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O índio idoso Kaiwá: memórias e histórias de vida

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(1)

CATÓLICA DE

BRASÍLIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

STRICTO SENSU EM GERONTOLOGIA

Mestrado

O ÍNDIO IDOSO KAIWÁ:

MEMÓRIAS E HISTÓRIAS DE VIDA

Autora: Diane Maria Scherer Kuhn Lago Orientador: Prof. Dr. Vicente de Paula Faleiros

(2)

DIANE MARIA SCHERER KUHN LAGO

O ÍNDIO IDOSO KAIWÁ

MEMÓRIAS E HISTÓRIAS DE VIDA

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação “Stricto Sensu” em Gerontologia da

Universidade Católica de Brasília como requisito

parcial para obtenção do título de Mestre em

Gerontologia.

Orientador: Prof. Dr. Vicente de Paula Faleiros

Brasília/DF

(3)

Ficha elaborada pela Coordenação de Processamento do Acervo do SIBI – UCB.

L177i Lago, Diane Maria Scherer Kuhn.

O índio idoso Kaiwá : memórias e histórias de vida / Diane Maria Scherer Kuhn. – 2007.

113 f. : il. ; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2007. Orientação: Vicente de Paula Faleiros

1. Índios. 2. Idosos. 3. Envelhecimento. 4. Interação social. 5. Cultura. I. Faleiros, Vicente de Paula, orient. II. Título

(4)

TERMO DE APROVAÇÃO

Dissertação de autoria da aluna Diane Maria Scherer Kuhn Lago, intitulada – O ÍNDIO

IDOSO KAIWÁ – MEMÓRIAS E HISTÓRIAS DE VIDA – requisito parcial para obtenção

do grau de Mestre do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Gerontologia, defendida e

aprovada, em 12 de abril de 2007, pela banca examinadora constituída por:

Professor Doutor Vicente de Paula faleiros

Orientador

Professora Doutora Altair Lahud Loureiro

Examinador

Professora Doutora Lucy Gomes Vianna

Examinador

(5)

Ao meu esposo, Aldércio, companheiro

valoroso, com o qual divido os prazeres e as conquistas

da vida.

Às minhas filhas, Jéssica e Jennifer, a quem

ajudei a dar a vida e duas das principais razões do meu

viver.

Aos meus pais, Ciro e Maria Noeli que me

deram a vida e formaram meu caráter e personalidade.

Aos idosos, motivo do meu caminhar

(6)

AGRADECIMENTOS

Ao meu esposo, Aldércio e às minhas filhas, Jéssica e Jennifer, pelo carinho e

compreensão nos momentos de ausência e temores e pelas mãos sempre estendidas para auxiliar

na elaboração deste estudo.

Aos meus pais, Ciro e Maria Noeli e minhas irmãs, Ângela, Cláudia e Carine, pelo

incentivo e confiança.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Vicente de Paula Faleiros, por aceitar prontamente meu

pedido para ser sua orientanda; pela honra de poder compartilhar suas idéias, conselhos e

sabedoria e também pelo incentivo na formação desta pesquisadora.

Aos meus professores do Curso de Mestrado, pelos conhecimentos transmitidos.

Aos meus colegas de sala de aula, principalmente à Denise, pelo convívio e

compartilhamento de idéias e de preocupações.

Aos índios idosos Kaiwá que participaram deste estudo contribuindo com carinho para a

análise de suas histórias de vida.

Ao Bonifácio, índio Kaiwá, amigo da Aldeia Jaguapiru, que participou ativamente das

entrevistas e das transcrições, traduzindo com seriedade e dedicação, as falas em guarani dos

entrevistados.

(7)

As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão. Mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão.

(8)

RESUMO

A construção individual e social do homem com o tempo, com o mundo e com a própria

história e as variações de cultura e do contexto social são valorizadas na arte do envelhecimento.

A memória, responsável pela aquisição, armazenamento e reformulação das lembranças envolve

em seu processo de memorização, emoção, pois guarda apenas o que significou como

merecedor de recuperação. Ao considerar identidade como um construto contínuo e resultante

das experiências sociais individuais e coletivas, este estudo objetivou investigar por meio das

histórias de vida de índios idosos da etnia Guarani-Kaiwá residentes na aldeia Jaguapiru em

Dourados no Estado do Mato Grosso do Sul, as percepções sobre as influências decorrentes das

mudanças sócio-culturais, vivenciadas pelos mesmos na construção de sua identidade cultural

individual e coletiva no processo de envelhecimento. Foram realizadas entrevistas abertas

individuais para a coleta das histórias de vida com cinco índios idosos, sendo dois do sexo

feminino e três do sexo masculino. Dos temas em que ocorreram modificações e foram

considerados como positivos pelos idosos foram a vestimenta, o comércio e a alimentação

existente na aldeia. Entre os temas em que as modificações foram consideradas como negativas

aparecem os relacionados à preservação dos costumes indígenas, a agricultura, a moradia e ao

espaço destinado aos índios, além da proteção à natureza. Na percepção dos índios idosos

entrevistados, as modificações culturais resultantes do processo de interação social representam

uma ameaça à preservação da identidade Guarani-Kaiwá.

(9)

ABSTRACT

Man develops itself individually and socially, regarding time, world and its own history. Such

development, together with culture and social context, can be observed in the aging process.

Memory, which is responsible for information aquisition, storage and reformulation, involves

emotion in its process, for it only keeps what is significant and worthwhile recovering.

Considering identity as a continuous construction process that results of social experience,

which can be individual or collective, this study investigates perceptions about influences from

social and cultural changes that happen in lives of elderly Indians of Guarani-Kaiwa ethnicity,

who live in Jaguapiru tribe, in the city of Dourados, state of Mato Grosso do Sul, during the

construction of their individual and collective cultural identity, in the aging process. Five elderly

Indians were interviewed, two females and three males, in order to collect some histories of life.

The changes and modifications that happened and were taken as positive by the elderly Indians

were clothing, exchange of goods and feeding in the tribe. The changes and modifications that

were considered negative by the elderly are related to preservation of Indian culture, agriculture,

home and space they are given to live in, and preservation of nature. According to the elderly

Indians who were interviewed, cultural changes that resulted from the process of social

interaction is a constant threat to the preservation of Guarani-Kaiwa identity.

(10)

SUMÁRIO

RESUMO 08

INTRODUÇÃO 12

OJETIVOS DA DISSERTAÇÃO 15

Geral 15

Específicos 15

CAPÍTULO I - O ENVELHECIMENTO HUMANO 16

1.1. O Idoso e o Envelhecimento Humano no Brasil 16

CAPÍTULO II – LEMBRANÇAS E DIVERSIDADE CULTURAL 24

2.1. Memória, Lembranças, Reminiscências 24

2.2. Diversidade Cultural e Identidade 30

CAPÍTULO III – O ÍNDIO KAIWÁ E A ALDEIA JAGUAPIRU EM

DOURADOS 37

3.1. Os Índios Kaiwá no Mato Grosso do Sul 37

3.2. A Aldeia Jaguapiru em Dourados/MS 42

CAPÍTULO IV – O CAMINHO PERCORRIDO NESTA DISSERTAÇÃO 46

4.1. Método Qualitativo – História de vida 46

4.2. As Entrevistas 52

4.3. A Técnica de Análise dos dados 55

CAPÍTULO V – ANÁLISE DAS HISTÓRIAS DE VIDA 57

(11)

5.1.1. A família desfeita: reflexo da solidão 63

5.2. A violência social e a religião 64

5.3. A cultura e o passado – a festa, o alimento, a vestimenta, a língua 69

5.3.1. As festas como momentos de descontração 69

5.3.2. O alimento como necessidade e a interação com a natureza 71

5.3.3. As vestimentas e as lembranças da adolescência 74

5.3.4. O comércio na aldeia 76

5.3.5. A língua como preservação da cultura 77

5.4. A interação social na aldeia 79

5.4.1. O convívio com diferente 80

5.5. As mudanças na aldeia – a casa e sua ecologia 81

5.5.1. O loteamento e a apropriação da terra 82

5.6. O envelhecimento na aldeia 83

5.7. A identidade cultural 88

CONSIDERAÇÕES FINAIS 91

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 99

APÊNDICES 109

APÊNDICE A – Quadro representativo das mudanças culturais e sociais

que interferem na construção da identidade cultural do

índio idoso Kaiwá.

APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE

(12)

INTRODUÇÃO

A identidade vista como um processo em permanente construção e transformação libera

o indivíduo para as escolhas sociais e culturais que a sociedade coloca à disposição. A

interferência da cultura na construção dos significados e a modulação da identidade, bem como

a ressonância pessoal desta, dependem da qualidade das experiências vividas no contexto

cultural do indivíduo.

Ao analisar identidade como um construto contínuo e dependente dos valores sociais,

considera-se identidade do idoso como o resultado de suas experiências sociais através da

vivência, da linguagem e da comunicação. A busca pelo conhecimento desta construção é

possível pela análise da história de vida, onde o indivíduo narra em entrevista, além da sua

própria história, a história de uma época e de um povo.

Fatos e acontecimentos de ordem social e cultural, ocorridos durante o envelhecimento

da pessoa interferem diretamente na construção de sua identidade. A busca por estudar estas

interferências está diretamente ligada ao processo de memorização e recordação das lembranças

individuais e coletivas de uma determinada parcela da sociedade.

A memória é responsável pela aquisição, armazenamento e reformulação das lembranças

que podem ser transformadas em permanentes e, portanto, passíveis de recuperação. O processo

de memorização envolve emoção. Neste sentido, o indivíduo guarda o que significou algo para

sua vida e merece ser armazenado para posterior recuperação.

O idoso, ao recordar de fatos e momentos importantes ocorridos na sua história de vida o

faz de maneira diferente a cada recordação e este processo serve para reviver parte de seu

(13)

sociedades diversas como a das comunidades indígenas reflete na identidade individual e

coletiva de uma população.

Apresentando variações importantes nas dimensões biológica, sociológica, psicológica e

cultural, influenciadas pelo contexto sócio-histórico e de caráter existencial, o processo do

envelhecimento, salvo ocorrências abreviadoras, é inevitável e inerente a todos. É uma

experiência heterogênea nas sociedades ocidentais contemporâneas.

O conceito de velhice envolve a construção individual e social do homem com o tempo,

com o mundo e com a própria história. As variações de significações dependem da época, da

cultura, e de aspectos individuais. Experiências individuais e coletivas no contexto social são

valorizadas no processo do envelhecimento, onde as diferenças de classe, etnias e gênero dão

um significado especial a esta fase da vida.

O fenômeno do envelhecimento populacional é global. O contínuo aumento do número

de idosos no Brasil e no mundo repercute nos campos históricos, sociais, econômicos e

especialmente, no contexto cultural. As modificações concernentes as práticas sociais são

crescentes e interferem na história das famílias, das sociedades, dos Estados e do País.

Neste sentido, a escolha do índio idoso da etnia Kaiwá que vive na aldeia Jaguapiru em

Dourados no Estado do Mato Grosso do Sul, região Centro-Oeste do Brasil como sujeito desta

pesquisa se deve ao contexto particular das constantes mudanças sociais e culturais vivenciadas

por ele desde o seu aldeamento como resultado da Política Indigenista do Governo Brasileiro.

Quem somos nós, ontem, hoje, um dia? A busca por esta resposta na percepção que o

índio idoso Kaiwá tem sobre as influências que as transformações sociais representaram para a

construção da identidade cultural individual e coletiva por meio do resgate destas informações

(14)

Este estudo tem como proposta metodológica a análise da história de vida dos índios

idosos da etnia Guarani-Kaiwá da aldeia Jaguapiru, numa alusão ao passado com uma reflexão

no presente e um remeter-se ao futuro.

Com o propósito de fundamentar a teoria sobre o objeto a ser analisado, cultura

indígena, interação social e envelhecimento, esta dissertação dividiu-se em duas partes

principais, senda que a primeira introduz o tema, complexo e delicado, que envolve o

envelhecimento humano; as lembranças e a diversidade cultural na construção da identidade e a

história da etnia Guarani-Kaiwá no Estado do Mato Grosso do Sul, além da apresentação da

aldeia Jaguapiru em Dourados.

A segunda parte apresenta o caminho percorrido para a elaboração deste estudo e a

análise das histórias de vida, sendo os relatos categorizados em: a família Kaiwá; a violência

social e a religião; a cultura e o passado, a festa, o alimento, a vestimenta, a língua; a interação

social na aldeia; as mudanças na aldeia – a casa e sua ecologia; o envelhecimento na aldeia e a

identidade cultural. Por fim, as considerações finais e as referências bibliográficas utilizadas na

(15)

OBJETIVOS DA DISSERTAÇÃO

GERAL

Investigar por meio das histórias de vida, resgatadas da memória, as percepções das

índias e dos índios idosos da etnia Kaiwá sobre as influências decorrentes das mudanças

sócio-culturais, vivenciadas pelos mesmos, na construção da sua identidade cultural individual e

coletiva no envelhecimento.

ESPECÍFICOS

• Identificar as principais mudanças sócio-culturais referidas pelos índios idosos como

influenciadoras para a construção de sua própria identidade e da identidade cultural da

sua aldeia;

• Analisar a percepção das índias e índios idosos sobre o que é ser velho e o

(16)

CAPÍTULO I – O ENVELHECIMENTO HUMANO

1.1 O Idoso e o Envelhecimento Humano no Brasil

A palavra “idoso” traduz uma série de valores ainda considerados importantes para a

sociedade, como experiência, sabedoria, tranqüilidade e paciência. Moreira (2000, p.23) coloca

que “há uma grande distinção entre o ser idoso e ser velho, pois enquanto idoso significa

valorização, velho constitui aquilo que não tem mais utilidade, que está fora de moda, está

gasto”.

Ao refletir sobre a complexidade do envelhecimento no prisma de Edgar Morin, Santos

(a) (2003, p. 18) explica que “a relação entre todo e partes não fecha os conceitos, mas os

correlaciona, considerando que o envelhecimento é um processo, o idoso é um ser do seu espaço

e do seu tempo e a velhice é a última fase do processo humano de nascer, viver e morrer”.

A população de idosos está ocupando atualmente um espaço muito importante na

sociedade brasileira. Com base no Censo de 2000, o Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística - IBGE (2006) releva que a população de idosos no Brasil representa 8,6% da

população total do país e acrescenta que em uma década, o número de idosos no Brasil cresceu

17%, em 1991 ele correspondia a 7,3% da população.

Pereira (2003, p. 15) relata que “as pessoas acima de sessenta anos de idade

representavam apenas 5% da população brasileira em 1950. No final do Século XX, os idosos

representavam um total de 10% e estimativas do IBGE para o ano de 2050 dispõe que os idosos

(17)

O envelhecimento populacional é, hoje, um proeminente fenômeno mundial. Isto significa um

crescimento mais elevado da população idosa com relação aos demais grupos etários.

O envelhecimento humano é um processo gradativo e contínuo que tem início no

nascimento e segue por toda a vida, provocando modificações biológicas, psicológicas e sociais.

Ocorre como uma espécie de reação em cadeia, envolvendo fatores hereditários, estilo de vida e

relações afetivas, fazendo com que cada indivíduo envelheça de forma diferenciada.

No mesmo sentido, porém mais enfático quanto à terminalidade da vida, Papaléo Netto

(2002, p.25) conceituou o envelhecimento humano como “um processo dinâmico e progressivo,

no qual há modificações morfológicas, funcionais, bioquímicas e psicológicas que determinam

perda da capacidade de adaptação do indivíduo ao meio ambiente, ocasionando maior

vulnerabilidade e maior incidência de processos patológicos que terminam por levá-lo à morte”.

No entendimento de Messy (1999, p.35) “o envelhecimento é um processo, que como

uma viagem, não se reduz a uma etapa; desenvolve-se ao longo do tempo”. Inicia no momento

da criação da vida com o nascimento como ponto de partida para o desenvolvimento humano.

Os anos vividos levam a aproximação do fim, podendo determinar a maneira como será vivida a

próxima fase: a velhice.

A velhice pode ser percebida como um fenômeno natural e social que desenrola sobre o

ser humano, único, indivisível, que na sua totalidade existencial, defronta-se com problemas e

limitações de ordem biológica, econômica e sociocultural que singularizam seu processo de

envelhecimento. Beauvoir (1990, p.46) descreve a velhice como “um fenômeno biológico com

reflexos profundos na psique do homem, perceptíveis pelas atitudes típicas da idade, não mais

(18)

Existem variações individuais e sociais no que se refere ao ritmo do envelhecimento, ao

significado da velhice e aos termos pelos quais são designadas as pessoas idosas. Cada

sociedade responde às mudanças compartilhadas pela maioria das pessoas dos diferentes grupos

etários em virtude das determinações biológicas, históricas e sociais.

Individual e diferenciado em relação às variáveis mentais, comportamentais e sociais, o

envelhecimento humano é um processo que depende da organização da vida e as condições

históricas e culturais em que as pessoas vivem, da ocorrência de doenças durante o seu

desenvolvimento, além de fatores genéticos e ambientais como a pobreza que agrava as

dificuldades físicas e sociais da velhice. (GOLDSTEIN, 2003)

Lahud (2000, p. 24) coloca que “nos tempos e nos espaços as sociedades viram o velho

com olhos diferentes: o paradoxo e a ambigüidade caracterizam a velhice nos séculos que se

sucederam na história”. Neste sentido, a velhice é vista de várias maneiras diferenciadas

conforme o ambiente de cada sociedade.

Para que o idoso tenha uma velhice satisfatória no que se refere à possibilidade de

manter a saúde e funcionalidade física, mental e social, Freire (2003, p.109) coloca que “o bem

estar psicológico é um dos principais determinantes”. As perdas vivenciadas normalmente

acentuam-se na fase da velhice pelo desgaste físico resultando em alterações funcionais e

psicológicas. No entanto, esta etapa da vida não é feita apenas de declínio e de perdas, mas

abriga muitas oportunidades de mudanças positivas e de um funcionamento produtivo.

Entre as principais mudanças biológicas e fisiológicas que ocorrem na velhice estão as

cardiológicas, as respiratórias, as relacionadas ao sistema nervoso e ao aparelho

(19)

coordenação motora e dos reflexos proprioceptivos que podem provocar dificuldades na

realização de várias atividades da vida diária. (JECKEL-NETO & CUNHA, 2002)

O equilíbrio entre as limitações causadas pelas perdas da pessoa idosa e sua

potencialidade reflete na capacidade de adaptação emocional, cognitiva e comportamental e de

responder com flexibilidade aos desafios resultantes do corpo, da mente e do ambiente define o

sucesso desta fase da vida humana. Os desafios enfrentados durante o envelhecimento podem

ser biológicos, mentais, autoconceituais, interpessoais ou socioeconômicos. (DEBERT, 1999)

Estudos relatados por De Vitta (2003) afirmam que a participação regular em atividades

físicas e sociais tem efeitos que previnem, evitam e diminuem o estresse aumentando a

resistência dos idosos às doenças.

A competência adaptativa no envelhecimento pode ser considerada como

multidimensional, pois envolve questões emocionais relacionadas a fatores estressantes,

questões cognitivas, relacionadas a capacidade para resolução dos problemas e questões

comportamentais, relacionadas ao desempenho e a competência social.

A Lei n. 10.741 de 1º de outubro de 2003, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso, define

como sendo idosa a pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos. Porém, a questão é

mais complexa, pois quando a idade biológica é considerada ponto limite para a velhice, as

pessoas que atingem 60 anos passam a ser consideradas com o status de idosos mesmo que se

recusem a aceitar esta designação, ou seja, a sociedade impõe como regra e exige

comportamento adequado, independente das características individuais.

Uma das questões a serem analisadas, diz respeito a heterogeneidade das pessoas, no

(20)

características culturais. Além da importância do conceito no caráter social. Segundo o

dicionário Houaiss (2005), idoso significa “que tem muitos anos de vida, velho”.

E o que é ser velho? “Ser velho” envolve juízos de valores que dependem das

características específicas das sociedades onde os indivíduos vivem. Logo, a definição de idoso

não diz respeito a um indivíduo isolado, mas à sociedade em que ele vive. Camarano (1999, p.

87) refere que “quando os formuladores de políticas assumem que a idade cronológica é o

critério universal de classificação para a categoria de “idoso”, estão admitindo implicitamente

que a idade é o parâmetro único e intertemporal de distinção, correndo o risco de afirmar que

indivíduos de diferentes épocas, diferentes lugares e grupos sociais fossem homogêneos”.

No entendimento de Debert (1999, p. 186), “velhice é uma construção social, em que os

recortes de idade e a definição de práticas legítimas associadas a cada etapa da vida não são

compreendidos como conseqüências de uma evolução científica marcada por formas cada vez

mais precisas para estabelecer parâmetros no desenvolvimento biológico humano”. A autora

também pressupõe que a cultura e a sociedade estabelecem as funções e atribuições

preferenciais de cada idade na divisão social do trabalho e dos papéis na família.

Tendo como base estas considerações, faz-se importante ressaltar que na visão de vários

autores, o desenvolvimento satisfatório da velhice tem como fator essencial o bem-estar

psicológico. Bem-estar este que dependente de algumas dimensões para o seu funcionamento

positivo como o propósito na vida, as relações positivas com os outros, o domínio sobre o

ambiente, o crescimento pessoal e a preservação da sua autonomia.

Portanto, o caminho do envelhecimento não está traçado, deve ser permanentemente

(21)

qualidade da pessoa, mas o resultado da interação do indivíduo em transformação vivendo numa

sociedade também em constante processo transformatório.

Três grandes categorias de condições estão associadas a satisfação na velhice. Fontaine

(2000) define como primeira, a reduzida probabilidade de doenças, em especial as que causam

perda da autonomia; como segunda, a manutenção de um elevado nível funcional dos planos:

cognitivo e físico o que, por vezes, se denomina velhice ótima e como terceira, a conservação

do empenhamento social e de bem-estar subjetivo. O autor sugere ainda dois aspectos que

definem a qualidade de vida, o bem-estar subjetivo e a satisfação de viver. São eles, a

manutenção das relações sociais e a prática de atividades produtivas.

Como foi colocado anteriormente, o envelhecimento humano é um processo individual e

diferenciado em relação às variáveis mentais, comportamentais e sociais. Neste contexto, as

relações sociais têm um papel essencial para manter ou mesmo promover a saúde física e mental

na velhice, pois as trocas, que ocorrem entre as gerações, têm como base as experiências

emocionais, positivas ou negativas como os preconceitos que podem ser transmitidos nestas

relações por meio das histórias contadas para as crianças.

Geração é um conceito que compreende um conjunto finito de indivíduos agrupáveis por

uma mesma faixa etária, determinada pelo tempo necessário à sua reprodução (LYRA, 1995).

Neste contexto, as trocas intergeracionais são fundamentais, pois propiciam a interação entre

indivíduos de épocas, situações e opiniões diferentes que influenciam na construção da

identidade cultural e coletiva de um povo.

O ambiente em que as pessoas vivem interfere diretamente no desempenho de sua

velhice. Baltes (1995, p. 11) distingue três categorias de influências diretamente relacionadas ao

(22)

história pessoal”. Sendo que as duas primeiras são coletivas e a terceira é individual. Explica

ainda que as pessoas não têm controle direto sobre as influências consideradas coletivas como a

idade cronológica e os fatos históricos como as guerras que marcam gerações. No caso das

influências consideradas autobiográficas, individuais, há aquelas em que a pessoa tem a

possibilidade de alterar como casamento, divórcio e escolha da profissão. Outras são sofridas

como viuvez e desemprego. Portanto, neste conceito, o envelhecimento é um processo de

individualização e personalização.

A identidade social do idoso mantém-se ao longo da vida, independentemente de ter uma

ocupação ativa ou não no meio de produção. O envelhecimento significa, além de um espaço de

tempo, uma categoria, uma atividade socioeconômica, um modo diferente de vida. Significa a

junção das características pessoais, dos objetivos e conflitos de natureza variável, dos

sentimentos positivos e negativos, ou seja, a soma de todos os processos de viver dentro do

contexto sociocultural humano.

A sociedade trabalha com valores para papéis existentes em sua estrutura e desta

maneira, cada pessoa adquire seu próprio valor social que depende de seu poder de barganha.

Nesta mesma direção, Salgado (2001, p.78) coloca que “a aproximação do idoso a grupos e o

seu engajamento em causas sociais e políticas, ou mesmo em projetos culturais, são condições

significativas para o fortalecimento do sentido humano de utilidade”. Para a conquista de uma

visibilidade como ser socialmente produtivo, combatendo imagens preconceituosas de

inutilidade da velhice com relação à mudança de papeis nesta fase da vida.

O envelhecimento, na visão de Beauvoir (b) (1990, p. 48), “tem uma dimensão

existencial, como em todas as situações humanas, pois modifica a relação do homem com o

(23)

Como um processo único e individualizado, contextualizado nas relações de convivência

dos idosos e na diferenciação entre os povos, as culturas e as sociedades, o envelhecimento se

transforma num paradoxo natural do homem.

O envelhecimento humano, complexo no aspecto conceitual, representa a interação entre

o passado, o presente e o futuro e consolida a história de uma vida. O envelhecer envolve

aspectos psicossociais e reflete as situações cotidianas individuais e da sociedade em que vive.

No caso dos índios aldeados, povos que vivem de forma diferenciada à sociedade urbana

mais próxima, como os índios da etnia Kaiwá no Mato Grosso do Sul, o envelhecimento e o

reconhecimento do velho ocorrem de maneira distinta e personalizada, sendo que a

heterogeneidade se acentua a medida que as pessoas envelhecem, pois diz respeito a

experiências individuais e únicas, construídas durante todo o ciclo de vida.

O envelhecimento é um processo individual ou socialmente construído? Para a discussão

deste conceito, é importante relacionar o crescimento e a transformação do homem durante o

seu envelhecimento. Diversas situações interferem nas histórias de vida de cada pessoa.

Muitos acontecimentos sociais têm força de interferência nas construções individuais e

coletivas da cultura do homem. Estes acontecimentos transformam-se em reminiscências e são

armazenados, guardados em forma de lembranças passíveis de recuperação, na memória

(24)

CAPÍTULO II – LEMBRANÇAS E DIVERSIDADE CULTURAL

2.1. Memória, Lembranças, Reminiscências

Ser-se velho era ser-se sábio; era ter-se a mais valia do tempo, que fazia do velho o conselheiro, o amigo... a memória das gerações.

(COSTA, 1999, p. 18).

Cora Coralina, de forma poética mostrou a importância da preservação das lembranças

quando escreveu que: “Alguém deve rever, escrever e assinar os autos do passado antes que o

tempo passe tudo a raso”. (CORA CORALINA, 1997, p. 154).

Relembrar o passado é uma ocorrência natural da vida de cada um e se acentua à

medida que envelhecemos. Para Souza (1999, p. 51), “os idosos que praticam as reminiscências

em forma de histórias contadas em conversas com outras gerações propagam o conhecimento e

valorizam a experiência de vida”.

Conforme o pensamento de Izquierdo (2002, p.35) “somos aquilo que lembramos”.

Além da conservação, a memória faz a aquisição e a evocação das informações e dos fatos

vividos por cada indivíduo. A memória é construída por meio de vivências e de experiências

emotivas do passado.

O processo de memorização é complexo e envolve três passos fundamentais: a

codificação das informações, a armazenagem das mesmas de forma estruturada e, por fim, a

manutenção e a recuperação destas informações que são transformadas em lembranças

(25)

conforme Izquierdo (2002, p.52) “requerem de três a oito horas após o acontecimento e pode

sofrer interferências de drogas, tratamentos e outras memórias”.

Izquierdo (2004, p.39) coloca ainda que “um acontecimento só se torna uma lembrança,

mantida na memória e passível de recuperação, se for modulado pela emoção, pois coloca que

nem tudo o que é adquirido forma memórias e nem todas as memórias ficam para sempre, além

de que a perda de memórias não é só fruto da lesão de vias nervosas ou da repressão voluntária

ou involuntária de sua expressão”. O esquecimento, portanto, pode ser considerado preventivo,

sendo que muitos dos fatos que lembramos são acompanhados de uma forte carga emocional. O

autor afirma ainda que “esquecemos para poder pensar, para não ficarmos loucos, esquecemos

para poder conviver e para poder sobreviver”. (IZQUIERDO, 2004, p.89)

Cada indivíduo possui sua história única e significativa guardada na memória. O resgate

destas lembranças pode ressignificar o passado e seus acontecimentos. Brandão (2005, p. 165)

afirma que “a memória estabelece a identidade e que não obstante ser única, faz parte

simultaneamente das comunidades restritas ou ampliadas das quais as pessoas participam,

ligando-se às memórias comuns sócio-históricas”.

Complementando esta teoria, Halbawachs (1990) em: A memória coletiva, clássico

publicado pela primeira vez em 1950, cinco anos após sua morte, coloca que a lembrança única,

mesmo narrada individualmente não pode ser considerada alheia ao contexto das situações da

comunidade afetiva em que a pessoa viveu no momento do acontecimento.

Toda lembrança se liga a um contexto social mais amplo. O processo de reconstrução e

ressignificação por meio da memória mostra a identidade como categoria dinâmica, construída,

múltipla e possível de ser atualizada e, ainda, a maneira como ela acompanha a construção de

(26)

As lembranças contribuem para a construção da cultura e da história da sociedade,

estabelecendo o vínculo entre o passado, o presente e o futuro. A valorização do idoso em

sociedades históricas e tradicionais acontecia devido ao papel exercido de transmissor de cultura

e conhecimento adquiridos ao longo da vida. O reconhecimento deste papel social foi

modificando devido às constantes transformações em processos acelerados na sociedade atual.

No pensamento de Lowenthal (1981, p.75) “toda consciência do passado está fundada

na memória e é através das lembranças que recuperamos consciência dos acontecimentos

anteriores, distinguimos o ontem do hoje, e confirmamos que já vivemos um passado”,

encontramos reforço para a importância da memória na sociedade e na definição e preservação

da diversidade e identidade cultural dos povos.

A troca de conhecimentos, por meio das lembranças transmitidas, significa para os

idosos, protagonistas das mesmas e para os ouvintes, a oportunidade de expressão, reflexão e

aprendizado. Contribuem da mesma forma, na diminuição do preconceito e dos estereótipos

sociais referentes ao idoso. As histórias transmitidas de geração a geração, carregadas de

sentimentos, sensações e vivências permitem recriar um tempo, possibilitando o envolvimento

pessoal que facilita a internalização ou a aprendizagem do que está sendo transmitido.

Vários fatores prejudicam a sedimentação do passado e a formulação das lembranças.

Chauí (apud BOSI (a), 2003, p.12) cita como um deles, “a pobreza que mobiliza as famílias,

fazendo com que se perca a crônica da família e do indivíduo no seu percurso errante”.

“Uma lembrança é um diamante bruto que precisa ser lapidado pelo espírito”. (BOSI

(b), 2003, p. 59). Este pensamento reporta a necessidade de construir o conhecimento baseado

nas lembranças m busca de uma reflexão e atualização para o presente. Ao refazer conceitos e

(27)

lapidar seu passado para brilhar no presente e no futuro. Sem o trabalho da reflexão e da

localização, a lembrança seria apenas uma imagem vaga e apagada.

Sempre que as lembranças são trazidas para o presente são ressignificadas pela pessoa

que as lembra e, conforme pensamento de Halbawachs (apud IZQUIERDO, 2002, p. 35) “esse

processo pode ser considerado um redefinidor da identidade, pois a individualidade é

estabelecida pela memória” e, ao referir que “somos aquilo que pensamos, amamos,

realizamos... somos aquilo que lembramos”,Bobbio (1997, p. 56) reforça este raciocínio.

Ao lembrar, o idoso recupera as mesmas sensações antes vivenciadas e tem a

possibilidade de renascer em cada recordação, portanto, lembrar não é só reviver, é refazer, é

sentir e não somente repetir e, para tanto é necessário refletir e compreender o presente a partir

do passado. (BOSI, 2003, p.18) Servindo como ponto de partida, a memória constitui-se como

forma de preservação e retenção do tempo, salvando-o do esquecimento e da perda. Por meio de

uma inter-relação dinâmica, tanto a história quanto a memória são suportes das identidades

individuais e coletivas. (NEVES, 2000, p. 109)

Ressignificar é um processo de atualização da identidade que, como dito anteriormente,

é dinâmico e se atualiza ao longo da vida e depende diretamente dos papéis que foram

assumidos ou abandonados, ligados aos espaços sociais que foram ocupados pelo indivíduo.

Como característica fundamental para um bom desempenho e aproveitamento da

velhice, importante fase da vida das pessoas, estão as lembranças que, quando utilizadas

voluntariamente, possibilitam ao idoso socializar e interagir com outras gerações, revivendo as

emoções do passado e, desta maneira, alicerçando seu presente e futuro.

Como dito anteriormente, a memória é selecionada, ou seja, somente alguns

(28)

“nada é registrado e fica armazenado na memória se não passar pelo crivo da emoção”,

reforçando a questão do esquecimento como proteção contra o sofrimento.

O relacionamento entre pessoas de várias gerações envolve sentimentos e descobertas

que as acompanham durante a vida. Sommerhalder (2003, p. 95) diz que “quando esta relação

está centrada na história oral transmite, além da informação, sentimentos, sensações, vivências,

crenças, comportamentos, atitudes e valores que possibilitam recriar um tempo, um período que,

embora não vivido por aquele que ouve, pode ser vivenciado ou recriado pelo próprio”. A

memória é considerada a base da história do entrevistado.

No envelhecimento fica evidenciado o valor das experiências pessoais e das relações

sociais vivenciadas no decorrer da sua trajetória. As relações são desenvolvidas em forma de

teia, fios que se entrelaçam sobre o imaginário e a cultura da qual o idoso faz parte. Destas

relações são guardados na memória momentos vivenciados com emoção. A cada transformação

ocorrida guardam-se as lembranças das outras etapas reconstruindo a identidade.

Nesta proposta, Both, (2000, p. 156) coloca que “a memória pessoal é, antes de mais

nada, memória social”, que de acordo com Chauí (1995, p.129) é “ fixada por uma sociedade

através de mitos fundadores, de relatos, registros, depoimentos e testemunhos”.

As lembranças ou reminiscências são guardadas na memória de maneira que pequenos

pontos ou sinais ficam salientes servindo de elo entre a consciência e o conteúdo depositado no

compartimento da mente humana denominado pelos cientistas de subconsciente. Ao memorizar,

o idoso guardou o que realmente teve importante significado em sua vida. O modo de lembrar é

individual e particular tanto quanto social. Ao recordar, o idoso vai juntando os fatos que

(29)

Complementarmente, Bérgson (apud BOSI (b), 2003.2, p. 89), explica que: “a memória

seria o lado subjetivo de nosso conhecimento das coisas”. O idoso, ao recordar, se entrega às

lembranças como a um sonho em busca da pura substância da sua vida. A composição das

lembranças dá sentidos à vida passada e presente do indivíduo. A forma da composição tem

como objetivo criar um passado com o qual seja possível conviver, numa relação dialética entre

memória e identidade.

A memória é um trabalho sobre o tempo vivido conotado pela cultura e pelo indivíduo.

Bosi (b) (2003, p.31) complementa que “a memória opera com grande liberdade escolhendo

acontecimentos no espaço e no tempo. Individualizada, ela define situações de forma

diferenciada por cada uma das pessoas que guardaram um determinado momento ou

acontecimento em sua memória”. A visão pessoal de cada idoso ao relembrar, reflete sua

identidade própria sem ferir a coletividade.

Bobbio (1997) coloca que se o futuro se abre para a imaginação, mas não nos pertence

mais, o mundo passado é aquele no qual, recorrendo a nossas lembranças, podemos buscar

refúgio dentro de nós mesmos, debruçar-nos sobre nós mesmos e nele reconstruir nossa

identidade. Esta reconstrução da identidade reflete o espírito renovador dos homens, sempre em

busca de um novo amanhã, de si mesmo, de suas referências e de seus laços identificadores.

Neste sentido, a memória é fundamental para o processo da reconstrução da identidade,

pois ao armazenar lembranças propicia o reviver e ressignificar de momentos essências da

história de cada um. Delgado (2006, p. 51) complementa ao dizer que “a memória, ao

constituir-se como fonte informativa para a história, constitui-constituir-se também como fundamento de

identidades, mediante um processo dinâmico, dialético e potencialmente renovável, que contém

(30)

2.2. Diversidade Cultural e Identidade

Historiadores, antropólogos e cientistas sociais como Darcy Ribeiro, Roberto da Matta,

Gilberto Freyre e Florestan Fernandes tiveram papel importante em definir e compreender a

cultura brasileira em suas múltiplas dimensões. Nas suas diferentes posições

político-ideológicas, todos concordaram que a característica marcante da cultura brasileira está na rica

diversidade, resultado do processo histórico-social e das dimensões continentais da sua

territorialidade. (FERNANDES, 2005, p. 179).

A vasta diversidade cultural do Brasil e sua pluralidade étnica permitem na visão de

Darcy Ribeiro considerar que não haja uma cultura brasileira única e, sim “culturas brasileiras”.

Como descreve em seu livro O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil: “Surgimos da

confluência, do entrechoque e do caldeamento do invasor português com índios silvícolas e

campineiros e com negros africanos, uns e outros aliciados como escravos. A sociedade e a

cultura brasileiras são conformadas como variantes da versão lusitana da tradição civilizatória

européia ocidental, diferenciadas por coloridos herdados dos índios americanos.” (RIBEIRO,

1995, p. 227)

(31)

A diversidade cultural pode ser enfocada tanto sob o ponto de vista das diferenças

existentes entre as sociedades indígenas e as não-indígenas, quanto sob o ponto de vista das

diferenças entre as muitas sociedades indígenas que vivem no Brasil. Mas está sempre

relacionada ao contato entre realidades socioculturais diferentes e à necessidade de convívio

entre elas, especialmente num país pluriétnico, como é o caso do Brasil.

Há décadas a discussão no Brasil em torno da identidade étnica tornou-se fato presente

em virtude das mudanças ocorridas por diversas etnias indígenas, chegando até mesmo a serem

extintos alguns ritos, modificadas e esquecidas algumas línguas e características próprias em

conseqüência do processo violento que sofreram ao entrar em contato com o não índio. “Entre

os acontecimentos relacionados ao contato violento que modificaram seus estilos de vida e

fizeram com que não vivessem mais como entes, estão a espoliação de suas terras, a

depopulação causada por doenças e por conseqüência, o desarranjo na sua organização tribal”.

(RIBEIRO (b), 1996, p. 499).

Cunha (1986, p. 69), compartilhado por diversos pesquisadores da área, explica a fusão

das culturas quando fala que “a cultura original de um grupo étnico, na diáspora ou em situações

de intenso contato, não se perde ou se funde simplesmente, mas adquire uma nova função

essencial e que se acresce às outras, enquanto se torna cultura de contraste: este novo princípio

que a subtende, a do contraste, determina vários processos”.

As mudanças ocorridas em várias sociedades indígenas no que diz respeito à identidade

étnica, como o fato de falarem português, vestirem roupas iguais às dos outros membros da

sociedade nacional com que estão em contato, utilizarem modernas tecnologias não fazem com

que percam sua identidade étnica e deixem de ser indígenas.

É necessário reconhecer e

(32)

compreender suas línguas e suas formas tradicionais de organização social, de ocupação da terra

e de uso dos recursos naturais. Isto significa o respeito pelos direitos coletivos especiais de cada

uma delas e a busca do convívio pacífico, por meio de um intercâmbio cultural, com as

diferentes etnias”. (CRUZ, 2003, p. 124).

O conceito de identidade é relativamente novo na história da humanidade. Surge no

Iluminismo e vai conquistando espaço na medida em que as discussões sobre a individualidade

ganham importância. Primeiramente, era considerada um eu imutável. Depois veio a idéia de

um sujeito que se estrutura a partir de relações com outras pessoas. Por último, a idéia da

concepção de indivíduo pós-moderno, na qual a identidade não é fixa ou permanente.

Stuart Hall (1999, p 11) explica que “a identidade preenche o espaço entre o ‘interior’ e

o ‘exterior’- entre o mundo pessoal e o mundo público de que projetamos a ‘nós próprios’

nessas identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos seus significados e valores,

tornado-os ‘parte de nós’, contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares

objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. A identidade então costura (ou, para uma

metáfora médica, ‘sutura’) o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos

culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis”.

Neste sentido, Hall (1999) conceitua identidade em três momentos. Primeiramente,

compreendendo o indivíduo como possuidor de um núcleo interior que emerge no momento do

nascimento e apesar de se desenvolver com ele, permanece idêntico, sem alterações no decorrer

de sua existência.

A segunda definição entende que o mesmo núcleo interior que nasce com o indivíduo,

modifica no decorrer do desenvolvimento por meio dos diálogos constantes e das

(33)

sempre outro no decorrer de sua existência. Desta forma, Both (2000, p. 156) afirma que “as

identidades não são pré-estabelecidas, mas resultantes das iniciativas culturais e de suas

reformas construídas”.

A identidade vista como um processo em permanente construção e transformação libera

o indivíduo para as escolhas sociais e culturais que a sociedade coloca à disposição. A

interferência da cultura na construção dos significados e a modulação da identidade, bem como

a ressonância pessoal desta, dependem da qualidade das experiências vividas no contexto

cultural do indivíduo.

As relações de poder estabelecidas numa determinada sociedade constituem-se das

diferenças de identidade. Na teoria de Foucault, (apud BOTH, 2000, p.132) “somos corpos

totalmente marcados pela história, porém, com autoridade individual para desafiar suas

determinações refletindo-se no discurso social. Continuando seu raciocínio, somos sujeitos da e

para a construção social”.

A identidade apresenta uma dimensão coletiva, além dos aspectos estritamente

individuais, que se refere á integração do homem como sujeito do processo de construção da

história, e a memória, como fator de resgate da história compartilhada, é o esteio da identidade.

Faleiros (1999, p.103) complementa este conceito quando relata que “o resgate da identidade se

produz por meio de um processo sócio-afetivo de relações complexas envolvendo mitos,

valores, sentimentos, poderes e discriminações”.

A dinâmica do viver do ser humano é baseada em múltiplas raízes: familiares, étnicas,

regionais, nacionais, religiosas, partidárias, ideológicas, que ao entrecruzar-se formam uma

totalidade. (NEVES, 2000). Ao considerar a identidade como um construto contínuo e

(34)

que define a identidade no envelhecimento como “o resultado de suas experiências sociais

através da linguagem e da comunicação”.

Neste contexto, a identidade existencial no envelhecimento assume um entendimento

voltado para a experiência cultural e singular. A base da formação desta identidade é

construtiva, com as influências históricas e comunitárias atingindo diretamente sobre o

indivíduo.

A identidade pessoal é construída no contexto social organizado no qual a pessoa está

inserida; no mundo estruturado de representações, significados, relações e práticas sociais.

Santos (1994, p. 129) faz referência à velhice como “uma etapa do desenvolvimento humano

que possui papel social, valores e expectativas específicas que interagem na construção da

identidade dos sujeitos idosos”.

O idoso constitui sua identidade transitória no contexto cultural em que ele está inserido.

A valorização deste indivíduo é o reflexo do seu espaço social, do papel que ele assume frente à

comunidade em que vive.

André (2003) realizou estudo com os velhos do povo Kibumdu na Angola, continente

Africano onde constatou a presença do velho contador de história como um ponto cultural

importante na construção da identidade de cada um dos idosos. Faz parte naquela sociedade o

velho na função de avô e de guardião da cultura e do saber do seu povo.

A sabedoria e a intimidade se transformam no idoso, ficando estes, muitas vezes, sem

objetos mediadores, colocando a identidade em situação de fragilidade. Quando isto acontece,

(35)

sentido social da vida, apresentando aspectos de depressão e desilusão. O passado, neste caso

surge como uma fonte de reelaboração da vida do idoso.

O sentido social da vida é fato a ser investigado nas mudanças sociais que o idoso

enfrentou no processo individual de envelhecimento. A vulnerabilidade na velhice está

diretamente relacionada ao conceito da identidade do idoso. Identidade que se define no

paradoxo de ser ao mesmo tempo semelhante e diferente e a sua formação depende da interação

entre o psicológico e o social. Goldstein (2003, p.85) afirma que “as diferenças entre as pessoas

em razão de suas distintas histórias de vida acentuam a medida que as pessoas envelhecem, pois

trata-se de experiências individuais e únicas que são construídas durante o ciclo da vida”.

A identidade construída no decorrer dos anos é o reflexo da vivência pessoal e social e

do contexto no qual o idoso está inserido. Neste sentido, o idoso pertencente a uma etnia

indígena e residente em Aldeia possui uma identidade própria e diferenciada dos idosos

residentes em período urbano.

A construção da identidade reflete numa dinâmica constituída da identificação das

similitudes e a afirmação das diferenças que situam o ser humano em relação aos grupos sociais

que o cercam. Delgado (2006, p. 51) coloca que “o homem possui múltiplas raízes: familiares,

étnicas, regionais, nacionais, religiosas, partidárias, ideológicas e culturais”.

Esta totalidade é composta de processos diversificados que define a identidade e o seu

enraizamento, fazendo o próprio homem, sujeito reconhecedor de suas identidades, por meio de

sua integração na dinâmica sincrônica da vida em coletividade.

A convivência em sociedade ou mais precisamente em uma aldeia indígena, que traz o

(36)

experiências e define a construção da identidade de um povo ou de uma etnia como é o caso dos

índios Guarani-Kaiwá da aldeia Jaguapiru em Dourados, Estado do Mato Grosso do Sul.

(37)

CAPÍTULO III – O ÍNDIO KAIWÁE A ALDEIA JAGUAPIRU EM DOURADOS

3.1. Os Índios Kaiwá no Mato Grosso do Sul

Os índios Kaiwá, grupo predominante entre os três subgrupos da etnia Guarani

encontrados no Brasil, Guarani-Ñandeva, Guarani-Mbya e Guarani-Kaiwá pertencem ao tronco

lingüístico Tupi-Guarani e utilizam um dialeto1 específico dentro deste tronco, além de segundo

Almeida (2003, p. 07) “despenderem vigorosa energia em manter sua língua viva sem arrefecer,

mesmo em situações de alto grau de escolarização e de relações interétnicas”.

Na língua Guarani, Kaiwá significa habitante da mata (Kaa = mato e awa = homem) ou

“KA’A O GUA”, ou seja, os que pertencem a floresta alta, densa, o que é indicado pelo sufixo

“o” (grande).” Como na aldeia em que vivem não há mais floresta grande, alta é aconselhável

utilizar a grafia sem o “o” e portanto a KAIWÁ.O nome é encontrado na literatura com grafias

diferentes, entre elas, Cayua, Hayova, Caiua, Caygua, Caaygua, Caa-owa, Kaiowa e Kaiwá.

Devido ao estilo de vida, dentro das matas e situação nômade eram chamados por alguns

historiadores de índios “Guarani Monteses ou Primitivos”. (GRESSLER, 1988 e ALMEIDA,

2001). Monteiro (2003, p. 31) coloca que “a designação Kaiwá vai se tornando mais nítida por

volta do Século XIX, quando os autores já fazem uma diferenciação mais explícita entre Kaiwá

e os outros grupos Guarani”.

Segundo informações do Conselho Indigenista Missionário – CIMI (2001), o povo

indígena da etnia Kaiwá, juntamente com a etnia Ñandeva, ocupava há mais de 200 anos 25%

do território do atual Estado de Mato Grosso do Sul, o que corresponde a 8,7 milhões de

(38)

hectares, que se estendia ao Norte até os rios Apa e Dourados e ao Sul até a Serra de Maracaju e

os afluentes do rio Jejui atingindo cerca de cem quilômetros de extensão Leste-Oeste em ambos

os lados da Serra Amambai.

A composição das aldeias freqüentemente se alterava devido ao espírito nômade de seus

integrantes. Gressler (1988) coloca que sempre existiu entre os Kaiwá uma locomoção

constante, que se intensificou com o ciclo da erva-mate devido à procura de trabalho nos ervais

da região.

A base organizacional do índio Guarani, principalmente do Kaiwá é o fato de residirem

tradicionalmente em Tekoha 2 que abrigavam os Te’yi, ou seja, famílias extensas que eram

unidades econômicas auto-suficientes que, quando reunidas com a vizinhança, formavam as

aldeias. As famílias viviam em casas grandes denominadas de Ogajekutu ou Ogaguas.3

O poder político dos Kaiwá estava diretamente relacionado às lideranças religiosas.

Essas lideranças ficavam a cargo dos chefes de família extensas e quanto maior a família maior

era o prestígio de seu líder. Prestígio este, que segundo Gressler (1988, p. 49) “era ampliado se

o líder fosse um grande Pai (chefe religioso), contador ou curador”.

Os índios da etnia Kaiwá foram considerados por vários historiadores, conforme o relato

de Almeida (a) (2001), os que mais tentaram evitar o contato com o “civilizado”, ou seja, com o

colonizador. Esta etnia também sempre foi conhecida pelo seu caráter amistoso e por sua

independência.

Com a definição precisa dos limites de fronteira pela Comissão Mista Brasil/Paraguai

entre os dois países, após a Guerra do Paraguai em 1870, o território ocupado pelos índios

2 Tekohá – Aldeia, lugar para realizar o modo de ser Segundo Almeida(2003:10), o Tekoha seria uma unidade política, religiosa e territorial, que deve ser definida

em virtude das características efetivas materiais e imateriais – de acessibilidadeao espaço geográfico por parte dos Guarani. .

(39)

Kaiwá, constituído de terras férteis e produtivas passou a ter parte pertencente ao Brasil e outra

parte ao Paraguai, dividindo desta forma, em dois países um povo que antes não conhecia

fronteiras. A demarcação de divisa entre os dois países nesta parte do território era feita apenas

por postes de cimento por se tratar de fronteira seca, sem presença de rio. (SEREJO, 1986,)

Em dezembro de 1882, o Governo Imperial concedeu por meio do Decreto N. 8.799 à

Companhia Matte Laranjeira de propriedade de Thomaz Laranjeira – comerciante que havia

trabalhado voluntariamente durante a Guerra do Paraguai como aprovisionador das tropas

brasileiras – o direito de explorar os ervais nativos do Cone Sul, atual Estado do Mato Grosso

do Sul. A área era constituída de um milhão de hectares de ervais e mais de três milhões e meio

de hectares para a criação de gado. Segundo Bianchini (2000, p.125) “os índios da etnia Kaiwá

representaram a maior força de trabalho destes ervais”.

Em 1910 foi criado o Serviço de Proteção aos Índios – SPI, subordinado ao Ministério

da Agricultura. Na cidade de Campo Grande foi instalada uma das primeiras inspetorias

regionais que se destinava a atender as populações indígenas localizadas então no Sul do Mato

Grosso e no Estado de São Paulo.

Entre os anos de 1915 e 1928 o Governo do Brasil criou oito Reservas Indígenas4

na

região. O objetivo da Política Indigenista Oficial ao demarcar as Reservas, segundo Brand,

(1997, p. 177) era o de “confinar os índios em áreas demarcadas e transformá-los em pequenos

produtores rurais, auto-sustentáveis e úteis ao progresso nacional, desocupando desta forma

outras áreas de interesse para a expansão econômica do país”.

Diversos autores como Serejo (1986) e Almeida (2001) confirmam este interesse quando

escrevem que, em 1940, o presidente Getúlio Vargas criou a Marcha para Oeste com o

4 A primeira Reserva demarcada foi a de Amambai, em 1915, posteriormente a de Dourados em 1917 e a de Caarapó em 1924. Em 1928 foram criadas as Reservas

(40)

propósito de desbravar uma parte do Brasil, até então desconhecida e isolada do contexto

nacional. Também tinha como propósito, realizar obras de infra-estrutura para permitir sua

ocupação por não-índios e integrar economicamente o Centro-Oeste ao Norte e Sul do País.

O espaço cedido para abrigar milhares de índios em cada Reserva Indígena era igual ou

inferior aos 3.600 hectares oferecidos para cada colono5 investidor que tivesse interesse em

participar do projeto Marcha para o Oeste conforme a Resolução do Estado do Mato Grosso N.

725 de 24 de setembro de 1915.

Brand (1997) coloca que muitas destas Reservas foram assentadas em locais que eram

acampamentos da empresa Matte Laranjeira, o que barateava os custos e facilitava a utilização

desta mão-de-obra. Esta situação interferiu no sistema econômico dos índios, criando

necessidades de consumo novas ao remunerá-los muitas vezes, com produtos industrializados,

utensílios e objetos dispensáveis, que nada significavam para o modo de ser tradicional, mas que

fascinavam por ser novidade.

O estilo de vida e sua cultura fizeram com que os Kaiwá se afastassem dos contatos com

os brancos e ficassem vivendo em matas fechadas. Este processo de resistência à interação

cultural e social foi considerado o principal empecilho dos Jesuítas, que por diversas vezes,

tentaram “civilizar” estes índios, mas não tiveram o êxito esperado, pois como Almeida (2001,

p.154) explica ao citar Koenigswald, “a liberdade era considerada por eles como seu bem maior

e qualquer intromissão dos brancos, como restrição de seus direitos”.

O modo de vida que os jesuítas tentavam impor aos Kaiwá foi descrito por Koenigswald

(1908 apud ALMEIDA, 2001, p. 155), da seguinte maneira: “A religião, forçada sobre eles nos

aldeamentos pelos missionários com suas muitas rezas, as regras de consórcio monogâmico e a

(41)

vestimenta, o trabalho aumentado e a tutela restante é totalmente contra o caráter desses filhos

da natureza, independentes, e, portanto, não se deve admirar que o número dos aldeados se torne

cada vez menor e muitos deles, mesmo os lá nascidos, tivessem voltado para as selvas”.

A sistemática de aldeamento gerou duas classes de índios, os aldeados, submetidos ao

processo de confinamento e desaldeados, índios dispersos ou ocupantes de áreas tradicionais

que resistiram ao confinamento.

Laraia (2002, p. 85) cita Tylor para conceituar cultura como “um complexo que inclui

conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos

adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”. Complementando este conceito,

relaciona as contribuições de Kroeber como a questão de que a cultura determina o

comportamento do homem e justifica suas realizações, pois, adquirindo cultura, o homem

passou a depender muito mais de aprendizado do que agir através de atitudes geneticamente

determinadas.

Neste mesmo sentido, segue explicando que “o homem é o resultado do meio cultural

em que foi socializado. Ele é um herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o

conhecimento e a experiência adquirida pelas numerosas gerações que o antecederam”.

Baseado neste conceito, Lima (1995, p. 74) coloca que, com o propósito de disciplinar e

integrar os índios à sociedade, o Serviço de Proteção do Índio – SPI, “ao ignorar os costumes e

tradições milenares de um povo culturalmente diferenciado, causou danos irreparáveis aos

Kaiwá, desarticulando-lhes a economia e cultura e suprimindo-lhes o direito de continuar a

serem índios”. 6

(42)

O Estado, ao implantar o sistema de Tutela e proteção, interferiu no sistema de vida dos

Kaiwá, impondo-lhes uma nova ordenação espacial. Neste sentido, Almeida (2001, p. 156) diz

que “as aldeias não representavam um lugar ocupado por índios no sistema tradicional, e sim

uma área determinada, que coincidia ou não com uma ocupação indígena efetiva segundo seus

padrões tradicionais de ocupação territorial”. Complementando, Gressler (1988, p.145) comenta

que “o problema maior na região não era simplesmente o fato de doar terras aos índios, mas,

principalmente, recrutá-los para essas terras, tendo em vista a enorme dispersão em que os

grupos indígenas do Sul do Mato Grosso viviam”.

Atualmente, no Brasil, os índios Kaiwá são encontrados exclusivamente no Estado do

Mato Grosso do Sul, em um contingente estimado entre 13.000 e 15.000 pessoas, distribuídos

em mais de duas dezenas de áreas conhecidas.

3.2. A Aldeia Jaguapiru em Dourados/MS

A Aldeia Jaguapiru está situada dentro da Reserva Indígena Francisco Horto Barbosa, na

região sul do Estado do Mato Grosso do Sul entre os municípios de Dourados e Itaporã. A

criação da Reserva ocorreu por meio do Decreto-Lei nº 401, de 03/09/1917, e obedece a Lei Nº

6.001 - Art.26, de 19 de dezembro de 1973 do Estatuto do Índio. Estes documentos dão pleno

direito a União em estabelecer, em qualquer parte do território nacional, áreas distintas à posse e

ocupação pelos índios, onde eles possam viver e obter meios de subsistência, com direito ao

usufruto e utilização das riquezas naturais.

A extensão territorial da Reserva no momento da criação, era de 3.600 hectares, mas em

(43)

comentar esta diferença, diz que “a parte excluída poderia abrigar 31 famílias com quatro

hectares cada uma para o plantio e a criação de animais domésticos para alimentação”.

A Reserva é habitada pelos subgrupos da etnia Guarani – Kaiwá e Guarani – Ñandéva e

pela etnia Terena. Os Nãndéva são povos do mesmo tronco e da mesma família lingüística dos

Kaiwá, diferindo no dialeto, costumes e práticas rituais. Estes dois subgrupos Guaranis, apesar

das diferenças, quando se trata de dificuldades, conseguem conviver em recíproca tolerância

num mesmo espaço e até mesmo produzi-lo em conjunto, é o caso das lutas pela recuperação

das suas aldeias tradicionais, onde participam juntos de todo o processo.

Os índios da etnia Terena, por sua vez, são do tronco lingüístico Aruak e não eram,

originalmente, habitantes destas terras. Eles foram trazidos pelo Serviço de Proteção ao Índio

(SPI), com a finalidade de ensinar aos indígenas da Reserva, um novo sistema de manejo do

solo e facilitar o contato e a integração com a sociedade nacional. Isso aconteceu, por terem, os

Terena, uma maior habilidade no cultivo e por aceitarem mais facilmente o sistema do

não-índio. “O contato destas etnias, acreditavam os colonizadores, iria facilitar a integração dos

indígenas à comunhão nacional, isto é, às regras do jogo capitalista”. (ALMEIDA, 2001, p.42)

Entre os anos de 1930 e 1992, muitos índios foram despejados de suas aldeias

tradicionais pelo SPI e pela FUNAI e trazidos para Dourados, isto provocou o aumento

populacional na Reserva Francisco Horta Barbosa. A alta densidade demográfica e o crescente

número de aldeados no mesmo espaço físico criado na época, em uma área sem matas nativas e

rios correntes, propiciam os casos de violência, alcoolismo e falta de perspectivas econômicas.

Atualmente, a Reserva abriga aproximadamente 30% da população indígena do Estado,

o que representa mais de onze mil moradores. Destes, 63,5% são índios Kaiwá. Na Aldeia

(44)

torno de 22 índios Kaiwá possuem mais de 60 anos de idade. 7 A definição de idade dos índios é

baseada no documento de identidade indígena expedido pela Fundação Nacional do Índio –

FUNAI.

A Aldeia é dividida pela Rodovia MS/156 que liga as cidades de Dourados a Itaporã.

Possui movimento intenso e não há iluminação pública na via, tornando-se um perigo para a

sobrevivência das pessoas. Acontecem muitos atropelamentos de indígenas, principalmente no

período noturno.

Na Reserva existe um Posto Indígena da Fundação Nacional do Índio – Funai que é

responsável pelas questões sociais; um Posto de Saúde sob responsabilidade da Fundação

Nacional de Saúde – Funasa; um Núcleo de Atividades Múltiplas – NAM de responsabilidade

da ONG Amigos do Índio do Centro Universitário da Grande Dourados – UNIGRAN que

desenvolve ações de aprendizagem – escola bilíngüe (português – guarani), com professores

indígenas da própria Aldeia, além de grupos de trabalhos manuais e artesanatos.

Missões, pertencentes à Igreja Católica e Igrejas Protestantes desempenham seus

trabalhos religiosos na Aldeia. Conforme descrição de Almeida, a Igreja Católica é representada

pelo Conselho Indigenista Missionário – CIMI da regional Mato Grosso do Sul desde 1978.

Representam as Igrejas Protestantes, três grandes denominações evangélicas: A Missão

Evangélica Caiuá (MEC) da Igreja Presbiteriana, na região desde 1928; a Deutch Indiaaner

Pioneer Mission (DIPM) formada pelos fundamentalistas conhecidos como Missão Alemã, na região desde 1964; e o Projeto Tape Porá, da Igreja Metodista, presente desde 1971.

(ALMEIDA (b), 2001)

(45)

Nos últimos anos, houve um aumento significativo de congregações e representações

religiosas de diversas Igrejas Evangélicas na aldeia. Muitas delas utilizam como espaço físico

para a realização dos eventos, as casas de moradia dos índios.

A base da subsistência se dá por meio da Agricultura. Mas, boa parte dos índios possui

emprego fora da Aldeia, o que modificou a estrutura familiar, pois vários homens casados

deixam suas famílias durante a semana para trabalhar nas fazendas da região, retornando apenas

nos finais de semana para a Aldeia. Esta alteração no modo de vida dos índios da Aldeia

contribui para o crescente número de índios jovens afastados do trabalho por lesões de coluna e

câncer de pele devido ao trabalho pesado e contínuo no corte de cana de açúcar e nas lavouras

de soja da região, além da exposição constante e sem proteção ao sol.

As mulheres indígenas permanecem, em sua maioria, em casa, na Aldeia e são

responsáveis pela criação dos filhos e dos animais domésticos. Para a subsistência das famílias

indígenas existe o apoio da cesta básica de alimentação fornecida pela Funasa e do Governo

Federal por meio do programa Bolsa Família.

Para conhecer a história de quem acompanhou as principais mudanças sociais ocorridas

nos últimos anos na aldeia Jaguapiru, buscou-se neste trabalho, valorizar a fala de índios idosos

Referências

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