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A BANDA DESENHADA ENQUANTO MEIO DE COMUNICAÇÃO VISUAL: UM CONTRIBUTO NA DIVULGAÇÃO DO FOLCLORE JAPONÊS

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A BANDA DESENHADA ENQUANTO MEIO DE COMUNICAÇÃO VISUAL:

UM CONTRIBUTO NA DIVULGAÇÃO DO FOLCLORE JAPONÊS

Maria Leonor Sá da Costa Pereira Borges

Orientador

Professor Doutor Pedro Mota Teixeira

Projeto apresentado

ao Instituto Politécnico do Cávado e do Ave

para obtenção do Grau de Mestre em Ilustração e Animação

julho, 2020

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(FOLHA EM BRANCO)

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A BANDA DESENHADA ENQUANTO MEIO DE COMUNICAÇÃO VISUAL:

UM CONTRIBUTO NA DIVULGAÇÃO DO FOLCLORE JAPONÊS

Maria Leonor Sá da Costa Pereira Borges

Orientador

Professor Doutor Pedro Mota Teixeira

Projeto apresentado

ao Instituto Politécnico do Cávado e do Ave

para obtenção do Grau de Mestre em Ilustração e Animação

julho, 2020

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DECLARAÇÃO

Nome: Maria Leonor Sá da Costa Pereira Borges Endereço eletrónico: mleonorb.22@gmail.com

Título do Projeto: A Banda Desenhada enquanto meio de Comunicação Visual:

Subtítulo do Projeto: Um contributo na divulgação do Folclore Japonês Orientador: Professor Doutor Pedro Mota Teixeira

Ano de conclusão: 2020

Designação do Curso de Mestrado: Mestrado em Ilustração e Animação

Nos exemplares das Dissertações /Projetos/ Relatórios de Estágio de mestrado ou de outros trabalhos entregues para prestação de Provas Públicas, e dos quais é obrigatoriamente enviado exemplares para depósito legal, deve constar uma das seguintes declarações:

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA DISSERTAÇÃO/TRABALHO

APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE;

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO PARCIAL DESTA DISSERTAÇÃO/TRABALHO (indicar, caso tal seja necessário, nº máximo de páginas, ilustrações, gráficos, etc.), APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE;

DE ACORDO COM A LEGISLAÇÃO EM VIGOR, NÃO É PERMITIDA A REPRODUÇÃO DE QUALQUER PARTE DESTA DISSERTAÇÃO/TRABALHO

Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, ___/___/______

Assinatura: ________________________________________________

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A BANDA DESENHADA ENQUANTO MEIO DE COMUNICAÇÃO VISUAL:

UM CONTRIBUTO NA DIVULGAÇÃO DO FOLCLORE JAPONÊS

RESUMO

O presente projeto tem como objetivo principal a investigação da Banda Desenhada enquanto meio de comunicação visual, para a divulgação do folclore japonês em contexto Ocidental. Para tal, desenvolveu-se uma investigação relacionada com as características técnicas e metodologias inerentes da Banda Desenhada, e uma contextualização da representação do folclore japonês - com especial atenção aos yōkai, na cultura e na arte até à atualidade.

O projeto prático a desenvolver tem como principal objetivo aplicar os conhecimentos previamente adquiridos com esta investigação. Numa tentativa de concretizar a divulgação do folclore japonês através do recurso deste meio de comunicação visual, serão utilizadas as características técnicas existentes na Banda Desenhada de origem japonesa. Dentro desta temática, serão referenciados outros artistas com obras produzidas neste meio de comunicação, de maneira a criar um projeto capaz de apelar ao interesse do leitor ocidental dentro do contexto do folclore tradicional japonês. Por sua vez, considera-se este projeto um elemento relevante enquanto meio de comunicação visual, tornando-se um reforço para a ligação cultural entre Portugal e o Japão.

Palavras-chave: Banda Desenhada, Ilustração, Japão, Folclore, Cultura Japonesa.

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COMICS AS A MEANS OF VISUAL COMMUNICATION:

A CONTRIBUITION TO THE DISSEMINATION OF JAPANESE FOLKLORE

ABSTRACT

The main objective of this project is the investigation of Comics as a visual communication medium for the dissemination of the Japanese Folklore in the Western context. In order to achieve that goal, we developed an investigation related with the inherent technical characteristics and methodologies of Comics, as well as a contextualization of the representation of Japanese Folklore - with special attention to yōkai - in the culture and art to this day.

The practical project that will be developed has the main objective to apply the knowledge previously acquired with this research. In order to attempt to promote the dissemination of Japanese Folklore by this means of visual communication, the existing technical characteristics of Japanese Comics will be used. Within this theme, other artists with works developed in this medium will be referenced, in order to create a project able to appeal to the western reader’s interest within the traditional Japanese Folklore context. Therefore, this project is considered a relevant element as a means of visual communication, becoming a reinforcement for the cultural connection between Portugal and Japan.

Keywords: Comics, Illustration, Japan, Folklore, Japanese Culture

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer ao meu orientador pela paciência e por me ter acompanhado ao longo deste processo de trabalho.

À minha família, pelo apoio incondicional e por me proporcionarem a oportunidade de vivenciar esta etapa da minha formação académica. Aos meus pais e irmãs, pelo apoio e confiança nas minhas capacidades. Ao meu avô que desde a minha infância, sempre estimulou a minha profunda curiosidade, incentivando-me a descobrir novas fontes de informação e de conhecimento.

Ao meu namorado pela paciência inesgotável, dedicação e apoio incondicional durante os momentos mais

difíceis deste percurso.

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ÍNDICE

RESUMO ... I ABSTRACT ... III AGRADECIMENTOS ... V ÍNDICE ... VII

INTRODUÇÃO ... 1

1. OBJETIVOS GERAIS E OPERACIONAIS ... 3

2. ESTADO DA ARTE ... 4

3. BANDA DESENHADA ... 7

3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO ... 7

3.2 MANGA: BANDA DESENHADA DE ORIGEM JAPONESA ... 9

3.2.1 CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS...11

3.3 BANDA DESENHADA COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO VISUAL ... 17

4. YŌKAI: SERES SOBRENATURAIS JAPONESES ... 21

4.1 CONTEXTUALIZAÇÃO ... 21

4.2 REPRESENTAÇÃO NA ARTE E NOS MEDIA ... 29

5. DESENVOLVIMENTO DO PROJETO PRÁTICO ... 43

5.1 ENQUADRAMENTO ... 43

5.2 DESENVOLVIMENTO DO PROJETO PRÁTICO ... 44

5.2.1 NARRATIVA E GUIÃO ...44

5.2.2 ESTUDO E DESENVOLVIMENTO DE PERSONAGENS ...46

5.2.3 REPRESENTAÇÃO DO YŌKAI NO PROJETO ...52

5.2.4 ESTUDO E DESENVOLVIMENTO DE AMBIENTES E CENÁRIOS ...54

5.2.5 DESENVOLVIMENTO DA BANDA DESENHADA E DE ILUSTRAÇÕES ...55

CONCLUSÕES ... 61

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 63

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INTRODUÇÃO

A Banda Desenhada, também denominada de Arte Sequencial, é constituída enquanto meio de comunicação visual pela capacidade de transmitir uma mensagem ou ideia, independentemente do género ou temática. Consistindo na ligação entre a narrativa e a representação visual, este meio está aberto a diferentes opções técnicas, gráficas e de suporte. Assim, a possibilidade de transmissão de conhecimento ou de opinião, através do recurso da representação pictórica ou real, pode ser entendida como um suporte relevante para abordar temáticas incomuns de forma clara e sucinta, como podemos observar através do trabalho de autores dedicados a esta temática: Scott McCloud e Will Eisner.

Desta forma, o objetivo principal deste projeto consiste na investigação da Banda Desenhada enquanto meio de comunicação visual, destacando a sua linguagem gráfica e características técnicas como método de transmissão e caracterização da narrativa. Por isso, considerou-se relevante o levantamento de informação referente à Banda Desenhada de origem japonesa - ou Manga - de forma de divulgar, no Ocidente, a temática do folclore japonês, mais especificamente à representação de seres sobrenaturais denominados como yōkais.

De modo a compreender melhor este campo específico do folclore japonês, e dado a impossibilidade de deslocação ao país de origem, iremos recorrer à leitura de artigos científicos desenvolvidos por outros investigadores e de obras especializadas na catalogação dos seres sobrenaturais referidos. Por sua vez, também se considera relevante a análise de material dedicado à produção e metodologias de Banda Desenhada, assim como de narrativas gráficas assentes no tema estabelecido.

A investigação será, portanto, o fio condutor e matriz para o desenvolvimento do projeto final, onde serão

colocados em prática os conhecimentos adquiridos na produção de uma Banda Desenhada com influência no

estilo Manga. Posto isto, a sua realização irá abranger toda a metodologia inerente a este tipo de representação

visual, resultando na produção de um livro para publicação.

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1. OBJETIVOS GERAIS E OPERACIONAIS

Deste modo, o desenvolvimento deste projeto e desta investigação possui como principais objetivos a investigação dos aspetos técnicos relacionados com esta área específica do folclore japonês de forma a compreender melhor a cultura e o folclore tradicional japonês, assim como o desenvolvimento de investigação de maneira a contextualizar a importância da Banda Desenhada enquanto meio de comunicação visual para divulgação da cultura. A escolha da temática e dos objetivos principais surge motivada por interesse académico e profissional, mas também devido à fraca divulgação da cultura e folclore japonês no Ocidente, especialmente em território nacional.

A nível operacional, estabeleceu-se enquanto objetivos a criação e desenvolvimento de Banda Desenhada, explorando e criando a narrativa, storyboards e layouts, personagens e ambientes que abordem a temática do folclore japonês, especialmente do yōkai; assim como a preparação do livro final para publicação impressa e o desenvolvimento de ilustrações relacionadas com a narrativa, como forma de estudo para o projeto final.

Deste modo, consideramos relevante criar capítulo extra no livro impresso dedicado a alguns estudos relacionados com o processo, assim como adicionar as ilustrações desenvolvidas resultantes do projeto, como forma de intensificar a experiência do leitor através da contextualização referente ao processo de elaboração da Banda Desenhada.

Contudo, devido à impossibilidade de deslocação ao país de origem para a aquisição de conhecimento especializado com a temática selecionada, tivemos de recorrer à leitura de artigos e obras especializadas na catalogação destas ocorrências e seres sobrenaturais característicos do folclore japonês, assim como a investigação de material técnico de forma a compreender e desenvolver uma Banda Desenhada conforme as características técnicas base pertencentes ao habitualmente denominado por “Manga”.

Por fim, espera-se que este projeto e investigação desperte o interesse dos leitores pelo folclore japonês e

incentive futura investigação com base no tema a nível nacional. Consequentemente, o presente projeto e

investigação foi desenvolvido com vista a ser utilizado enquanto método de fortalecimento da ligação cultural

e de amizade entre Portugal e o Japão, do qual existe interesse em estabelecer futuro contacto para envio e

divulgação do projeto para o Museu Internacional de Manga em Kyoto, para o sector cultural da Embaixada

do Japão em Portugal e da Embaixada de Portugal no Japão, para os serviços educativos e centro de

documentação do Museu Fundação Oriente e por fim, submeter o projeto final ao concurso Japan International

Manga Award de 2020.

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2. ESTADO DA ARTE

Durante o processo de investigação, foi possível reconhecer o impacto de Mizuki Shigeru enquanto motivador responsável pela reintrodução do yōkai na cultura popular moderna, sendo principalmente conhecido pelo seu Manga GeGeGe no Kitarō. Por isso, e tal como foi previamente referido, o trabalho de Mizuki acabou por motivar a criação de inúmeras obras de outros artistas das mais variadas áreas artísticas, utilizando o yōkai como personagem ou enquanto elemento base nas suas narrativas, contribuindo por sua vez num fortalecimento das ligações à cultura tradicional e ao folclore ao longo do tempo.

Considerando que se pretende desenvolver um projeto que aborde a criação e desenvolvimento de uma Banda Desenhada que exponha as características técnicas distintas do Manga, e que transmita uma narrativa que retrate a temática yōkai e o folclore tradicional japonês, julga-se importante introduzir outros trabalhos que se enquadrem nesta área de estudo e que tenham sido desenvolvidos no Japão e no Ocidente. Desta forma, para além de GeGeGe no Kitarō, que já foi previamente abordado nesta investigação, iremos introduzir as obras:

NonNonBa, Natsume Yuujinchou (Natsume’s Book of Friends), Mushishi e Onibi como exemplos de obras evocam o yōkai enquanto personagem principal ou são profundamente influenciadas pela temática e o pelo folclore japonês.

Embora seja especialmente conhecido pelo Manga GeGeGe no Kitarō, Mizuki Shigeru produziu várias obras em torno da temática yōkai ao longo da sua carreira, sendo NonNonBa uma das suas obras de maior destaque, tendo sido premiada enquanto “Melhor Álbum” no Festival de BD de Angoulême em 2007 (Drawn

& Quarterly, n.d.). Todavia, ao passo que GeGeGe no Kitarō relata a história de um pequeno yōkai com apenas um olho e que utiliza os seus poderes sobrenaturais para lutar contra yōkai malignos que ameaçam a humanidade e outros yōkai, NonNonBa centra-se nas experiências da infância de Mizuki relacionadas com yōkai, abordando não só o mundo sobrenatural japonês mas também temas como a isolação, solidão, a inveja ou mesmo a morte, tendo um teor mais adulto e sério que GeGeGe no Kitarō (Robinson, 2012). Por outro lado, Davisson (2015) refere NonNonBa como “um repositório vivo de folclore esquecido e de contos lendários”, e no qual Mizuki desenvolve a narrativa como uma espécie de tributo às memórias da mulher que durante vários anos lhe transmitiu histórias desde mundo mágico do folclore japonês, e que de outra forma já estariam esquecidas se esta obra nunca tivesse sido desenvolvida.

Em Natsume Yuujinchou (Natsume’s Book of Friends, 2005-) por Yuki Midorikawa, a narrativa anda em torno do personagem principal um rapaz chamado Takashi Natsume, que consegue ver yōkai que se encontram invisíveis para o resto da humanidade e que sempre foi posto de parte por outras pessoas devido ao seu dom.

Contudo, quando decide ir morar na pequena cidade onde a sua avó cresceu, Natsume descobre que herdou da

sua falecida avó não só a capacidade de conseguir ver e comunicar com seres sobrenaturais como um livro

mágico que contém todos os nomes dos seres sobrenaturais que a avó outrora guardou, tornando Natsume um

alvo para os seres que estão dispostos a fazer tudo de forma a recuperar os seus nomes (VIZ Media, n.d).

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Por outro lado, Mushishi (1999-2008) de Yuki Urushibara, retrata a temática dos yōkai ou seres sobrenaturais com a criação de criaturas denominadas por mushi, que “surgem logo após a vida emergir do lodo primordial” (Kodansha Comics, 2014), sendo descritos como capazes de comer silêncio, matar sem pensar ou apenas enlouquecer os humanos. Assim, os mushi ainda existem no nosso mundo e apenas podem ser vistos por alguns, sendo Ginko um Mushishi que consegue aperceber-se da existência dessas criaturas, viajando de um lugar para outro de forma a ajudar os humanos afetados através do seu conhecimento e poderes. Esta obra de Yuki Urushibara é facilmente reconhecida pela utilização de personagens estilizados sobre fundos naturais altamente detalhados, tendo principal destaque nas capas da sua série.

Fig. 1 – Natsume’s Book of Friends (2018, VIZ Media) Fig. 2 – Mushishi (2014, Kodansha Comics)

Por fim, enquanto último exemplo da representação de yōkai no contexto do Manga, introduzimos a obra Onibi: Carnets du Japon invisible (2016), da autoria da dupla de artistas franceses: Atelier Sentō. Desta forma, a narrativa de Onibi foi inspirada por uma das estadias dos artistas em Niigata, durante o Outono de 2014, no qual os artistas Cécile e Olivier compram um aparelho antigo e muito especial que é capaz de imprimir espíritos em filme. Na tentativa de conseguir capturar uma foto desses espíritos, eles pintam um retrato do Japão equilibrado entre estes dois mundos distintos, abordando a particularidade de o Japão ainda apreciar as histórias sobre yōkai e o folclore tradicional até aos dias de hoje (Éditions Issekinicho, 2016). Esta obra ganhou o Silver Award do Japan International Manga Award em 2018 (Japan International Manga Award, 2018), sendo a única obra encontrada dentro do contexto Ocidental que abordasse o folclore japonês e os yōkai como parte da narrativa, estando atualmente disponível com tradução japonesa e inglesa (Atelier Sento, n.d).

É importante referir que todos as obras introduzidas são consideradas algumas das principais referências

para o desenvolvimento estético e narrativo deste projeto, e do qual se salienta a inexistência de trabalho

previamente elaborado em território nacional, o que constitui uma motivação acrescida para a esta investigação

e projeto.

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3. BANDA DESENHADA

3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO

A Banda Desenhada, ou Arte Sequencial (Eisner 1985), é um meio de expressão artística que abrange a arte e literatura, consistindo na conjugação do texto e da imagem como forma de narrar uma história ou conjunto de informação sem qualquer tipo de restrição de género ou estilo. Desta forma, considera-se necessárias pelo menos duas imagens para se poder designar um objeto como Arte Sequencial ou Banda Desenhada.

Mas não deixa de ser importante percebermos do quão abrangente consegue ser a caracterização da Arte Sequencial e o quão antigo se pode considerar este meio artístico e literário, que por sua vez, acaba por divergir e segmentar-se noutros géneros de expressão artística ao longo da história. De forma a melhor fundamentar esta afirmação, McCloud (1994, p.20) expõe: “From stained glass windows showing biblical scenes in order to Monet’s series paintings, to your car owner’s manual, Comics turn up all over when Sequential Art is employed as a definition.”. No entanto, por muito que sejam reconhecidas como um excelente meio de comunicação, não é comum a caracterização de qualquer tipo de imagens em sequência como “Banda Desenhada”, sendo preferível denominá-las por “Diagramas”, no qual McCloud também salienta.

Assim sendo, segundo McCloud (1994, p.9), a melhor forma de descrever a Banda Desenhada é através da utilização da definição: “Imagens pictóricas e outras, justapostas numa sequência deliberada, com intenção de transmitir informação e/ou produzir uma resposta estética no leitor”. Por sua vez, a Banda Desenhada não é caracterizada apenas pela combinação desses elementos, mas também pelo desenvolvimento de técnicas narrativas, que podem englobar qualquer tipo de género ou temática, e pelo desenvolvimento de imagens sem qualquer tipo de restrição estética, de forma a transmitir de forma equilibrada e uniforme, sentimentos, expressões e ambientes assentes na narrativa base, combinando-se por fim numa forma única de transmissão de conhecimento por meio da comunicação visual.

Podemos então facilmente compreender que, tal como todas as outras vertentes artísticas, a Banda

Desenhada também possui um determinado grupo de regras pré-definidas de forma a poder categorizar o

trabalho existente no seu meio, mas que pode ser adaptado para o resultado que se pretende, ou pela preferência

do artista. Tendo em consideração que a narrativa será transmitida através da combinação de imagens em

sequência, o ponto mais importante para uma Banda Desenhada deverá ser a capacidade de comunicar com

clareza, através da reflecção constante e da tomada de decisões relativas à utilização da imagem, composição,

ação e ritmo enquanto, ao mesmo tempo, consegue despertar a atenção do seu leitor para continuar a

acompanhar a narrativa. De forma a auxiliar a compreensão deste conjunto de “regras”, McCloud (2006, p.37)

divide as mesmas em Making comics : Storytelling secrets of comics, manga and graphic novels em cinco

grupos específicos: Choice of Moment: onde se decide quais os momentos a incluir na Banda Desenhada de

forma a desenvolver uma transição do conteúdo narrativo de forma mais fluída ou interessante, dependendo

do resultado final que o artista planeia atingir; Choice of Frame: onde a escolha de vinhetas e a representação

das cenas nas mesmas se torna essencial para transmitir a narrativa e os ambientes, através da utilização de

diferentes perspetivas, ângulos e composições, atribuindo uma sensação de espaço, posição e foco; Choice of

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Image: consistindo na criação de imagens para preencher as vinhetas, através da utilização do desenho para transmitir a aparência dos personagens, emoções, objetos, ambientes e, por sua vez, envolver o leitor no universo desenvolvido pela narrativa; Choice of Word: através da utilização do texto como forma de salientar ou reforçar a narrativa, através da transmissão concisa de ideias, vozes e sons, conciliando-se com a imagem de forma uniforme; e por fim, Choice of Flow: cujo objetivo é guiar o leitor através das vinhetas, onde todos os outros fatores são distribuídos e tratados de forma a obter uma experiência de leitura clara e intuitiva. No entanto, McCloud indica que não existe uma ordem específica para o desenvolvimento destes 5 grupos na altura de criação de uma Banda Desenhada, sendo os mesmos trabalhados consoante a preferência do artista ou o planeamento do projeto.

“The format of the comic book presents a montage of both word and image, and the reader is thus required to exercise both visual and verbal interpretive skills. The regimens of art (eg.

perspective, symmetry, brush stroke) and the regimens of literature (eg. grammar, plot, syntax) become superimposed upon each other. The reading of the comic book is an act of both aesthetic perception and intellectual pursuit.” (Eisner, 1985, p.8)

De uma forma geral, o processo de criação de uma Banda Desenhada resulta em enredo, argumento, thumbnails, tinta, lettering e pintura ou aplicação de trama, se necessário. Segundo Presser, Braviano & Côrte- Real (2019, p.323): o enredo (ou storyline) tem como ideia principal descrever a história de forma a cativar o leitor, fazendo-o relacionar-se com a mesma e ficar imerso; o argumento tem como objetivo determinar como a história vai ser contada, escolhendo os momentos principais para ser representada visualmente, recorrendo à experiência cultural do leitor de forma a complementar a sequência; os thumbnails, também referidos como Storyboards, são esboços simplificados das páginas finais, onde o artista define as vinhetas mais importantes e as complementares, unificando o design numa narrativa única e desenvolvida, com causa e efeito, que será parte de um todo; no processo de tinta (ou inking), o artista define a arte com os métodos que preferir, tanto de forma manual ou digital. Nesta fase pode-se inserir também a aplicação de cor ou de trama; por fim, o lettering insere os balões de fala e avisos, com texto e efeitos sonoros, adicionando o elemento textual nas páginas de Banda Desenhada. Presser, Braviano & Côrte-Real (2019, p.323) também referem que o processo de desenvolvimento pode ser feito por apenas um profissional especializado em todas as áreas ou por uma equipa completa com diferentes especialistas, implicando uma acumulação de um massivo conhecimento técnico.

Apesar da Banda Desenhada ser originalmente para ser impressa, McCloud (2006, p.245-246) refere que

a mesma pode ser aplicada em diversos meios, desde as Bandas Desenhadas periódicas nos jornais, a

autoedição com distribuição limitada, as Graphic Novels, iniciadas originalmente por pequenas editoras ou

mesmo a publicação pela internet de Webcomics.

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3.2 MANGA: BANDA DESENHADA DE ORIGEM JAPONESA

A Banda Desenhada de origem Japonesa, habitualmente denominada por Manga, é “uma forma de narrativa visual que aplica o poder da linha para “atrair” o leitor para a história.” (Coolidge Rousmaniere, N., 2019a, p.20), e que utiliza as técnicas de narrativa visual características da Banda Desenhada de forma única, sendo caracterizado por Coolidge Rousmaniere (2019a, p.20), um fenómeno internacional em expansão e sem quaisquer sinais de diminuição devido à diversidade de temas aplicáveis neste meio de comunicação visual, independentemente da seriedade dos mesmos, o que torna possível a atribuição de um género de Manga para qualquer tipo de leitor.

Segundo Matsutani (2009), acredita-se que as origens do Manga remontam do Choju-giga (Scrolls of Frolicking Animals), datado do século XII a XIII e desenvolvido por vários artistas onde a narrativa centrava- se numa série de desenhos de sapos, coelhos e outros animais, e se pode reparar na utilização de algumas técnicas existentes nos dias de hoje, como o desenhar das pernas dos personagens de forma a simular o movimento de uma corrida. No entanto Matsutani também refere que no livro The history of Manga (Manga no rekishi), o autor e pesquisador Isao Shimizu define o género manga como apenas obras populares vendidas às massas, atribuindo assim o título de “primeiro manga” a Toba Ehon, um livro de desenhos acompanhados de histórias do dia-a-dia no Período Edo (1603-1867).

“The Chinese characters that make up the term manga 漫画 translate as ‘pictures unbound’, or ‘pictures run riot’. The term has been used in Japan since the late 18

th

century, most famously (though not the first time) in the series “Hokusai manga” (1814-78), originally drawn by Katsushika Hokusai (1760-1849). “Hokusai manga” was not what we would term manga today; rather, it was an assortment of sketches drawn together in what appears to be an indiscriminate, whimsical manner.” (Coolidge Rousmaniere, N., 2019, p.22)

Conforme Ryōko (2019, p.282-284), o termo ‘manga’ só começou a ser associado à narrativa visual a partir de 1902, após Kitazawa Rakuten (1876-1955) adotar o termo para a sua obra gráfica Jiji manga, lançada dentro do formato de Comic strips. Mais tarde, Tezuka Osamu (1928-1989) lança um manual relacionado com o desenho de expressões faciais para Manga, reforçando a importância das emoções para a criação de narrativa visual. Desta forma, Ryōko também refere que este desenvolvimento terá sido uma influência considerável no carácter fundamental do Manga contemporâneo, mas que o mesmo só ocorreu após o trabalho de Hokusai, não sendo o mesmo refletido no seu trabalho.

Sendo frequentemente apelidado de “Deus do Manga”, Tezuka Osamu ficou conhecido por elevar e

desenvolver o termo ‘Manga’ (ou Manga moderno) como conhecemos nos dias de hoje, após a publicação da

série Shin takarajima (The New Treasure Island), que conseguiu vender um total de 400.000 exemplares em

apenas alguns meses, e pelas inovações que contribuíram para o Manga contemporâneo se tornar no que é

atualmente, incorporando técnicas gráficas originárias da arte cinematográfica e criando histórias com longos

e complexos enredos. (Bouissou, 2010, p.24-25) Por outro lado, McCloud (2006, p.226) afirma que o facto de

Tezuka ter desenvolvido narrativas diversas e distintas, terá sido a inspiração para a criação dos inúmeros

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géneros e subgéneros existentes neste tipo de narrativa visual. McCloud (2006, p.226) também apresenta alguns exemplos desta influência e consequente aplicação ou criação de subgéneros, como o caso de Cyborg009 de Shōtarō Ishinomori ser estilisticamente semelhante à obra Mighty Atom (1952), também conhecido por Astro Boy, de Tezuka Osamu, tendo sido publicada uma década depois da obra de Tezuka, enquanto Appleseed de Masamune Shirow conseguiu melhorar o interesse pela tecnologia para outro nível, utilizando um estilo gráfico muito mais detalhado; por outro lado a obra de Tezuka, Princess Knight (1953), antecipou o traço floreado e andrógeno de Rose of Versailles, de Riyoko Ikeda, e a narrativa frenética, com foco na mudança de género sexual Ranma ½ ,de Rumiko Takahashi; por fim, por muito que a Banda Desenhada criada por Tezuka e dedicada à temática samurai, Dororo (1967), só tenha aparecido no final da década de 60, é possível ser influências fortes no trabalho de Sampei Shirato em Ninja Bucheicho, onde mais tarde, a linha gestual e expressiva, assim como a expansão para um contexto muito mais realista seria desenvolvida por Goseki Kojima, na sua obra Lone Wolf and Cub.

Fig. 3 – Mighty Atom (1952) Fig. 4 – Ranma ½ (1987)

Outra característica distinta deste tipo de comunicação visual pode ser observada pela forma como a publicação é abordada neste meio.

“Newspapers and magazines in the 20th century ran comic strips to help gain readership.

But the largest contributors to the development of manga were the weekly and monthly comic magazines that emerged in the 1960s, which carry a collection of about 10 or 20 series installments per edition.” (Matsutani, M., 2006)

Atualmente, quatro das maiores editoras que controlam uma grande parte do mercado Manga são a

Kodansha, Hakuensha, Shogakukan e Shueisha, encontrando-se frequentemente a competir entre si publicando

revistas concorrentes e tentando trazer artistas famosos que trabalhem dentro do estilo Manga para as suas

publicações. Coolidge Rousmaniere (2019a, p.27-28) também refere os diferentes formatos de impressão

existentes neste estilo de Banda Desenhada, indo desde a publicação de Manga consistindo em histórias

simples desenvolvidas em apenas 4 vinhetas (yonkoma), vulgarmente publicadas em jornais ou para leitura em

dispositivos móveis, como o telemóvel; as revistas compêndio (shūkanki, gekkanshi) de artistas publicados em

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serialização; e os livros individuais (tankōbon) de certas séries específicas ou do trabalho de um autor específico. Coolidge Rousmaniere (2019a, p.28) também afirma que existe também a criação de fanzines dentro deste estilo de Banda Desenhada, sendo as mesmas vulgarmente publicações independentes ou criadas por fãs (dōujinshi) em forma de tributo para as suas séries preferidas. Este último tipo de publicação é normalmente vendido em convenções, tal como o Comiket (ou Comic Market), desenvolvidas com o propósito de divulgar e comercializar estes produtos assim como para conhecer outros fãs deste estilo de Banda Desenhada.

Contudo, o Manga não se pode considerar um tipo de Banda Desenhada meramente exclusivo ao território japonês, existindo atualmente concursos internacionais de forma a inserir novos artistas na indústria promovidos por editoras Japonesas ou mesmo pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros Japoneses, promovendo assim uma expansão internacional cultural deste tipo específico de banda desenhada com o resto do mundo. Estabelecido em 2012 e organizado pela editora COAMIX inc., o Silent Manga Audition é um concurso de Manga internacional que tem como objetivo descobrir e apoiar novos talentos na indústria, cujo prémio principal é a serialização das obras vencedoras pela editora no mercado japonês de Banda Desenhada, sendo as obras vencedoras avaliadas por ex-artistas Manga de grandes editoras da indústria. No entanto, tal como o nome indica, todas as obras submetidas a concurso devem ser criadas sem a utilização de texto como elemento de comunicação base, sendo essencial a capacidade de desenvolver e comunicar a narrativa apenas através do desenho (Silent Manga Audition, 2012). Por sua vez, o Japan International Manga Award, fundado em 2007 pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros Japonês, é um concurso com vista a promover e a expandir o intercâmbio cultural internacional e a compreensão mútua através da utilização do Manga como meio de comunicação, não existindo qualquer tipo de restrição técnica ou gráfica. Este prémio pretende assim homenagear os artistas de Banda Desenhada Manga que se encontram a contribuir para o desenvolvimento deste tipo de cultura pelo mundo, contando já na sua 13ª edição (Japan International Manga Award, 2014).

3.2.1 CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS

Num contexto mais vocacionado para o lado técnico, o Manga possui, tal como previamente referido o mesmo grupo de regras pré-definidas para o desenvolvimento de uma Banda Desenhada. Todavia, é possível encontrar diferenças ou técnicas mais presentes ou desenvolvidas quando analisamos o Manga como meio de comunicação e narrativa visual.

Desta forma, no livro Making Comics (2006, p.216-217), McCloud enumera e descreve oito técnicas de

desenvolvimento de narrativa, tais como a existência e criação de personagens icónicos, possuindo caras

simples e emotivas que permitem que o autor facilmente se identifique com o personagem ao longo da

narrativa; uma grande sensação de espaço, com o desenvolvimento detalhado e pormenorizado, chegando ao

ponto da representação quase foto-realista dos ambientes da narrativa, como forma de situar a narrativa e

estimular memórias sensoriais no leitor, especialmente quando contrastado com a aparência estilizada dos

personagens; o uso frequente de painéis ou vinhetas sem falas ou descrição, combinado com o uso de transições

de Aspect-to-Aspect, de forma a estabelecer um estado de espírito ou uma sensação do espaço envolvente de

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forma contemplativa, permitindo que o leitor se insira no ambiente da narrativa; a ação subjetiva, através da utilização de múltiplas linhas de ação, permite transmitir uma sensação de movimento mais dramatizada dos acontecimentos da narrativa; a maturidade de género por sua vez, implica uma compreensão dos desafios da narrativa e das centenas de géneros possíveis; a variedade extensa de design de personagens, destacando diferentes tipos de corpo e face, e a utilização frequente de estereótipos; a representação de pequenos detalhes do dia-a-dia, como forma de conectar os leitores a experiências do dia-a-dia, mesmo em narrativas com temática de fantasia ou melodramática; e por fim, a variedade de efeitos expressivos como ambientes expressionistas, o uso de montagem ou mesmo a utilização de caricatura, da linguagem corporal ou do exagero, permitindo que o leitor consiga compreender como o personagem se sente, sendo que estas oito técnicas permitem uma amplificação do sentido de antecipação do leitor assim como provocar um sentimento de ser parte da história.

É igualmente importante referir que, neste tipo de Banda Desenhada, todas as obras são produzidas consoante o sentido de leitura oriental, sendo a narrativa lida apenas da direita para a esquerda e com o resultante design editorial produzido de forma oposta à tradicional ocidental. Para manter a autenticidade das obras e de forma a introduzir este tipo de Banda Desenhada no Ocidente, a editora Tokyopop anunciou em 2002 que não iria inverter a orientação das páginas dos Manga publicados pela mesma, evitando assim todos os possíveis problemas e edição extra de forma a adaptar os títulos para o mercado Ocidental e permitindo assim que o seu número de publicações crescesse 3 a 6 vezes mais em comparação com o resto da indústria editorial referente à Banda Desenhada. (Goldberg, 2010, p.287-288) De forma a poder ensinar os leitores a praticar esta forma “incomum” de ler, todos os livros editados começaram a conter uma página dedicada com um aviso de forma a alertar o leitor de que estaria a começar a ler o mesmo de forma incorreta, assim como a representação de um pequeno tutorial de leitura de forma a familiarizar o leitor para a ordem correta de leitura dos balões de fala e vinhetas, incluindo mesmo assim, algumas setas indicativas da orientação de leitura no final das páginas ao longo da narrativa. Goldberg (2010, p.288) também salienta a existência de pequenos capítulos extra nos livros editados não só pela Tokyopop mas também pela editora VIZ Media, consistindo de resumos na narrativa, descrições de personagens ou mesmo glossários dedicados a termos e elementos específicos da cultura japonesa presente nas obras em questão, como forma a situar melhor o leitor na narrativa.

Fig. 5 – Exemplo de aviso de leitura (VIZ Media, 2005)

(27)

Relativamente à diversidade de géneros existentes no Manga, Bryce & Davis (2010, p.34) descrevem de uma forma geral, alguns dos géneros desenvolvidos neste tipo de Banda Desenhada, referindo a existência da combinação entre certos estilos base como o shōjo e o shōnen, orientados respetivamente para uma audiência adolescente feminina e masculina, assim como o josei e o seinen, consideradas as versões direcionadas de igual forma para um público mais maduro para mulheres e homens. Desta forma, e tendo em consideração a combinação existente entre os 4 géneros previamente mencionados, os autores destacam mais alguns géneros como o desenvolvimento de narrativas voltadas para a fantasia, com o foco principal na representação de elementos relacionados com aventura de origem mágica ou mística e sendo elaborados de forma que o leitor se envolva com o seu universo característico imaginário, tendo como exemplo Kagura-Hime (1994-2005) de Reiko Shimizu, que retrata o Japão contemporâneo combinado com narrativas baseadas no folclore do país, assim como referindo também um outro género relacionado com fantasia, o mahō shōjo, que retrata histórias onde as personagens principais são mulheres ou raparigas que possuem poderes mágicos ou submetem-se a algum tipo de transformação mágica física, tendo como exemplo Sailor Moon (1992-1997) de Naoko Takeuchi; o desenvolvimento de narrativas com base na adaptação ou influência na representação histórica, seja de forma fiel ao realismo e acontecimentos retratados, tendo como exemplo Sakuran (2001-2003) de Moyocco Anno e Vagabond (1998-) de Takehiko Inoue, ou pela aplicação dos mesmos recorrendo à vertente mais fantasiosa, tendo como exemplo Inu Yasha (1996-2008) de Rumiko Takahashi; as narrativas com base no terror e sobrenatural são provavelmente um dos géneros mais interessantes deste tipo de banda desenhada, destacando a obra surrealista e de terror psicológico Uzumaki (1998-1999) de Junji Itō; as narrativas de teor humorístico ou satírico, como o caso de Dr.Slump (1980-1984) de Akira Toriyama ou Doraemon (1970-1996) do duo Fujio Fujiko. (Bryce & Davis, 2010, p.35-41)

Fig. 6 – Sailor Moon (Kodansha Comics, 2011) Fig. 7 – Uzumaki (1998)

Embora a estrutura do Manga seja semelhante à utilizada na Banda Desenhada, o livro Manga in Theory

and Practice (2017, p.41) escrito por Araki Hirohiko, explora o tema do seu ponto de vista enquanto autor

Manga da série conhecida mundialmente, JoJo’s Bizarre Adventure (1986-), referindo que a mesma estrutura

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consiste em 4 fatores fundamentais: Personagens, História, Ambiente e Tema, e que os mesmos não devem ser vistos de forma independente entre si, mas sim enquanto elementos profundos que se influenciam, sendo a arte a ferramenta essencial para expansão e união, com auxílio do diálogo.

“In order to create a manga that will become a classic read across generations, the balance between the four fundamentals is incredibly important. If you examine works that are currently considered masterpieces, you’ll see that the four fundamentals of manga structure are all in order. Even if your goal requires focus on a single element, you must remain mindful that you are still keeping a balance.” (Araki, H., 2017, p.44)

Após introduzir o seu ponto de vista sobre a estrutura básica para a criação de uma narrativa manga, Araki (2017) desenvolve também a sua opinião acerca o que se deve ter em conta para melhor desenvolver cada um dos fatores fundamentais. Assim sendo, os Personagens não devem ser apenas criados com base numa aparência única, mas sim pela atribuição de elementos motivadores ou de objetivos que o personagem quer atingir, de forma a desenvolver empatia no leitor, independentemente do personagem em questão ser protagonista ou antagonista da história (Araki, 2017, p.51-55); a História deve seguir a sua própria estrutura, designada por ki-shō-ten-ketsu, sendo por sua vez a introdução (ki), consistindo na introdução do personagem principal ao leitor; o desenvolvimento (shō), onde o protagonista encontra o antagonista ou alguma dificuldade;

a reviravolta ou mudança inesperada (ten), onde o protagonista procede para o desafio mas a ocorrência de um problema adicional provoca um dilema, sendo a parte que prende maioritariamente a atenção do leitor à espera de descobrir o que vai acontecer ao protagonista; e a conclusão (ketsu), que pode consistir num final bom ou mau. Araki (2017, p.86-88) refere também que esta estrutura fundamental básica pode ser alterada de forma a provocar maior continuidade à narrativa ou desenvolver maior suspense; o Ambiente por sua vez é onde a história vai decorrer e pode ter formas diferentes dependendo do género escolhido para a narrativa, sendo assim uma realidade alternativa desenvolvida primeiramente para atrair os leitores para o universo onde os Personagens habitam. Assim, dependendo do género atribuído, o artista deverá fazer pesquisa de forma a melhor representar o ambiente, de forma a intuitivamente inserir o leitor no mesmo (Araki, 2017, p.151-155).;

e por fim o Tema é o que unifica todos os fatores previamente referidos, sendo essencialmente como o autor vê o mundo e como considera “ideal” viver, dando mais detalhe a certos elementos do que outros e abordando as problemáticas da narrativa de forma distinta com base nesses fatores (Araki, 2017, p.167-169).

Considerando a caracterização dos personagens, o Manga possui sem dúvida elementos que o tornam

distinto e único em comparação com outros tipos de Banda Desenhada, tal como previamente referenciado

pelo trabalho de McCloud em Making Comics (2006, p.216), sendo a sua aparência gráfica o componente mais

marcante, onde a estilização e o exagero de emoções são frequentemente utilizados. Desta forma, não é

incomum a representação de olhos grandes e expressivos, o cabelo longo ou com penteados diferentes do

comum, as bocas pequenas ou mesmo os queixos angulares em personagens deste tipo de Banda Desenhada,

levando muitas vezes à falta de diversidade estilística entre personagens. (Cohn., 2010, p.188) Contudo, Cohn

(29)

refere defende que este tipo de iconicidade de imagem apresentada no Manga pode ser um dos fatores que o tornam universal e fácil de compreender, uma vez que conseguem simular o carácter dos objetos na nossa perceção diária, ao ponto de os leitores com o tempo conseguirem identificar, a partir das diferenças estéticas e da forma como os personagens são representados, que género de narrativa será retratada como por exemplo, a utilização de um traço mais redondo para histórias dentro do género shōjo (para raparigas) ou mais angular para o género shōnen (para rapazes). Assim, outro fator essencial para a caracterização de personagens é a utilização recorrente de elementos gráficos de forma a representar emoções: como a representação de dentes pontiagudos ou garras para transmitir raiva, gotas de suor gigantescas ou mesmo a face com várias gotas de suor pequenas para demonstrar nervosismo ou desconforto; e ambiência ou estado de espirito, como a aplicação de flores ou efeitos de brilho nas vinhetas como forma de reforçar a representação das emoções dos personagens ou da situação a decorrer. (Cohn, 2010, p.188,192-193)

Fig. 8 – Utilização de efeitos de brilho Fig. 9 – Utilização de elementos gráficos para expressões

(Sailor Moon, vol.6, p.77, 2012) (Nichijou, vol.1, p.143, 2016)

Por fim e ainda dentro das características técnicas, não nos devemos esquecer da representação “sonora”

da narrativa, seja por onomatopeias ou mesmo por efeitos sonoros, como forma de enriquecer a experiência do

leitor. Pratha, Avunjian & Cohn (2016, p.93) descrevem o uso de efeitos sonoros em Banda Desenhada como

uma representação interativa entre os vários tipos de linguagem empregues neste meio de comunicação visual

e que como tal, devem funcionar como passagens no qual o leitor é capaz de experienciar o significado de

múltiplas formas, possuindo assim várias funções na narrativa visual tais como a representação das qualidades

invisíveis das imagens, como o movimento de um objeto ou um efeito emocional do personagem, ou mesmo a

comunicação de informação auditiva que habitualmente o leitor não é capaz de experienciar no léxico

convencional. Relativamente às onomatopeias e efeitos sonoros específicos do Manga, Inose (2007, p.97)

(30)

expõe a importância que os mesmos possuem na língua Japonesa, estando presentes em qualquer nível linguístico, desde a comunicação até à imprensa, e considerados até aos dias de hoje, um dos desafios mais difíceis para quem se encontra a aprender a língua ou para tradutores. Inose (2007, p.98) também demonstra as várias definições que este tipo de característica técnica possui dentro do contexto da língua Japonesa e por sua vez, no Manga, sendo as mesmas consistindo em 3 definições distintas: Giseigo, palavras que imitam vozes e sons humanos ou animais; Giongo, palavras que imitam sons reais, como o som da chuva; e Gitaigo, que por sua vez representam palavras que descrevem impressões visuais, palpáveis ou outras que não sejam audíveis, como um sorriso, ou o estado de se sentir relaxado. Inose constata assim que estas definições podem agrupadas em dois grupos maiores: Onomatopeias, onde as definições Giseigo e Giongo se enquadram, dado que constituem-se por qualquer tipo de palavra que imite ou simule sons reais ou onomatopeias; e por Palavras Miméticas, onde a definição Gitaigo se enquadra, tendo em consideração que apenas é constituída por palavras que expressem foneticamente estados que não produzem sons, tal como uma emoção, um movimento ou um estado de espírito.

Fig. 10 – Exemplo de Gitaigo Fig. 11 – Exemplo de Giongo

(Witch Hat Atelier, vol.1, p.37, 2019) (BLUE GIANT SUPREME, vol.4, p.11, 2018)

Desta forma, podemos concluir que uma Onomatopeia apenas serve para imitar um som, enquanto uma Palavra Mimética tem como função descrever de que forma certo movimento ou emoção está a ser executado ou vivenciado, servindo essencialmente de forma descritiva auxiliar da narrativa.

“Manga makes everything visible, displaying it clearly. And yet at same time it also depicts

things that are unseen.” (Gō, I., 2019, p.328)

(31)

3.3 BANDA DESENHADA COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO VISUAL

Tendo por base todos os aspetos abordados e desenvolvidos neste trabalho, podemos constatar que a Banda Desenhada é sem dúvida um meio de comunicação visual prático e efetivo, possuindo diversas expressões gráficas ou estilísticas assim como géneros e subgéneros desenvolvidos ao longo das décadas de existência desta forma de arte, tornando-o garantidamente um meio com extensa variedade e acessibilidade. No entanto, o que leva concretamente a Banda Desenhada a ser um meio de comunicação visual e por que razão possui tanta importância? Em Understanding Comics (1994, p.193-194), McCloud desenvolve a resposta para esta questão, justificando que a mesma se encontra profundamente relacionada com a condição humana, denotando o facto da sociedade gradualmente viver cada vez mais num estado de isolamento profundo, desenvolvendo uma incapacidade de estabelecer comunicação direta com outros a menos que a mesma seja através de um medium, explicando que a Banda Desenhada, ao ser um dos meios de comunicação mais expansivos, tem vindo a obter o controlo do envolvimento do leitor na narrativa e da sua identificação, assim como do realismo existente para capturar a beleza e complexidade do mundo visível. Com isto, a Banda Desenhada possui capacidades ilimitadas nos dias de hoje, oferecendo um alcance e versatilidade com todo o potencial de imagens do cinema e da pintura e a intimidade do mundo literário, “sendo apenas necessário o desejo de ser ouvido, a vontade de aprender e a capacidade de ver.” (McCloud. 1994, p.213)

Assim, a Banda Desenhada tem vindo a ser utilizada como meio de comunicação e até mesmo como

elemento educativo, de divulgação ou até enquanto componente de consciencialização. Relativamente ao uso

da Banda Desenhada, mais especificamente o Manga, como um meio educacional, Murakami & Bryce (2009,

p.47-48, 51) indicam que o Manga de teor educacional possui grande popularidade ao longo das últimas

décadas, especialmente tendo em consideração o facto de este género de Banda Desenhada ser frequentemente

desenvolvido com base em pesquisa desenvolvida cuidadosamente, o que constitui um acréscimo na qualidade

dos trabalhos finais, dando o exemplo do trabalho de Ishikawa Masayuki com a sua obra Moyashimon: Tales

of Agriculture (2004-2014) que retrata o mundo microscópico dos fungos e da cultura culinária através do

desenvolvimento de interações entre as ilustrações adoráveis dos personagens referentes aos fungos e os

personagens humanos. Contudo, Murakami & Bryce (2007, p.49-50) também distinguem o Manga educacional

ou de fator informativo em dois tipos distintos de publicação: o primeiro consiste na utilização do mérito

educacional do Manga de forma a permitir que os leitores entendam tópicos difíceis com mais facilidade, sendo

os mesmos criados com o objetivo principal de transmitir determinado tipo de conhecimento para uma

determinada área ou faixa etária, utilizando a narrativa e as personagens apenas para esse propósito; e o

segundo, consiste na publicação do Manga educacional essencialmente enquanto forma de entretenimento,

mas desempenhando mesmo assim um papel educacional no fornecimento eficaz de informações precisas sobre

as áreas especificas que retratam. Ainda de acordo com o uso da banda desenhada dentro do contexto

educacional, Bryce & Davis (2010, p.49) referem também a utilização do Manga como elemento de apoio

educacional, promovido pelo Ministério da Educação e Cultura do Japão, de maneira a ensinar a história do

país tendo como exemplo a série de 48 volumes Manga Nihon no rekishi (The Manga History of Japan; 1989-

1993), de Shōtarō Ishinomori.

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Fig. 12 - Moyashimon (Kodansha, 2014) Fig. 13 - Manga Nihon no rekishi (p.16-17, 1989)

Segundo Furuhata-Turner (2013, p.74-75), o Manga também pode ser utilizado enquanto material de estudo para estudantes em tradução no ocidente, justificando que a utilização do mesmo pode ser um motivador para o empenho e para a melhoria das competências linguísticas dos alunos, e explicando que durante o processo de tradução os alunos podem comparar componentes estruturais e culturais da língua materna e da segunda língua em estudo, ajudando os professores a identificar os pontos fortes e fracos em estruturas linguísticas, reforçando também a aprendizagem de línguas no geral. Assim, o uso de Banda Desenhada possui diversos méritos educacionais dado que podem ser considerados como auxiliares visuais, onde as ilustrações melhoram a compreensão do tradutor dos textos originais, ao transmitindo quem está a falar, quem está calado, quem hesita em falar, quem demonstra emoções, entre outros.

“The use of Japanese manga as a learning tool also stimulates students’ motivation.

Motivation is a crucial parameter for a student to learn anything; it defines the internal processes that give behaviour it’s energy and direction. Students’ goals, beliefs, feelings, interest, and perceptions determine their motivated behaviour. It is important to stress that students are motivated by their strong interest. Their inquisitiveness, whether to textual materials or task activity, is motivationally essential, and their curiosity affects attention, persistence, and knowledge acquisition.” (Furuhata-Turner, H., 2013, p.74)

Desta forma, Furuhata-Turner (2013, p.75) defende que a utilização do Manga como material para tradução é efetivo pois este tipo de Banda Desenhada reflete o uso autêntico da Língua Japonesa, e que o uso da tradução em ambiente de aula, ativa o raciocínio e a tomada de decisões, a solução de problemas, a consciencialização cultural e reconhece os pontos fracos e fortes dos alunos nos idiomas de origem e de destino, e o resultado por sua vez ajuda os professores a melhor avaliar a performance dos estudantes de tradução, indicando as áreas que necessitam de mais aperfeiçoamento, assim como os seus pontos de maior destaque.

Como elemento de divulgação ou promoção cultural, Coolidge Rousmaniere (2019a, p.20) descreve o

Manga como uma linguagem internacional, sendo utilizada desde Tóquio até Londres em publicidade, em

várias formas de arte impressa e em dispositivos móveis e até em roupas. Durante a última década, o Governo

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Japonês tem vindo a utilizar o Manga de forma a promover o país para estrangeiros através de ilustrações a ensinar, como por exemplo, como utilizar um comboio-bala (Shinkansen) ou de como comer sushi. Por sua vez, a cidade de Kyoto, encomendou uma série de posters com ilustrações manga a retratar locais turísticos de forma a encorajar as pessoas a explorar a cidade. Coolidge Rousmaniere (2019a, p.20-21) também reflete na acessibilidade do Manga enquanto forma de arte, referindo a quantidade de mangas a serem traduzidos atualmente no ocidente e a criação de aplicações dedicadas à tradução, aumentando assim a quantidade de recursos e títulos disponíveis para leitura.

“Originally printed on paper in newspapers, then magazines, and in single-volume books, manga is now going digital. The experience of manga may change with new applications, but the reality of its immersive visual storytelling power stays very much the same.”

(Coolidge Rousmaniere, N., 2019a, p.21)

Contudo, enquanto meio de divulgação e representação cultural, o Manga tem vindo a desenvolver uma presença constante tanto na área da Banda Desenhada como através de exposições ou museus fundados para o seu efeito, como por exemplo a exposição The Citi Exhibition: Manga マンガ , que esteve em destaque no Museu Britânico de 23 de Maio a 26 de Agosto (Euronews, 2019), com o principal objetivo de dar a conhecer vários exemplos contemporâneos deste tipo de Banda Desenhada assim como as suas origens históricas, destacando no total o trabalho de 50 artistas, 70 títulos e 162 trabalhos desde arte histórica a experiências digitais, juntando os exemplos mais importantes deste meio de comunicação visual, tanto do passado como do presente (Coolidge Rousmaniere, 2019b, p.10), enquanto aponta para o futuro deste meio, tendo sido a exposição posteriormente compilada num catálogo; e o Museu Internacional de Manga em Kyoto, criado como um projeto conjunto entre a cidade de Kyoto e a Universidade Seika de Kyoto de forma a colecionar, preservar e expor materiais relacionados com o manga, possuindo também a finalidade de biblioteca, assim como desenvolver investigações sobre a cultura do mesmo com o propósito de criar exposições, seminários, workshops e outros eventos relacionados (Kyoto International Manga Museum, 2006). Como exemplo da representação cultural através do recurso do Manga, Suzuki (2011, p.236-238) refere o trabalho semiautobiográfico de Mizuki Shigeru: Sōin gyokusai seyo! (Onwards towards Our Noble Deaths!), publicado em 1973 e que demonstra uma crítica ao tempo de guerra imperialista e a sociedade pós-guerra. Tendo participado ativamente na guerra enquanto soldado e vivenciado o sofrimento de ver o país devastado e tremenda desumanização, Mizuki refere que a sua obra consiste em 90% de factos reais, expõe a irracionalidade e o absurdo da guerra, enquanto representa as loucuras e misérias dos soldados, morrendo sem qualquer honra, retratados num estilo que combina a estilização dos personagens humanos e os desenhos excessivamente detalhados da natureza e ambientes, tornando assim este Manga único e distinto dos restantes.

Por fim, e enquanto componente de consciencialização da sociedade, o Manga também pode ser

considerado um meio de comunicação visual, tendo um papel fundamental na transmissão de informação

importante ou algum tópico sensível para a sociedade, no qual Kikuchi (2016) refere o manga: Manga Mukashi

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Sonokimo Nainoni Ukkari Jisatsu Shikakemashita (I was about to unintentionally commit suicide), da ilustradora Kona Shiomachi, cuja narrativa retrata a mentalidade de um trabalhador esgotado devido ao excesso de trabalho (karoshi) e a incapacidade de tomar decisões racionais e ao desenvolvimento de pensamentos negativos devido a essa condição, o que leva em muitos casos ao suicídio. O Manga em questão foi criado e partilhado após o relato de um caso oficial de morte por excesso de trabalho, no Natal de 2015, por um funcionário da empresa de publicidade Dentsu, Inc., tendo virado viral em outubro de 2016 e tendo sido partilhado mais de 131.000 vezes. Kikuchi refere que no Manga, Shiomachi representa um momento perigoso enquanto espera pelo comboio, refletindo no facto de “se desse um passo em frente não teria de ir trabalhar no dia seguinte”, e que, mesmo tendo sido capaz de evitar o sucedido e andando a trabalhar cerca de 90 a 100 horas extra por mês, o suicídio parecia uma ideia “brilhante”. Nessa altura Shiomachi refere que trabalhava como designer gráfica numa pequena empresa de publicidade e que, mesmo gostando do emprego, a carga de trabalho era demasiado pesada e que infelizmente este tipo de situações costuma ser a norma na indústria.

Desta forma, o Manga tornou-se essencial para a consciencialização da sociedade para um tema que tem vindo a ser posto de parte, ao qual Kikichi no seu artigo para o The Japan Times refere que é necessária uma intervenção do Governo Japonês de forma a permitir um ambiente de trabalho seguro.

Fig. 14 – Manga Mukashi Sonokimo Nainoni Ukkari Jisatsu Shikakemashita (p.1-2, 2016)

(35)

4. YŌKAI: SERES SOBRENATURAIS JAPONESES

4.1 CONTEXTUALIZAÇÃO

O folclore, segundo o dicionário online Infopédia da Porto Editora, consiste no conjunto de tradições populares nas suas variadas manifestações como a música, dança, canções, provérbios, anexins e lendas. Desta forma, podemos constatar que o folclore de um país é caracterizado essencialmente por todas as componentes culturais tradicionais que o definem, tanto de forma física como verbal. Segundo Foster (2015, p.11), o folclore é vulgarmente enfatizado pela sua tradicionalidade, ou seja, “a ideia de que algo possui valor acrescentado devido à sua associação com o passado”, não sendo controlado por autoridades oficiais como os governos, as escolas ou mesmo instituições religiosas, existindo assim a capacidade do folclore se metamorfosear ao longo do tempo, sendo um meio não-comercial do qual a sociedade pode participar ativamente, reproduzindo-o livremente ou até mesmo reinventar sem nenhum regulador a transmitir o que está certo ou errado. Contudo, estas definições não são permanentes ou definitivas, tal como podemos denotar com o trabalho de Foster (2015, p.12-13) que refere que, na realidade tal como a temática dos yōkai demonstra, sempre existiu um relacionamento dinâmico e simbiótico entre o folclore, o uso comercial e a cultura popular, admitindo que na generalidade, essas mesmas definições são aplicadas, justificando desta forma o facto de um simples detalhe do folclore possuir múltiplas versões e variantes, tal como quase todos os tipos de yōkai existem em mais do que um local ao mesmo tempo, sendo caracterizados por versões locais e históricas, e existindo inseridos em alguma lenda ou conto popular. Também é importante referir que nem todo o folclore é transmitido por via oral, sendo possível a transmissão do mesmo pela escrita ou pela arte.

“Yōkai begin where language ends.

Mysterious sounds. Lights flitting through the graveyard. A flood that destroys one village and leaves another unscathed. A feeling that something is watching you in the darkness. How do we speak of this that are ungraspable, anomalous? What words can we use to signify things that evade established categories and seemingly refuse to conform to the laws of nature?” (Foster, M. D., 2015, p.14)

Deste modo, segundo Foster (2015, p.14) podemos caracterizar os yōkai como um termo conveniente para

indicar todo um conjunto de termos ou experiências existentes no folclore japonês, que podem ser traduzidas

para palavras distintas como espíritos, fantasmas, espectros, demónios, seres sobrenaturais, ocorrências

paranormais, o sobrenatural ou talvez o mais comum nos dias de hoje, monstros, sendo que esta variedade

extensa de possíveis traduções denota as múltiplas conotações do termo e pode indicar várias ideias diferentes

com nuances associadas. Isohanni (2018, p.3-8), por outro lado, para além de reconhecer esta limitação de

tradução, justificando que a mesma pode diferir de pessoa para pessoa, define o termo yōkai como uma classe

de criaturas do folclore japonês que conseguiram, com o passar do tempo, atingir um local de destaque na

cultura popular japonesa, referindo que o mesmo representa a sociedade tal como ela é dado que vulgarmente

expõe problemas e medos da sociedade moderna. Por sua vez, Wenderly (2013, p.7) defende que “yōkai é a

(36)

designação comumente aplicada para nomear seres sobrenaturais (…) criados pelos homens para explicar fenómenos desconhecidos à sua volta, como epidemias e desastres naturais; dessa maneira, eventos nocivos ao ser humano tomaram a forma do yōkai”, acrescentando ainda que estes seres se encontram presentes no imaginário japonês atual e inseridos na cultura popular do país. No entanto, tal como Foster indica no livro The Book of Yokai (2015, p.14), de forma a evitar restringir a definição do termo, nesta investigação será utilizada a palavra original – yōkai – para referir tudo o que aborde este tema.

Segundo Isohanni (2018, p.11-12), a principal característica contrastante com a tradução de “monstros” é derivada pelo facto dos yōkai agirem enquanto formas intangíveis entre o contexto espiritual e físico. Desta forma, o autor também analisa linguisticamente os kanji, ou caracteres chineses adotados para a língua japonesa, que compõem o nome deste termo: 妖怪. Por sua vez, o autor refere que 妖 possui o significado de

“esquisito”, “fascinante” ou “calamidade” e que o mesmo é utilizado no contexto do sobrenatural; enquanto

怪 possui o significado de “misterioso” ou “estranho”, sendo utilizado dentro do contexto da descrição de algo

estranho ou sinistro, concluindo desta maneira que a palavra yōkai significa algo semelhante a “fascinante estranho”, sendo possível supor que é considerado como algo estranho, provavelmente malévolo mas certamente inexplicável, não definindo simplesmente a forma ou natureza de um monstro mas todo um contexto histórico retido pelo termo em si. Contudo, definir o termo “yōkai” é definir a diferença entre outras definições semelhantes habitualmente aplicadas na língua japonesa de forma a melhor caracterizar a que tipo de contexto se insere. Foster (2015, p.19) defende que a utilização de yōkai enquanto definição ampla para todo o tipo de fenómenos misteriosos e seres sobrenaturais só começou a ser aplicada relativamente recentemente, tendo a sua primeira utilização enquanto termo técnico datada do período Meiji (1868-1912) com o trabalho de pesquisa de Inoue Enryō, provando que ao longo dos diferentes períodos históricos teriam sido usados outros termos, enumerando-os: mono-no-ke (物の怪), bakemono (化物), obake (お化け) e yūrei (幽霊).

Portanto, Foster (2015, p.14-15) descreve mono-no-ke (物の怪) como um termo utilizado inicialmente no período Heian para denominar fenómenos assustadores ou inexplicáveis, dando como exemplo o clássico literário Genji monogatari (The Tale of Genji) de Murasaki Shikibu, datado do início do século XI e sendo um dos livros mais famosos deste período. Embora a tradução direta da palavra mono-no-ke seja difícil, o autor explica que mono significa “coisa” ou “matéria” e ke como algo “misterioso”, “suspeito” ou mesmo

“perturbador”, explicando ainda que o termo podia indicar também perigo, incerteza ou terror; por sua vez,

bakemono (化物) começou a ser utilizado no período Edo, aparecendo nos mais variados contextos, desde

livros ilustrados até peças de teatro Kabuki, significando “coisa mudada” ou “coisa que muda”, enfatizando

desta forma a transformação que constitui uma característica comum a vários yōkai. Todavia, o termo não é

apenas utilizado para coisas que mudem de forma, mas também para todo o tipo de criaturas com aspeto

estranho, assustadoras ou anómalas, sendo ainda hoje utilizado em conversação casual ou académica; Obake (

お化け) considera-se também um termo popular, sendo utilizado especialmente por crianças, tendo juntamente

com bakemono, a conotação mais semelhante à de “monstro”; por fim yūrei (幽霊) é vulgarmente traduzido

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