Eletromagnetismo II
Cap. 8: Leis de conservação
8.1: Teorema de Poynting e conservação de energia Prof. Marcos Menezes
Instituto de Física - UFRJ
8.1 Teorema de Poynting e conservação de energia
Vamos discutir agora o balanço de energia na eletrodinâmica. Para isso, considere uma distribuição arbitrária de cargas e correntes, com densidades volumétricas 𝜌 e 𝐉 conhecidas na presença de campos 𝐄 e 𝐁 (incluindo os produzidos pela própria distribuição).
A força eletromagnética sobre um elemento de carga 𝑑𝑞 = 𝜌𝑑𝑣 da distribuição deslocando-se com velocidade 𝐯 é:
𝑑𝐅 = 𝑑𝑞 (𝐄 + 𝐯 × 𝐁) = 𝜌 𝐄 + 𝐯 × 𝐁 𝑑𝑣
O trabalho realizado por essa força ao longo de um deslocamento infinitesimal 𝑑𝐥 da carga é:
𝑑𝑤 = 𝑑𝐅 ⋅ 𝑑𝐥 = 𝜌 𝐄 + 𝐯 × 𝐁 ⋅ 𝑑𝐥 𝑑𝑣
Como 𝑑𝐥 = 𝐯 𝑑𝑡, podemos escrever:
Como 𝐉 = 𝜌𝐯, o trabalho total realizado sobre todas as cargas e correntes da distribuição é:
𝑑𝑤 = 𝜌 𝐄 + 𝐯 × 𝐁 ⋅ 𝐯 𝑑𝑡 𝑑𝑣 = 𝜌 𝐄 ⋅ 𝐯 𝑑𝑣 𝑑𝑡
uma vez que 𝐯 × 𝐁 ⋅ 𝐯 = 0 (vetores perpendiculares). Verificamos mais uma fez que a força magnética não realiza trabalho!
𝑑𝑊 = න
𝑉
𝑑𝑤 = න
𝑉
𝐄 ⋅ 𝐉 𝑑𝑣 𝑑𝑡
e a potência associada é:
𝑃 = 𝑑𝑊
𝑑𝑡 = න
𝑉
𝐄 ⋅ 𝐉 𝑑𝑣
Vamos agora utilizar as equações de Maxwell para reescrever a expressão acima inteiramente em termos dos campos 𝐄 e 𝐁!
Vamos utilizar primeiro a lei de Ampère-Maxwell:
Com isso:
Para o primeiro termo, vamos utilizar agora a seguinte regra de produto:
𝑑𝑊
𝑑𝑡 = න
𝑉
𝐄 ⋅ 𝐉 𝑑𝑣 = න
𝑉
𝐄 ⋅ 1
𝜇
0𝛁 × 𝐁 − 𝜀
0𝜕𝐄
𝜕𝑡 𝑑𝑣
𝛁 × 𝐁 = 𝜇
0𝐉 + 𝜇
0𝜀
0𝜕𝐄
𝜕𝑡 ⇒ 𝐉 = 1
𝜇
0𝛁 × 𝐁 − 𝜀
0𝜕𝐄
𝜕𝑡
𝛁 ⋅ 𝐄 × 𝐁 = 𝐁 ⋅ 𝛁 × 𝐄 − 𝐄 ⋅ 𝛁 × 𝐁
e, da lei de Faraday:
𝛁 × 𝐄 = − 𝜕𝐁
𝜕𝑡 ⇒ 𝐄 ⋅ 𝛁 × 𝐁 = −𝐁 ⋅ 𝜕𝐁
𝜕𝑡 − 𝛁 ⋅ 𝐄 × 𝐁
Portanto:
Note agora que:
𝑑𝑊
𝑑𝑡 = න
𝑉
− 1
𝜇
0𝐁 ⋅ 𝜕𝐁
𝜕𝑡 + 𝛁 ⋅ 𝐄 × 𝐁 − 𝜀
0𝐄 ⋅ 𝜕𝐄
𝜕𝑡 𝑑𝑣
= − න
𝑉
𝜀
0𝐄 ⋅ 𝜕𝐄
𝜕𝑡 + 1
𝜇
0𝐁 ⋅ 𝜕𝐁
𝜕𝑡 𝑑𝑣 − 1 𝜇
0න
𝑉
𝛁 ⋅ 𝐄 × 𝐁 𝑑𝑣
𝐄 ⋅ 𝜕𝐄
𝜕𝑡 = 1 2
𝜕
𝜕𝑡 (𝐸
2) 𝐁 ⋅ 𝜕𝐁
𝜕𝑡 = 1 2
𝜕
𝜕𝑡 (𝐵
2)
e
e a segunda integral pode ser simplificada utilizando o teorema de Gauss. O resultado final é:
𝑑𝑊
𝑑𝑡 = − 1 2
𝑑 𝑑𝑡 න
𝑉
𝜀
0𝐸
2+ 1
𝜇
0𝐵
2𝑑𝑣 − 1 𝜇
0ර
𝑆
𝐄 × 𝐁 ⋅ 𝑑𝐚
Este é o teorema de Poynting. Ele representa o balanço de energia na eletrodinâmica!
Vamos agora interpretar este teorema discutindo cada termo.
Nós já vimos o primeiro termo (integral de volume) antes. Note que:
𝑈
𝑒𝑚= 1 2 න
𝑉
𝜀
0𝐸
2+ 1
𝜇
0𝐵
2𝑑𝑣
representa a energia armazenada no campo eletromagnético dentro da região de volume 𝑽!
Portanto, o primeiro termo representa a taxa de decréscimo desta energia −𝒅𝑼𝒆𝒎
𝒅𝒕 .
Para o segundo termo, é conveniente definirmos o vetor de Poynting:
𝐒 = 1
𝜇
0𝐄 × 𝐁
de forma que o fluxo de 𝐒 através de uma superfície fechada 𝑆 é:
Φ
𝐒𝑆= ර
𝑆
𝐒 ⋅ 𝑑𝐚
Portanto, o segundo termo representa menos a energia por unidade de tempo que flui através da superfície 𝑺 que delimita 𝑽!
Com essas definições, podemos reescrever o teorema de Poynting como:
ou seja: o trabalho por unidade de tempo realizado pela força eletromagnética sobre as cargas e correntes no interior de uma região é igual a taxa com que a energia armazenada pelos campos no interior da região é perdida menos a energia por unidade de tempo que flui através da superfície que delimita a região.
Com esse resultado, podemos ainda interpretar 𝑺 como a densidade de fluxo de energia por unidade de tempo (energia por unidade de área e tempo)!
𝑑𝑊
𝑑𝑡 = − 𝑑𝑈
𝑒𝑚𝑑𝑡 − Φ
𝐒𝑆𝑑𝑊
𝑑𝑡 = − 1 2
𝑑 𝑑𝑡 න
𝑉
𝜀
0𝐸
2+ 1
𝜇
0𝐵
2𝑑𝑣 − 1 𝜇
0ර
𝑆
𝐄 × 𝐁 ⋅ 𝑑𝐚
Forma diferencial do teorema de Poynting:
Podemos ainda definir a densidade volumétrica de energia armazenada nos campos:
𝑢
𝑒𝑚= 1
2 𝜀
0𝐸
2+ 1 𝜇
0𝐵
2e a densidade volumétrica de energia mecânica associada ao sistema como:
𝑑𝑊
𝑑𝑡 = 𝑑 𝑑𝑡 න
𝑉
𝑢
𝑚𝑒𝑐𝑑𝑣
Com isso, o teorema de Poynting pode ser reescrito como:
𝑑 𝑑𝑡 න
𝑉
𝑢
𝑚𝑒𝑐𝑑𝑣 = − 𝑑 𝑑𝑡 න
𝑉
𝑢
𝑒𝑚𝑑𝑣 − ර
𝑆
𝐒 ⋅ 𝑑𝐚 𝑑𝑈
𝑒𝑚𝑑𝑡 = 𝑑 𝑑𝑡 න
𝑉
𝑢
𝑒𝑚𝑑𝑣
⇒
Utilizando novamente o teorema da divergência, obtemos:
Como o resultado deve valer para qualquer volume 𝑉, obtemos a forma diferencial:
Compare com a equação da continuidade que já vimos anteriormente:
න
𝑉
𝜕
𝜕𝑡 (𝑢
𝑚𝑒𝑐+ 𝑢
𝑒𝑚) 𝑑𝑣 = − න
𝑉
𝛁 ⋅ 𝐒 𝑑𝑣
𝜕
𝜕𝑡 𝑢
𝑚𝑒𝑐+ 𝑢
𝑒𝑚= − 𝛁 ⋅ 𝐒
𝜕𝜌
𝜕𝑡 = − 𝛁 ⋅ 𝐉
A interpretação física é imediata:
• 𝑺 representa a densidade de fluxo de energia da mesma forma que 𝑱 representa a de carga (por unidade de tempo)!
• O teorema de Poynting representa a lei da conservação da energia da mesma forma que a equação da continuidade representa a lei da conservação de carga!
Exemplo: um outro olhar para o efeito Joule
Exemplo 8.1 (adaptado): Considere um fio longo e retilíneo de comprimento 𝐿 e seção transversal circular de raio 𝑎, como mostrado na figura abaixo. Ele transporta uma corrente estacionária de intensidade 𝐼, uniformemente distribuída sobre a seção transversal. A diferença de potencial entre as extremidades do fio vale 𝑉.
(a) Determine o vetor de Poynting (módulo, direção e sentido) em um ponto arbitrário sobre a superfície lateral do fio (imediatamente dentro dele).
(b) Determine o fluxo deste vetor sobre a superfície lateral do fio. Interprete o resultado.
(a) Já vimos que o campo elétrico no interior do fio é uniforme e é dado por (cap. 7.1):
Este também deve ser o campo na superfície do fio (imediatamente dentro).
𝐄 = 𝑉 𝐿 ො𝐳
Como a distribuição de correntes tem simetria cilíndrica, já vimos que o campo magnético no exterior do fio deve ser idêntico ao de um fio fino, retilíneo e infinito (cap. 5):
𝐁 = 𝜇
0𝐼 2𝜋𝑠 𝝓
onde 𝑠 é a distância até o eixo. Na superfície, teremos 𝑠 = 𝑎 e:
𝐁 = 𝜇
0𝐼 2𝜋𝑎 𝝓
Note que este campo é contínuo sobre a superfície do fio. Por que?
Portanto, o vetor de Poynting sobre a superfície será (imediatamente dentro):
Note que este vetor aponta radialmente para dentro do fio. Dessa forma, temos energia fluindo para dentro dele!
𝐒 = 1
𝜇
0𝐄 × 𝐁 = 1 𝜇
0𝑉
𝐿 ො𝐳 × 𝜇
0𝐼
2𝜋𝑎 𝝓 = − 𝑉𝐼
2𝜋𝑎𝐿 ො𝐬
(b) Na superfície lateral do fio, temos ෝ𝐧 = ො𝐬. Assim, o fluxo de 𝐒 através dessa superfície é:
Φ
𝐒𝑆= න
𝑠𝑢𝑝.
𝐒 ⋅ 𝑑𝐚 = න
𝑠𝑢𝑝.
− 𝑉𝐼
2𝜋𝑎𝐿 ො𝐬 ⋅ 𝑑𝑎 ො𝐬 = − 𝑉𝐼 2𝜋𝑎𝐿 න
𝑠𝑢𝑝.
𝑑𝑎
= − 𝑉𝐼
2𝜋𝑎𝐿 2𝜋𝑎𝐿 = −𝑉𝐼
Como os campos são estáticos, temos 𝑑𝑈𝑒𝑚
𝑑𝑡 = 0. Como as faces laterais do fio não contribuem para o fluxo, o teorema de Poynting dá:
𝑃 = 𝑑𝑊
𝑑𝑡 = −Φ
𝐒𝑆= 𝑉𝐼
• Como 𝑉 = 𝑅𝐼 (lei de Ohm), obtemos 𝑃 = 𝑅𝐼2. Este resultado representa o efeito Joule, uma vez que a energia é fornecida às cargas do fio e é dissipada devido à resistência elétrica dele!
• Note que obtivemos esse resultado de uma forma muito mais simples no cap. 7 (ver seção 7.1), mas é interessante ver a consistência da teoria.
Exemplo 2: solenoide e espira
(a) Como a corrente no solenoide varia lentamente com o tempo, podemos utilizar a aproximação quase-estática. O campo é dado pela lei de Ampère e vale:
onde exploramos a uniformidade de 𝐁 dentro do solenoide.
Finalmente, a lei de Ohm dá a corrente induzida no anel:
𝐁
𝑠(𝑠, 𝑡) = ቐ
𝜇
0𝑛𝐼
𝑠𝑡 ො𝐳, 𝑠 < 𝑎 𝟎, 𝑠 > 𝑎
Utilizando a lei de Faraday, calculamos a fem induzida no anel:
ℰ
𝑖𝑛𝑑𝐶= − 𝑑Φ
𝐵𝑆𝑑𝑡 = − 𝑑 𝑑𝑡 න
𝑆
𝐁
𝑠⋅ d𝐚 = − 𝑑
𝑑𝑡 𝜇
0𝑛𝐼
𝑠𝑡 𝜋𝑎
2= −𝜇
0𝑛 𝜋𝑎
2𝑑𝐼
𝑠𝑑𝑡
𝐼
𝑟= ℰ
𝑖𝑛𝑑𝐶𝑅 = − 𝜇
0𝑛 𝜋𝑎
2𝑅
𝑑𝐼
𝑠𝑑𝑡
Como 𝐼𝑠 diminui com o tempo, 𝐼𝑟 tem o mesmo sentido de 𝐼𝑠!
(b) Nós já calculamos o campo elétrico induzido por 𝐄𝑠 na aproximação quase-estática. O resultado é (problema 7.15):
• Como o raio 𝑏 do anel é muito maior que o raio 𝑎 do solenoide, podemos dizer que o campo produzido pelo anel na superfície do solenoide é aproximadamente igual ao valor produzido no eixo.
• Na aproximação quase-estática, este campo pode ser facilmente obtido a partir da lei de Biot-Savart. O resultado é (ver cap. 5):
𝐄
𝑠= − 𝜇
0𝑛𝑎
22𝑠
𝑑𝐼
𝑠𝑑𝑡 𝝓
𝑠 > 𝑎Na superfície do solenoide, tomamos 𝑠 = 𝑎, logo:
𝐄
𝑠= − 𝜇
0𝑛𝑎 2
𝑑𝐼
𝑠𝑑𝑡 𝝓 = 𝑅
2𝜋𝑎 𝐼
𝑟𝝓
𝐁
𝑟𝑧, 𝑡 ≈ 𝜇
0𝐼
𝑟2
𝑏
2𝑏
2+ 𝑧
2 3/2ො𝐳
onde a coordenada 𝑧 é medida com relação ao plano do anel (𝑧 = 0).
Com esses campos, calculamos o vetor de Poynting sobre a superfície, imediatamente fora do solenoide:
Note que este vetor aponta radialmente para fora, indicando a direção da densidade de fluxo de energia. O fluxo através da superfície é
𝐒 = 1
𝜇
0𝐄
𝑠× 𝐁
𝑟= 1 𝜇
0𝑅
2𝜋𝑎 𝐼
𝑟𝝓 × 𝜇
0𝐼
𝑟2
𝑏
2𝑏
2+ 𝑧
2 32ො𝐳 = 𝑅𝐼
𝑟24𝜋𝑎
𝑏
2𝑏
2+ 𝑧
2 32ො𝐬
Φ
𝐒𝑠𝑢𝑝.𝑙𝑎𝑡.= න
𝑠𝑢𝑝.𝑙𝑎𝑡.
𝐒 ⋅ 𝑑𝐚 = න
−∞
+∞
න
0
2𝜋
𝑅𝐼
𝑟24𝜋𝑎
𝑏
2𝑏
2+ 𝑧
2 32ො𝐬 ⋅ 𝑑𝑧 𝑎𝑑𝜙
Ƹ𝐬= 𝑅𝐼
𝑟22 න
−∞
+∞
𝑏
2𝑏
2+ 𝑧
2 32𝑑𝑧
A integral pode ser resolvida por uma substituição trigonométrica. O resultado é:
Lembrando que Φ𝐒𝑠𝑢𝑝.𝑙𝑎𝑡. corresponde à quantidade de energia por unidade de tempo que flui através da superfície do solenoide, confirmamos que essa energia é fornecida ao anel e é dissipada pela resistência elétrica dele!
Φ
𝐒𝑠𝑢𝑝.𝑙𝑎𝑡.= 𝑅𝐼
𝑟22 න
−∞
+∞
𝑏
2𝑏
2+ 𝑧
2 32𝑑𝑧 = 𝑅𝐼
𝑟22
𝑧
𝑏
2+ 𝑧
2 12ቚ
− ∞+∞
= 𝑅𝐼
𝑟2Perguntas:
• Utilizamos uma aproximação para obter o campo magnético produzido pelo anel. Ainda assim, obtivemos o resultado esperado no final. Por que isto funciona?
• Como fica a contribuição da energia armazenada nos campos dentro da aproximação quase-estática?
• O teorema de Poynting se aplica a superfícies fechadas, mas calculamos o fluxo apenas sobre uma superfície aberta. Como completamos o argumento?
Referências básicas
• Griffiths (3ª edição) – cap. 8
Leitura avançada
• Zangwill – cap. 15
• Jefimenko – cap. 15