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METODOLOGIA DA PESQUISA TEOLÓGICA AULA 2

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Academic year: 2022

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METODOLOGIA DA PESQUISA TEOLÓGICA

AULA 2

Prof. Roberto Rohregger

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CONVERSA INICIAL

Nesta aula, pretendemos aprofundar a compreensão da pesquisa teológica entendendo quais são suas bases e de que forma elas se articulam. A Teologia é uma das ciências mais antigas, e a teologia cristã tem um rico passado do qual retira seus fundamentos. Tanto as reflexões encontradas nas epístolas sobre as implicações da morte e ressureição de Cristo como as questões doutrinárias mais básicas sobre como viver a fé cristã contribuem para a construção do pensamento teológico, pois não há religião sem teologia. Da mesma forma, a reflexão cristã é necessariamente a construção teológica.

Porém, é preciso que essa reflexão seja bem fundamentada, buscando sempre a compreensão correta da revelação divina, pois é possível construir uma teologia frágil, sem uma real vinculação e compromisso com a palavra de Deus.

Por isso, é importante que todo pastor seja um bom teólogo, não há como ser um sem ser o outro.

Podemos compreender, dessa forma, que a pesquisa teológica contribui substancialmente para o trabalho pastoral, e a práxis pastoral auxilia a reflexão teológica. Para que esse diálogo entre a prática e a reflexão seja frutífero, veremos nesta aula que a principal fonte da pesquisa teológica são as Sagradas Escrituras, e não poderia ser diferente.

A pesquisa teológica ou começa pelas Escrituras ou termina nela, será sempre o fundamento de uma teologia genuinamente cristã. Ainda compreenderemos que a contribuição dos debates e escritos dos pensadores e teólogos cristãos são extremamente importantes para a pesquisa teológica, pois temos mais de dois mil anos de estudos que podem nos auxiliar nos problemas atuais.

No terceiro tema desta aula, vamos nos debruçar sobre o estudo teológico e como devemos nos preparar academicamente e metodologicamente para sua eficácia; no quarto tema, veremos a importância da teologia e da pesquisa teológica para a Igreja. Finalizaremos com uma reflexão de outro campo vital para a construção teológica, o campo da vida. Uma teologia comprometida com as Sagradas Escrituras não pode ignorar o ser humano, na sua fragilidade e complexidade, tampouco sua dependência do ambiente que o cerca. Ao final desta aula, teremos aprofundado os principais aspectos e objetos da pesquisa teológica, percebendo suas inter-relações e dependências.

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TEMA 1 – BASE TEOLÓGICA – ESCRITURAS SAGRADAS

O trabalho da pesquisa teológica pode e deve se alimentar das mais variadas fontes na problematização, isto é, levantado perguntas sobre questões as quais sejam importantes para o indivíduo, quanto para obter algumas respostas. Assim, todas as áreas do viver e saber humano podem ser objeto de avaliação de um teólogo, e também podem apresentar contribuições na construção de respostas às perguntas teológicas. Porém, a base de qualquer trabalho teológico será sempre as Escrituras. Será nela que o teólogo terá sua fonte de reflexão e de compreensão pelo prisma da Revelação sobre a vontade de Deus para a humanidade, e assim sua orientação e veredito final.

Clodovis Boff aprofunda essa compreensão afirmando:

Deve-se, contudo, observar que quando se diz fé-palavra, referimo- nos, em primeiro lugar, não à palavra da doutrina, mas à palavra do testemunho. Essa passa através do querigma1, que é anúncio e proclamação, cujo portador é o Apóstolo ou Missionário […]. Todavia, este é o lado subjetivo ou antropológico da fé-palavra. Precisamos recuar e ver qual é o correlato objetivo ou teologal desta fé. Pois a fé- palavra, antes de ser palavra humana, é Palavra de Deus. Dizer que “a teologia parte da fé do Povo de Deus” só vale se entender o Povo de Deus como constituído pela Palavra, não constituinte da mesma. Ele é medido por ela, não a mede. (Boff, 1999, p. 111)

O discurso da fé sempre deve ser submisso à palavra de Deus, as Escrituras, pois a fé não é nada mais que crer nas Escrituras. Qualquer fé manifestada pelo povo que não tenha como origem a correta compreensão das Escrituras não pode constituir uma fé cristã. Assim, a fé, para o teólogo, é objeto de seu estudo quando for derivada das Escrituras. Por consequência, a base para a pesquisa teológica é a Bíblia. Essa é a base da pesquisa teológica, todas perspectivas que o campo da pesquisa teológica terá sempre sua avaliação criticada pelo prisma da interpretação dos conceitos das Escrituras. Por isso, afirmamos que a pesquisa teológica não precisa necessariamente começar pelas Escrituras, mas elas sempre terminarão nela.

A matéria-prima da teologia consiste naquilo que pode ser transformado em produto teológico. O grande teólogo medieval Tomás de Aquino dizia que o objeto material da teologia é Deus. Isso é pertinente, pois a teologia estudo sobre quem Deus é e como ele se manifesta na história de seu povo. Assim, é necessário ir à Bíblia, o livro revelado que narra as ações e as palavras divinas. A revelação contou com a participação humana, em um longo movimento de interpretação, leituras e releituras. Assim, a matéria-prima da teologia

1 Querigma é o anúncio da Palavra de Deus, inicialmente realizado pelos apóstolos.

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é Deus, como se revelou na história e é narrada na Bíblia. (Murad;

Gomes; Ribeiro, 2010, p. 29)

Como podemos perceber, o conhecimento de Deus para a teologia se dá de forma indireta, isto é, por meio daquilo que aprouve a Deus revelar-se para a humanidade, e que está registrado nas Escrituras. Assim, quando dizermos que

“estudamos” Deus, o que de fato fazemos é compreender sua revelação que está nas Escrituras, e cabe avaliar a implicação dessa revelação para o ser humano nos mais diversos aspectos da vida.

O teólogo Wayne Grudem afirma:

É importante perceber que a forma final na qual a Escritura é cheia de autoridade é a forma escrita. Foram as palavras de Deus escritas em tábuas de pedra que Moisés depositou na arca da aliança. Mais tarde, Deus ordenou a Moisés e subsequentemente aos profetas para escreverem suas palavras em um livro. Foi a palavra de Deus escrita que Paulo disse ser “inspirada” (gr. Grafe em 2 Tm 3.16). Isso é importante porque as pessoas à vezes (de forma intencional ou não) tentam substituir as palavras escritas da Escritura por algum outro padrão final. (Grudem, 2001, p. 49)

Esta é a fonte primária da pesquisa teológica: a Bíblia. Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento o pesquisador obterá o direcionamento para o viver humano. Para isso, o teólogo deverá ter um conhecimento profundo do Livro Sagrado, deverá compreender claramente a mensagem geral das Escrituras, tanto no contexto do Antigo quanto do Novo Testamento, e buscar o sentido orientativo da Palavra de Deus para o viver e proceder humano.

TEMA 2 – CONHECIMENTO CONSTRUÍDO – HISTÓRIA TEOLÓGICA

Como já afirmamos, a teologia cristã tem mais de 2.000 anos, é uma ciência milenar, e abandonar esse conhecimento acumulado é tratar com desprezo o esforço e a dedicação que grandes pessoas tiveram para compreender e desenvolver a compreensão das Escrituras. Nesse conhecimento acumulado, há o debate e a reflexão sobre as grandes discussões e embates doutrinais, bem como a defesa da fé em períodos de profundo questionamento do sentido e validade da Bíblia perante outros saberes. Muitos desses teólogos, pessoas dotadas de uma fé profunda, dedicaram sua vida ao estudo das Escrituras e não raras vezes pagaram com a própria vida o privilégio de compreenderem e ensinarem mais sobre a palavra de Deus. É impossível pensar em pesquisa teológica sem buscar os clássicos do pensamento teológico dos pais da Igreja, quando dos teólogos da modernidade. Não podemos

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esquecer que a Igreja não saltou dos escritos apostólicos para a Reforma Protestante. A igreja primitiva se deparou com profundos questionamentos, e a Igreja ainda em formação dos primeiros líderes que receberam a mensagem da salvação após a morte dos apóstolos também passou por profundos debates, sejam internos, da comunidade de fé, sejam externos, enfrentando ataques e doutrinas estranhas que necessitavam serem debeladas. É preciso compreender que a igreja, desde o seu início, enfrentou desafios e havia uma diversidade de pensamento que necessitava de reflexão e compreensão, mesmo de questões que para nós hoje possam parecer simples.

Comparadas com o que se tornariam por volta da metade do século, as águas romanas estavam bem calmas nos tempos de Clemente. A incorporação de um número crescente de gentios nas comunidades judeu-gentia-cristãs levantou mais rapidamente outras questões de identidade e adaptabilidade. Por essa época, algumas comunidades já tinham provavelmente crescido bastante para necessitarem de locais específicos para o uso litúrgico. Sem dúvida cada uma experienciou um aumento nas tensões paralelo á incorporação de convertidos [...].

Apareceram sérios conflitos relativos à questão do arrependimento de pecados graves (possivelmente de apostasia, adultério ou assassinato), cometidos após o batismo. [...] A constante modificação da membresia dessas comunidades sem dúvida esquentou o clima de discussões sobre todos os tipos de questões morais e doutrinárias, fazendo necessária, portanto, a configuração de procedimentos disciplinares e catequéticos mais definidos, tais como aqueles apresentados por Hipólito e Tertuliano na primeira parte do terceiro século. (Hinson; Siepierski, 1990, p. 82)

Podemos ver, por intermédio desse cenário apresentado por Hinson e Siepierski, a complexidade de problemas que a igreja cristã já estava passando nos meados do século II e III. Como poderíamos deixar de fora da reflexão cristã contemporânea as contribuições dos teólogos da igreja primitiva para a solução de problemas que, de certa maneira, não mudaram tanto assim? Como podemos tapar nossos ouvidos para suas palavras de sabedoria? Definitivamente não podemos. Necessitamos reler os clássicos da patrística, bem como os teólogos da modernidade. Segundo Christopher Hall:

Os próprios pais [da igreja] insistem que a igreja é responsável perante a Escritura. Ao mesmo tempo, Sola Scriptura nuca significou que as únicas fontes de que o cristão necessita para compreender bem a Palavra de Deus são a Bíblia e o Espírito Santo. O ideal do intérprete autônomo pode mais facilmente ser colocado nas pegadas do iluminismo do que na Reforma. Ao contrário, os reformadores como Lutero e Calvino, consideraram sabiamente que a história, os concílios, os credos e a tradição da igreja, inclusive os escritos dos pais, eram um fértil recurso ignorado somente pelos tolos ou arrogantes. (Hall, 2007, p. 20)

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Podemos compreender a importância, na pesquisa teológica, de visitar os clássicos, sejam da teologia patrística, sejam da reforma protestante, bem como os grandes pensadores da atualidade. Porém, devemos compreender que suas concepções teológicas também estavam ligadas a um momento da história. É preciso compreender esse pano de fundo: o contexto histórico do pensador e, principalmente, como futuros teólogos, devemos saber que todo teólogo e suas reflexões devem estar submissos à Escritura. A Bíblia é o parâmetro também para separarmos boa teologia de uma teologia frágil.

TEMA 3 – ESTUDO TEOLÓGICO

O estudo teológico deve começar pela fé; para o teólogo cristão, a fé em Cristo é essencial. Quem estuda as Escrituras sem fé, isto é, sem crer que ela é a revelação de Deus para a humanidade, estudará a Bíblia como o resultado de um fenômeno religioso e buscará as motivações humanas para a elaboração desse livro e suas implicações. Poderá ainda pesquisar seus reflexos éticos e morais no decorrer da história, mas não considerará que, em tais escritos, possa haver um imperativo ético, mas uma sabedoria humana sendo construída no decorrer da história; poderá ser um pesquisador teólogo ou estudioso das Ciências das Religiões. Também vimos que a base para a pesquisa teológica é a Escritura, mas vamos deixar um pouco mais claro o material, ou o caminho para a pesquisa teológica.

Toda pesquisa nasce de uma problematização, isto é, de uma questão que percebemos que precisa de uma resposta, ou de uma questão que aparentemente havia concordância, mas, ao refletirmos sobre ela, percebemos que há uma pergunta, uma dúvida que merece ser explorada. Essa problematização pode ser uma questão bíblica/teológica, que tenha nascido de uma reflexão de um texto bíblico ou de uma doutrina, mas também pode ser de outra fonte, por exemplo, da igreja, alguma questão relacionada à condução da igreja, do culto, de algum ministério. Pode ser da própria fé, de como ela opera no cristão, de como deve ser a vida cristão, ou de algum problema da sociedade de forma geral, que também pode afetar a igreja, como o aborto, a justiça social, a dignidade humana, a própria tecnologia etc. Como podemos perceber, o campo de atuação para a pesquisa teológica é enorme.

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O estudo teológico começa ao entender qual é o problema que há no campo em que se está pesquisando. Podemos descrever os principais passos desse estudo da seguinte forma.

1. Problematização: compreender qual é o problema que visualizamos em determinada questão, ou texto bíblico ou ação na igreja etc. Isso não quer dizer que o fato em si seja um problema, mas que há uma pergunta que se faz para aprofundar o entendimento. Nesse momento, não temos a resposta nem devemos procura tê-la, pois precisamos compreender todas as nuances e questões envolvidas.

2. Compreensão do assunto: podemos não dominar determinado assunto, ou mesmo que tenhamos certo conhecimento, é preciso aprofundar o tema para entendermos com maior profundidade a fim de percebermos todas as implicações que possa haver. Por exemplo, se resolvo pesquisar a clonagem humana, a pergunta que poderia fazer, isto é, a problematização seria: quais as implicações teológicas da clonagem humana? Para poder começar a compreender melhor essas implicações, é preciso aprofundar o entendimento sobre o que é a clonagem, DNA etc.

para entender realmente as implicações que isso possa ter. Então, é preciso estudar o assunto.

3. Pesquisa sobre o pensamento cristão: podemos dizer que esta é a pesquisa teológica do assunto. O que os teólogos cristãos já escreveram sobre o assunto, como a compreensão destes podem contribuir para o problema levantado?

4. Resposta bíblica: nesse momento, realizamos a pesquisa bíblica procurando compreender o conceito que as Sagradas Escrituras nos fornecem sobre o assunto. Para isso, é preciso compreender bem o texto, o seu contexto, e realizar uma exegese sobre o texto ou os textos bíblicos que podem nos orientar.

5. Apresentar uma resposta: essa é a parte final, em que se apresenta uma resposta por meio da pesquisa teológica ao problema levantado. Observa- se que essa resposta sempre será parcial e nunca encerra o assunto de fato.

Claro que esses pontos ainda são uma visão macro e simplificada da pesquisa teológica, mas já nos possibilita ter uma visão sobre o procedimento da pesquisa de forma prática.

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TEMA 4 – PESQUISA TEOLÓGICA, IGREJA E PASTOR TEÓLOGO

A pesquisa teológica tem importância para a Igreja? A resposta para essa pergunta é sim e muita. Os desafios para o cristão na sociedade moderna são vários e, para isso, é preciso que se tenha respostas bíblicas que sejam relevantes para sua vida, e para que possa compreender melhor sua fé e as implicações desta. A igreja não deve se afastar da teologia, pois a teologia fornece elementos que podem fortalecer a fé, e a própria teologia pode ser enriquecida pela práxis da comunidade de fé.

“Todo pastor tem chamado para teologia” essa pode ser uma afirmação que cause surpresa a alguns pastores que vem a teologia somente como uma disciplina acadêmica. A saúde da igreja depende que seus pastores permaneçam como que teólogos ensinando, pregando, defendendo e aplicando a doutrina da cristã. O fato de muitos pastores não verem a teologia como vocação tem causado muitos danos a igreja. Em muitos casos o conteúdo teológico foi varrido do ministério do pastor, e alguns pastores por sua vez parecem ter pouca conexão com a vocação teológica. A vocação do pastor é inerentemente teológica. Pois, pelo fato de que o pastor precisa ser o professor da Palavra de Deus. (Almeida; Rohregger, 2017)

A teologia é uma segurança para a igreja, pois uma teologia comprometida com a palavra é um forte guardião da sã doutrina, e ainda pode ser a vigia de problemas futuros que são antecipados pela pesquisa teológica. A teologia deve ser usada na igreja com humildade, ela é serva do evangelho, dessa forma, o teólogo ou o pastor teólogo deve ser humilde e submisso à palavra de Deus, ele foi colocado por Deus para servir a sua comunidade de fé por meio de uma teologia cristã.

O que torna o papel do pastor ainda mais desafiador é a existência de três diferentes grupos de pessoas, três públicos, cada um com a própria forma de pensar. Quando falo de três públicos, refiro-me a três realidades sociais, três ambientes em quem os pastores podem falar de Deus e de Jesus Cristo: (1) a academia (2) a igreja e (3) a sociedade em geral. Porque Deus é o Criador de tudo o que existe, seja visível seja invisível, e porque as boas-novas do amor sacrificial de Deus dizem respeito a todo mundo, não há um único centímetro quadrado no universo nem um único aspecto da existência humano que, de alguma forma não esteja relacionada com Deus ou o evangelho.

(Vanhoozer; Strachan, 2016, p. 20)

O teólogo-pastor tem um compromisso com a teologia pública, que necessita dialogar com a sociedade tanto para compreender o momento histórico-social quanto para contribuir com soluções para os dilemas da modernidade. Para isso, precisa estar bem preparado, deve buscar sua formação acadêmica como uma ferramenta essencial para o seu ministério, e ter

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nos livros um apoio para o desenvolvimento pessoal e ministerial, e principalmente para o crescimento espiritual e intelectual da comunidade de fé a qual pastoreia.

TEMA 5 – PESQUISA TEOLÓGICA E CAMPO DA VIDA

A teologia, tendo um comprometimento com a Escritura, tem por consequência um comprometimento com a vida. Podemos dizer que o campo da vida é um dos mais significativos interesses que a teologia pode ter, uma vez que a criação é um interesse e obra de Deus. O ser humano é colocado como responsável pelo cuidado na manutenção da criação, pela manutenção da vida.

Nesse aspecto, podemos entender que, nessa área, a pesquisa teológica pode se voltar para o ser humano, suas características como indivíduo biológico e social, no sentido de compreender a implicação relacionada a ser criado à imagem e semelhança de Deus, e em outro aspecto, a criação de Deus, a própria natureza, porém não alienado da condição humana inserida nessa criação.

A teologia tem uma preocupação com a dignidade humana. Considerando o ser humano criado, como já dito, à imagem e semelhança de Deus, as ações que ferem o ser humano maculam essa característica peculiar da criação. Ao removermos do indivíduo seus direitos, manchamos sua característica de imagem e de semelhança a Deus. Dessa forma, um ataque à dignidade humana é um ataque a Deus. Isso não nos faz pequenos deuses, uma vez que somos criaturas e há um único criador, porém a forma especial pela qual fomos criados é que nos dá uma característica que nos diferencia de toda a criação. Lewis (2006, p. 50) afirma:

A relação entre o Criador e a criatura é, evidentemente, única e não encontra par em nenhuma relação entre uma criatura e outra. Deus está mais distante de nós e também mais próximo que qualquer outro ser. Está mais distante mais distante de nós porque a mera diferença entre aquilo a que tem o Seu princípio de existência em Si Mesmo e aquilo a que a existência é comunicada é tal que, comparada a ela, a diferença entre um arcanjo e um verme é de todo irrelevante. Ele cria, nós somos criados. Ele é original, nós, originários. Ao mesmo tempo, contudo, e pela mesma razão, a intimidade entre Deus e até mesmo a mais vil das criaturas é maior que qualquer intimidade que criaturas possam alcançar uma com a outras. Nossa vida é, a todo instante, abastecida por Ele. (Lewis, 2006, p. 50)

Essa dependência de Deus nos coloca em nosso devido lugar na criação.

Somos criaturas e não o criador, toda a tentativa de domínio de um ser humano sobre o outro é a tentativa de recriar a cena do pecado original no Éden, é a

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tentativa de assumirmos a posição de Deus, de sermos iguais a Ele. Podemos perceber a importância que o campo da vida tem para a teologia, e consequentemente, como campo de sua pesquisa, é extremamente relevante compreender que todos somos iguais e portadores de dignidade estabelecida na criação. De forma semelhante, sendo a vida a expressão máxima da criação, o cuidado para a manutenção desta é essencial, isto é, a manutenção da natureza como elemento necessário para o desenvolvimento de toda a vida e, em especial, da vida humana. A ecologia deve ser um campo de especial atenção para a pesquisa teológica, e por vezes é relegada a segundo plano, permitindo que a humanidade avance na destruição de áreas imensas de florestas, de poluição de rios e do ar de forma alarmante, sem a preocupação com as consequências que essa exploração tem para o futuro da humanidade. Rollo May (2016), um dos maiores psicanalistas do século XX, faz uma descrição perturbadora do ser humano contemporâneo:

Pode surpreender que eu diga, baseado em minha prática profissional, assim como na de meus colegas psicólogos e psiquiatras, que o problema fundamental do homem, em meados do século XX, é o vazio.

Com isso quero dizer não só que muita gente ignora o que quer, mas também que frequentemente não tem uma ideia nítida do que sente.

Quando falam sobre a falta de autonomia, ou lamentam sua incapacidade para tomar uma decisão – dificuldades presentes em todas as épocas – torna-se logo evidente que seu verdadeiro problema é não ter uma experiência definitiva de seus próprios desejos e necessidades. Oscilam desse modo para aqui e para ali, sentindo-se dolorosamente impotentes porque [estão] ocas, vazias. (May, 2016, P.

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Essa descrição do ser humano não somente ainda é válida como podemos afirmar que está ainda mais problemática atualmente. A pesquisa teológica tem no campo da vida uma área imensa para desenvolver suas pesquisas e apresentar respostas para as inquietações da modernidade, bem como proporcionar um diálogo com as demais ciências da vida para, em conjunto, poderem resgatar valores e ações éticas no relacionamento humano.

NA PRÁTICA

A pesquisa teológica pode se debruçar em vários aspectos. Por acaso podemos buscar compreender as consequências do desenvolvimento tecnológico da sociedade, como esse desenvolvimento pode facilitar a propagação do Evangelho? Ou como as redes sociais podem afetar o ser humano na sua espiritualidade e amor ao próximo? Como nossa sociedade

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consumista afeta nosso relacionamento com o próximo? E como essas questões afetam a Igreja?

O desenvolvimento das técnicas de manipulação genética pode alterar a concepção de ser humano? O que as Escrituras podem nos orientar com relação à manipulação genética? Como deve ser o posicionamento político de um cristão? Todas essas questões e muitas outras podem e são objeto da pesquisa teológica. É necessário articular os conceitos teológicos extraídos das Escrituras com os saberes de outras ciências para apresentar uma resposta que seja relevante e que confronte por vezes as concepções já dadas como certas da sociedade.

FINALIZANDO

Nesta aula, pudemos compreender que a base da pesquisa teológica são as Escrituras. A pesquisa não precisa necessariamente se iniciar nela, mas obrigatoriamente termina com a confrontação da Bíblia. Identificamos a importância de consultar os pensadores clássicos da teologia. A catedral da teologia cristã tem milênios de laboriosa construção que não pode ser ignorada, e por meio dessa compreensão pudemos avançar para entendermos como se procede o estudo teológico, o caminho para desenharmos a reflexão teológica sobre qualquer assunto. Com base nessa compreensão, passamos a verificar a importância da pesquisa teológica para a Igreja, na contribuição para a construção de uma comunidade de fé consciente dos grandes desafios da fé e da sociedade contemporânea na qual está inserida. Por último, mas não menos importante, avaliamos como a pesquisa teológica está profundamente vinculada com o campo da vida, e como esta deve ser um dos assuntos de maior importância para a teologia.

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REFERÊNCIAS

ALMEIDA, S. R.; ROHREGGER, R. A importância da formação teológica para o ministério pastoral. Teologia, Sociedade & Espiritualidade, Curitiba, v. 1, n. 2, p. 51-67, abr. 2017. Disponível em: <https://teologiaesociedade.weebly.com/uplo ads/1/4/1/2/14122108/importancia_formação_teologica.pdf>. Acesso em: 29 set.

2019.

BOFF, C. Teoria do método teológico. Petrópolis: Vozes, 1999.

GRUDEM, W. Manual de teologia sistemática: uma introdução aos princípios da fé cristã. São Paulo: Vida, 2001.

HALL, C. A. Lendo as escrituras com os pais da igreja. 2. ed. Viçosa: Ultimato, 2007.

HINSON, G. E.; SIEPIERSKI, P. Vozes do cristianismo primitivo. São Paulo:

Sepal, 1990.

LEWIS, C. S. O problema do sofrimento. São Paulo: Vida, 2006.

MAY, R. O homem à procura de si mesmo. Petrópolis: Vozes, 2016.

MURAD, A.; GOMES, P. R.; RIBEIRO, S. A casa da teologia: introdução ecumênica à ciência da fé. São Leopoldo: Paulinas; Sinodal, 2010.

VANHOOZER, K. J.; STRACHAN, O. O pastor como teólogo público:

recuperando uma visão perdida. São Paulo: Vida Nova, 2016.

Referências

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