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CONSELHO DE DISCIPLINA SECÇÃO PROFISSIONAL. Processo n.º 51-20/21

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CONSELHO DE DISCIPLINA

SECÇÃO PROFISSIONAL

Processo n.º 51-20/21

DESCRITORES: Agente Desportivo – Diretor Desportivo – Lesão da Honra e Reputação – Liberdade de expressão – Aplicação da Lei no Tempo.

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ESPÉCIE: Processo Disciplinar

ARGUIDO: Diogo Luís Vieira de Matos Boa Alma, Diretor Desportivo da Santa Clara Açores – Futebol SAD.

OBJETO: Declarações proferidas em conferência de imprensa sob o enfoque das ofensas à honra ou consideração de agentes da arbitragem.

DATA DO ACÓRDÃO: 3 de agosto de 2021 TIPO DE VOTAÇÃO: Unanimidade

RELATORA: Isabel Lestra Gonçalves

NORMAS APLICADAS: Artigo 112.º, n.º 1, 3 e 4 e 136.º, n.º 1, 3 e 4 ambos do RDLPFP20 SUMÁRIO:

I. Os agentes desportivos, que exerçam funções no âmbito das competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, devem manter conduta conforme os princípios desportivos de lealdade, probidade e retidão.

II. Age com uma atitude ético-jurídica incorreta e atentatória dos padrões de conduta esperados e minimamente exigíveis a qualquer agente desportivo quem, tendo esta qualidade, por qualquer meio, proferir frases, expressões ou afirmações ofensivas da honra de outro agente desportivo, elementos da equipa de arbitragem ou órgão da Liga ou da FPF e respetivos membros.

III. Pratica a infração disciplinar prevista e punida pelos n.ºs 1, 3 e 4 do artigo 136.º RDLPFP, aplicável em conjugação com o artigo 112.º, n.º 1, ambos do RDLPFP, o Diretor Desportivo de uma SAD que no final de um jogo, em conferência de imprensa, afirma, visando a equipa de arbitragem e os órgãos que a tutelam, “eu venho aqui, a esta sala

de imprensa, em defesa de um grupo, em defesa de um grupo que está revoltado no balneário, em defesa de um grupo que faz muitos quilómetros para estar em cada jogo, um grupo que é sério, um grupo que é profissional, um grupo que tem 25 pontos conquistados com muito mérito, e que não podem colocar isso em causa como temos visto nas últimas semanas (…). E o Santa Clara, apesar de ser um clube que procura ter boas relações com toda a gente, ser respeitador e ter uma postura positiva no futebol português, não pode ficar indiferente a determinadas coisas que têm acontecido: nós termos, a jornada passada, num jogo contra o Sporting de Braga, uma nomeação, no mínimo duvidosa, de se colocar um árbitro da Associação de Futebol de Braga a apitar

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esse jogo, sabendo que o Santa Clara viria jogar depois a Barcelos, com outra equipa da Associação de Futebol de Braga. Curiosamente, e para além dos lances que nos poderíamos queixar e não o fizemos, relativamente ao jogo com o Sporting de Braga, tivemos dois jogadores apenas a verem cartão amarelo, dois que estavam em risco de exclusão para este jogo, curioso, são coincidências que acontecem. Tiraram-nos 2 jogadores deste jogo. E o que se passou aqui, esta noite, vai ser alvo, com certeza, de uma exposição, por parte do Santa Clara, ao Conselho de Arbitragem. Não é normal nós, novamente, termos dois árbitros auxiliares da Associação de Futebol de Braga, que é a Associação do nosso adversário desta noite, e não é normal nem nós podemos aceitar que aconteça o que aconteceu aqui em 2 lances (…).”, ademais se verificando que, aquele

dirigente desportivo já tinha sido condenado pela prática da mesma infração disciplinar mediante decisão transitada em julgado, numa das três épocas desportivas anteriores àquela em que se verificaram os factos.

IV. Aos artigos 112.º e 136.º do RDLPFP subjaz o desiderato de proteção do direito subjetivo fundamental à honra e ao bom nome dos agentes desportivos coenvolvidos, enquanto concretização inalienável da sua dignidade pessoal, mas também o interesse constitucionalmente protegido de prevenção da violência no desporto, in casu, o de assegurar o prestígio e o bom funcionamento das competições de natureza profissional. V. O juízo de ponderação ou de concordância prática entre os bens jurídicos em conflito

(honra, liberdade de expressão, ética desportiva) não pode ignorar o facto de a qualidade de agente desportivo estar associada, nos termos legais e regulamentares, a um estatuto

especial de direitos e deveres, entre eles o dever, para esses agentes, de se absterem de

condutas que potenciem comportamentos violentos ou perturbações da ordem pública. Esta asserção não só encontra arrimo na jurisprudência do STA, como é um dos aspetos tidos em conta pelo TEDH na interpretação e aplicação do artigo 10.º, n.º 2 da CEDH, quando ali se assinala que certas pessoas ou grupos, pelos deveres e responsabilidades inerentes à atividade que desempenham, podem ter de suportar interferências mais intensas na sua liberdade de expressão, sem que isso perturbe o justo equilíbrio dos interesses em presença, atenta a premência dos interesses públicos em que se esteiam aquelas situações funcionais.

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ACÓRDÃO

Acordam, em Plenário, ao abrigo do artigo 206.º n.º 1 do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional os membros do Conselho de Disciplina, Secção Profissional, da Federação Portuguesa de Futebol.

I – Relatório 1. Registo Inicial

1. Por Deliberação de 23 de fevereiro de 2021, o Conselho de Disciplina da FPF, na sequência da participação de fls. 3 e ss., do Conselho de Arbitragem da FPF, e da participação de fls. 5 e ss., da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol, que aqui se dão por reproduzidas, ordenou a instauração do presente processo, autuado como processo disciplinar, em que é Arguido Diogo Luís Vieira de Matos Boa Alma, Diretor Desportivo da Santa Clara Açores – Futebol SAD e cujo objecto é “[d]eclarações proferidas em conferência de imprensa sob o enfoque das ofensas à

honra ou consideração de agentes da arbitragem”.

2. Por Despacho do Exmo. Senhor Presidente da Comissão de Instrutores, proferido nos termos da alínea c), do Artigo 210.º, do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (doravante, RD)1, foi nomeado instrutor no presente processo

disciplinar (fls. 9) e, atento o disposto nos Artigos 228.º n.ºs 2 e 3 e 229.º n.ºs 1 e 2 do RD, assumiu as respetivas funções, dando abertura e início à respectiva instrução.

3. Por despacho de fls. 11 e seg., datado de 31 de março de 2021, determinou-se a notificação do Arguido nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 227.º do RDLPFP, a qual se concretizou (cfr. fls. 15 e ss.). Mais se determinou, nos termos do disposto nos números 1 e 2 do artigo 228.º do RDLPFP:

1 Aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 27 de junho de 2011, com as alterações aprovadas nas Assembleias

Gerais Extraordinárias de 14 de dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 06 e 28 de junho de 2012, 27 de junho de 2013, 19 e 29 de junho de 2015, 08 de junho de 2016, 15 de junho de 2016 e 29 de maio, 13 de junho de 2017, 29 de dezembro de 2017, 13 de junho de 2018 e 29 de junho de 2018, 22 de maio de 2019 e 28 de julho de 2020, ratificado na reunião da Assembleia Geral da FPF de 26 de agosto de 2020, disponível in www.fpf.pt

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1. Junção aos autos do extrato disciplinar do Arguido, abrangendo as três épocas desportivas anteriores àquela em que ocorreram os factos objeto deste processo (cfr. fls. 22);

2. Junção aos autos de impressões dos sítios de internet

https://www.zerozero.pt/video.php?id=1081186&fbclid=IwAR0uqd1H0GzvzsWAtbtm415ZuL P9HZwh2i8DsA8trCWhuFIJq2DXcRiFopA e https://www.record.pt/futebol/futebol- nacional/liga-nos/santa-clara/detalhe/santa-clara-promete-exposicao-ao-conselho-de-arbitragem-apos-derrota-em-barcelos, bem como do vídeo que se encontra no primeiro (cfr. fls. 23 a 28);

3. Junção aos autos do artigo em https://desporto.sapo.pt/futebol/primeira- liga/artigos/santa-clara-promete-exposicao-ao-conselho-de-arbitragem-apos-derrota-em-barcelos (cfr. fls. 29);

4. Que se solicitasse ao competente departamento da Liga PFP informação sobre a inscrição do Arguido (fls. 32), nomeadamente, como Diretor Desportivo da SCA, a qual agora consta de fls. 66, datando de 01/04/2021: “o Sr. Diogo Luís Vieira de Matos Boa Alma, licença n.º 12313,

encontra-se inscrito, na presente época desportiva, pela Santa Clara Açores – Futebol, SAD, com o cargo: Vogal e função: Diretor Desportivo”.

4. Por posterior despacho, da mesma data, (fls. 35), determinou-se, nos termos e para os efeitos do disposto nos números 1 e 2 do artigo 228.º do RDLPFP, a junção da documentação oficial do: 1. jogo disputado entre a Santa Clara Açores – Futebol SAD e a Sporting Clube de Braga, Futebol, SAD, no dia 14/02/2021, no âmbito da Liga NOS (cfr. fls. 36 a 52);

2. jogo disputado entre a Gil Vicente Futebol Clube – Futebol, SDUQ, Lda e a Santa Clara Açores – Futebol SAD, no dia 20/02/2021, no âmbito da Liga NOS (cfr. fls. 53 a 65);

5. Devidamente notificado, o Arguido não se pronunciou.

6. Atento o acervo probatório reunido em sede do presente processo disciplinar, constatou-se a suficiência de indícios da prática de infracção disciplinar, pelo que, estabilizada a prova recolhida em sede de instrução, por considerar indiciariamente demonstrada a factualidade que constitui o objeto do presente processo disciplinar, a Comissão de Instrutores da LPFP, dando cumprimento ao disposto no artigo 233.º, n.º 1 do RDLPFP, deduziu acusação contra Diogo Luís

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Vieira de Matos Boa Alma, pela prática de uma infracção disciplinar p. e p. nos termos conjugados do disposto nos artigos 136.º, números 1, 3 e 4, e 112.º, n.º 1, ambos do RDLPFP.

II – Aplicação no Tempo

7. Sendo o presente acórdão prolatado na vigência do RDLPFP21,2 que entrou em vigor na

sequência do Comunicado Oficial n.º 18, datado de 14.07.2021,3 cumpre indagar se a sucessão

de regimes regulamentares levanta, in casu, um problema de aplicação da lei no tempo.

8. Preceitua a disposição transitória 1.ª do novo Regulamento o seguinte: «O presente Regulamento entra em vigor imediatamente após a publicação em comunicado oficial da

deliberação de ratificação pela Assembleia-Geral da FPF, nos termos do artigo 47.º dos Estatutos Federativos».

9. Em linha com os anteriores, o RDLPFP21 contém disposições específicas em matéria de aplicação no tempo, lendo-se no artigo 11.º o seguinte: «(...) 1. As sanções são determinadas pela

norma punitiva vigente no momento da prática da infração disciplinar; 2. O facto punível como infração por norma legal ou regulamentar no momento da sua prática deixa de ser punível se, em virtude da entrada em vigor de nova disposição legal ou regulamentar, deixar de ser qualificado como infração disciplinar; no caso de já ter havido condenação, ainda que por decisão já definitiva na ordem jurídica desportiva, cessa de imediato a respetiva execução; 3. Quando a sanção aplicável no momento da prática do facto for diversa daquela que vigorar em momento posterior será sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão transitada em julgado (...); 6. As normas procedimentais previstas no presente Regulamento serão aplicáveis a todos os procedimentos instaurados após a sua entrada em vigor (...)».

2 Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional aprovado na

Assembleia Geral Extraordinária de 27 de junho de 2011, com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 14 de dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 06 e 28 de junho de 2012, 27 de junho de 2013, 19 e 29 de junho de 2015, 08 de junho de 2016, 15 de junho de 2016 e 29 de maio, 13 de junho de 2017, 29 de dezembro de 2017, 13 de junho de 2018 e 29 de junho de 2018 e de 22 de maio de 2019 e de 28 de julho de 2020 e 02 de junho de 2021, ratificado, ratificado na reunião da Assembleia Geral Extraordinária da FPF de 14 de julho de 2021.

3 Cf. Comunicado Oficial n.º 18, de 14.07.2021, disponível em

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10. Assim sendo, importa destacar que à data da prática dos factos que deram origem à instauração do presente processo disciplinar estava vigente o RDLPFP20. Como nota Germano Marques da Silva, «a escolha dos regimes penais em confronto em sede de aplicação das leis no

tempo, tem de ser feita em bloco, não podendo criar-se uma norma abstracta com os elementos mais favoráveis das várias leis».4

11. A infração disciplinar em liça nos presentes autos – o artigo 136.º [Lesão da honra e da

reputação e denúncia caluniosa] - não sofreu alteração nem na sua hipótese nem no respetivo

arco sancionatório.

12. A alteração na redação do artigo 53.º, n.ºs 2 e 3 [Circunstâncias agravantes] do RDLPFP tem natureza meramente interpretativa, não se revelando concretamente mais vantajosa para o Arguido.

13. Uma vez que não se detetam, noutros segmentos do Regulamento, alterações com impacto na responsabilidade disciplinar do Arguido – mormente no que respeita às circunstâncias atenuantes (artigo 55.º), à reincidência como elemento de qualificação do tipo (artigo 54.º), aos prazos de caducidade e prescrição (artigos 22.º e 23.º) e ao valor da unidade de conta (UC), sobre o qual recai o fator de ponderação previsto no n.º 2 do artigo 36.º (0,55) – e tendo em conta que, efetuado um exercício comparativo entre os blocos normativos do RDLPFP20 e do RDLPFP21, não se mostra o segundo concretamente mais favorável para os Arguidos do que o primeiro, em termos que imponham a aplicação do preceituado no n.º 3 do artigo 11.º, conclui-se que o presente procedimento disciplinar deve ser regulado, tanto substantiva como procedimentalmente, pelo Regulamento disciplinar vigente à data da prática dos factos – a saber, o RDLPFP20.

4 Germano Marques da Silva, Direito Penal Português – Parte Geral – I Introdução e teoria da lei penal, Editorial Verbo,

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III – Competência do Conselho de Disciplina

14. Nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1 do RJFD20085, compete a este Conselho, de

acordo com a Lei e com os Regulamentos e sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos e das competências da liga profissional, instaurar e arquivar procedimentos disciplinares e, colegialmente, apreciar e punir as infrações disciplinares em matéria desportiva. No mesmo sentido, dispõe o artigo 15.º do Regimento deste Conselho6.

15. Conforme o disposto no artigo 237.º RDLPFP, deduzida a acusação, são os autos remetidos à Secção Disciplinar no mais curto espaço de tempo e, se nada obstar ao seu recebimento, o Presidente do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, ordena a notificação da acusação ao Arguido, procede ao agendamento de uma audiência disciplinar para um dos 10 dias úteis seguintes e distribui o processo a um Relator.

16. Foi recebida a acusação, ordenada a sua notificação, nos termos regulamentares, ao Arguido e designado o dia 26 de julho de 2021, pelas 11H00, para a realização da audiência disciplinar a ter lugar perante o Relator.

17. O arguido, devidamente notificado, não apresentou memorial de defesa, tão pouco compareceu na audiência disciplinar, pelo que, cumpridas as respetivas formalidades regulamentares e encerrada a audiência disciplinar, o processo foi concluso à Relatora para decisão.

18. Inexistindo outras questões prévias de que se deva tomar conhecimento ou apreciar, passamos para a análise e valoração da prova realizada quer na fase de Instrução quer na audiência disciplinar.

IV – Fundamentação de facto

§1. A prova no direito disciplinar do desporto

5Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro (regime jurídico das federações desportivas e das

condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva) e alterado pelo artigo 4.º, alínea c), da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro (Cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respetiva lei) e ainda pelos artigos 2º e 4º Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho, cujo texto consolidado constitui anexo a este último.

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19. Em sede de direito disciplinar desportivo, atenta natureza sancionatória do processo e o disposto no artigo 16.º, n.º 1 do RDLPFP20 – segundo o qual «na determinação da

responsabilidade disciplinar é subsidiariamente aplicável o disposto no Código Penal e, na tramitação do respetivo procedimento, as regras constantes do (...) Código de Processo Penal» -

vale prima facie o princípio da livre apreciação de prova, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal («Salvo quando a lei dispuser diferentemente a prova é apreciada segundo as

regras da experiência e a livre convicção da entidade competente»).

20. Como se lê no Acórdão n.º 1165/96, do Tribunal Constitucional, «a livre apreciação da prova

não pode ser entendida como uma operação puramente subjetiva, emocional e, portanto, imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisitos necessários para uma efetiva motivação da decisão».7

21. Ou como explica, na doutrina, Maria João Antunes, «[O] princípio da livre apreciação da prova

significa, negativamente, a ausência de critérios legais que predeterminem o valor da prova e, positivamente, que as entidades a quem caiba valorar a prova o façam de acordo com o dever de perseguir a realização da justiça e a descoberta da verdade material, numa apreciação que terá de ser sempre objetivável e motivável e, por conseguinte, suscetível de controlo».8

22. Apesar de haver, consabidamente, exceções ao princípio que acaba de se enunciar, tanto no domínio do processo penal como sob a égide do direito disciplinar desportivo, a verdade é que a mesmas se afiguram de escassa relevância no caso sub judice, pelo que formaremos a nossa convicção, como se disse supra, de acordo com as regras da lógica, da ciência e da experiência, orientadas pelo princípio da prossecução da verdade material.

7 Cf. Acórdão n.º 1165/96, do Tribunal Constitucional, prolatado a 19.11.1996 (Relator: Monteiro Diniz), reiterada,

entre outros, no acórdão n.º 395/2018, prolatado a 11.07.2018 (Relator: Maria José Rangel de Mesquita), ambos disponíveis na íntegra em www.tribunalconstitucional.pt.

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§2. Factos provados

23. Analisada e valorada a prova constante dos autos, nomeadamente a que resulta da instrução, consideram-se provados os seguintes factos:

1. Realizou-se no dia 14 de fevereiro de 2021, pelas 17h30m, no Estádio de S. Miguel, utilizado pela Santa Clara Açores – Futebol SAD o jogo n.º 11906, entre esta SAD e a Sporting Clube de Braga, Futebol, SAD, no âmbito da Liga NOS (I Liga), organizada pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, do qual esta SAD saiu vitoriosa, com um resultado de 0-1.

2. Integraram a equipa de arbitragem do mesmo jogo: Árbitro: João Pinheiro; Assistente 1: Tiago Costa; Assistente 2: Nuno Eiras; 4º Árbitro: Miguel Nogueira; VAR: Fábio Veríssimo; AVAR: Pedro Martins.

3. Realizou-se no dia 20 de fevereiro de 2021, pelas 17h30m, no Estádio Cidade de Barcelos, utilizado pela Gil Vicente Futebol Clube – Futebol, SDUQ, o jogo n.º 12004, entre esta SAD e a Santa Clara Açores – Futebol SAD, no âmbito da Liga NOS (I Liga), organizada pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, do qual aquela SDUQ saiu vitoriosa, com um resultado de 1-0.

4. Integraram a equipa de arbitragem do mesmo jogo: Árbitro: Gustavo Correia; Assistente 1: Inácio Pereira; Assistente 2: Luís Costa; 4º Árbitro: João Gonçalves; VAR: Iancu Vasilica; AVAR: Álvaro Mesquita.

5. Após o jogo identificado sob 3.º, supra, aquando da respectiva flash interview / conferência de imprensa, Diogo Luís Vieira de Matos Boa Alma, perante vários órgãos de comunicação social, prestou as seguintes declarações, que foram objeto de notícias em várias publicações:

«(…) eu venho aqui, a esta sala de imprensa, em defesa de um grupo, em defesa de um grupo que está revoltado no balneário, em defesa de um grupo que faz muitos quilómetros para estar em cada jogo, um grupo que é sério, um grupo que é profissional, um grupo que tem 25 pontos conquistados com muito mérito, e que não podem colocar isso em causa como temos visto nas últimas semanas. E isto também é a defesa de um povo. O Santa Clara não é um clube qualquer, representa uma região, representa 9 ilhas, uma região autónoma, 250000 habitantes que merecem ser respeitados. E o Santa Clara, apesar de ser um clube que procura ter boas relações com toda a gente, ser respeitador e ter uma postura positiva no futebol português, não pode ficar indiferente a

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determinadas coisas que têm acontecido: nós termos, a jornada passada, num jogo contra o Sporting de Braga, uma nomeação, no mínimo duvidosa, de se colocar um árbitro da Associação de Futebol de Braga a apitar esse jogo, sabendo que o Santa Clara viria jogar depois a Barcelos, com outra equipa da Associação de Futebol de Braga. Curiosamente, e para além dos lances que nos poderíamos queixar e não o fizemos, relativamente ao jogo com o Sporting de Braga, tivemos dois jogadores apenas a verem cartão amarelo, dois que estavam em risco de exclusão para este jogo, curioso, são coincidências que acontecem. Tiraram-nos 2 jogadores deste jogo. E o que se passou aqui, esta noite, vai ser alvo, com certeza, de uma exposição, por parte do Santa Clara, ao Conselho de Arbitragem. Não é normal nós, novamente, termos dois árbitros auxiliares da Associação de Futebol de Braga, que é a Associação do nosso adversário desta noite, e não é normal nem nós podemos aceitar que aconteça o que aconteceu aqui em 2 lances. Nós temos um jogador que é pisado na primeira parte, tem as marcas bem visíveis, e vão fazer parte dessa exposição, que é um cartão vermelho directo, objectivamente. Não tem dúvida e o vídeo-árbitro existe para este tipo de lances. Se nós podemos dar o benefício da dúvida ao árbitro, não podemos dar o benefício da dúvida ao vídeo-árbitro, que tem calma para analisar o lance. É um pisão claro, ostensivo, não dizemos que é deliberado ou que é intencional, mas é claro e ostensivo, e é um lance para cartão vermelho directo. E o penalty e os descontos, é completamente inexistente, e nós não temos que ter medo de dizer, aqui, as coisas como são. Não há sequer contacto, nem sequer contacto, não há a mínima dúvida, não pode existir neste caso, nem para o árbitro no campo, e muito menos para o vídeo-árbitro. Nenhuma pessoa em casa, a ver aquele lance, pode ficar com a mínima dúvida se este lance era passível ou não de grande penalidade. Não é! E não se pode brincar com o esforço e com o trabalho de dezenas de profissionais deste clube. E não se pode brincar com representar uma região que fica muito orgulhosa com o desempenho do Santa Clara, e que merece ver o Santa Clara no lugar que está. Ok? Posto isto, eu pedia que, a seguir, não colocassem perguntas ao nosso treinador sobre a arbitragem, está falado o que tínhamos a falar sobre a arbitragem, faremos uma exposição ao Conselho de Arbitragem, temos no final da partida, ainda, um treinador a ser expulso, e nós dizemos o porquê, porque diz ao árbitro que tem que fazer mais de 1000 quilómetros a seguir, e vai chateado com isso, e só diz isto, e é expulso. E não falou hoje no flash porque foi expulso pelo senhor árbitro da partida, por dizer estas palavras e

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mais nada do que isto. E assumimos, e queremos ver, estamos muito curiosos para ver o que é que estará no relatório do árbitro, porque as palavras, temos várias testemunhas, presentes e que estavam ao lado do treinador, no momento em que ele se dirige à equipa de arbitragem e diz, exclusivamente, isto: “temos muitos quilómetros para fazer e vamos”, perdoem-me a (…) palavra, “fodidos”. Foi apenas isto que foi dito pelo nosso treinador. (…)».

6. O Arguido agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta acima descrita, porém, não se absteve de a concretizar. 7. O Arguido apresenta antecedentes disciplinares, tendo sido condenado, na época

desportiva de 2017/2018, pela prática de uma infração p. e p. no artigo 136.º, n.º 1, por decisão já transitada em julgado, na sanção de multa de 893 € e na sanção de suspensão de 30 dias.

§3. Motivação da Fundamentação de Facto

24. A convicção formada apoia-se, fundamentalmente, numa apreciação crítica, objetiva e articulada dos documentos juntos aos autos, à luz das regras da experiência e da lógica, tal como exigido pelo princípio da livre apreciação da prova, concretamente:

I. Os factos descritos em 1.º, 2.º, 3.º e 4.º de s §2. Factos provados assenta em prova documental, nomeadamente a documentação oficial dos jogos, junta a fls 36 a 52 e 58 a 65.

II. O CD contendo a gravação e imagem das declarações do Arguido prova o facto descrito em 5.º de §2. Factos provados, bem assim as notícias da imprensa desportiva insertas a fls 3 a 6 e 23 a 31 dos autos.

III. O facto descrito em 6º de §2. Factos provados correspondente à materialidade de índole subjetiva, representa o estado psíquico concernente ao preenchimento do elemento subjetivo do tipo da infração disciplinar em causa, sendo a sua demonstração decorrente dos factos em si e da valoração dos elementos probatórios juntos ao processo (acima já analisados) à luz das regras da experiência comum e da lógica;

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IV. O facto descrito em 7.º de §2. Factos provados encontra-se provado por documento de

fls. 22 e decorre da informação da Direção Jurídica da FPF de fls.104.

V – Fundamentação de Direito

§1. Enquadramento juridicodisciplinar – Fundamentos e âmbito do poder disciplinar

25. O poder disciplinar exercido no âmbito das competições organizadas pela Federação Portuguesa de Futebol – ou, por delegação, pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional – assume natureza pública. Com clareza, concorrem para esta proposição as normas constantes dos artigos 19.º n.º 1 e 2, da Lei n.º 5/2007 de 16 de janeiro (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto), e dos artigos 10.º, 13.º alínea i), do RJFD2008.

26. A existência de um regulamento justifica-se pelo dever legal – artigo 52.º n.º 1 do RJFD2008 – de sancionar a violação das regras de jogo ou da competição, bem como as demais regras desportivas, nomeadamente as relativas à ética desportiva, entendendo-se por estas últimas as que visam sancionar a violência, a dopagem, a corrupção, o racismo e a xenofobia, bem como quaisquer outras manifestações de perversão do fenómeno desportivo (artigo 52.º, n.º 2, do RJFD2008).

27. O poder disciplinar exerce-se sobre os clubes, dirigentes, praticantes, treinadores, técnicos, árbitros, juízes e, em geral, sobre todos os agentes desportivos que desenvolvam a atividade desportiva compreendida no seu objeto estatutário (artigo 54.º n.º 1, do RJFD2008).

Em conformidade com o artigo 55.º do RJFD2008 o regime da responsabilidade disciplinar é independente da responsabilidade civil ou penal.

28. Todo este enquadramento representa, entre tantas consequências, que estamos perante um poder disciplinar que se impõe, em nome dos valores mencionados, a todos os que se encontram a ele sujeitos, conforme o âmbito já delineado e que, por essa razão, assenta na prossecução de finalidades que estão bem para além dos pontuais e concretos interesses desses agentes e organizações desportivas.

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Das infrações disciplinares em geral

29. O RDLPFP encontra-se estruturado, no estabelecer das infrações disciplinares, pela qualidade do agente infrator – clubes, dirigentes, jogadores, delegados dos clubes e treinadores, demais agentes desportivos, espectadores, árbitros, árbitros assistentes, observadores de árbitros e delegados da Liga.

30. Para cada um destes tipos de agente o RDLPFP recorta tais infrações e respetivas sanções em obediência ao grau de gravidade dos ilícitos, qualificando assim as infrações como muito graves, graves e leves.

Das infrações disciplinares concretamente imputadas

31. Considera-se infração disciplinar o facto voluntário, por ação ou omissão, e ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável (artigo 17.º do RDLPFP20).

32. E quanto ao âmbito subjetivo de aplicação das normas disciplinares, determina o n.º 1, do artigo 7.º, do mesmo Regulamento que “as pessoas singulares serão punidas pelas faltas

cometidas durante o tempo em que desempenhem as respetivas funções ou exerçam os respetivos cargos, ainda que os deixem de desempenhar ou passem a exercer outros”.

33. O Arguido, à data dos factos, era Diretor Desportivo da Santa Clara Açores, Futebol SAD, clube que na época desportiva 2020/21, disputou a Liga NOS, competição profissional, organizada pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, encontrando-se, por isso, submetido ao RDLPFP e ao exercício da ação disciplinar por parte do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol - artigos 3.º, n.º 1, 4.º n.º 1 alínea c), 5.º n.º 1 e 7.º n.º 1, todos do RDLPFP.

34. No caso concreto situamo-nos, pois, no universo das infrações específicas dos Dirigentes9,

prevista e punida nos termos regulamentares como segue:

9 Artigo 4.º Definições 1. Para efeitos de aplicação do presente Regulamento, considera-se: […] c) «dirigentes dos

clubes», os titulares dos respetivos órgãos sociais e os respetivos diretores e quaisquer outros funcionários ou colaboradores que, independentemente do respetivo vínculo contratual, desempenhem funções de direção, chefia ou coordenação na respetiva estrutura orgânica, bem como os respetivos mandatários»

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«Artigo 136.º

Lesão da honra e da reputação e denúncia caluniosa

1.Os dirigentes que pratiquem os factos previstos no n.º 1 do artigo 112.º contra órgãos da Liga ou da FPF respetivos membros, elementos da equipa de arbitragem, clubes, dirigentes, jogadores, demais agentes desportivos ou espectadores, são punidos com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de um mês e o máximo de dois anos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 300 UC.

[…]

3. Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo das sanções previstas nos números anteriores são elevados para o dobro.

4. Caso as infrações previstas nos n.os 1 e 2 sejam praticados através de meios de comunicação social, nomeadamente em programa televisivo ou radiofónico que se dedique exclusiva ou principalmente à análise e comentário do futebol profissional, as sanções nele previstas são elevadas para o dobro».

«Artigo 112.º

Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros 1.O clube que use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, nomeadamente em virtude do exercício das suas funções desportivas, assim como incite à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina, é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 75 UC e o máximo de 350 UC. […]

35. Acompanhando as judiciosas considerações vertidas na decisão do PD n.º 73-20/21, de 27 de julho de 2021, relatado pela Conselheira Marta Vicente.

“31. As normas supra enunciadas integram o ordenamento disciplinar desportivo,

partilhando, destarte, da sua matriz teleonomológica. Cumpre não esquecer, com efeito, que nos termos do artigo 52.º do RJFD, os regulamentos disciplinares elaborados pelas federações desportivas – e, por via de delegação, pelas Ligas profissionais – têm em vista sancionar a violação das regras do jogo ou da competição, bem como todas as demais regras desportivas, nomeadamente as relativas à ética desportiva. Este é um conceito

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com contornos fluidos,10 mas que do ponto do direito positivo, encontra esclarecimentos importantes tanto no n.º 2 daquele dispositivo, como no artigo 3.º da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, que indubitavelmente associa a ética desportiva às regras – jurídicas e não jurídicas – que visam salvaguardar o espírito desportivo, a formação integral de todos os participantes e a prevenção e combate à violência no desporto.

32. Este é um aspeto que não pode ser desconsiderado chegado o momento de interpretar e de aplicar as normas que consagram as infrações disciplinares em liça. O que vem de dizer-se demonstra que as pessoas que detêm a qualidade de agente desportivo (artigo 4.º, n.º 1, al. a) do RDLPFP20) – estando, por conseguinte, sujeitas ao jus disciplinar – ostentam, quando atuam nas dimensões de publicidade do desporto, um estatuto privilegiado de direitos e deveres, que – importa deixar claro – não são assacáveis aos demais intervenientes no espaço público informativo ou comunicacional, inclusivamente no espaço público desportivo (e.g. jornalistas, colunistas e comentadores desportivos que não sejam agentes desportivos).

33. Atente-se, desde logo, no disposto no n.º 1 do artigo 51.º do Regulamento das Competições Organizadas pela LPFP [Deveres de correção e urbanidade dos intervenientes], «[t]odos os agentes desportivos devem manter comportamento de urbanidade e correção entre si, bem como para com os representantes da Liga Portugal e da FPF, os árbitros e árbitros assistentes»; no n.º 1 do artigo 19.º do RDLPFP20 [Deveres e obrigações gerais], «[a]s pessoas e entidades sujeitas à observância das normas previstas neste Regulamento devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social»; ou na al. i) do n.º 1 do artigo 8.º do Regime Jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, aprovado pela Lei n.º 39/2009, de 30.07, na redação dada pela Lei n.º

10 Para a delimitação do qual muito contribui o Código de Ética Desportiva, elaborado em 2014, com a participação de

inúmeras entidades públicas e privadas ligadas ao desporto, entre elas a Federação Portuguesa de Futebol, que na enunciação dos seus objetivos dá conta que «[F]alar de ética no desporto é centrarmo-nos em valores que deverão

estar presentes na orientação dos praticantes, em todos os agentes desportivos e no movimento associativo, de forma a que o desporto se possa constituir como verdadeiro fator educacional, de integração e inclusão social, contribuindo para o desenvolvimento de todas as potencialidades humanas e consciencialização de todos os agentes que se relacionam com o desporto quanto à respetiva responsabilidade na observância de comportamentos leais que possam servir de modelo positivo para os mais jovens».

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113/2019, de 11.09, segundo a qual devem os promotores dos espetáculos desportivos «usar de correção, moderação e respeito relativamente a outros promotores dos espetáculos desportivos e organizadores de competições desportivas, associações, clubes, sociedades desportivas, agentes desportivos, adeptos, autoridades públicas, elementos da comunicação social e outros intervenientes no espetáculo desportivo».11

34. O que não é menos importante, as normas legais e regulamentares que estabelecem e desenvolvem deontologicamente o princípio da ética desportiva são normas que contêm a definição de uma específica responsabilidade administrativa – a responsabilidade pelo exercício de poderes de organização, regulamentação e de disciplina numa dada modalidade e de garantia do bom funcionamento das competições de natureza profissional, onde elas existam – assumindo-se como concretização do dever constitucional de proteção do bem jurídico “prevenção da violência no desporto” a que alude expressamente o n.º 2 do artigo 79.º da CRP.

35. Existe, como é consabido, um efeito de condicionamento recíproco entre honra e liberdade de expressão, no sentido de que o modo como é tutelada a honra, seja no direito civil, seja no direito penal, seja no direito disciplinar, tem de levar em linha de conta a interpretação dos preceitos internacionais, constitucionais e legais sobre a liberdade de expressão.12 A evolução por que vem passando a jurisprudência nacional – civil e penal – no tratamento daquele efeito recíproco é inegável, constituindo em boa medida uma decorrência do impacto da jurisprudência do TEDH,13 em homenagem a uma interpretação conforme à Constituição e ao direito internacional.14 Tal não legitima,

11 De forma porventura mais explícita, vejam-se as normas de conduta oponíveis aos Dirigentes ou gestores

desportivos, entre as quais se contam os deveres de «não proferir, sob qualquer forma, declarações depreciativas do

mérito e do valor das demais associações ou sociedades desportivas, bem como dos dirigentes, praticantes, treinadores, árbitros ou outros agentes desportivos» e de «respeitar as decisões desportivas dos árbitros, juízes, cronometristas e demais aplicadores das leis do jogo».

12 Cf. Manuel da Costa Andrade, Liberdade de imprensa e inviolabilidade pessoal – Uma perspetiva

jurídico-constitucional, Coimbra Editora, Coimbra, 1996, p. 222.

13 Traduzida em sucessivas condenações de Portugal no TEDH, por violação do artigo 10.º da CEDH. Uma compaginação

e apreciação crítica dessa jurisprudência pode ser encontrada no texto de Francisco Pereira Coutinho, «O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a Liberdade de Imprensa: os casos portugueses», in Media, direito e democracia: I

curso pós-graduado em direito da comunicação (coord. Carlos Blanco de Morais, Maria Luísa Duarte e Raquel Alexandra

Brízida Castro), Coimbra, Almedina, 2014, pp. 319-361.

14 Exemplos dessa acomodação e da vontade manifesta de a realizar podem ser encontrados, entre outros, no Acórdão

do STJ de 13.07.2017, processo n.º 1405/07.1TCSNT.L1.S1 (Relator: Lopes do Rego) e jurisprudência nele citada, ou no Acórdão do STJ de 13.07.2017, processo n.º 3017/11.6TBSTR.E1.S1 (Relator: Lopes do Rego), ambos disponíveis em

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todavia, a transposição tout court dessa jurisprudência, prolatada, sobretudo, no contexto da liberdade de imprensa e da liberdade de informar, para um domínio como é o direito administrativo sancionatório, maxime o direito disciplinar desportivo, cuja teleologia se centra, precisamente, na prevenção dos fenómenos perversores do desporto e na salvaguarda da ética desportiva.”.

§2 O caso concreto: subsunção ao direito aplicável

36. Já acima o dissemos, determina o artigo 17.º do RDLPFP [Conceito de infração disciplinar] que se considera infração disciplinar o facto voluntário, por ação ou omissão, e ainda que meramente

culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável.

37. São elementos essenciais da infração disciplinar, de verificação cumulativa: (i) o facto do agente (que tanto pode traduzir-se numa ação como numa omissão); (ii) a ilicitude desse mesmo facto; e (iii) a culpa. No plano da culpa basta que estejamos face a uma conduta meramente culposa ou negligente do agente, para que essa conduta, desde que ilícita, seja passível de punição disciplinar.

38. Recapitulamos que constitui o objeto de presente processo a apreciação da relevância jusdisciplinar do comportamento assumido pelo Diretor Desportivo da Santa Clara Açores – Futebol SAD, Diogo Luís Vieira de Matos Boa Alma, por declarações proferidas em conferência de imprensa no final do jogo disputado no dia 20 de fevereiro de 2021 entre aquela SAD e a Gil Vicente Futebol Clube, Futebol SDUQ.

39. Para aquilatar se a predita conduta assumida pelo Arguido preenche ou não os elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito disciplinar p. e p. pelo artigo 136.º n.º 1 do RDLPFP, por violação do disposto no artigo 112.º, n.º 1, ambos do RDLPFP, importa atentar nas exatas palavras proferidas, no seu contexto discursivo e conjuntura temporal e, depois, na sua potencialidade para integrarem os elementos típicos exigidos pela norma sancionatória desportiva.

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40. Nesta análise não perdemos de vista aquela que tem sido a jurisprudência deste Conselho na interpretação dada ao artigo 136º, conjugado com o artigo 112º, ambos do RDLPFP, que exige que as afirmações proferidas sejam claramente dirigidas a titulares de cargo ou função previstas na norma ou ao seu conjunto, com carga ofensiva da honra, bom nome e reputação da pessoa visada ou para o bom e regular funcionamento da competição e da sua credibilidade, bem como a melhor jurisprudência dos tribunais comuns.

41. Como evidencia a matéria de facto provada e a sua motivação, entendemos estar perante a violação dos convocados normativos, pois o comportamento assumido pelo Arguido constitui conduta objetiva e eticamente reprovável, pois qualquer pessoa ligada, ou não, à comunidade

desportiva não lhes fica indiferente, reclamando assim a tutela disciplinar de dissuasão e

repressão deste comportamento.

42. O âmbito de aplicação do ilícito disciplinar p. e p. no artigo 112.º do RDLPFP abrange expressões, gestos, escritos e desenhos grosseiros que possam traduzir menosprezo ou causar a humilhação nos visados, mesmo que, no direito penal, não ascendam a condutas injuriosas ou difamatórias.

43. À semelhança do que sucede com o artigo 180.º n.º 1 do Código Penal15 aquele preceito

regulamentar visa tutelar o bem jurídico honra ou bem jurídico reputação. Não é, porém, um qualquer conceito de honra que merece tutela penal e, de igual modo a nosso ver, a tutela disciplinar, mas tão somente a honra enquanto “bem jurídico complexo que inclui, quer o valor

pessoal ou interior de cada individuo (pessoa singular coletiva ou entidade), radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior16”.

44. Traçado o quadro regulamentar do tipo disciplinar aqui em causa, por um lado, e, por outro, a análise da concreta factualidade sub iudice, não hesitamos em concluir que as declarações do Arguido comportam expressões de crítica à avaliação do desempenho dos árbitros em causa, mas também comportam expressões claramente difamatórias.

15 Como expressamente permite o artigo 16.º n.º 1 do RDLPFP

16 Cfr José de Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Artigos 131.º a 201.º,

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45. Apreciando em concreto as referidas declarações, verifica-se que parte delas contêm crítica objetiva a decisões das equipas de arbitragem relativas aos jogos mencionados (artigos 1.º e 3.º), situadas, portanto, no âmbito da liberdade de expressão. Referimo-nos, a título de exemplo “(…)

Nós temos um jogador que é pisado na primeira parte, tem as marcas bem visíveis, e vão fazer parte dessa exposição, que é um cartão vermelho directo, objectivamente. Não tem dúvida e o vídeo-árbitro existe para este tipo de lances. Se nós podemos dar o benefício da dúvida ao árbitro, não podemos dar o benefício da dúvida ao vídeo-árbitro, que tem calma para analisar o lance. É um pisão claro, ostensivo, não dizemos que é deliberado ou que é intencional, mas é claro e ostensivo, e é um lance para cartão vermelho directo. E o penalty e os descontos, é completamente inexistente, e nós não temos que ter medo de dizer, aqui, as coisas como são. Não há sequer contacto, nem sequer contacto, não há a mínima dúvida, não pode existir neste caso, nem para o árbitro no campo, e muito menos para o vídeo-árbitro. Nenhuma pessoa em casa, a ver aquele lance, pode ficar com a mínima dúvida se este lance era passível ou não de grande penalidade. Não é! E não se pode brincar com o esforço e com o trabalho de dezenas de profissionais deste clube. E não se pode brincar com representar uma região que fica muito orgulhosa com o desempenho do Santa Clara, e que merece ver o Santa Clara no lugar que está. Ok?”

46. Mas, ultrapassa, todavia, aquele âmbito, a imputação de juízos subjetivos dirigidos não só às respetivas equipas de arbitragem (indicadas nos artigos 2.º e 4.º dos factos provados), mas à arbitragem em geral e, por conseguinte, aos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros, declarações como: “E o Santa Clara, apesar de ser um clube que procura ter boas

relações com toda a gente, ser respeitador e ter uma postura positiva no futebol português, não pode ficar indiferente a determinadas coisas que têm acontecido: nós termos, a jornada passada, num jogo contra o Sporting de Braga, uma nomeação, no mínimo duvidosa, de se colocar um árbitro da Associação de Futebol de Braga a apitar esse jogo, sabendo que o Santa Clara viria jogar depois a Barcelos, com outra equipa da Associação de Futebol de Braga. Curiosamente, e para além dos lances que nos poderíamos queixar e não o fizemos, relativamente ao jogo com o Sporting de Braga, tivemos dois jogadores apenas a verem cartão amarelo, dois que estavam em risco de exclusão para este jogo, curioso, são coincidências que acontecem. Tiraram-nos 2 jogadores deste jogo. E o que se passou aqui, esta noite, vai ser alvo, com certeza, de uma exposição, por parte do Santa Clara, ao Conselho de Arbitragem. Não é normal nós, novamente, termos dois árbitros auxiliares da Associação de Futebol de Braga, que é a Associação do nosso

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adversário desta noite, e não é normal nem nós podemos aceitar que aconteça o que aconteceu aqui em 2 lances (…)” (realce adicionado).

47. Com a afirmação, “tivemos dois jogadores apenas a verem cartão amarelo, dois que estavam

em risco de exclusão para este jogo, curioso, são coincidências que acontecem. Tiraram-nos 2 jogadores deste jogo”, o Arguido coloca em causa a imparcialidade dos elementos que integraram

as equipas de arbitragem, e que dirigiram ambos os jogos em causa, ao imputar-lhes juízos de parcialidade na sua atuação com a intenção de, concertadamente, prejudicarem a sua equipa ao sancionarem dois jogadores “em risco de exclusão” para que não pudessem disputar o jogo seguinte.

48. Por outro lado, ao referir-se a uma nomeação “no mínimo duvidosa” no que respeita às equipas de arbitragem escolhidas para dirigirem os jogos em causa, (…“nós termos, a jornada

passada, num jogo contra o Sporting de Braga, uma nomeação, no mínimo duvidosa …Não é normal nós, novamente, termos dois árbitros auxiliares da Associação de Futebol de Braga, que é a Associação do nosso adversário desta noite”…) lança a suspeita sobre a atuação dos órgãos que

dirigem a arbitragem, insinuando que as nomeações foram feitas em função de outros interesses, que não os de uma competição leal e credível, pelo facto de os árbitros auxiliares nomeados pertencerem à associação de futebol dos clubes adversários.

49. Tratam-se de declarações que não podem ser toleradas, uma vez que, sendo públicas e com repercussão na imprensa desportiva nacional, são difamatórias e lesivas da honra das pessoas que integraram as equipas de arbitragem dos jogos a que o arguido alude ( vide artigos 2.º e 4.º dos factos provados) mas também da arbitragem do futebol português em geral, por imputação de imparcialidade, denegrindo a respectiva serenidade e autoridade e afetando, também, o bom e regular funcionamento da competição desportiva e, sequentemente a respectiva credibilidade.

50. Não podia o Arguido ignorar a ressonância pública que tais declarações alcançariam, proferidas que foram no âmbito de uma conferência de imprensa, facto este que, como veremos, tem reflexos na qualificação da infração em causa.

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51. Não descurando o exercício do direito à critica do Arguido – inserido na sua liberdade de expressão de criticar decisões tomadas, os critérios seguidos, expressar sentimentos de injustiça e revelar desagrado em relação a factos e situações – é manifesto que o mesmo extravasa inapelavelmente o seu legitimo campo de atuação atingindo de forma lesiva o direito dos visados – a equipa de arbitragem e o órgão que a tutela- ao bom nome e reputação.17 Pois ainda que o

direito à crítica constitua manifestação do direito constitucionalmente consagrado de liberdade de expressão18, tal direito deve conter-se, sempre, nos limites de proporcionalidade e adequação

constitucionalmente impostos de modo a salvaguardar o núcleo essencial do direito constitucional com que conflitua, neste caso o direito à honra.

52. O juízo de ponderação entre os bens jurídicos em conflito não pode ignorar o facto de a qualidade de agente desportivo estar associada, nos termos legais e regulamentares, a um

estatuto especial de direitos e deveres, entre eles o dever, para esses agentes, de se absterem de

condutas que potenciem comportamentos violentos ou perturbações da ordem pública desportiva. Como impressivamente resulta do RHI n.º 13 – 20/2021, em «a (proporcional)

compressão do direito à liberdade de expressão faz parte dos ónus que decorrem do privilégio de se tornarem destinatários das normas que, aliás, os mesmos ajudaram a construir através da aprovação do regulamento disciplinar ao abrigo de competência delegada legalmente».19

53. Esta asserção não só encontra arrimo na jurisprudência do STA, como é um dos aspetos tidos em conta pelo TEDH na interpretação e aplicação do artigo 10.º, n.º 2 da CEDH, quando ali se assinala que certas pessoas ou grupos, pelos deveres e responsabilidades inerentes à atividade que desempenham, podem ter de suportar interferências mais intensas na sua liberdade de expressão, sem que isso perturbe o justo equilíbrio dos interesses em presença, atenta a premência dos interesses públicos em que se esteiam aquelas situações funcionais.20 Não

17 “O direito à crítica e censura tem o seu limite racional no respeito devido à honra e reputação das pessoas e constitui

injúria se, com a crítica e censura se agrava e desonra o criticado”, in Ac. Relação do Porto, de 16.02.1992, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 419, pág. 809.

18 Dispõe o artigo 37.º n.º 1 da CRP que “Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela

palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.”

19 RHI n.º 13 – 2020/2021, acórdão da Secção Profissional do Conselho de Disciplina tirado por unanimidade em

12.01.2020 (Relator: João Gouveia de Caires).

20 Destacamos aqui, em linha com a doutrina, o acórdão Szima c. Hungria, application no. 29723/11, Judgment,

09.10.2012, a propósito da publicação através da internet, pela presidente do sindicato da polícia, de uma série de artigos sobre remunerações em atraso, sobre nepotismo e tráfico de influências, descrevendo uma “liderança prostituída e “quadros superiores tirânicos”, tendo sido aquela multada e despromovida por instigar a subordinação.

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esquecer, ademais, que, no modelo de autorregulação em que, por opção político-legislativa, se concretizou a regulação pública do desporto, as federações desportivas exibem uma legitimidade

democrática originária (de tipo associativo), apta, portanto, a conferir ao estatuto de agente

desportivo, e inerente compressão regulamentar de certas posições jurídicas subjetivas fundamentais, um elemento de consentimento ou autovinculação.21

*

54. O Arguido Diogo Luís Vieira de matos Boa Alma, vem acusado da prática da infração disciplinar p. e p. no artigo 136.º, n.ºs 1, 3 e 4 do RDLPFP20.

55. Com efeito, o ilícito disciplinar comporta a reincidência como elemento de qualificação do tipo (n.º 3). Segundo o artigo 54.º do RDLPFP20, «quando em norma especial do presente

Regulamento se exija a verificação da reincidência para efeitos de qualificação de uma infração disciplinar apenas se considera reincidente o agente que, em qualquer uma das três épocas desportivas anteriores àquela em que se verificarem os factos, tiver sido condenado pela prática da mesma infração disciplinar mediante decisão transitada em julgado».

56. Confrontado o cadastro disciplinar do Arguido (facto provado 7.º) constata-se que, na época desportiva de 2017/2018, foi condenado pela prática de uma infração p. e p. no artigo 136.º, n.º 1, por decisão já transitada em julgado, na sanção de multa de 893 € e na sanção de suspensão de 30 dias, sendo, nessa medida reincidente pelo tipo.

57. Por outro lado, dispõe o n.º 4 do artigo 136.º do RDLPFP20 que, «[C]aso as infrações previstas

nos n.ºs 1 e 2 sejam praticadas através de meios de comunicação social, nomeadamente em

O TEDH reiterou que não havia violação do artigo 10.º da CEDH, por a ingerência na liberdade de expressão ter um fim legítimo – a preservação da ordem e a prevenção da insubordinação no corpo policial; e o acórdão Trade Union of the Police in the Slovak Republic and Others v. Slovakia, requête n.º 11828/08, Judgment, 25.09.2012, a propósito da participação de um sindicato da polícia num comício público, onde se lia, num dos cartazes que «se o Estado não paga

ao polícia, a máfia pagá-lo-á de bom grado». O Ministro do Interior afastou o presidente do sindicato do cargo de

diretor da polícia. O Tribunal avançou que não havia violação dos artigos 10.º e 11.º da CEDH, referindo que a interferência se mostrava necessária a assegurar «o respeito pela exigência de que a polícia deve atuar imparcialmente

quando exprime as suas posições, por forma a que a confiança do público não seja abalada» (§70). Sobre estes

acórdãos, cf. o trabalho de Júlio Vieira Gomes, «77. Liberdade de expressão do trabalhador subordinado», in

Comentário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e dos Protocolos Adicionais (org. Paulo Pinto de

Albuquerque), vol. II, 2019, UCE, Lisboa, pp. 1740-1772, em especial as pp. 1762-1765.

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programa televisivo ou radiofónico que se dedique exclusiva ou principalmente à análise e comentário do futebol profissional, as sanções nele previstas são elevadas para o dobro».

58. Ora, as declarações que ora se reputam ofensivas da honra e reputação dos agentes de arbitragem e do órgão que a tutela, foram produzidas na conferência de imprensa que se seguiu ao final do jogo realizado no dia 20 de janeiro de 2021, perante vários órgãos de comunicação social, de entre os quais o sítio da internet denominado “zero zero” que, como é de aquisição pública, é inteiramente dedicado à transmissão de conteúdos desportivos relativos às competições de futebol a nível nacional e internacional.

59. Encontram-se, portanto, reunidos os pressupostos de natureza objetiva e subjetiva de que depende a responsabilidade disciplinar do Arguido Diogo Luis Vieira de Matos Boa Alma, Diretor Desportivo da Santa Clara Açores, Futebol SAD, nos termos conjugados dos artigos 136.º, n.ºs 1, 3 e 4 e 112.º, n.º 1 do RDLPFP20.

VI – Medida e graduação da sanção §1. Enquadramento juridicodisciplinar

60. É no Capítulo III (medida e graduação das sanções), artigos 52.º a 61.º, do RDLPFP20 que nos deparamos com as normas que possibilitam alcançar a medida concreta da sanção, tendo sempre presente o princípio da proporcionalidade, patente no artigo 10.º,22 e o funcionamento das

circunstâncias que, não fazendo parte do tipo da infração, militem a favor do agente ou contra ele, e que encontram consagração nos artigos 53.º (Circunstâncias agravantes) e 55.º (Circunstâncias atenuantes) do Regulamento. A isto acresce ainda a possibilidade de atenuação especial da sanção, prevista no artigo 60.º, incidente sobre a sanção concretamente aplicada.

61. Como princípio estruturante da tarefa de concretização da medida da sanção, devemos ter ainda como revelante o disposto no artigo 52.º (Determinação da medida da sanção): «A

determinação da medida da sanção, dentro dos limites definidos no presente Regulamento,

far-22 Segundo o artigo 10.º do RDLPFP20, «as sanções disciplinares aplicadas como consequência da prática das infrações

disciplinares previstas no presente regulamento devem ser proporcionais e adequadas ao grau da ilicitude do facto e à intensidade da culpa do agente».

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se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuras infrações disciplinares.»

62. Portanto, prevenção e culpa são os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da sanção, espelhando o primeiro a necessidade comunitária do sancionamento do caso concreto, ou, nas distintas palavras de Figueiredo Dias, «a necessidade de tutela da confiança e

das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada»,23 e constituindo

o segundo dos enunciados critérios, especificamente dirigido ao agente da infração, o limite às exigências de prevenção e, portanto, o limite máximo da sanção.

63. Mister é, neste particular, notar que é a ideia de prevenção geral (positiva) enquanto finalidade primordial visada pela sanção, que dá sustento ao cumprimento do princípio da necessidade da pena consagrado, em termos gerais, no artigo 18.º, n.º 2 da CRP. São, nomeadamente, as exigências de prevenção geral que definem a chamada “moldura da prevenção”, em que o quantum máximo de sanção corresponderá à medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a sanção deve alcançar e o limite inferior é aquele que define o limiar mínimo da defesa do ordenamento jurídico, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação de sanção sem irremediável prejuízo da respetiva função tutelar. Nesse contexto, no que concerne às exigências de prevenção especial ou individual, a sanção não pode deixar de alcançar o objetivo de fazer o arguido interiorizar o desvalor da sua conduta de molde a prevenir a prática de futuros ilícitos disciplinares. Em todo o caso, a medida da sanção não pode ultrapassar a medida da culpa, que constitui «um limite inultrapassável de

todas e quaisquer considerações preventivas».24 São este, pois, os critérios que orientam o

aplicador do direito na determinação do substrato da medida da pena.

64. Ora, apurados os factos valorados como atentatórios da ordem jurídica desportiva e enquadrados nos respetivos tipos de infração, resta apreciar e decidir as sanções a aplicar.

23 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal – Teoria Geral, Tomo I, 2.ª ed. (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 2012,

p. 79.

24 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal – Teoria Geral, Tomo I, 2.ª ed. (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 2012,

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§2. O caso concreto

65. A prática da infração disciplinar p. e p. no artigo 136.º, n.º 1 RDLPFP20 é punida, em abstrato, com sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de um mês e o máximo de dois anos e, acessoriamente, com sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 e o máximo de 300 UC.

66. O ilícito disciplinar comporta a reincidência como elemento de qualificação do tipo25,

dispondo o n.º 3 daquele normativo, que «[E]m caso de reincidência, os limites mínimo e máximo

das sanções previstas nos números anteriores são elevados para o dobro».

67. Ora, como resulta dos factos provados, há a ponderar a reincidência como elemento de qualificação do tipo (cf. artigo 54.º do RDLPFP20), havendo, por conseguinte, que elevar para o dobro os limites mínimo e máximo das sanções previstas no n.º 1 do artigo 136.º do RDLPFP20 (mínimo de dois meses e máximo de quatro anos, no que respeita à sanção de suspensão e, no mínimo de 100 UC e máximo de 600 UC, no que respeita à sanção de multa).

68. Por outro lado, uma vez que a infração foi praticada através de meio de comunicação social, as sanções previstas no n.º 1 do artigo 136.º do RDLPFP20 são, também, elevadas para o dobro. Não obstante, estando perante a situação das infrações “qualificadas” que estão previstas e punidas no artigo 136.º, n.ºs 1 e 3; e nos n.ºs 1 e 4, não há lugar a uma cumulativa elevação para o dobro (que assim se traduziria para o quadruplo) dos limites mínimos e máximo da moldura sancionatória”, assumindo-se os arcos sancionatórios referidos no ponto anterior como prevalecentes na escolha da sanção concreta a aplicar.

69. Posto isto, em termos de prevenção geral, há que considerar a natureza e a relevância dos bens jurídicos protegidos pelo tipo de ilícito em questão, ou seja, não só o direito subjetivo fundamental à honra e ao bom nome dos agentes desportivos visados, em especial atenta a sua qualidade de agentes de arbitragem, e o órgão que a tutela, mas também o interesse constitucionalmente protegido de prevenção da violência no desporto e o interesse público, confiado às Federações Desportivas e às Ligas Profissionais, de assegurar o princípio da ética

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desportiva e o bom funcionamento das competições de natureza profissional.

70. Do mesmo modo, não se pode deixar de ter em conta a frequência da ocorrência de fenómenos como os provados nos autos, com repercussão na imprensa desportiva o que incrementa a «necessidade da tutela da confiança e das expectativas da comunidade na

manutenção da vigência da norma violada».26 Afiguram-se, assim, intensas as necessidades de

prevenção geral que se fazem registar.

71. Já no respeita às exigências de prevenção especial ou individual, há que destacar que o Arguido tem averbada no seu registo disciplinar uma condenação pela prática de infração disciplinar por lesão da honra e violação dos deveres de cordialidade e respeito entre agentes desportivos, o que significa que o anterior sancionamento, embora já na época 2017/18, não serviu de suficiente advertência contra a prática daquela infração.

72. Aqui chegados, sopesada toda a materialidade dada como provada e os critérios normativos orientadores da dosimetria da sanção, entende-se suficiente e adequado, tanto em termos preventivos, como para efeitos sancionatórios, situar a sanção concreta a aplicar ao Arguido Diogo Luís Vieira de Matos Boa Alma, pela prática da infração disciplinar p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 136.º, n.ºs 1, 3 e 4 e 112.º, n.º 1 do RDLPFP20, na sanção de suspensão que se fixa em 60 dias (sessenta dias) e, acessoriamente, na sanção de multa que se fixa em 100 UC, a que corresponde, compulsado o fator de ponderação a que alude o n.º 2 do artigo 36.º do RDLPFP20 (0,55) e o arredondamento previsto no n.º 6 do artigo 36.º do mesmo diploma, o montante de € 5.610 (cinco mil seiscentos e dez euros).

VII – Decisão

Pelo exposto, os membros da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, decidem julgar procedente, por provada, a acusação e consequentemente, condenam o Arguido, Diogo Luís Vieira de Matos Boa alma Director Desportivo da Santa Clara Açores, Futebol SAD, pela prática de uma infracção p. e p. pelo artigo 136.º, n.º 1, 3 e 4 RDLPFP [Lesão da honra e da reputação e denúncia caluniosa] por referência

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ao disposto no artigo 112.º, n.º 1 do mesmo Regulamento na sanção de suspensão de 60 dias (sessenta dias) e, acessoriamente, na sanção de multa de € 5.610 (cinco mil seiscentos e dez euros).

Custas a cargo do Arguido, fixando-se o emolumento disciplinar em 4 UC (quatrocentos e oito euros), (artigo 279.º 1, artigo 283, n.º 1, al. a) e 284.º n.º 1, todos do RDLPFP20).

Registe, notifique e publicite.

Cidade do Futebol, 3 de agosto de 2021.

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RECURSO DESTA DECISÃO

As decisões do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol são passíveis de recurso, nos termos da lei e dos regulamentos, para o Conselho de Justiça ou para o Tribunal Arbitral do Desporto.

De acordo com o artigo 44.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, na redação conferida pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 93/2014 de 23 de junho, cabe recurso para o Conselho de Justiça das decisões disciplinares relativas a questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria Regimento do Conselho de Justiça aprovado pela Direção da Federação Portuguesa de Futebol, em 18 de dezembro de 2014 e de 29 de abril de 2015 e publicitado pelo Comunicado Oficial n.º 383, de 27 de maio de 2015, com as alterações publicitadas pelo Comunicado Oficial n.º 188, de 9 de janeiro de 2018 e as alterações publicitadas pelo Comunicado Oficial n.º 5 de 1 de julho de 2019). Em conformidade com o artigo 4.º, n.ºs 1 e 3, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (aprovada pelo artigo 2.º da Lei n.º 74/2013 de 6 de setembro, que cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respetiva lei, na redação conferida pelo artigo 3.º da Lei n.º 33/2014 de 16 de junho - Primeira alteração à Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, que cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respetiva lei), compete a esse tribunal conhecer, em via de recurso, das deliberações do Conselho de Disciplina.

Exclui-se dessa competência, nos termos do n.º 6 do citado artigo, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.

O recurso para o Tribunal Arbitral do Desporto deve ser interposto no prazo de 10 dias, contados da notificação desta decisão (artigo 54.º, n. º 2, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto).

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