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As festas como momentos de descontração

CAPÍTULO V – ANÁLISE DAS HISTÓRIAS DE VIDA

5.3. A cultura e o passado – as festas, o alimento, as vestimentas, a língua

5.3.1. As festas como momentos de descontração

As festas comemorativas aconteciam o ano todo, para celebrar casamentos, receber e abençoar crianças recém-nascidas e para sagrar o alimento como o batismo do milho após a colheita, descrito pelo entrevistado abaixo.

Eles usam o batismo, batizar o milho verde antes de comer consagra a comida tudo isso é o passado né, hoje faz assim, mas é imitação, já entrevera a bebida alcoólica no meio onde não pode... Naquela época nosso povo daqui que sabia brincar mesmo, começavam num passe das 7:00 horas da noite e iam acabar com o sol alto, os nossos patrícios não brigavam, sabiam

brincar, então a gente gostava, gostava muito né, hoje os nossos parentes, hoje não sabem brincar mais como antigamente; não sabem se divertir, eles já vão de outra maneira com intenção de brigar, e não tem mais a alegria do passado. (M-01)

Os eventos comemorativos representavam momentos de descontração e de união dos moradores da aldeia, as brincadeiras eram realizadas de forma em que todos participavam: crianças, mulheres e homens. Danças e competições faziam parte das brincadeiras que aconteciam nas festas.

Ao questionar se a bebida chicha era alcoólica, o entrevistado lembrou que no momento do batismo, a mesma ainda não era alcoólica, pois não havia fermentado.

Depois, mais tarde, aí que eles faziam isso (se referindo à fermentação). Mas primeiramente, antes, não. Eles batizavam, cantavam pra poder ser abençoado, é disso que a gente ficava admirado. (M-01)

No tocante aos hábitos culturais como festas, cantos e danças os entrevistados colocaram seus pontos de vista de forma clara e direta, levantando informações sobre a preservação dos costumes, as dificuldades encontradas e as modificações ocorridas com o passar do tempo.

O Kaiwá são batizados assim, tem a festa separada né, na festa eles tudo pequeno assim em um certo ponto e aí tem o cacique, o povo mais antigo. Então ali faz a festa e dão bebida para criança, para cada um deles.

Mesmo nas festas que ainda são preservadas, os idosos comentam que após modificações ocorridas, elas não têm mais o mesmo significado e não seguem as mesmas regras culturais anteriormente implantadas em virtude da interação social com outras etnias devido à mistura de línguas e de sentido das palavras e das festas.

5.3.2. O alimento como necessidade e a interação com a natureza

Ao recordar costumes da época de infância relacionada à alimentação a idosa citada abaixo mostrou a importância de ser ouvida. Relatou lenda da época e costumes sobre como era desenvolvida a caça há mais de sessenta anos.

Nós nos ajuntava e ia caçar e não podia fazer barulho na caminhada por que ouviam barulho dos bichos vindo à nossa direção. Os macacos faziam um barulhão com os gritos deles e tinha muitos bichos... Diz uma lenda que as crianças que fossem imitadas pelo macaco, essa criança emagrecia e virava animal. O meu pai que contava quando eu era criança e até moça.

(F-02)

Ao lembrar-se da caça e dos costumes da época da infância, um dos entrevistados colocou que além da diminuição considerável das matas e dos animais, a legislação atual é um dos empecilho da manutenção da cultura Kaiwá, quando diz que a caça aos animais selvagens é considerada crime inafiançável.

Se matar um bicho vai ser preso, e aonde não pode ser como vai ser? Mata um tatu já chamam policia. E a cultura indígena? Comer caçar, pescar... Vai pescar, vai preso do mesmo jeito, vai derrubar mata também vai preso. Como vai voltar, nunca mais... E hoje não podem mais andar com bichos de estimação e ter bicho em casa. Vou falar a verdade, o meu “loro”

(mostrando para um papagaio que estava solto em uma árvore ao lado da casa) tá aí solto e não

tá preso... Não precisa, ele não vai embora, gosta daqui. (M-01)

Esta situação relata um assunto importante no envelhecimento que é o fato das mudanças ocorridas e da irreversibilidade do tempo, ou seja, da impossibilidade de retornar a situações vivenciadas anteriormente pelos próprios ou pelos familiares e amigos da aldeia.

Outro tema muito lembrado no tocante às modificações ocorridas é o da alimentação. A forma como os alimentos eram produzidos e as preferências individuais, além de como eram os utensílios utilizados para a preparação dos alimentos.

Naquele tempo, há muito tempo, não tinha arroz e não tinha feijão. Só o que o índio comia era Kaguyjy, feita de milho socado e cozinhava o kaguyjy. Não tinha açúcar e não tinha sal. Só o que encontrava, o bicho que encontrava, comia... Não tinha sal pra colocar. E o gosto era bom igual. Índio só comia quando tinha fome... Minha mãe fazia Hoiy, era de milho, chipa, chipaguassu, que nem fala hoje os branco de chipa grande. Eu gostava de comer cuchicha.

(risos)... Comida bom é... É feita de milho. Hoje não tem mais muito milho por aqui. Eu gosto

de feijão sim, meus filhos também. É só colocá água que fica bom. Gosto de comê com mandioca. Amassa tudo e come. (F-01)

Nós não comia comida dos brancos, só carne de bicho do mato, sem sal. E não existia erva moída. Isso era lá no passado, há muito tempo atrás. Plantavam milho branco, feijão de corda, não existiam grandes roça, era só mato fechado. (F-02)

No mesmo sentido, foram relatadas as mudanças no cultivo e no preparo dos alimentos, o uso de produtos e agrotóxicos como motivo de diminuição da utilização dos produtos cultivados, bem como a modificação na forma de preparar o alimento apresentando diferença no gosto dos mesmos. Os índios Kaiwá viviam em constante contato com a natureza e produziam seu próprio alimento de forma natural. A relação com a natureza é descrita como de respeito.

A gente só comia feijão caiçara, de corda, milho, era de tudo que é jeito, assado, cozido, espremido, batido no pilão... Era muito bom. Hoje só comem quase milho cozido na panela. Não tem o mesmo gosto. A panela tinha que ser de barro e o milho ficava toda manhã cozinhando até ficar molinho, a gente comia na espiga mesmo e não tinha problema de comer

demais. Hoje, ninguém pode comer muito, acho que é por causa do veneno que colocam na plantação. Aqui na aldeia também colocam, não sei pra quê. Acho que pegaram o costume dos brancos. (M-03)

A plantação do alimento na época da adolescência dos entrevistados era diferente, pois não eram utilizados agrotóxicos. Segundo os depoimentos, as plantas eram adubadas pelos restos de folhas do mato, a principal plantação era de milho, feijão de corda e mandioca para consumo próprio e hoje a predominância está na soja ocupando praticamente toda a área de plantio da aldeia.

A agricultura mudou bastante. Antigamente o índio plantava só um pedaço de feijão, de milho, propriamente dito o índio não tinha parada, não tinha lugar fixo. Com o tempo foram mudando isso, queriam mais um pedaço de terra pra plantar mais, com a entrada do povo civilizado, comer plantas, uma planta que não dê muito trabalho. Hoje em dia tem que usar muito o veneno, tá dando prá matar bicho e até gente. Eu tenho visto isto muito tempo atrás não tinha o veneno, as próprias plantas não precisavam de veneno, os próprios matos, folhas secas, já serviam de adubo. Hoje, depois que derrubaram a mata, só usam veneno. (M-01)

Ao falar sobre os diferentes tipos de alimentação existentes na aldeia na época e os atuais, também foi citada a facilidade que a família Kaiwá tem para elaborar a alimento para a sua família nos dia de hoje, além de como a natureza apresenta saídas interessantes como a água do cipó que hoje não são mais utilizadas, pois a maioria das casas possui água encanada e caixa de água para armazenagem.

Lembrei que da mata as crianças traziam laranja azeda pra chupar. Quando não tinha água, cortava o cipó pra tomar, pra não passar sede. (F-01)

A panela era feita de barro, argila, a colher também e os pratos também. A faca e o machete era feito de taquara rachada e o machado era feito de pedra. Era usado para quebrá lenha. (F-01)

Em relação à cultura específica na preparação e escolha do alimento está um costume que não é mais utilizado da mesma forma atualmente e que era motivo de festa para a Aldeia, que é o batismo do milho. A festa era feita por vários dias e regada à bebida produzida de milho, a chicha e todas as comidas também eram produzidas a base de milho.