Capítulo
Técnica 21 é um conjunto de procedimentos concretos ligados a uma arte ou ciência e que permite a aplicação do conhecimento científico na indústria ou nos
4.7 Guias Clínicos
A prevenção e tratamento da doença e a gestão dos cuidados de saúde em geral têm assumido uma complexidade crescente. Por um lado, o número de diferentes opções para a gestão de doentes tem aumentado consideravelmente nas duas últimas décadas. Por outro lado, torna‐se crucial conjugar a explosão de conhecimento e técnicas na área da saúde com a necessidade de uma utilização racional, entenda‐se, também, de contenção de custos, dos recursos existentes.
Existe uma tendência crescente no seio da classe médica para que as decisões clínicas devam ser baseadas, tanto quanto possível, na medicina baseada em evidências (Sackett 1997) (Woolf 2000) (Guyatt, Haynes et al. 2000) (Hommersom,
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Lucas et al. 2004). Esta tendência tem dado um impulso considerável no desenvolvimento de Guias Clínicos (GC), também designados Normas de Orientação Clínica (NOC) (de Clercq, Blom et al. 2004): documentos de apoio à prática clínica contendo os passos a seguir e questões a ter em conta na gestão da doença de um doente, para evitar práticas e resultados abaixo dos padrões. Os GC apoiam não só os profissionais de saúde mas também os próprios doentes na tomada das decisões mais apropriadas para uma dada situação clínica ou tratamento.
Podem constituir assim um referencial precioso em situações de tomada de decisão multi‐critério no âmbito dos cuidados de saúde, tais como aqueles que surgem no contexto do VirtualECare.
Inicialmente os GC eram apenas baseados nas melhores práticas resultantes das recomendações de especialistas médicos. Actualmente, os guias considerados como tendo um grau mais elevado de certeza são os baseados em Estudos Controlados Randomizados (ECR) e os baseados em estudos observacionais prospectivos e retrospectivos. Os resultados obtidos pelos dois tipos de estudos são considerados similares (Benson and Hartz 2000) (Concato, Shah et al. 2000).
O New Zeland Guidelines Group47, uma organização médica independente sem fins lucrativos que assume como missão o desenvolvimento de Guias Clínicos e a sua implementação prática, considera cinco tipos de guias clínicos: Guias de Melhor Prática (Best Practice Guidelines), Protocolos, Guias de Consenso (Consensus Based Guidelines), Guias Baseados na Evidência (Evidence Based Guidelines) e Guias Explícitos Baseados na Evidência (Explicit Evidence Based Guidelines).
Os guias do último tipo, Guias Explícitos Baseados na Evidência ‐ os mais susceptíveis de aceitação generalizada, são desenvolvidos após uma revisão sistemática da literatura e incluem normalmente estratégias para descrever a importância da evidência, tentando separar de forma clara aquilo que são opiniões de
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especialistas do que é a evidência. Fazem ainda recomendações sobre a melhor opção entre tratamentos alternativos, quantificando as diferenças em termos de resultados e incluindo benefícios e malefícios. A elaboração de um guia deste tipo é efectuada em seis passos (Woolf 2000): 1. especificação do tópico e metodologia; 2. revisão sistemática; 3. recolha de opinião de especialistas; 4. considerações no âmbito da política de saúde pública; 5. elaboração de rascunho do guia; 6. revisão pelos pares e elaboração de documento final.
Os GC têm suscitado o interesse da comunidade científica da IA no desenvolvimento de ferramentas, sistemas e linguagens específicas para o suporte à sua concepção e implementação prática (Colombet, Aguirre‐Junco et al. 2005) (Hommersom, Lucas et al. 2004), ou seja na concepção de Computer‐interpretable Guidelines (CIG).
O termo Sistemas de Apoio à Decisão baseados em Guias Clínicos48 (SADbGC) começa, inclusive, a aparecer na literatura (Patel, Shortliffe et al. 2009) (Goud, Hasman et al. 2008) (Isern and Moreno 2008) como uma das mais promissoras direcções da aplicação da IA aos cuidados de saúde. No estudo de de Clercq e colegas (2004) são referidas as principais abordagens à concepção de SADbGC e são descritas as principais formas de representação que permitem a partilha e execução de GC em computador: Arden Syntax, Guideline Interchange Format, PROforma, Asbru e EON. A seguir apresentam‐se sumariamente os três primeiros modelos. A Arden Syntax (AS) (Pryor and Hripcsak 1993) é um dos modelos axiomáticos mais citados na literatura, para a representação em sistemas de regras para o apoio à decisão clínica. A AS foi desenvolvida durante os anos noventa em conjunto pelo
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Departamento de Informática Biomédica da Universidade de Columbia (LDS Hospital, Salt Lake City, USA) e pelo Instituto Regenstreif (Indiana University School of Medicine, Indianapolis, USA). O objectivo principal é a representação de conhecimento médico sob a forma de módulos independentes – Medical Logic Modules (MLM) – capazes de fornecer sugestões terapêuticas e alertas, entre outros. Cada MLM é construído com o objectivo de apoiar uma única decisão clínica. A AS foi publicada como norma, inicialmente pela American Society for Testing and Materials International (ASTM) em 1992 e depois pela Health Level Seven (HL7), a partir da versão 2.0, em 1998.
Os MLM são independentes de qualquer arquitectura de computadores, podem ser partilhados e subsequentemente importados por sistemas específicos de informação para a saúde. Têm a característica importante de poderem ser despoletados por um evento, fornecendo sugestões clínicas sob a forma de alertas.
O Guideline Interchange Format (GLIF), actualmente na versão GLIF3 (Boxwala, Peleg et al. 2004), permite representar um GC em três níveis: um fluxograma conceptual, uma especificação computável cuja coerência lógica e completude podem ser verificadas automaticamente e uma especificação executável destinada a ser incorporada nos sistemas de informação específicos de cada organização. O GLIF foi desenvolvido para construir modelos de GC sob a forma de fluxogramas, compostos por estruturas de tarefas programadas, as quais representam acções e decisões clínicas.
O modelo GLIF é orientado a objectos e consiste num conjunto de classes que descrevem as propriedades de um GC (decisões e acções), especificadas em UML49 (Rumbaugh, Jacobson et al. 2004).
A framework PROforma foi desenvolvida no Imperial Cancer Research Fund pela equipa de John Fox (1997), para a concepção de sistemas periciais e agentes
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inteligentes seguros que possam apoiar o tratamento de doentes, através de um suporte à decisão activo e de gestão de fluxos de trabalho. A Framework inclui a linguagem PROforma, uma linguagem de especificação formal, uma linguagem de representação de conhecimento e um conjunto de ferramentas de desenvolvimento de aplicações em Java e Prolog.
Basicamente, a linguagem PROforma é lógica de primeira ordem com extensões para suporte a decisão e planeamento, nomeadamente extensões no âmbito de lógica modal e temporal. Inclui ainda duas novas lógicas: LA – Logic of Argument e LOT – Logic of Obligation and Time.
4.8 Reflexão Crítica
É indubitável que cada vez mais as decisões complexas nas organizações são tomadas em grupo. Ao realizar tarefas intelectuais, um grupo não é a mera agregação das competências e características individuais dos seus membros. Não se pode também afirmar que o processo de decisão em grupo conduz a melhores resultados que uma decisão individual, principalmente em grupos onde as capacidades e competências individuais sejam pouco homogéneas.
Para decisões complexas é necessário ir buscar os melhores, congregar as melhores competências, independentemente do local geograficamente afastado onde se encontrem e do fuso horário em que laborem. A tomada de decisão em grupo ao mais alto nível, para ser viável, não pode estar dependente de reuniões presenciais frente‐a‐frente. A tecnologia é fundamental para que seja possível realizar processos de decisão amplamente participados, mas com reuniões virtualizadas. O suporte às comunicações, síncronas ou assíncronas, meramente sob a forma escrita ou multimédia, é essencial mas não é suficiente. A memória organizacional do processo, o suporte a problemas não estruturados ou semi‐estruturados, o acesso a
bases de dados e a informação textual, a facilitação no uso e a interoperabilidade entre sistemas são factores críticos de sucesso.
A medicina é uma área onde o conhecimento acumulado nas últimas décadas tem sido imenso, mas é impossível ter junto de cada doente uma equipa de especialistas multi‐disciplinar para fazer um diagnóstico e acompanhar a evolução da doença. Prevê‐se que os sistemas de apoio à decisão na saúde vejam alargado o seu campo de utilização, muito para além do acto médico de diagnóstico e prescrição, não só no que já acontece actualmente ‐ nos laboratórios clínicos, no ensino, no reconhecimento e interpretação de imagens e nos cuidados intensivos ‐ mas também na monitorização a longo termo e acompanhamento à distância de uma população mais envelhecida.
A representação de conhecimento médico em sistemas inteligentes, nomeadamente sob a forma de Guias Clínicos executáveis em computador, é uma das vias mais promissoras. É crucial conjugar a explosão de conhecimento e técnicas na área da saúde com a necessidade de uma utilização racional de recursos existentes e, simultaneamente, garantir que as decisões clínicas são baseadas, tanto quanto possível, na medicina baseada em evidências.
Em conclusão, as características que propomos para o SADG do VirtualECare, e que não encontrámos reunidas em nenhum dos sistemas estudados, são apresentadas a seguir:
Sistema colaborativo via Web ‐ suporte à realização de tarefas de maneira assíncrona e colaborativa; visualização e acesso a bases de dados e informação não estruturada;
Modelo de processo de decisão adequado a decisão em grupo, capaz de incorporar múltiplas perspectivas;
Suporte a múltiplos métodos e técnicas de apoio à decisão, incluindo argumentação e votação, métodos analíticos, geração de ideias e agregação de preferências;
Módulo inteligente capaz de sugerir um método de decisão e filtrar e verificar dados, informação e conhecimento, de forma a permitir a resolução de problemas usando métodos analíticos, programação linear ou métodos “sociais”;
Integração com tecnologia Web (a Web é o meio e o computador, ou seja não deve ser necessário instalar programas pelos utentes) e suporte a equipamentos e serviços móveis;
Orientado para utilizadores com competências médias/altas na utilização das TIC (refira‐se que é suposto que a maioria do interface com os utentes menos competentes nesta área, como os idosos e o seu ambiente familiar, sejam efectuados por sensores);
A qualidade da informação deve ser sempre mensurável e observável, quer no que respeita aos actores envolvidos na resolução de um problemas, quer na informação trocada quer globalmente no próprio sistema.
As questões sobre a qualidade de informação e a forma de a avaliar serão tratadas no próximo capítulo.
Capítulo
5 Metodologia de Avaliação da Qualidade da
Informação
When you know a thing, to hold that you know it; and when you do not know a thing, to allow that you do not know it ‐ this is knowledge. Confucius 5.1 Introdução
A representação da informação joga um papel determinante em qualquer método de avaliação da qualidade. Nas propostas apresentadas na literatura para a avaliação da qualidade de informação encontramos dois grandes grupos, por vezes combinados.
No primeiro grupo, a avaliação é efectuada apenas com (meta)informação contida no próprio sistema e tem um carácter restrito e, no nosso entender, insuficiente, dado que apenas contempla os aspectos sintácticos e, nalguns casos também ontológicos. Incluímos ainda neste grupo os sistemas que permitem representar restrições de integridade dos dados, como a integridade de domínio e a integridade referencial nos sistemas de bases de dados relacionais.
No segundo grupo, a avaliação da qualidade exige a disponibilidade de informação / conhecimento externo ao sistema, seja para validar a exactidão da informação no sistema, seja para avaliar a utilidade do uso da informação pelos utilizadores.
O método de avaliação da qualidade de informação que é proposto nesta tese, como se verá a seguir, não exige a disponibilidade de informação adicional externa ao próprio sistema.
Este capítulo está organizado da seguinte forma: começamos por caracterizar melhor o que se entende por qualidade da informação, apelando aos dois conceitos nos extremos, mínimo e máximo, entre os quais se considera que esta pode variar ‐ a ignorância e a certeza. Depois propomos uma forma de representação capaz de incluir no corpo de conhecimento sobre o mundo as características que identificamos antes para a informação imperfeita. Finalmente, apresentamos uma metodologia de avaliação, sustentada pela forma de representação proposta, e que permite obter uma medida quantitativa da qualidade da informação.