (como os testes Blocos de Corsi e Dígitos do WISC IV, teste de Stroop semântico, Atividade do paradigma GoNoGo e o teste de Trilhas para pré-escolares) no entanto, ao começar tal avaliação, observou-se que a maioria das crianças não compreendia as instruções dos instrumentos, não prestava atenção para realização das atividades, ou não conseguia responder os testes, principalmente as crianças mais jovens, na faixa etária de sete anos, sendo esta a maior parte da nossa amostra (35,48%).

Neste sentido, a avaliação das FE teve que ser realizada através de uma medida indireta, respondida pelos pais ou responsáveis das crianças, a escala IFERA-I. Estudos vêm ressaltando que a utilização de escalas e inventários comportamentais respondidos por pais/responsáveis ou outros informantes possuem uma importância notável para esta população, uma vez que através delas é possível avaliar crianças mais novas com a síndrome, às quais não é adequada ainda a aplicação de testes. Estas escalas permitem uma coleta rápida e objetiva de informações sobre o comportamento da criança em situações cotidianas reais, fornecendo dados mais funcionais e adaptativos, possuindo assim uma maior validade ecológica em comparação com os testes e tarefas neuropsicológicos (Rodger et al., 2016).

A busca e escolha da escala utilizada na pesquisa não foi uma tarefa fácil, uma vez que se observa também ausência deste tipo de instrumento validado e normatizado para a população de crianças brasileiras. No contexto internacional, o instrumento mais utilizado é o Behavior Rating Inventory of Executive Function (BRIEF) (Gioia, Isquith, Guy e Kenworthy, 2000), que foi traduzido e adaptado em amostra nacional (Bustamante, Miranda, Amoedo & Bueno, 2012), porém, ainda não foi normatizado.

A escala escolhida para utilização no presente estudo também não possui ainda normatização. No entanto, ela foi desenvolvida, utilizada e avaliada (no que diz respeito às suas propriedades psicométricas) em uma amostra de crianças e adolescentes brasileiros de 6 a 14 anos com desenvolvimento típico (DT), bem como em uma amostra clínica de crianças com TDAH. O estudo preliminar utilizando tal escala sugeriu que o instrumento é preciso, possui evidências de validade de conteúdo, bem como correlaciona-se com outras medidas de FE (CHEXI) e com o SNAP-IV. Além disso, a escala possui também evidências de validade de critério, dada sua capacidade de distinguir grupos com e sem TDAH (Trevisan, Berberian, Dias & Seabra, no prelo). Os dados deste estudo inicial com o IFERA-I serão remetidos para comparação e discussão com os resultados das crianças com SD na pesquisa atual.

Consonante com os dados de outros estudos já desenvolvidos na literatura (Daunhauer et al., 2014; Lee et al., 2011), as crianças com SD apresentaram altas pontuações no IFERA-I, o que sugere dificuldades em domínios executivos. Médias mais altas, em comparação com as médias de crianças com DT (avaliadas no estudo de validação relatado acima), foram identificadas em todas as subescalas (Trevisan et al., no prelo). Na escala de Memória de Trabalho (MT), por exemplo, a média da pontuação das crianças com SD foi M = 27,03, enquanto que no estudo com o IFERA-I (Trevisan et al., submetido), a média das crianças com DT nesta subescala foi M = 11,19. A média das crianças com SD neste domínio atingiu quase o máximo de pontos permitido para a subescala (30 pontos). Em todas as outras subescalas as crianças com SD também obtiveram maiores pontuações (na escala de CI: Média SD = 20,65 x Média DT = 11,31; na escala de FC: Média SD = 17,52 x Média DT = 11,60; na escala de AD: Média SD = 16,74 x Média DT = 12 e na escala de AR: Média SD = 22,97 x Média DT = 12,14).

Dentre as crianças avaliadas, 96,8% apresentaram maior pontuação na subescala de MT, sugerindo que este é o ponto de maior fragilidade deste grupo. Tal dado está de acordo com o que já indicava a literatura, seja através de estudos que utilizaram outras escalas para avaliação das FE, seja através de estudos que avaliaram as crianças com testes e tarefas neuropsicológicas (Lanfranchi, Jerman & Vianello, 2009; Lee et al., 2011; Will et al., 2014), os quais já ressaltavam ser este domínio o aspecto das FE mais prejudicado nesta síndrome.

Por outro lado, o melhor desempenho do grupo foi identificado na subescala de controle inibitório (CI), seguido das escalas de aversão à demora (AD) (22,6%) e flexibilidade cognitiva (FC) (16,1%). Tal resultado encontra-se parcialmente de acordo com os outros estudos desenvolvidos com estas crianças (Daunhauer et al., 2014; Lee et al., 2011; Will et al., 2014).

No estudo de Daunhauer et al. (2014), por exemplo, as crianças com SD apresentaram déficits na escala de inibição do BRIEF-P. Somente nas escalas de flexibilidade cognitiva (FC) e controle emocional estas crianças não apresentaram deficiências significativas, sendo estes considerados os seus pontos de força. No estudo de Lee et al. (2011), também utilizando o BRIEF-P, os melhores desempenhos foram encontrados nos domínios de flexibilidade cognitiva e controle emocional.

Os dados da presente pesquisa suportam apenas parcialmente os destes estudos que apontaram o domínio de flexibilidade cognitiva o com menores déficits nestas crianças em relação aos demais, uma vez que este foi o terceiro subdomínio com menores prejuízos nas nossas crianças, ficando atrás do domínio de aversão à demora e controle inibitório, considerado no nosso estudo o ponto de força das crianças com SD. No entanto, nossos resultados apoiam a constatação de que estas crianças apresentam maiores dificuldades no domínio da memória de trabalho, como observou-se nos estudos de Lee et al. (2011) e Daunhauer et al. (2014).

Nos últimos anos, as consequências dos déficits no domínio de memória de trabalho em crianças com SD vêm sendo melhor compreendidas, entendendo-se atualmente que as dificuldades iniciais nesta habilidade (observadas, através destas escalas, desde a terna infância nas crianças com a síndrome) possuem efeitos deletérios para o seu desenvolvimento, na medida em que esta função tem demonstrado uma importância notável para aprendizagem, alfabetização e aquisição de conceitos matemáticos, podendo as dificuldades destas crianças nestes aspectos serem explicadas, em parte, por estes déficits iniciais na memória de trabalho.

De fato, em estudo recente, Will et al. (2016) avaliando domínios das FE e o seu papel nos resultados acadêmicos de crianças com SD, encontraram que aspectos da memória de

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