Departamento de Informática Luis da Costa Lima Apoio à Tomada de Decisão em Grupo na Área da Saúde Tese submetida à Universidade de Trás‐os‐Montes e Alto Douro para obtenção do grau de Doutor em Informática, elaborada sob a orientação do Professor Doutor Paulo Jorge Freitas de Oliveira Novais e do Professor Doutor José Afonso Moreno Bulas Cruz 2009
Para a Fernanda,
Para o Miguel,
Para a Filipa
Quero em primeiro lugar agradecer aos meus orientadores, Professor Doutor Paulo Jorge de Oliveira Novais e Professor Doutor José Afonso Moreno Bulas Cruz. A ambos agradeço a orientação científica e constante incentivo, sem o qual não teria conseguido levar esta tarefa a bom porto, e em especial ao Professor Paulo Novais, amigo de longa data, por nunca deixar esmorecer o entusiasmo neste projecto.
Um agradecimento muito especial ao amigo e colega Ricardo Costa, também membro do projecto VirtualECare e co‐autor de alguns dos meus trabalhos, pelas sugestões e contribuições.
A toda a equipa do VirtualECare, principalmente o Davide Carneiro e o Ângelo Costa.
A todos os colegas da ESTGF pelo seu continuado incentivo e interesse pelo andamento do trabalho.
Finalmente, à Fernanda, ao Miguel e à Filipa, pelas ausências que não podem nunca ser recuperadas.
Resumo
A decisão em grupo é um processo complexo, principalmente quando envolve problemas do mundo real multi‐critério, caracterizados por uma enorme subjectividade, e onde a informação necessária nunca está completa. Por outro lado, cada vez mais as decisões nas organizações são tomadas em grupo e o trabalho colaborativo, nomeadamente sob a forma de Organizações Virtuais suportadas por Redes Colaborativas, será a forma de obviar as limitações de tempo e espaço em vários sectores de actividade, nomeadamente na área dos cuidados de saúde.
A Tese que pretendemos defender é que num contexto de tomada de decisão multi‐critério em grupo, a percepção, pelos agentes de decisão, da qualidade de informação melhora o processo de tomada de decisão.
Neste contexto foram abordados os problemas associados à tomada de decisão em grupo e foi proposto um metamodelo para o processo de decisão adequado a interacções assíncronas entre os seus participantes, em localizações dispersas. Foi também proposta uma forma de representação do conhecimento para problemas do mundo real, caracterizados por diferentes tipos de informação imperfeita, adequada ao cálculo da medida da qualidade da informação e foi definido um método de cálculo para essa métrica. Pretende‐se assegurar o controlo e a avaliação da qualidade de toda a informação que flui numa Rede Colaborativa e em especial no componente de suporte à decisão em grupo. Foi ainda proposta uma representação gráfica num hiperespaço da qualidade de informação, representação essa que pode assumir diferentes perspectivas conforme o destinatário a quem se dirige.
Foi também definida a estrutura lógica, física e funcional de um Sistema de Apoio à Decisão em Grupo, com aplicação no projecto VirtualECare. Com base nessa especificação foi desenvolvido um protótipo que permitiu a realização de várias experiências, as quais permitiram tirar algumas conclusões sobre o trabalho desenvolvido e apontar caminhos futuros. A aplicação a um exemplo prático simulado
Abstract
Group decision is a complex problem, chiefly for real world multi‐attribute problems, where always exist a great deal of subjectivity, and the necessary information is never complete. On the other hand, more and more decisions in organizations are a group process. Collaborative work, namely in the so called Virtual Organizations supported by Collaborative Networks, will be the path to overcome the time and space limitations in many sectors, namely in healthcare organizations.
The Hypotheses we indorse here states that in a context of multi‐attribute group decision making, the perception by the decision makers of the quality of information improves the decision making process.
In this background we studied the problems related to group decision making and a metamodel was proposed for these processes, suitable for asynchronous interactions between far‐flung participants. A knowledge representation for real world problems, embodying different kinds of imperfect information, was also suggested. This representation is adequate for the evaluation of quality of information. A evaluation method was proposed using this kind of representation. We aim to assure the control and quality evaluation of all the information flowing in a Collaborative Network, and above all in the group decision support component. A graphical visualization matching the quality of information evaluation was another proposal, assuming different perspectives in accordance with the needs of the several participants.
It was also defined the logical, physical and functional structure of a Group Decision Support System, applied to the VirtualECare project.
Based on this specification a prototype was developed. The prototype has been used in several experiments, leading to some conclusions and to the provision of future work.
Índice
Índice ... XI Lista de Figuras ... XV Lista de Tabelas ... XVII Lista de Programas ... XIX Lista de Exemplos ... XXI Lista de Abreviaturas ... XXIII 1. Introdução ... 1 1.1 Motivação ... 2 1.1.1 Conhecimento na tomada de decisões ... 2 1.1.2 Decisão em grupo ... 4 1.1.3 eSaúde... 6 1.1.3 Inteligência Artificial ... 9 1.2 Tema e Objectivos... 11 1.3 Metodologia de Investigação ... 14 1.4 Estrutura da Tese ... 16 2. Representação do Conhecimento ... 19 2.1 Introdução ... 20 2.2 Conhecimento, representação e raciocínio ... 23 2.2.1 Conhecimento ... 23 2.2.2 Representação ... 25 2.2.3 Raciocínio ... 28 2.2.4 Gestão do conhecimento ... 30 2.3 Sistemas Inteligentes Baseados em Conhecimento ... 33 2.3.1 Metáfora Computacional ... 35 2.3.2 Metáfora Conexionista ... 37 2.3.3 Metáfora Biológica... 38 2.3.4 Sistemas Periciais ... 39 2.4 Informação Imperfeita ... 41 2.5 Representação quantitativa de informação imperfeita ... 48 2.5.1 Teoria das Probabilidades ... 49 2.5.2 Factores de Certeza ... 50
2.5.5 Conjuntos vagos ... 56 2.5.6 Lógica probabilística ... 57 2.6 Programação em lógica ... 59 2.7 Extensão à Programação em Lógica ... 64 2.8 Reflexão Crítica ... 67 3 Tomada de Decisão Multi‐critério ... 71 3.1 Introdução ... 72 3.2 Modelo, metamodelo de processo e metodologia ... 74 3.2.1 Modelo de Processo ... 74 3.2.2 Metamodelo de processo ... 76 3.2.3 Metodologia ... 79 3.3 Modelos do processo de decisão ... 82 3.3.1 Modelo racional clássico vs. Modelo da racionalidade limitada ... 82 3.3.2 Modelo Circumplexo de McGrath ... 89 3.4 Taxonomia de decisão multi‐critério ... 93 3.5 Métodos de apoio à decisão multi‐critério ... 100 3.5.1 Método Analítico Hierárquico ... 101 3.5.2 Técnica de Grupo Nominal ... 105 3.5.3 Método Delphi ... 106 3.6 Reflexão Crítica ... 108 4 Sistemas de Apoio à Decisão em Grupo ... 113 4.1 Introdução ... 114 4.2 Redes Colaborativas e Organizações Virtuais ... 115 4.3 Origem dos Sistemas de Apoio à Decisão em Grupo ... 121 4.4 Taxonomias dos Sistemas de Apoio à Decisão ... 127 4.5 Exemplos de Sistemas de Apoio à Decisão em Grupo ... 132 4.6 Sistemas de Apoio à Decisão na Saúde ... 133 4.7 Guias Clínicos ... 136 4.8 Reflexão Crítica ... 140 5 Metodologia de Avaliação da Qualidade da Informação ... 143 5.1 Introdução ... 144
5.2 Qualidade da Informação ... 145 5.3 Representação de Informação Imperfeita ... 152 5.4 Método de Avaliação ... 156 5.4.1 Dos Actores ... 160 5.4.2 Dos Fluxos de Informação ... 166 5.4.3 Do Sistema ... 174 5.5 Reflexão Crítica ... 175 6 Modelo do Processo de Tomada de Decisão ... 177 6.1 Introdução ... 178 6.2 Modelo de Processo Faseado ... 179 6.3 Metamodelo de Processo ... 185 6.4 Reflexão Crítica ... 193 7 Estudo de Caso ... 195 7.1 Introdução ... 196 7.2 O Projecto VirtualECare ... 197 7.3 SADG do VirtualECare ... 200 7.4 Aplicação a Guias Clínicos ... 207 7.5 Reflexão Crítica ... 223 8 Conclusões ... 227 8.1 Síntese e Contribuições da tese ... 228 8.2 Trabalhos Relevantes Realizados ... 231 8.3 Sugestões para Trabalho Futuro ... 234 Bibliografia ... 237 Anexo ... 257 A. Research Overview ... 257 A.1 Introduction ... 257 A.2 Knowledge Representation ... 258 A.3 Group Decision Support Systems ... 262 A.3.1 Idea Generation and Argumentation in the Group Decision Module ... 267 A.3.2 Meeting phases ... 268 A.5 Quality of Information ... 269 A.5 Process Model ... 273 A.6 Conclusion ... 276
Lista de Figuras
Figura 1.3 –Modelo de pesquisa na metodologia I‐A ... 16 Figura 2.1 – Modelo Gestão do Conhecimento / Memória Organizacional / Aprendizagem Organizacional de Jennex ... 31 Figura 2.2 – O ciclo da Gestão do Conhecimento nos sistemas de saúde (Dwivedi, Bali et al. 2002) ... 32 Figura 3.1 – Metamodelo de processo de decisão (adaptado de Potts) ... 77 Figura 3.2 – Metamodelo Domino (adaptado de (Isern and Moreno 2008)) ... 78 Figura 3.3 – As três dimensões críticas num trabalho em grupo ... 79 Figura 3.4 – Relação entre métodos, técnicas e ferramentas ... 80 Figura 3.5 ‐ Modelo do processo de decisão ... 85 Figura 3.6 ‐ Modelo circumplexo de McGrath ... 90 Figura 3.7 – Taxonomia de métodos para a TDMA ... 98 Figura 3.8 – Decomposição hierárquica do problema ... 102 Figura 3.9 – matriz com ponderações dos critérios de decisão ... 103 Figura 3.10 – pesos dos critérios de decisão ... 103 Figura 3.11 – Ponderação das alternativas, duas em duas, em relação ao critério estética. ... 104 Figura 3.12 – Decomposição hierárquica do problema, com pontuações ... 104 Figura 3.13 – Pontuação final de cada alternativa ... 105 Figura 4.1 – Evolução dos Sistemas de Apoio à Decisão ... 125 Figura 5.1 – Medida da qualidade da informação para um programa em lógica ... 160 Figura 5.2 – Medida da qualidade de informação acerca do participante luis ... 165 Figura 5.3 ‐ Medida da qualidade de informação acerca do participante ricardo ... 165 Figura 5.4 ‐ Qualidade da informação dos parâmetros ambientais do quarto do utente ... 169 Figura 5.5 – Qualidade da informação dos sinais vitais do utente ... 171 Figura 5.6 ‐ Qualidade da informação dos sinais vitais do utente ... 173 Figura 5.7 ‐ Qualidade do sistema ... 174 Figura 6.1 – Modelo de processo faseado ... 181 Figura 6.2 ‐ Forum (Argumentação e Votação) ... 183 Figura 6.3 – Avaliação da qualidade de informação no processo de decisão ... 186 Figura 6.4 – Predominância de trabalho (a) em paralelo ou (b) sequencial ... 188Figura 7.1 ‐ VirtualECare ... 198 Figura 7.2 ‐ Arquitectura de alto nível do SADG do VirtualECare ... 200 Figura 7.3 – Vista Use Case do SADG do VirtualECare ... 202 Figura 7.4 – Arquitectura física do SADG do VirtualECare ... 204 Figura 7.5 – Diagrama de arquitectura UML do SADG ... 205 Figura 7.6 – Exemplo de uma mensagem XML trocada entre WS ... 206 Figura 7.7 – GC de tratamento de exacerbações em DPOC ... 209 Figura 7.8 – Estruturação do problema da escolha do local de tratamento segundo o método MAH ... 211 Figura 7.9 – Ponderações entre os pares de critérios ... 211 Figura 7.10 – Ponderação das alternativas de decisão para o critério c1, do Exemplo 7.1. ... 216 Figura 7.11 – Valores locais para as duas alternativas de local de tratamento, casa ou hospital, do Exemplo 7.1 ... 217 Figura 7.12 – QoI para o Programa 7.1 ... 218 Figura 7.13 – Valores locais para as duas alternativas de local de tratamento, casa ou hospital (primeiro instante do Exemplo 7.2) ... 218 Figura 7.14 – QoI para o Programa 7.2 ... 220 Figura 7.15 – Valores locais para as duas alternativas de local de tratamento, casa ou hospital (segundo instante do Exemplo 7.2) ... 221 Figura 7.16 – QoI para o Programa 7.3 ... 223 Figure A.1. The System Architecture, VirtualECare. ... 265 Figure A.2‐ Top‐level architecture of VirtualECare GDSS ... 265 Figure A.3 – Use Case view of VirtualECare GDSS ... 267 Figure A.4. Forum (Argumentation and Voting) ... 268 Figure A.5. A measure of the quality of information for a logic program or theory P 271 Figure A.6. A measure of quality of information about participant luis ... 272 Figure A.7 – Staged decision process model ... 273 Figure A.8 – In‐meeting stage: design and choice phases separated by quality evaluation ... 274 Figure A.9 – In‐meeting stage with several iterations ... 275
Lista de Tabelas
Tabela 4.1 – Contextos para tomada de decisão em grupo ... 130 Tabela 4.2 – Exemplos de SADG ... 133 Tabela 5.1 – Dimensões dos itens de conhecimento Rao e Osei‐Bryson (fragmento) ... 150 Tabela 5.2 – Operadores temporais na avaliação da qualidade em Guias Clínicos ... 151 Tabela 7.1 – Factores a considerar na escolha do local para a intervenção terapêutica ... 210 Tabela 7.2 – Peso de cada factor a considerar na escolha do local para a intervenção terapêutica ... 212 Tabela 7.3 – Correspondência entre termos médicos e GC ... 215 Tabela 7.4 – Qualidade da informação para o Programa 7.2 ... 220 Tabela 7.5 – Qualidade da informação para o Programa 7.3 ... 222Lista de Programas
Programa 2.1 – Conhecimento sobre aves ... 63 Programa 2.2 ... 66 Programa 5.1 – Extensão do predicado que representa a credibilidade de um participante ... 154 Programa 5.2 – Credibilidade do participante ricardo, de valor desconhecido ... 154 Programa 5.3 – Representação da credibilidade dos participantes carlos e paulo ... 155 Programa 5.4 – Extensão ao meta‐predicado demo ... 156 Programa 5.5 – Programa lógico com três critérios de qualidade de um grupo com três elementos ... 164 Programa 5.6 – Representação do conhecimento acerca do ambiente do utente ... 167 Programa 5.7 – Representação do conhecimento acerca dos sinais vitais do utente170 Programa 5.8 – Conhecimento actualizado acerca dos sinais vitais do utente ... 172 Programa 7.1 – Programa lógico com dezasseis critérios de decisão de apoio a GC DPOC, com informação completa (fragmento), para o Exemplo 7.1 ... 216 Programa 7.2 – Programa lógico com dezasseis critérios de decisão de apoio a GC DPOC, com informação incompleta – primeiro instante do Exemplo 7.2 ... 219 Programa 7.3 – Programa lógico com dezasseis critérios de decisão de apoio a GC DPOC, com informação incompleta – segundo instante do Exemplo 7.2 ... 221 Program A.1. Extension of the predicate that describes the credibility of a participant ... 260 Program A.2. Credibility about participant ricardo, with an unknown value ... 261 Program A.3. Representation of the credibility of the participants carlos and paulo 262 Program A.4. Extension of meta‐predicate demo ... 262 Program A.5. Example of universe of discourse ... 272 Program A.6. Measuring the global quality ... 273Lista de Exemplos
Exemplo 5.1 – Características dos participantes num grupo de decisão ... 153 Exemplo 5.2 – Características dos participantes num grupo de decisão ... 163 Exemplo 5.3 – Alguns parâmetros ambientais da casa do utente ... 167 Exemplo 5.4 – Alguns parâmetros clínicos do utente ... 170 Exemplo 7.1 – Doente com DPOC acompanhada ... 213 Exemplo 7.2 – Doente com DPOC não acompanhada ... 214 Example A.1 – Properties of group participants ... 260Lista de Abreviaturas
AHP Analytical Hierarchy Process AO Aprendizagem Organizacional AS Arden Syntax CDI Crenças‐Desejos‐Intenções DPOC Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica EHR Electronic Health Record FIPA Foundation for Intelligent Physical Agents FIPA‐ACL FIPA Agent Communication Language GC Guia Clínico GCS Glasgow Coma Scale GLIF Guideline Interchange Format HTTP Hypertext Transfer Protocol HTTP Hypertext Transfer Protocol Secure I‐A Investigação‐Acção IA Inteligência Artificial MAH Método Analítico Hierárquico MADM Método de Apoio à Decisão Multi‐critério MLM Medical Logic Modules MO Memória Organizacional NGC National Guideline Clearinghouse NGT Nominal Group Technique OLAP Online Analytical Processing OMS Organização Mundial de Saúde OV Organizações Virtuais PCE Processo Clínico Electrónico PMF Pressuposto do Mundo Fechado QoI Qualidade da Informação (Quality of Information)RM Raciocínio Monótono RNM Raciocínio Não Monótono SAD Sistema de Apoio à Decisão SADbGC Sistema de Apoio à Decisão baseado em Guias Clínicos SADS Sistemas de Apoio à Decisão na Saúde SADG Sistema de Apoio à Decisão em Grupo SI Sistema de Informação SMA Sistemas Multi‐Agente SOA Service‐Oriented Architecture SP Sistema Pericial TDMA Tomada de Decisão Multi‐atributo TDMC Tomada de Decisão Multi‐critério TDMO Tomada de Decisão Multi‐objectivo TDS Teoria de Dempster‐Shafer TGN Técnica de Grupo Nominal TIC Tecnologias da Informação e Comunicação WS Web Services XML Extensible Markup Language
Capítulo
1. Introdução
True knowledge exists in knowing that you know nothing. And in knowing that you know nothing, that makes you the smartest of all. Socrates 1.1 Motivação 1.1.1 Conhecimento na tomada de decisões
Simon Haykin (2009) apresenta uma definição genérica para o termo “conhecimento”, que faz ressaltar a preocupação sobre qual a informação que deve ser tornada explícita e como deve ser fisicamente representada para potenciar o seu uso futuro:
“Knowledge refers to stored information or models used by a person or machine to interpret, predict, and appropriately respond to the outside world.” [pág. 24]
A omnipresença de incompletude na informação é uma realidade na maioria dos processos de tomada de decisão, os quais são, para além disso, realizados em presença de informação imprecisa e incerta. Muitos sistemas de informação pura e simplesmente ignoram esta característica da informação acerca do mundo real e baseiam‐se em modelos idealistas de onde está arredada qualquer incerteza (Parsons 1996).
O mundo é infinitamente complexo e o nosso conhecimento do mundo é finito, portanto, sempre imperfeito. Qualquer Sistema de Informação (SI), principalmente os que incorporam conhecimento do senso comum, deverá ser capaz de representar e
manipular informação imperfeita. Os Sistemas de Apoio à Decisão em Grupo (SADG) enquadram‐se nessa categoria de sistemas e são objecto de estudo nesta tese. Em particular, o SADG do VirtualECare, projecto em que o autor participou (Lima, Costa et al. 2008) (Lima, Novais et al. 2009), é um exemplo desse tipo de sistemas.
Sendo a informação sempre incompleta, pelo menos nos sistemas que nos interessam para esta tese, é impossível representar todo o universo do discurso. Por esse motivo, não é possível assumir o Pressuposto do Mundo Fechado (PMF), com implicações na escolha da forma de representação de conhecimento/informação e na escolha dos mecanismos de inferência, como se verá no Capítulo 2.
Ao longo de um processo de tomada de decisões, principalmente no contexto que é referido nesta tese, é constantemente incorporada nova informação. Essa nova informação pode dar origem a conhecimento que torne necessário a alteração de decisões anteriores ou, pelo menos, que leve à alteração da ordem de preferências das alternativas em análise. Foi assim seleccionada uma abordagem, para o desenvolvimento do Sistema de Conhecimento de SADG, que permita mecanismos de raciocínio não monótono.
O processo de tomada de decisão em grupo é caracterizado, entre outros aspectos, por um maior grau de criatividade, quando comparado com processos individuais. Muitos dos processos de decisão são também realizados através de interacções assíncronas. Temos assim um cenário em que muitas alternativas para uma dada decisão são geradas de forma pragmática, com base em juízos perceptivos dos elementos de um grupo. Isso levou‐nos à necessidade de incorporar mecanismos de raciocínio abdutivos, em que a validade da alternativa é feita posteriormente, procurando nexos de causalidade.
O SADG do VirtualECare, usado como caso de estudo nesta tese, é caracterizado por suportar a representação de informação imperfeita (incerteza, incompletude, inexactidão e incoerência), não assumir o Pressuposto de Mundo Fechado e incorporar mecanismos de raciocínio não monótono e abdutivo.
No âmbito do desenvolvimento desta tese, foram estudadas diversas abordagens para o desenvolvimento de Sistemas de Conhecimento dos SADG, enquadradas em dois grandes grupos: abordagens quantitativas e abordagens qualitativas. Praticamente todas as do primeira grupo incorporam ou a Teoria da Probabilidades ou os conjuntos vagos (fuzzy sets). Um aspecto comum a essas abordagens é a dificuldade na definição dos valores que estão na base de cada um dos métodos, associada ainda a custos computacionais elevados. São também abordagens caracterizadas por uma maior dificuldade em enfrentar o problema da informação incompleta, mais ainda o da ignorância (ausência de informação).
No segundo grupo apresentamos abordagens qualitativas baseadas em lógica e alterações à lógica clássica que permitam o raciocínio não monótono e a libertação do espartilho do PMF. De entre as duas vias tradicionais ‐ introdução de novos operadores ou introdução de novas regras de inferência – seguimos a segunda alternativa. Propomos, assim, uma representação simbólica de conhecimento, suportada por uma extensão à programação em lógica.
1.1.2 Decisão em grupo
O resultado da interacção num grupo de trabalho depende de três elementos contextuais principais: o grupo, as tarefas e a tecnologia de suporte (Benbunan‐Fich 1997).
A tecnologia engloba os meios de suporte à interacção, que terá de ser adequada aos diferentes modos em que esta pode ocorrer. A tecnologia necessária para suportar o trabalho em grupo depende dos padrões característicos das reuniões do grupo no espaço e no tempo. No espaço, a maior ou menor dispersão do grupo é o factor principal. As reuniões podem ocorrer com todos no mesmo local (numa sala de decisão), ou os participantes podem estar geograficamente afastados. Os padrões
temporais referem‐se à distinção clássica entre reuniões síncronas (os participantes reúnem ao mesmo tempo) ou assíncronas (interacção não simultânea). Estas categorias não são mutuamente exclusivas, podendo ocorrer situações mistas.
Como se verá mais adiante, não há um padrão característico ideal para a forma de interacção em grupos, principalmente em tarefas de tomada de decisão (Benbunan‐Fich, Hiltz et al. 2003). Em muitas situações, a interacção assíncrona entre elementos geograficamente distantes conduz a excelentes resultados (Majchrzak, Malhotra et al. 2004).
O contexto que motivou o trabalho desta tese é essencialmente caracterizado por uma dispersão geográfica dos participantes e por uma interacção assíncrona, podendo estas características ocorrer ao mesmo tempo.
O grupo, como factor de contexto, representa os atributos próprios e as questões associadas ao processo de trabalho. Os atributos do grupo incluem o seu tamanho, a sua composição e homogeneidade, histórico comum, alinhamento de objectivos e a motivação dos participantes. Quanto ao processo, as principais variáveis incluem o anonimato, grau de estruturação ou hierarquização do grupo, liderança, conflitualidade e facilidade de intercomunicação.
Numa perspectiva sistémica, podemos dizer que um grupo é um sistema complexo que funciona a um nível acima da mera agregação das competências e características individuais dos seus membros. Como também se verá adiante, não se pode afirmar de modo categórico, em absoluto, que o processo de decisão em grupo conduz a melhores resultados que uma decisão individual, sendo certo que num grupo as capacidades e competências individuais podem ser pouco homogéneas.
No contexto do VirtualECare, propomos um modelo de processo de tomada de decisão em grupo, que inclui o apoio de um facilitador para coordenar o processo. Este modelo é baseado no Modelo da Racionalidade Limitada de Simon, modificado para decisão em grupo.
Quanto às tarefas, usamos a taxonomia do Modelo Circumplexo de McGrath para sistematizar e classificar os tipos de tarefas que podem ocorrer na interacção de um grupo. As quatro grandes categorias desta taxonomia, assim como os respectivos tipos de tarefas, estão relacionados entre si num espaço bidimensional em quadrantes mutuamente exclusivos, como melhor se apresenta em capítulo posterior, e são: gerar (ideias ou planos), escolher (a resposta correcta ou a solução preferida), negociar (perspectivas diferentes ou interesses opostos) e executar.
Para o projecto VirtualECare (Costa, Carneiro et al. 2008), e projectos com as mesmas características, atendendo ao contexto de incerteza na tomada de decisões e aos atributos característicos dos participantes, propomos uma adaptação do modelo de McGrath. Essa adaptação passa pela inclusão de uma dimensão de incerteza e pela sobreposição dos quadrantes “gerar” e “escolher”. De facto, em situações complexas um grupo vai (re)gerando várias alternativas, analisa‐as e chega a uma decisão, por consenso ou não.
Finalmente, devido ao contexto e à motivação para a realização desta tese, interessa‐nos apenas a área de aplicação da tomada de decisão multi‐atributo, com suporte para grupos com interacções síncronas ou assíncronas. É um contexto em que os objectivos, as restrições e as consequências das acções alternativas não são completamente conhecidas. O conhecimento sobre os atributos que estão em jogo no processo de tomada de decisão é imperfeito, tornando‐se essencial a existência de uma medida da qualidade da informação.
1.1.3 eSaúde
O conceito de «saúde em linha» (eHealth) refere‐se às ferramentas baseadas nas Tecnologias da Informação e da Comunicação utilizadas no apoio e reforço da prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, assim como para controlar e gerir
questões relacionadas com a saúde e o estilo de vida. É um tópico abrangente que inclui a interacção e comunicação entre doentes e prestadores de cuidados de saúde, a transmissão de dados entre instituições, os registos electrónicos de saúde, os serviços de telemedicina, as redes de informação sobre saúde e os sistemas de comunicação para monitorizar e prestar assistência aos doentes.
O termo eSaúde já vinha a ser adoptado pela União Europeia e a preocupação com este tópico foi reforçada com a Decisão da Comissão de 15 de Março de 2006 (2006/215/EC), que instituiu um grupo de peritos de alto nível para aconselhar a Comissão Europeia sobre a execução e o desenvolvimento da estratégia i2010 ‐ “Uma sociedade da informação europeia para o crescimento e o emprego". Dentro desse "Grupo de Alto Nível i2010" foi criado o subgrupo para a eSaúde, em Abril de 2006, com o objectivo de aconselhar a Comissão no desenvolvimento das actividades planeadas neste âmbito até ao final de 2010, nomeadamente no desenvolvimento de um espaço europeu de serviços de saúde e de informação que permita, ao mesmo tempo, a mobilidade dos doentes e a contenção de custos.
A evolução da estrutura demográfica da maioria dos países da Europa aponta para uma cada vez menor percentagem de força de trabalho relacionada com Cuidados de Saúde Continuados e Apoio Social, comparativamente com o número crescente de idosos necessitados desses cuidados. Em Portugal a situação não é diferente da do resto da Europa, prevendo‐se um posicionamento preocupante de entre os países da EU a 25 para as próximas décadas (DESA 2001). Acresce a esta situação o factor negativo de as zonas onde incide uma maior percentagem de população idosa (interior rural) serem precisamente aquelas onde os serviços e recursos humanos assistenciais são mais escassos. Num recente relatório sobre o actual panorama dos cuidados continuados de saúde em Portugal conclui‐se:
“O isolamento dos idosos e a ocorrência de factores como o crescimento de formas de organização familiar atípicas, a emancipação laboral da mulher (que tradicionalmente cumpriu a função de cuidadora informal
familiar) e a diminuição verificada nas redes formais ou informais de solidariedade, cria novas formas de dependência que obrigam a encontrar novos tipos de organização dos cuidados de saúde e sociais.” (Gesaworld 2005)
Uma nova categoria de sistemas está a emergir, como resultado do esforço em encontrar uma resposta ao mesmo tempo eficaz e economicamente viável para o problema dos cuidados de saúde referidos anteriormente. Estes sistemas posicionam‐ se na intersecção da telemedicina, equipas virtuais de cuidados de saúde e Processos Clínicos Electrónicos (PCE) ‐ na terminologia anglo‐saxónica: Electronic Health Record1 ou EHR (Kristiina, Kaija et al. 2008).
Projectos como CAALYX (Boulos, Rocha et al. 2007) e VirtualECare (Costa, Novais et al. 2009) são exemplos deste novo tipo de sistemas. Propõe‐se, no âmbito deste último projecto, encontrar uma solução para o modelo do processo de tomada de decisões, através da utilização de um SADG que incorpore informação incompleta e conhecimento imperfeito, mas mesmo assim capaz de gerar decisões baseadas na avaliação da qualidade do conhecimento disponível e na qualidade das suas fontes. O projecto VirtualECare incorpora um sistema inteligente multi‐agente que tem como objectivo monitorar e interagir com os seus utilizadores, principalmente idosos e os seus familiares. Sistemas deste tipo serão usados no futuro para interligar instituições de saúde, instalações vocacionadas para a manutenção física e ocupação dos tempos livres e mesmo o comércio em geral através de uma rede comum. A arquitectura do VirtualECare é distribuída, com cada um dos seus nodos a poder representar um papel diferente, como por exemplo uma central de atendimento, um sistema de apoio à decisão em grupo ou um dispositivo de monitorização, entre
1 De acordo com a ISO/DTR 20514:2005, EHR significa um repositório de informação sobre um doente
em formato digital, armazenado e comunicado de forma segura, acessível a múltiplos utilizadores autorizados.
outros. O VirtualECare enquadra‐se no tipo de sistemas a que chamamos, em capítulo mais adiante, de Rede Colaborativa de Organizações.
1.1.3 Inteligência Artificial
No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Houaiss and Villar 2003) a inteligência é definida como:
“Inteligência: s.f. faculdade de conhecer, compreender e aprender (…)” [pág. 2114]
O comportamento racional, próprio do ser humano, está directamente relacionado com a inteligência. Mas a inteligência pode manifestar‐se sob diversas formas e em vários graus, não só nos humanos mas também nos animais e em certos artefactos, ou seja naquilo que nesta tese designamos por um agente. Um agente é algo que interage com o ambiente, executando acções com um dado objectivo. Pode ser um insecto, um termóstato, um automóvel, uma pessoa, uma organização ou a sociedade. O agente inteligente será aquele que manifesta algum tipo de inteligência: percebe o ambiente em que actua, aquilo que faz é apropriado aos seus objectivos, adapta‐se ao ambiente, é capaz de fazer as escolhas certas em tempo oportuno e aprende com a experiência (Russell and Norvig 2009).
Nesta tese adoptamos uma definição neutra do termo agente para nos referirmos a qualquer entidade que tem objectivos a cumprir e consegue aplicar o conhecimento que possuiu para atingir esses objectivos. Pode ser uma pessoa, um dispositivo dotado de inteligência artificial ou até uma entidade abstracta teórica.
A inteligência tem sido estudada no âmbito de diversas áreas científicas, nomeadamente a Filosofia, a Biologia e a Psicologia, entre muitas outras. Mais recentemente tem vindo a ser estudada no âmbito das Ciências da Computação e da Engenharia sob a designação de Inteligência Artificial (IA), expressão atribuída a John
McCarty que a terá usado pela primeira vez num workshop no Dartmouth College em 1956. Outros autores preferem o termo Inteligência Computacional2 (Poole, Mackworth et al. 1998) para enfatizar a diferença entre o objectivo – compreender o comportamento inteligente – e a metodologia: conceber, construir e experimentar sistemas computacionais capazes de realizar tarefas ditas inteligentes.
No mesmo dicionário Houaiss, inteligência artificial é definida como: “Ramo da informática que visa dotar os computadores da capacidade de simular certos aspectos da inteligência humana, tais como aprender com a experiência, inferir a partir de dados incompletos, tomar decisões em condições de incerteza e compreender a linguagem falada, entre outros.” [pág. 2114]
Luger (2005) define IA como sendo “… o ramo das ciências da computação que se preocupa com a automatização do comportamento inteligente.”[pág.24]. Ainda segundo o mesmo autor, e numa perspectiva da engenharia, a IA pode ser definida como o “… estudo da representação do conhecimento e da procura de soluções (mecanismos de raciocínio) que permitam realizar actividades inteligentes num dispositivo mecânico”. [pág. 35].
A IA está intimamente ligada à Epistemologia, mas não se limita ao estudo do conhecimento humano e da inteligência, estendendo‐se à construção de artefactos que se comportem como seres inteligentes. Mais do que reproduzir mecanismos de raciocínio ou mimetizar capacidades cognitivas do ser humano, ainda nem sequer totalmente compreendidos, a IA tenta desenvolver sistemas computacionais que sejam capazes de resolver problemas para os quais é necessária inteligência.
Muitas outras definições de IA poderiam ser apresentadas, convergindo estas para a presença de três conceitos.
2
Representação do conhecimento, que será sempre uma aproximação imperfeita da realidade observada, incorporando alguns aspectos e ignorando outros;
Raciocínio, enquanto capacidade de aplicar mecanismos de inferência, dedutivos, indutivos ou abdutivos para resolver problemas, num determinado espaço de procura de soluções;
Aprendizagem, como faculdade de aumentar o conhecimento decorrente da assimilação de informação obtida em experiências passadas.
Embora não se tenham concretizado as expectativas criadas pelo entusiasmo inicial dos anos sessenta do século passado, a IA tem vindo progressivamente a ocupar um papel relevante em praticamente todas as áreas de actividade, quer em áreas transversais onde seja necessário a representação do conhecimento e o raciocínio lógico, quer em aplicações específicas como a visão por computador ou o diagnóstico médico.
1.2 Tema e Objectivos
O principal objectivo que norteou este trabalho tem por base a validação das condições em que os sistemas inteligentes podem apoiar a tomada de decisão em grupo, nomeadamente na percepção que os agentes decisores têm, ou necessitam de ter, sobre a qualidade da informação presente no processo de decisão.
O projecto que motivou este trabalho – o VirtualECare – exemplifica os principais tipos de processos de decisão a que os resultados deste trabalho se aplicam: decisão multi‐participante e multi‐critério, com a intervenção assíncrona dos diferentes decisores.
É suportada nesta tese a hipótese de que, cada vez mais, as decisões nas organizações são tomadas em grupo e que o processo de decisão não pode estar condicionado pela realização de reuniões frente‐a‐frente. De facto, a realização de reuniões tradicionais frente‐a‐frente, no mesmo local e ao mesmo tempo, impõe limitações que condicionam o melhor resultado do processo e introduzem atrasos incomportáveis. A dificuldade de conjugação das agendas dos participantes e a impossibilidade de intervenção no processo de especialistas sediados em locais distantes são as limitações mais óbvias para a realização de reuniões frente‐a‐frente.
Tendo então como pressuposto a característica assíncrona do processo de tomada de decisão, consideraram‐se genericamente as Redes Colaborativas como sendo capazes de suportar um processo desse tipo. Essa característica assíncrona introduz ainda a necessidade de considerar o factor tempo, nomeadamente na disponibilização de uma Memória Organizacional do Processo de Decisão.
Para suportar este trabalho, foi efectuado um estudo sobre métodos e tecnologias de interesse para a investigação, começando pelo levantamento do estado da arte em diferentes áreas de interesse, nomeadamente em Redes Colaborativas, Sistemas de Apoio à Decisão em Grupo, Processos de Decisão Multi‐ critério, Representação do Conhecimento e Sistemas Inteligentes Baseados em Conhecimento.
Passou‐se de seguida ao estudo de uma arquitectura própria para um Sistema de Apoio à Decisão em Grupo e de um modelo de processo de decisão em grupo.
Sendo certo que em qualquer Sistema de Informação a garantia da qualidade da informação contida no sistema é um factor de importância inquestionável, a utilização de arquitecturas distribuídas aporta dificuldades acrescidas à sua avaliação, pelas múltiplas fontes de informação envolvidas neste tipo de (macro)sistemas e pela possível, e desejável, interligação entre sistemas heterogéneos.
Acresce ainda o facto de que, dadas as reuniões serem virtuais, não existe interacção pessoal entre os participantes. O cenário mais provável é aquele em que
vários dos agentes de decisão não se conhecem pessoalmente, ou até não se conhecem de todo. Este contexto aponta para a necessidade de o sistema proporcionar aos participantes não só uma medida sobre a qualidade da informação fornecida, mas também sobre os participantes e sobre as trocas de informação entre os agentes de decisão. Em suma, a hipótese assumida nesta tese é que: Num contexto de tomada de decisão multi‐critério em grupo, a percepção, pelos agentes de decisão, da qualidade de informação melhora o processo de tomada de decisão. Nesse sentido, foi estabelecido um conjunto de objectivos mais específicos: Definição de um método de avaliação que permita obter uma medida da
qualidade de informação usando apenas a informação contida no sistema, ou seja, que não exija a disponibilização de informação / conhecimento adicionais, externos ao sistema, para o cálculo das métricas;
Incorporação de informação imperfeita no sistema, nomeadamente informação inexacta, incerta, incompleta e não coerente;
Representação explícita da ignorância sobre o mundo real no sistema de apoio à decisão, para que a tomada de decisão possa ter em conta aquilo que se conhece, mas também o que se sabe que não é conhecido; Definição e apresentação da arquitectura de um Sistema de Apoio à
Decisão em Grupo adequado a um ambiente assíncrono de decisão; Definição de um modelo de processo de tomada de decisão em grupo
que inclua a avaliação da qualidade de informação.
Do ponto de vista científico, pretende‐se com este projecto contribuir para a compreensão da utilização de metodologias de tomada de decisão em grupo, de forma a melhorar a capacidade de desenvolvimento de sistemas como os referidos acima.
A arquitectura proposta para este tipo de sistemas e o contexto em que são utilizados realça a importância da avaliação da qualidade da informação e a sua integração no próprio modelo de processo de tomada de decisão.
1.3 Metodologia de Investigação
Os métodos de investigação mais usuais na área dos Sistemas de Apoio à Decisão em Grupo passam pelos estudos em laboratório, estudos de caso e estudos empíricos (Gray and Nunamaker 1993). Enquanto a maioria dos trabalhos de investigação publicada sobre SAD entre 1990 e 2004 corresponde a estudos empíricos (Arnott and Pervan 2005), a tendência actual é uma abordagem não empírica baseada nos conceitos da Design Science (Arnott and Pervan 2008) (Hevner, March et al. 2004).
No processo de investigação deste trabalho de doutoramento foi seguida a metodologia de Investigação‐Acção (I‐A) (Lewin 1946). Esta metodologia permite estudar processos e fenómenos que não ocorreriam sem a intervenção do investigador, ou que ocorrem de forma diferente pela acção decorrente da própria investigação.
A I‐A permite associar a teoria à prática e tem sido usada com sucesso em diversos domínios de investigação científica aplicada, nomeadamente na Educação, Psicologia e Saúde (Masters 1995). Na área dos Sistemas de Informação, a abordagem I‐A deu origem a diversos métodos específicos de desenvolvimento de Sistemas de
Informação (Baskerville 1999), dos quais destacamos o ETHICS (Mumford 1995) e o Multiview (Avison, Wood‐Harper et al. 1998).
Um aspecto importante da I‐A é o de que decorre normalmente inserido num contexto real, transformando‐se muitas vezes os utilizadores do sistema em co‐ investigadores.
Uma forma possível de concretização da I‐A é através da prototipagem (Baskerville 1999), o que nos permitirá ultrapassar alguns dos problemas associados a uma validação empírica de resultados.
Ao contrário de outras metodologias em que existem duas fases perfeitamente distintas e sequenciais – primeiro a investigação e depois a aplicação dos seus resultados – a I‐A desenvolve‐se num processo em espiral, com ciclos sucessivos, na procura de uma solução para um problema em concreto, onde novos resultados surgem durante a própria aplicação. Em cada ciclo são identificados quatro quadrantes: diagnóstico, planeamento de acções, execução das acções e aprendizagem com a prática.
Seguindo então o enquadramento dado pela metodologia I‐A, o trabalho de investigação do qual resultou esta tese seguiu um modelo proposto por Nunamaker e Chen (1990), esquematizado na Figura 1.3.
Figura 1.3 –Modelo de pesquisa na metodologia I‐A
Foi assim construído um protótipo do sistema, primeiro para efectuar a validação em laboratório e, no futuro, para testar o sistema num ambiente mais próximo da realidade. Usando a metodologia I‐A, o protótipo foi utilizado para testar hipóteses e desenvolver novos conceitos. Por outro lado, observando a utilização do protótipo em laboratório, em condições controladas, foi possível refinar conceitos e melhorar o próprio protótipo.
1.4 Estrutura da Tese
Nesta secção é apresentada a estrutura da tese, com um resumo de cada capítulo. A tese é composta por oito capítulos e um anexo, sendo o primeiro capítulo introdutório, nele se descrevendo as motivações que estiveram na origem deste trabalho, a hipótese e objectivos e a metodologia de investigação seguida. No final de cada capítulo é apresentada uma reflexão crítica, onde se tenta resumir o que foi apresentado e a relevância para a tese, nomeadamente para as opções tomadas e para o suporte às propostas efectuadas ao longo do trabalho.
O Capítulo 2, Representação do Conhecimento, além da definição de alguma terminologia e conceitos básicos sobre Sistemas Inteligentes, define o que consideramos ser Informação Imperfeita. Depois são analisadas técnicas quantitativas e qualitativas de representação de conhecimento, no sentido de ser seleccionada uma alternativa capaz de lidar com os aspectos da informação imperfeita.
No Capítulo 3, Tomada de Decisão Multi‐critério, começa‐se por caracterizar o tipo de problemas multi‐critério e apresentar modelos de processo de decisão com interesse para a tomada de decisão em grupo, para esse tipo de problemas. Apresentam‐se depois técnicas de geração de ideias e métodos analíticos, como exemplos de suporte à decisão em grupo.
O Capítulo 4, Sistemas de Apoio à Decisão em Grupo, contempla uma introdução às Redes Colaborativas e Organizações Virtuais e uma análise da evolução e características dos Sistemas de Apoio à Decisão em Grupo. É dada especial atenção aos Sistemas de Apoio à Decisão na Saúde.
No Capítulo 5, Metodologia de Avaliação da Qualidade de Informação, propõe‐ se uma forma de representação de conhecimento baseada numa extensão à Programação em Lógica e desenvolve‐se, sobre essa representação, o método de cálculo da Qualidade da Informação. Propõe‐se ainda uma representação gráfica para essa métrica.
No Capítulo 6, Modelo do Processo de Decisão, começa‐se por apresentar uma proposta concreta de processo decisório, faseada e iterativa, adequada à resolução de problemas multi‐critério em grupo, incluindo geração de ideias e argumentação. Passa‐se depois para um nível de abstracção superior, definindo um metamodelo de processo de decisão em grupo, incorporando a avaliação da Qualidade da Informação.
O Capítulo 7, Estudo de Caso, contempla a apresentação da especificação do Sistema de Apoio à Decisão do VirtualECare e a aplicação dos novos conceitos
propostos até aqui num exemplo prático baseado num Guia Clínico de uma doença crónica.
Finalmente, no Capítulo 8, são apresentadas as conclusões do trabalho realizado assim como as principais contribuições e trabalhos apresentados durante a realização desta tese. São ainda apresentadas algumas perspectivas de trabalho futuro, tomando como ponto de partida o trabalho realizado.
No Anexo é apresentado um resumo alargado em inglês desta tese, para permitir uma maior visibilidade da mesma.
Ao longo do texto são utilizados vários termos estrangeiros que não foram traduzidos para a língua portuguesa pelo facto de serem termos amplamente difundidos e utilizados na comunidade científica nacional ou ainda por não existir uma tradução consensualmente aceite. Nos casos em que foi decidida uma tradução de termos menos comuns, apresenta‐se simultaneamente o termo na língua original.
Finalmente, o formato das referências bibliográficas segue as recomendações da Norma Portuguesa NP 405 (IPQ 1994).
Capítulo
2. Representação do Conhecimento
As far as the laws of mathematics refer to reality, they are not certain; and as far as they are certain, they do not refer to reality. Albert Einstein 2.1 Introdução
Neste capítulo abordamos essencialmente as questões relacionadas com a representação do conhecimento, particularmente a representação do conhecimento obtido a partir de informação imperfeita.
Um aspecto importante acerca dos tipos de representação do conhecimento, tem a ver com o facto de que qualquer mecanismo de raciocínio, de um ponto de vista puramente mecanicista, é um processo computacional. Logo, as questões sobre eficiência computacional são fulcrais a qualquer tipo de representação. Diversas abordagens podem ser utilizadas, desde as puramente estruturais, que passam por incluir estruturas adicionais na representação, que aumentem a eficiência computacional, até às que privilegiam os aspectos heurísticos do raciocínio, em detrimento dos aspectos epistemológicos.
No contexto da Inteligência Artificial, quando o conhecimento sobre um domínio é representado com um formalismo declarativo, o conjunto de objectos que pode ser representado designa‐se por universo do discurso. Este conjunto de objectos, juntamente com os relacionamentos que é possível descrever entre eles, são representados através de um vocabulário com o qual um programa representa o conhecimento num domínio específico. A este vocabulário é associado um conjunto de definições, que associam o nome das entidades no universo do discurso com o significado desses nomes, e axiomas que restringem a interpretação dos termos e garante a coerência do seu uso.
Vários formalismos de representação do conhecimento têm sido propostos. De entre estes, os que estão mais vocacionados para o desenvolvimento de Sistemas Baseados em Conhecimento (Luger 2005) são os indicados a seguir: Tripletos (Objecto, Atributo, Valor) e Listas de Propriedades; Relações de Classificação e Pertença (IS‐A e IS‐PART); Redes Semânticas; Enquadramentos (Frames); Guiões (Scripts); Regras; Lógica.
Ao nível dos formalismos de representação do conhecimento mais comuns, como a lógica, frames e regras, há compromissos ontológicos inevitáveis. A lógica, como ferramenta computacional, permite a formalização de modelos associados aos processos de representação do conhecimento e implica um compromisso, à partida, em visualizar o mundo através de entidades individuais e relacionamentos entre elas. Os sistemas baseados em regras representam o mundo em termos de triplos (atributo, objecto, valor) e de regras de inferência plausíveis que os interliguem.
Já os sistemas baseados em frames (Minsky 1974; Nebel 2001) usam o conceito de frame, ou classe, para representar colecções de instâncias: os conceitos da ontologia (Stevens, Goble et al. 2001). Uma frame é uma colecção de atributos (slots) e respectivos valores associados que descreve uma entidade do mundo real. Os sistemas baseados em frames permitem implementar mecanismos de raciocínio eficazes. À luz da teoria dos conjuntos, o conceito de frame é facilmente entendido: cada frame representa uma classe (conjunto) ou uma instância (um elemento de uma classe). O valor de um atributo pode também ser outra frame. As frames permitem representar taxonomias, incorporando o conceito de hierarquia de classes e herança
de atributos. Os sistemas baseados em frames são usados para a representação do conhecimento, especialmente em aplicações de processamento de linguagem natural.
As frames também podem ser entendidas como extensões às redes semânticas (Sowa 1992). A ideia por detrás das redes semânticas é a de que o significado de um conceito deriva do seu relacionamento com outros conceitos, sendo a informação representada através de adjacências que interligam vértices. Os vértices representam objectos ou conceitos e as adjacências representam os relacionamentos entre esses objectos. As adjacências são dirigidas, sendo portanto a rede um grafo dirigido. As redes semânticas foram inicialmente usadas na Filosofia, Psicologia e na Linguística, sendo as primeiras implementações em computador usadas em aplicações de inteligência artificial e na tradução automática.
Finalmente, as representações do conhecimento são também um meio de comunicação. É através da representação que exprimimos e comunicamos à máquina (e eventualmente a outras pessoas) o conhecimento sobre o mundo real. É um aspecto eventualmente menos estudado mas cuja importância não pode ser menorizada: se a representação não tiver poder expressivo, não for suficientemente geral, não permitir uma comunicação ao mesmo tempo exacta e fácil, poderá pôr em causa todo o sistema. O aspecto principal, no que respeita à representação enquanto meio de comunicação, é a sua facilidade de utilização.
Este capítulo está organizado da seguinte forma: começa‐se por apresentar os conceitos de conhecimento, representação e raciocínio, realçando‐se a possível influência que o tipo de representação escolhida pode ter nos mecanismos de raciocínio, assim como as actividades relacionadas com a gestão do conhecimento e o seu impacto numa organização. De seguida são sumariamente caracterizados os sistemas inteligentes baseados em conhecimento, identificando as diversas abordagens seguidas para a construção de uma máquina inteligente. Os principais paradigmas da Inteligência Artificial são ilustrados através das metáforas subjacentes
a essas abordagens: metáfora computacional, metáfora conexionista e metáfora biológica. A seguir são identificadas as principais técnicas de representação quantitativa para o raciocínio com informação imperfeita que têm vindo a ser usadas nos sistemas baseados em conhecimento. Finalmente, depois de apresentados os conceitos da operacionalização da lógica clássica através da Programação em Lógica, é apresentada uma abordagem qualitativa, simbólica, capaz de lidar com os aspectos da informação imperfeita, através da extensão dessa Programação.
2.2 Conhecimento, representação e raciocínio
É importante desde logo esclarecer o que se entende por conhecimento, nomeadamente fazendo a distinção entre dados, informação e conhecimento. A fronteira entre estes conceitos, principalmente entre os dois últimos, não está totalmente definida, principalmente nas Ciências da Computação, em geral, e em particular na Inteligência Artificial.
2.2.1 Conhecimento
No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Houaiss and Villar 2003) conhecimento é definido como:
“Conhecimento: s. m. o acto ou a actividade de conhecer, realizado por meio da razão e/ou da experiência; acto ou efeito de apreender intelectualmente, de perceber um facto ou uma verdade
A dualidade entre conhecimento e informação é reconhecida por muitos investigadores na área da IA. Shaheen Fatima e os seus colegas (2005) definem informação como sendo o “… conhecimento acerca de todos os factores que afectam a capacidade de um indivíduo em tomar decisões numa dada situação”. Por sua vez Nikola Kasabov (1998) define conhecimento como “… informação estruturada de alto nível.” e informação “… em sentido lato, inclui quer dados estruturados quer conhecimento.” [pág. 75].
No entanto, podemos dizer que existe uma hierarquia entre dados, informação e conhecimento. A informação é baseada em dados e é necessária para formar o conhecimento. A informação deve ter significado para um sujeito e a distinção fundamental entre dados e informação está no seu significado e utilidade (Teodorescu 2003). Os dados podem ser total ou parcialmente inúteis e não têm um significado associado nem uma relação directa com um sujeito, ou seja, não têm um significado até serem apreendidos e processados por um sujeito. Por outro lado a informação tem sempre dados associados, resulta geralmente da comunicação entre sujeitos (Teodorescu 2003), pressupõe a existência de um sujeito receptor que a interpreta, fazendo aumentar o seu conhecimento, e tem utilidade para um objectivo específico.
Esta distinção entre dados e informação é consistente com as definições em (Turban, Rainer et al. 2001):
Dados são factos ou descrições elementares de coisas, eventos, actividades e operações que são registadas, armazenadas e classificadas mas que não são organizadas tendo em vista algum fim específico.
Informação é uma colecção de dados organizada de alguma forma, com um dado fim em vista e com significado para alguém. A informação é obtida através do processamento de dados.
Conhecimento consiste em informação que foi processada e organizada de forma a transmitir a compreensão, a experiência, o saber ou a perícia sobre
um dado processo de negócio ou para a resolução de um problema específico.
As definições anteriores têm já subjacente um contexto orientado para a representação do conhecimento sob uma forma adequada para o seu eventual tratamento mecanizado.
O que é então o conhecimento? É uma pergunta que nos poderia fazer recuar até ao debate iniciado por Platão e entrar numa discussão filosófica que extravasa o âmbito deste trabalho. Será importante, no entanto, dizer que o conhecimento está intimamente ligado às afirmações que um agente inteligente é capaz de produzir, com base na sua percepção do mundo real, e que correspondem a proposições que podemos classificar como verdadeiras ou falsas num dado contexto.
Admitindo que cada agente inteligente tem uma percepção diferente do mundo, o conhecimento está também ligado ao conceito de crença. Ou seja, as afirmações produzidas por um agente inteligente resultam daquilo que ele acredita que é verdade, quer, de facto, o seja ou não.
2.2.2 Representação
Embora muitos sistemas de Inteligência Artificial usem representações ad‐hoc, concebidas para uma aplicação específica, a maioria dos estudos sobre representação do conhecimento deriva da percepção da necessidade de uma representação unificada (Debenham 2001), capaz de representar dados, informação e conhecimento com um único formalismo.
A noção de representação do conhecimento pode ser explicada segundo diferentes perspectivas, ou papéis (Davis, Shrobe et al. 1993).
A primeira é que a representação do conhecimento é uma substituição dos objectos reais, permitindo que uma entidade use essas substituições num processo interno – raciocínio – para determinar consequências sem interagir com os objectos externos. As operações sobre as representações permitem evitar as interacções directas com o mundo real. Esta perspectiva de que a representação do conhecimento é um substituto que permite raciocinar sobre o mundo real levanta algumas questões.
Uma dessas questões é a sua identidade, no sentido da correspondência com o objecto representado e que é dada pela semântica da representação.
Outra questão é a exactidão com que a substituição representa o original, sendo certo que a única representação exacta de um objecto é o próprio objecto, a não ser que seja um objecto formal, como por exemplo as entidades matemáticas.
Por outro lado, as representações, enquanto substituições, são adequadas para raciocinar sobre objectos tangíveis ou intangíveis, nomeadamente noções abstractas como processos, crenças, relações de causalidade, taxonomias, entre muitas outras.
Admitindo que qualquer processo de raciocínio envolverá sempre objectos naturais (do mundo real) e objectos formais, as substituições imperfeitas serão inevitáveis. Uma consequência desta inevitabilidade é a de que, num processo de raciocínio suficientemente alargado sobre o mundo real, poderá eventualmente chegar‐se a conclusões erradas, independentemente do processo de raciocínio usado e da representação utilizada. Se o modelo do mundo real usado é imperfeito, e sê‐lo‐á sempre, então algumas conclusões serão incorrectas, independentemente do rigor do processo de raciocínio (Way 1991). A minimização da dimensão e da importância do erro dependerá de uma boa escolha da representação do conhecimento assim como dos mecanismos de raciocínio que lhe irão ser aplicados.
Tomando como certo que todas as representações são aproximações imperfeitas da realidade, cada uma incorporando determinados aspectos e ignorando outros, então, ao seleccionar uma dada representação, estamos a tomar um conjunto