Os coronéis, as armas e a justiça
Valmiro Ferreira Silva Graduado em História pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes Mestrando em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia, bolsista CNPq
Email: valmirofs@yahoo.com.br
PALAVRAS-CHAVE: Sedição; Eleições; Poder KEYWORDS: Sediction; Elections; Power
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Esta transcrição é fruto de uma pesquisa realizada durante o ano de 2007 na cidade de São Francisco, Norte de Minas Gerais. Na ocasião, atuava como pesquisador bolsista FAPEMIG digitalizando processos cíveis e criminais do século XIX, sobretudo os que envolviam escravos e demografia nos contornos da região Norte de Minas. “Sedição Januária do Amparo 1872”.
1O seguinte título na capa do processo instigou-me para a leitura da fonte em português arcaico, revelador e surpreendente a cada folha. Das indagações que vieram à tona, a primeira foi tentar desvendar como um processo criminal do final do século XIX, ocorrido na cidade de Januária, se encontra em São Francisco, cidade vizinha? E qual a relação que circundavam essas cidades? Por que um documento daquela cidade estava em São Francisco desde o final do século XIX? Para entender esta questão é preciso esclarecer alguns pontos. O documento encontra-se nos arquivos da ONG Preservar, é uma instituição que mantém e preserva documentos, processos cíveis e criminais datados a partir do início do século XIX, e outros manuscritos. O objetivo da ONG é auxiliar estudantes em pesquisa e trabalhos escolares. O acervo documental desta ONG é riquíssimo e variado. São documentos desde 1831 até meados de 2000. Nesse universo é possível
1 Esta fonte encontra-se no Núcleo de pesquisa e preservação do patrimônio cultural de São Francisco – ONG PRESERVAR.
Localiza-se na Avenida Olegário Maciel, N° 1021, Centro, São Francisco-MG. A fonte é a seguinte: Sumário de Culpa.
Sedição. 1872. Estante 04, Caixa 07, Documento 03. Do conteúdo da ONG já saíram pesquisas de enormes contribuições, possibilitando novos debates com a historiografia, como teses de doutorado e pós doutorado, mestrado e inúmeras monografias. Pesquisadores renomados já visitaram e pesquisaram nos acervos desta ONG.
Tais como:
- BOTELHO, Tarcisio Rodrigues. Projeto digitalização, disponibilização do acervo dos autos findos século XIX da comarca de São Francisco (MG). EDT2874/06. Belo Horizonte/São Francisco. FAPEMIG, 2007.
- CAMELO FILHO, José Vieira. Rio São Francisco: problemas e soluções, uma questão de políticas públicas. 408 fls.
Tese (Pós-doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2005.
- LIMA, Marcela Telles Elian de. Pelas margens do São Francisco: trajetória histórica e ficcional de Antonio Dó. 108 fls.
Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.
- RODRIGUES, Rejane Meireles Amaral. Antonio Dó: um bandido social das margens do rio São Francisco 1910- 1919. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de História, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2004.
encontrar documentos a respeito de escravos, demografia, arrolamentos, testamentos, divisão de terras, inventários, sumários de culpa, Atas da Câmara Municipal de São Francisco e da cidade de São Romão, desde o início do império até a metade da república. O acervo desta ONG possibilita o acesso de estudantes em geral.
Os documentos do século XIX compreendem, sobretudo, as cidades de São Francisco e São Romão (antiga Comarca do Rio São Francisco). Isso porque, São Francisco no início do século XIX pertencia ao município de São Romão. Entretanto, em fins do século XIX, a sede municipal foi transferida para São Francisco e a Vila Risonha de São Romão passou a fazer parte do município de São Francisco, (na ocasião, atendia-se pelo nome de Pedras dos Angicos). Com a transferência dos foros administrativos, todo o corpo político e judiciário transferiu-se junto para a nova sede, sendo que todos os documentos da jurisprudência passaram a ser armazenados e julgados em Pedras dos Angicos. Nesse ínterim, alguns episódios acontecidos na região e os que haviam sido julgados em São Romão foram arquivados em São Francisco. Ou seja, o referido processo julgado em São Romão foi transferido para São Francisco junto com a administração.
Outro ponto deve ser esclarecido, os documentos, incluindo este, não foram armazenados e conservados por iniciativa pública ou judiciária local. Muito pelo contrário, os documentos seriam incinerados. Um membro da ONG Preservar recolheu-os do local onde estavam jogados e teve a iniciativa de colocá-los num prédio e disponibilizá-los ao público.
Considero esta fonte de suma importância, especialmente, para debates a respeito da transição do império para a república no interior do Brasil. Houve uma mobilização de parte dos moradores da cidade, prós e contra os sediciosos que eram vinculados ao Partido Liberal tentando romper uma supremacia Conservadora que dominava a cidade. Os liberais, além de lutarem contra os opositores tentavam armar a população e comandar os rumos da cidade a partir daquele episódio.
Os movimentos ou adeptos de uma república no Brasil não ocorriam somente nos grandes centros. Neste processo de sedição ficam explícitos os desejos de partidários prós e contra a república. Alguns dos envolvidos possuíam grandes prestígios na região e até mesmo no país recorrendo algumas vezes a políticos de renome nacional para que interviessem na questão.
Numa parte do processo em que são explícitos os motivos e argumentos para punir os réus, a promotoria acusava-os de tiranos, comparando-os a Herodes, atemorizador de crianças e os classificava como Republicanos titãs que significava subversivo na época.
22 CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite imperial. Teatro de Sombras: a prática imperial. Rio de