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CENTRO UNIVERSITÁRIO DO DISTRITO FEDERAL UDF COORDENAÇÃO DO CURSO DE DIREITO

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DO DISTRITO FEDERAL – UDF COORDENAÇÃO DO CURSO DE DIREITO

A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA CONFISSÃO COMO REQUISITO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

Francisca Jessyele Sousa dos Reis Oliveira Hélio de Freitas Santos

BRASÍLIA 2021

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FRANCISCA JESSYELE SOUSA DOS REIS OLIVEIRA HÉLIO DE FREITAS SANTOS

A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA CONFISSÃO COMO REQUISITO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

Artigo científico para o curso de graduação em Direito do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF, como requisito para obtenção do Título de Bacharel em Direito

Orientados pelo Mestre Anderson Pinheiro da Costa.

Brasília, 18 de junho de 2021.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________

Anderson Pinheiro da Costa Orientador

Centro Universitário do Distrito Federal – UDF ________________________________________________

Ana Paula Correia de Souza Examinadora

Centro Universitário do Distrito Federal – UDF __________________________________________________

Ana Paula Doria de Carvalho Examinadora

Centro Universitário do Distrito Federal – UDF __________________________________________________

NOTA: ________

(3)

A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA CONFISSÃO COMO REQUISITO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

Francisca Jessyele Sousa dos Reis Oliveira*1 Hélio de Freitas Santos**2

RESUMO: O objetivo geral desta pesquisa é verificar se o requisito da confissão, condição para homologação do acordo de não persecução penal, se coaduna com as garantias elencadas pela Constituição Federal. Como objetivos específicos, pretende-se verificar a natureza da confissão na sistemática processual penal, analisar as consequências do descumprimento das condições impostas pelo ANPP, bem como suas implicações no processo penal. O problema de pesquisa reside no seguinte questionamento: o requisito da confissão, exigido para homologação do acordo, fere o preceito constitucional da vedação à autoincriminação? A metodologia utilizada se baseou nos pressupostos da pesquisa qualitativa, sendo os métodos de coleta de dados a análise jurisprudencial, documental e bibliográfica. Como referencial teórico, entre diversos autores, a pesquisa teve por base os postulados de Renato Brasileiro de Lima (2020), Renee do Ó Souza (2021), Aury Lopes Júnior (2021), Higyna Josita (2021) e Emerson de Paula Betta (2020). Palavras-chave: Confissão. Acordo de Não Persecução Penal. Direito Processual Penal. Direito Penal.

ABSTRACT: The general objective of this research is to verify if the confession requirement, a condition for the ratification of the non-criminal prosecution agreement, is consistent with the guarantees listed in the Federal Constitution. As specific objectives, it is intended to verify the nature of confession in the criminal procedural system, analyze the consequences of non-compliance with the conditions imposed by the ANPP, as well as its implications in the criminal procedure. The research problem resides in the following question: does the requirement of confession, required for the ratification of the agreement, violate the constitutional precept of the prohibition of self-incrimination? The methodology used was based on the assumptions of qualitative research, with the data collection methods being the jurisprudential, documentary and bibliographic analysis. As a theoretical framework, among several authors, the research was based on the postulates of Renato Brasileiro de Lima (2020), Renee do Ó Souza (2021), Aury Lopes Júnior (2021), Higyna Josita (2021) and Emerson de Paula Betta (2020). Keywords: Confession. Non-Persecution Agreement. Criminal Procedural Law. Criminal Law.

1

Graduanda do Curso de Bacharelado em Direito pelo UDF

2

Graduanda do Curso de Bacharelado em Direito pelo UDF

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Sumário

1 INTRODUÇÃO ... 5

2 RELEVANTES ASPECTOS DA JUSTIÇA CRIMINAL CONSENSUAL E A INFLUÊNCIA NO BRASIL ... 7

2.1 Aspectos da justiça criminal consensual ... 8

2.2 Contribuição de países precursores na implementação de justiça negociada no ordenamento jurídico penal ... 10

3 BREVE ANÁLISE ACERCA DOS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS ... 12

3.1 Do sistema acusatório, inquisitivo e misto ... 13

3.2 Do sistema processual penal brasileiro contemporâneo ... 15

4 O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL ... 16

4.1 O PLEA BARGAINING E A INFLUÊNCIA NORTE-AMERICANA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO... 19

4.2 Do direito subjetivo do investigado ao ANPP ... 21

5 O PAPEL DA CONFISSÃO NO PROCESSO PENAL ... 23

5.1 Aspectos históricos da confissão ... 23

5.2 Conceito e características da confissão ... 24

5.3 O silêncio como forma de confissão ... 26

5.4 Da confissão como meio de prova ... 27

6 A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA CONFISSÃO COMO REQUISITO DO ANPP... 28

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 31

8 REFERÊNCIAS ... 33

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1 INTRODUÇÃO

O advento da Lei n. 13.964/2019, popularmente chamado de Pacote Anticrime, introduziu no ordenamento jurídico brasileiro o Acordo de Não Persecução Penal - ANPP.

Destinado aos crimes com pena mínima abstrata inferior a quatro anos e sem violência ou grave ameaça (entre outros requisitos), o ANPP representa a possibilidade de evitar o encarceramento em massa de delinquentes que cometem uma infração de menor expressividade, sem violência ou grave ameaça (RAMOS e BACK, 2019).

Ademais, o alcance do ANPP - cerca de 80% (oitenta por cento) das condutas tipificadas pelo Código Penal e Legislação Extravagante - oferece, à primeira vista, celeridade e economia de recursos humanos e financeiros às varas e tribunais, bem como ao Ministério Público, e se mostra alternativa à desburocratização do processo penal, que passa a se ater com maior disponibilidade aos crimes de maior gravidade e que merecem maior repressão.

O argumento eficientista do benefício encontra maior coro ao ser considerada a tendência mundial de criar meios consensuais de resolução de conflitos penais. Países como os Estados Unidos, França e Portugal utilizam institutos semelhantes, que serviram de inspiração ao legislador nacional na redação do novo acordo pré-processual. O ANPP corrobora o uso da negociação entre as partes para a solução de conflitos de ordem penal, ao lado das consolidadas transação penal e suspensão condicional do processo, estabelecidas na Lei n. 9.099/1995. Todavia, o ANPP trouxe como requisito inserto no art. 28-A do CPP uma novidade que tem gerado discussões e embates doutrinários com enorme repercussão acadêmica e jurídica: a confissão formal e circunstanciada dos fatos para formalização do acordo entre o investigado e o Ministério Público.

Diante disso, surge o problema de pesquisa que norteou este trabalho, qual seja: o requisito da confissão, exigido para homologação do acordo, fere o preceito constitucional da vedação à autoincriminação?

Destarte, o objetivo geral desta pesquisa é verificar os aspectos processuais do ANPP, sobretudo, o requisito da confissão à luz da Constituição Federal.

A partir dessa premissa maior, a pesquisa se volta aos objetivos específicos, quais sejam: verificar a origem do acordo de não persecução penal e como se deu a uma inserção no ordenamento jurídico brasileiro; analisar as garantias e princípios constitucionais basilares

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assegurados ao processo penal; desvelar a natureza da confissão e sua relevância no processo penal pátrio.

Para tanto, a metodologia de pesquisa se baseia nos postulados da pesquisa qualitativa, visto que esta se volta a uma abordagem que estuda aspectos subjetivos de fenômenos sociais e do comportamento humano. Os objetos de uma pesquisa qualitativa são fenômenos que se manifestam em determinado tempo, local e cultura, se atendo à temáticas que não podem ser quantificados em equações e estatísticas. Nesse viés, a abordagem qualitativa exige um estudo amplo do objeto de pesquisa, considerando o contexto em que ele está inserido e as características da sociedade a que pertence.

O método de coleta de dados da presente pesquisa foi a análise bibliográfica, documental e jurisprudencial, baseando-se na leitura de artigos acadêmicos, obras jurídicas, instruções normativas e jurisprudências sobre a temática. Além disso, a pesquisa pautou-se no exame das publicações feitas desde a Resolução n. 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público até as notas de opiniões emitidas em sítios eletrônicos de relevante conceito acadêmico e jurídico, após a vigência da Lei n. 13.964/2019.

Entre os diversos autores referenciados nessa obra, Renato Brasileiro de Lima (2020) e Renee do Ó de Souza (2021) se destacam ao fazer uma abordagem a respeito da confissão como um requisito compatível com o princípio da vedação à autoincriminação, trazendo argumentos que relativizam os direitos e garantias fundamentais para que seja concretizado o bem maior da justiça.

Em viés diferente, Aury Lopes Júnior (2021), Higyna Josita (2021) e Emerson de Paula Betta (2020) contribuíram de forma significativa ao explorarem a sistemática pré- processual e a fase processual, bem como os impactos que um acordo homologado antes do processo podem gerar caso haja ação penal.

Para melhor compreensão do tema proposto, o presente trabalho aborda seis aspectos relevantes do Processo Penal e do ANPP. No primeiro capítulo o objetivo é compreender os aspectos conceituais e práticos da negociação extrajudicial no âmbito do processo penal brasileiro, sua evolução histórica e seu atual estado de utilização.

O segundo capítulo se propõe a analisar as principais características dos sistemas processuais inquisitorial, acusatório e misto, bem como desvelar qual deles é adotado pelo Brasil.

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O terceiro capítulo tem por escopo analisar a experiência internacional de países como Portugal, França e Estados Unidos com a negociação na seara criminal e a contribuição desses países na adoção do ANPP pelo Brasil.

Posteriormente, o ANPP é o tema do quarto capítulo, que tem por finalidade analisar sua natureza, como se deu sua inserção no Brasil e como é o procedimento para sua homologação.

Em sequência, no quinto capítulo, a abordagem da pesquisa tem por objetivo analisar a admissão de culpa sob os aspectos históricos, conceituais e característicos enquanto prova processual. E por fim, desvelar se a confissão formal e circunstanciada, enquanto requisito do ANPP, se coaduna ou não com princípios e garantias asseguradas pela Constituição Federal.

Nas considerações finais, busca-se demonstrar se os objetivos geral e específicos do trabalho foram devidamente concretizados, bem como reflexões relevantes que demonstram a seriedade e necessidade de estudos sobre o assunto.

2 RELEVANTES ASPECTOS DA JUSTIÇA CRIMINAL CONSENSUAL E A INFLUÊNCIA NO BRASIL

A necessidade de aprimoramento do processo penal para satisfazer as exigências de uma sociedade que vem se tornando mais complexa e diversificada tem sido tema habitual nas discussões jurídicas de diversos seguimentos sociais. Assim, espera-se do processo penal que seja, acima de tudo, instrumento legítimo e confiável de realização de justiça, meio de concretização de valores constitucionais que se traduzem em direitos e garantias, a exemplo da não incriminação (art. 5º, LXIII, da CF), da proibição de tortura (art. 5º, III, da CF), da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF), da exigência de provas para a condenação (art.

5º LV, da CF), dentre outros.

A tudo isso é preciso somar a enorme cobrança por um processo penal mais célere, efetivo e simples. Entretanto, há entendimento por parte de parcela da sociedade de que os rigores do julgamento de uma infração penal e os mecanismos cedidos à defesa tornam o processo muito lento e árduo. Além disso, a sensação de impunidade e debilidade dos órgãos jurisdicionais em dar uma resposta rápida e adequada demonstram o quão ineficiente é o sistema como um todo, para o interesse geral, como ressalta Byung-Hyun Sohn (2010). É

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nessa perspectiva de transformações sociais e jurídicas que se insere a justiça consensual, sendo o objetivo do presente capítulo analisar esse procedimento e suas peculiaridades.

2.1 Aspectos da justiça criminal consensual

O Direito Penal é considerado a ultima ratio, por representar o impacto mais severo na vida dos indivíduos, razão pela qual as modificações legislativas em matéria Penal e Processual Penal devem ser submetidas ao amplo debate, destinados a responder às situações fáticas que o campo concreto deve regular (RAMOS e BACK, 2019). Não obstante a existência de pressão por parte da sociedade para imprimir maior rigor à norma criminal, a tendência é trazer para esta esfera a justiça negociada. Nesse viés, observa-se que onde o Direito Penal ultrapassar suas tarefas políticos-criminais, a descriminalização é possível e deve ser levada a cabo. Também, através da diversificação, se conseguirá substituir não a punibilidade, mas a punição concreta em casos menos graves, com o arquivamento de processos, o que quase sempre é feito sob certas condições (ROXIN, 2006).

As experiências estrangeiras foram o que motivaram a inclusão da justiça criminal consensual no sistema jurídico penal pátrio. Países como a Alemanha, Portugal, Estados Unidos e França fazem uso do instituído de justiça consensual desde o século passado (CABRAL, 2018). Além disso, para Reneé do Ó Souza (2019), essa transnacionalidade da negociação penal deve-se à identificação de métodos modernos e distintos de aparato legal para enfrentar crimes que se tornam cada vez mais internacionais ou que mostram iguais comportamentos ilícitos.

Nesse sentido, Cabral (2018) ressalta que na justiça criminal consensual seria estabelecido um sistema com a eleição inteligente de prioridades, com o julgamento em plenário (é dizer, Processo Penal com instrução e julgamento perante o Juiz) somente para àqueles casos mais graves. Para os demais casos, de pequena e média gravidade, restaria a possibilidade da celebração de acordos que evitariam o full trial3, com a consequente economia de tempo e de recursos públicos e com o uso de uma intervenção menos traumática para esses tipos de delitos (CABRAL, 2018).

3 No ensinamento de OLCHANOWSKI , se cada acusação criminal fosse submetida a um julgamento ordinário

(full-scale trial), os Estados e o Governo Federal seriam obrigados a multiplicar em muitas vezes o número de juízes e de estabelecimentos judiciais (OLCHANOWSKI, 2017, p. 68).

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Posteriormente ao advento da nova ordem constitucional, a ação desburocratizadora do Direito Penal revelou-se em 1990 com a Lei n. 8.072 e a chamada delação premiada com previsão de redução de pena para àquele que colaborar com as investigações e o Processo Penal. Além disso, com o advento da Lei n. 9.099 de 1995, foram instituídos os juizados especiais cíveis e criminais. Esta lei estabeleceu a transação penal e a suspensão condicional do processo, como exemplos de “justiça negociada”.

Com o advento da Lei n. 12.846/2013, o instituto da colaboração foi estendido para a esfera empresarial: o acordo de leniência passou a ser um instrumento, apesar de consensual, efetivo no combate à anticorrupção comercial.

No âmbito da Administração Pública, as Leis n. 13.129 e n. 13.140, ambas de 2015, trouxeram a possibilidade de autocomposição e arbitragem.

É importante destacar, ainda, que no Brasil, especialmente nas últimas décadas, a justiça criminal consensual tem ganhado força em razão da gigantesca sobrecarga de trabalhos nos Tribunais e órgãos de justiça criminal, em especial, Ministério Público, que tem como atribuição fiscalizar e proteger os princípios e interesses fundamentais da sociedade (art. 127, da CF), sendo “imprescindível na agilização da investigação e promoção de sua efetividade”

(CNMP, 2017, p. 4).

Dessa forma, a justiça negocial passou a ser implementada ao longo de mais 25 (vinte e cinco) anos aos crimes de menor e média periculosidade e aos crimes, em regra, praticados por pessoas de maior poder aquisitivo, os chamados crimes de colarinho branco.

Ausente, nessa senda, a instituição do consensualismo para os crimes de médio potencial ofensivo não alcançados pela transação penal e suspensão condicional do processo.

Destarte, a instituição do ANPP veio para preencher essa lacuna (MORAES, 2018).

Reneé do Ó Souza (2019) assevera que o ANPP desobstrui o congestionado sistema criminal brasileiro de modo a permitir que seja dada a necessária prioridade aos casos revestidos de maior gravidade.

Por sua vez, a Resolução n. 181 de 07 de agosto de 2017 do Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP, responsável pela primeira disciplina desse instituto despenalizador no país, em sua exposição de motivos destaca “a carga desumana de processos que se acumulam nas varas criminais do país e que tanto desperdício de recursos, prejuízo e atraso causam no oferecimento de Justiça” (CNMP, 2017, p. 7).

Ademais, os Tribunais e os órgãos de justiça criminal, além de tudo, devem obediência ao que dispõe a Constituição Federal em seu artigo 5º, LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a

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celeridade de sua tramitação”, o que significa a consagração do princípio da celeridade processual (MANUS, 2020).

Entretanto, em desencontro com o princípio supracitado, a prática revela uma enorme morosidade no sistema judiciário criminal pátrio. As várias famílias que perderam membros para a violência, os milhares de suspeitos que estão presos e desejam provar a inocência e, sem dúvida, os réus culpados, que aproveitam da lentidão do judiciário para ficar impunes, são os mais afetados pela demora na prestação jurisdicional (SANDESKI, 2019). Nesse viés, a morosidade processual no Poder Judiciário brasileiro tem sido uma das maiores reclamações dos cidadãos que procuram a Ouvidoria do Conselho Nacional de Justiça - CNJ.

Entre os mais de 240 mil contatos recebidos pela ouvidoria do órgão, nos últimos 10 anos, as reclamações representam 71,2%, com 171 mil registros. E, entre as queixas, a lentidão processual lidera desde o início do serviço. Quase 39% de todos os relatos já feitos tratam do tema. Assim, entre as vantagens que as soluções negociadas representam ao Processo Penal, três fatores se destacam: a celeridade processual, a economicidade e a mitigação do conflito ao solucioná-lo, em tese, de maneira consensual (RAMOS e BACK, 2019).

Em contrapartida, críticos da modernização do Processo Penal apontam que a busca a todo custo dos alegados benefícios podem representar supressão de direitos e garantias fundamentais. Nesse sentido, Maria Raquel Guedes Costa (2019) aponta que o ANPP viola o sistema acusatório como um todo, isso porque, “distorce as regras do jogo processual, a resolução afronta garantias do processo constitucional que previnem o excesso de poder do Estado contra o acusado”.

É preciso compreender que as experiências vividas pelos países pioneiros na justiça criminal consensual podem fornecer não apenas as boas práticas e a ilusória sensação de justiça efetiva, mas também e, principalmente, os efeitos deletérios que podem resultar na violação ou relativização de direitos e garantias fundamentais, sobretudo, porque os institutos de negociação são dirigidos por ordens constitucionais distintas.

2.2 Contribuição de países precursores na implementação de justiça negociada no ordenamento jurídico penal

A introdução no sistema brasileiro da justiça negociada sofre elevada influência das práticas acordadas no processo penal de outros países. Na Alemanha, por volta da década de 1980, a justiça negociada sobreveio por intermédio dos profissionais e Juízes que começaram

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a negociar informalmente acordos penais naquela época. Essa prática cresceu por várias décadas antes de ser formalmente autorizado pela legislação alemã (TURNER, 2017).

Há de se falar que foi bastante discutida a legalidade desse acordo perante o Tribunal, semelhante ao Superior Tribunal de Justiça, denominado Bundesgerichtshof (BGH), que reconheceu, no dia 28 de agosto de 1997 que “os acordos que tenham por objeto a confissão do acusado em troca de uma diminuição da pena, são fundamentalmente possíveis. Eles não violam os princípios constitucionais e processuais” (CABRAL, 2018).

Nesse aspecto, observa-se que mesmo sem qualquer previsão normativa, a Suprema Corte Alemã reconheceu a possibilidade da realização de acordos penais. O sistema alemão ainda teve novas alterações em 2009, com o surgimento da Lei de Regulamentação dos Acordos no Processo Penal, mantida após ser submetida ao controle de constitucionalidade pela Suprema Corte Alemã em 2013 (GIORDANI, 2019).

Em relação a Portugal, segundo os estudos de Taurine Lauermann Giordani (2019), em 2010, com Jorge de Figueiredo Dias (famoso jurista português), o acordo processual penal, sob influência do modelo germânico, adquiriu espaço no ordenamento português.

Fortemente criticada por violar princípios constitucionais, a proposta de conciliar extrajudicialmente na esfera penal foi aprovada pelas cortes portuguesas.

A negociação na esfera penal em Portugal foi considerada inconstitucional por sua Suprema Corte no ano de 2013, quando houve a alegação de inconstitucionalidade por ausência de tratamento legal do instituto (GIORDANI, 2019).

Hodiernamente, segundo Nereu José Giacomolli (2016), apesar de não mais contar com a possibilidade de acordo entre partes, o sistema processual Português passa a contar com outros meios. Destarte, as ideias de consenso e de diversificação materializam-se num conjunto de mecanismos, entre os quais: (i) o arquivamento em caso de dispensa de pena, (ii) a suspensão provisória do processo e (iii) o processo sumaríssimo (GIACOMOLLI, 2016).

Quanto aos Estados Unidos, cabe ressaltar que já no século XIX, surgiu a justiça consensual chamada de plea bargaining. Giordani (2019) salienta que “antes mesmo do plea bargaining, havia outra forma de barganha sendo utilizada nos Estados Unidos: o approvement”. A diferença entre esses dois institutos reside na análise prévia pelo juiz da confissão e da denúncia dos demais envolvidos para ao final conceder perdão judicial a seu critério, o que não ocorre atualmente, onde a promotoria fica responsável por todo o procedimento e ao juiz é restrito a sentença com redução de pena.

A maioria das condenações ocorridas no sistema judiciário criminal dos EUA é resultado da utilização do instituto de justiça consensual do plea bargaining. Há de se

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ressaltar que a promotoria norte-americana possui elevado grau de discricionariedade em sua atuação, o que viabiliza a concessão de imunidades, aplicação de penas privativas de liberdade com duração reduzida, desistência de ações penais em curso, entre outros. Por essa razão, o plea bargaining é considerado uma imposição unilateral de condições contra pessoa em situação desfavorável (MELO, 2019).

Melo (2019) aponta para o risco dessa espécie de acordo alcançar inocentes que têm receios de sofrer as duras consequências do processo judicial estadunidense. Segundo o autor, nos Estados Unidos cerca de 56% (cinquenta e seis por cento) dos réus aceitam a proposta de plea bargaining, mesmo inocentes, diante do medo real de passarem muito tempo afastados de seus familiares e da vida em sociedade (MELO, 2019).

Por sua vez, conforme o ensino de Cabral (2018), a justiça consensual criminal surge na França por meio da iniciativa pessoal de promotores de justiça e juízes. Mais uma vez, a sobrecarga de trabalhos ocasionada pelos crimes de menor importância são argumentos justificadores da adoção de tal instituto.

Assim como em Portugal, os acordos firmados entre os acusados e a justiça francesa teve início sem prévia promulgação de lei autorizativa, o que, segundo Cabral (2018), “levou a uma profusão desordenada desses negócios jurídicos”.

A prática foi institucionalizada pela Nota de Orientação do Ministério da Justiça de 03 de junho de 1992. Posteriormente, a promulgação da Lei n. 92-2, de 04 de janeiro de 1993 introduziu a mediação penal no sistema processual francês.

Essa intervenção do legislador serviu precipuamente para suprir as dificuldades derivadas de uma prática forense não regulada, buscando, fundamentalmente, assegurar, também, o respeito à igualdade no trato dos delinquentes (CABRAL, 2019, p. 25).

Na França, o acordo é destinado aos crimes apenados com pena menor que 5 (cinco) anos ou punidos com multa, e também, às contravenções, e os seus autores devem contar com mais de dezoitos anos. O reconhecimento da prática dos fatos imputados também é outro requisito (LEITE, 2009).

3 BREVE ANÁLISE ACERCA DOS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS

Há, como regra, três sistemas regentes do processo penal: i) inquisitivo; ii) acusatório;

iii) misto. Entretanto, convém, desde logo, mencionar que esses sistemas processuais jamais foram adotados integral e individualmente por um único ordenamento jurídico. As vantagens

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de um que, associadas aos aspectos positivos de outro, constroem o mais apurado método de persecução penal (NUCCI, 2020).

A origem do sistema acusatório remonta ao Direito Grego, o qual se desenvolveu referendado pela participação direta do povo no exercício da acusação e como julgador.

Vigorava, no sistema acusatório, o sistema de ação popular para os delitos graves (qualquer pessoa podia acusar) e acusação privada para os delitos menos graves, em harmonia com os princípios do direito civil (LOPES, 2021). Assim, vigorou durante quase toda a Antiguidade grega e romana, bem como na Idade Média, nos domínios do Direito Germano. A partir do século XIII entrou em declínio. Atualmente, o processo penal inglês é aquele que mais se aproxima de um sistema acusatório puro (LIMA, 2020).

Adotado pelo Direito Canônico a partir do século XIII, o sistema inquisitorial posteriormente se propagou por toda a Europa e foi empregado, inclusive, pelos tribunais civis até o século XVIII. Segundo os estudos de Renato Brasileiro de Lima, (2020) a substituição pelo o sistema inquisitorial foi fruto, basicamente, dos defeitos da inatividade das partes, o que leva a conclusão de que a persecução criminal não poderia ser deixada nas mãos dos particulares, pois isso comprometia seriamente a eficácia do combate à delinquência.

Após se disseminar por toda a Europa a partir do século XIII, o sistema inquisitorial passou a sofrer alterações com a modificação napoleônica, que instituiu o denominado sistema processual misto, tratando-se ele de um modelo novo, visto como uma fusão dos dois modelos anteriores, que surge com o “Code d’Instruction Criminelle” (Código de Processo Penal francês), de 1808. Por isso, também é denominado de sistema francês (LIMA, 2020).

Eugênio Pacelli (2021) esclarece que o sistema misto é caracterizado pela intervenção judicial já na fase de investigação. A função acusatória, porém, é reservada a outro órgão, público ou privado. Nesse modelo, a jurisdição se inicia na fase de investigação, tal como ocorre no sistema inquisitório, embora a acusação criminal seja realizada por outro órgão, como, no exemplo francês, o Ministério Público, característica já de um perfil acusatório. Daí a expressão sistema misto. Nesse sentido, Lopes Junior (2020) afirma que o “sistema é misto é absolutamente insuficiente, é um reducionismo ilusório, até porque não existem mais sistemas puros (são tipos históricos), todos são mistos”.

3.1 Do sistema acusatório, inquisitivo e misto

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O sistema acusatório é marcado pela presença de partes distintas: contrapõem-se a acusação e a defesa em igualdade de condições, e, a ambas, se sobrepõe um juiz, de maneira equidistante e imparcial (LIMA, 2020).

Segundo Ferrajoli (2006), são características do sistema acusatório: (i) a separação rígida entre o juiz e acusação, (ii) a paridade entre acusação e defesa, e (iii) a publicidade e a oralidade do julgamento. Lado outro, segundo Renato Brasileiro de Lima (2020), são tipicamente próprios do sistema inquisitório a iniciativa: (i) do juiz em campo probatório, (ii) a disparidade de poderes entre acusação e defesa e (iii) o caráter escrito e secreto da instrução.

Além disso, o sistema acusatório é um imperativo do moderno processo penal, frente à atual estrutura social e política do Estado. Assegura a imparcialidade e a tranquilidade psicológica do juiz que sentenciará, com a garantia de trato digno e respeitoso com o acusado, que deixa de ser um mero objeto para assumir sua posição de autêntica parte passiva do processo penal (LOPES JR, 2021).

Quanto ao sistema inquisitório, segundo Alexis Couto de Brito (2019) é considerado pela doutrina o mais injusto, e não poderia ser diferente. Em tal sistema, as figuras do juiz e do acusador confundem-se e não há limites para os métodos utilizados para a obtenção da rainha das provas: a confissão. No aludido sistema, além da confusão entre investigador, acusador e julgador, o juiz poderia ex officio prover todo o impulso processual, inclusive produzir provas. Ademais, o procedimento ocorre de forma secreta e escrita e vigia a regra do cárcere preventivo e da incomunicabilidade do acusado.

No sistema inquisitório, segundo Norberto Avena (2020, p. 9), prevalece os excessos processuais, porque o acusado não tem direito à ampla defesa e ao contraditório. Além disso, é nítida a posição de desigualdade entre as partes. Na verdade, a própria defesa do réu é bastante restrita, não lhe sendo assegurado, ao contrário do que ocorre no modelo acusatório, o direito de manifestar-se depois da acusação para refutar provas e argumentos trazidos ao processo pelo acusador.

Define-se o sistema processual misto como um modelo processual intermediário entre o sistema acusatório e o sistema inquisitivo. Isso porque, ao mesmo tempo em que há a observância de garantias constitucionais, como a presunção de inocência, a ampla defesa e o contraditório, o misto mantém alguns resquícios do sistema inquisitivo, a exemplo da faculdade que assiste ao juiz quanto à produção probatória ex officio e das restrições à publicidade do processo que podem ser impostas em determinadas hipóteses (AVENA, 2020).

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Nas lições de Renato Brasileiro de Lima (2020. p. 44), o sistema misto abrange duas fases processuais distintas. Uma primeira baseada no sistema inquisitorial, sem publicidade e sem ampla defesa, sem contraditório. Na segunda fase, de caráter acusatório, o órgão acusador apresenta a acusação, o réu se defende e o juiz julga. Vigora, em regra, a publicidade, a oralidade, a isonomia processual e o direito de manifestar-se a defesa depois da acusação.

(LIMA, 2020).

3.2 Do sistema processual penal brasileiro contemporâneo

O sistema processual penal adotado no Brasil sempre foi controvertido na doutrina e na jurisprudência. A maioria aponta o sistema acusatório, sem embargo de outros defenderem a incidência do sistema misto ou inquisitivo garantista (AVENA, 2020).

Como aponta Norberto Avena (2020), para os adeptos da primeira corrente, a consagração do modelo acusatório está clara em várias disposições da Constituição Federal, em especial naquelas que se referem à obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais (art. 93, IX) e as garantias da isonomia processual (art. 5.º, I), do juiz natural (art. 5.º, XXXVII e LIII), do devido processo legal (art. 5.º, LIV), do contraditório, da ampla defesa (art. 5.º, LV) e da presunção de inocência (art. 5.º, LVII).

Já os defensores do segundo entendimento aduzem que, muito embora a Constituição Federal tenha incorporado regras pertinentes ao sistema acusatório, o direito brasileiro agasalhou resquícios do sistema inquisitivo na legislação infraconstitucional, do que é exemplo a faculdade conferida ao juiz de produzir provas ex officio, prevista genericamente no art. 156 do CPP e ratificada em várias outras disposições do mesmo Código e da legislação complementar (AVENA, 2020).

Lado outro, Lima (2020) elucida que quando o Código de Processo Penal de 1941 entrou em vigor, prevalecia o entendimento de que o sistema nele previsto era misto. A fase inicial da persecução penal, caracterizada pelo inquérito policial, era inquisitorial. Porém, uma vez iniciado o processo, aplicava-se uma fase acusatória.

Analisando essas linhas de entendimento, percebe-se que, no Brasil, a tendência é considerar a prevalência do sistema acusatório, entendimento respaldado em decisões do STF (STF, ADI 4.693/BA, DJ 30.10.2018) e do STJ (STJ, AgRg no AREsp 1.345.004/RS, DJ 29.03.2019).

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Mais recentemente, expressamente ratificando o sistema acusatório como sendo o vigente no direito brasileiro, a Lei n. 13.964/2019 (popularmente conhecida como Pacote Anticrime), introduziu ao CPP o art. 3º-A, dispondo que “o processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação” (BRASIL, 1941).

Com isso, ficaram revogadas tacitamente normas como a do art. 156, I, do CPP, a qual viabilizava ao juiz ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas. A intenção do legislador, com a citada alteração legal, foi reforçar as bases constitucionais e legais que inspiraram o sistema acusatório que, também pela citada Lei n.

13.964, retirou a possibilidade de decretação, ex officio, pelo juiz, de prisão preventiva e de medidas cautelares diversas da prisão, antes permitidas na fase judicial da persecução (AVENA, 2020).

Entretanto, o STF, em decisão liminar proferida nas ADIs n. 6.298, 6.299 e 6.300, em 22 de janeiro de 2020, de relatoria de Ministro Luiz Fux, suspendeu a eficácia, sine die, dos arts. 3º-A, 3º-B, 3º-C, 3º-D, 3º-E e 3º-F do Código de Processo Penal, que trata da implantação do juiz das garantias e seus consectários. (JUNQUEIRA, 2021). Neste cenário, uma nova situação abriu debates acerca da temática envolta nesta pesquisa.

4 O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

Segundo Lima (2019), o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) é negócio jurídico de natureza extrajudicial celebrado entre o titular da ação penal, o Ministério Público e o autor dos fatos e deve ser homologado pelo juízo competente.

Nucci (2020) ressalta que a formalização do acordo conta com a previsão legal do autor confessar circunstanciadamente os fatos e estar assistido por defensor além de sujeitar- se ao cumprimento de determinadas condições, diversas da pena privativa de liberdade.

O ANPP, não obstante ter sido introduzido ao ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei n. 13.964/2019, foi inicialmente tratado na Resolução n. 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) com redação conferida pela Resolução n. 183/2017.

A Lei Anticrime incorporou o Acordo de Não Persecução Penal ao Código de Processo no Título III que trata da ação penal. Com efeito, entre as alterações do ANPP previsto no novo artigo 28-A do CPP e àquele estabelecido na Resolução n. 181/2017 do

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CNMP, destaca-se a competência para escolher o local a ser cumprida a imposição de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e o destinatário dos valores pagos a título de prestação pecuniária (LIMA, 2020).

A resolução previa o próprio Ministério Público como o responsável por indicar o local de cumprimento das penas diversas da privativa de liberdade. Na nova redação, o juízo das execuções penais será o incumbido por essa indicação (NUCCI, 2020). Demais disso, a antiga sistemática, antes da vigência da Lei, estabelecia no art. 18, § 1º, inciso II um parâmetro limitador de ordem econômica para a propositura da transação: o ANPP somente seria ofertado para os danos patrimoniais de até vinte salários-mínimos. Tal previsão desapareceu no novo art. 28-A (LIMA, 2020).

Outro impasse resolvido com a inovação legislativa diz respeito à interrupção da prescrição da pretensão punitiva estatal (SOUZA, 2020). A resolução n. 181/2017 não admitia o ANPP para os casos que pudessem acarretar, pelo aguardo no cumprimento dos termos do acordo, a extinção da punibilidade penal pela ocorrência da prescrição (LIMA, 2019). À vista disso, a Lei Anticrime trouxe nova causa impeditiva da prescrição com a inserção do inciso IV ao art. 116 do Código Penal.

Também foi dispensada pelo Legislador a possibilidade de propor o acordo durante a realização da audiência de custódia, anteriormente prevista no § 7º do art. 18 da Resolução n.

181/2017 (AZEVEDO e FONSECA, 2020). Apesar da ausência de previsão legal, a propositura do ANPP em sede de audiência de custódia é, ainda, admitida por força da Resolução n. 357 de 26 de novembro de 2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que conferiu nova redação ao § 3º do art. 19 da Resolução n. 327/2020 do CNJ.

A possibilidade do ANPP ainda na audiência de custódia, que tem o fim de analisar a legalidade da prisão em flagrante, é alvo de duras críticas, haja vista a contrariedade do próprio texto legal que estabelece o parâmetro inicial de propositura do acordo. Assim, como o Parquet não pode oferecer a denúncia contra o indiciado na audiência de custódia, o caput do artigo 28-A do CPP estabelece que o ANPP somente será oferecido "não sendo caso de arquivamento" (AZEVEDO e FONSECA, 2020).

A realização ou mesmo previsão do ANPP na audiência que não tem o objetivo de analisar o mérito da prisão, inverte, a toda evidência, o ônus probatório do Ministério Público de produzir os elementos de convicção de indícios de autoria e materialidade delitiva, substituídos aqui por uma simples confissão (AZEVEDO e FONSECA, 2020).

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Pedro Monteiro (2020) chama a atenção para o grande impacto provocado no ordenamento jurídico brasileiro pelo ANPP em decorrência da possibilidade de sua aplicação em mais de 70% dos crimes previstos na legislação penal.

Feita essas colocações, o ANPP apresenta como requisitos: (i) a confissão formal e circunstanciada dos fatos; (ii) a infração penal ter sido cometida sem violência ou grave ameaça; (iii) a pena mínima abstrata ser inferior a quatro anos; (iv) o Ministério Público considerar a transação necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime; (v) a aceitação por parte do investigado de cumprir determinadas condições impostas (LIMA, 2020).

Destarte, consoante dispõe o § 2º do Art. 28-A do CPP, o ANPP continua incabível para os casos alcançados pela transação penal da Lei n. 9.099/1995; quando configurada a reincidência ou habitualidade criminosa; ter sido o agente beneficiado nos últimos 5 (cinco) anos por outro ANPP, transação penal ou suspensão condicional do processo e, ainda, nas hipóteses de crimes praticados no âmbito da violência doméstica ou familiar, praticados contra a mulher em razão do sexo feminino (NUCCI, 2020).

Grecco Cardoso (2020) chama a atenção para o fato de o art. 28-A do CPP não proibir expressamente o ANPP para as hipóteses de crime hediondo (Lei. 8.072/1990). Desse modo, segundo o autor, a negativa por parte do MP deverá ser fundamentada com base na previsão do caput do 28-A que dispõe que não caberá o acordo quando não for suficiente e necessário a reprovação e prevenção do crime.

No que diz respeito às medidas previstas na lei, o agente poderá ser submetido a reparar o dano ou restituir o bem à vítima, excetuado os casos de impossibilidade; renunciar a bens e direitos indicados pelo Parquet; prestar serviços à comunidade ou entidades públicas;

pagar prestação pecuniária à comunidade ou entidade pública e cumprir por prazo determinado qualquer outra medida indicada pelo membro do Ministério Público (SOUZA, 2020).

Preenchidos os requisitos e estabelecidas as condições, o acordo deverá ser submetido ao juízo competente para verificação da voluntariedade por parte do investigado e posterior homologação em audiência a ser realizada para esse fim. Destarte, após a homologação, o Ministério Público promoverá o cumprimento das condições do acordo perante o juízo das execuções penais, nos termos do § 6º do art. 28-A do CPP (LIMA, 2020).

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Caso haja recusa à homologação, por entender que as condições estabelecidas são inadequadas, abusivas ou insuficientes, o juiz devolverá o acordo ao MP para que este promova as adequações. Contra tal decisão é cabível o recurso em sentido estrito por força do novo inciso XXV do art. 581 do CPP (LOPES JR, 2020).

Uma vez descumpridos os termos do acordo, o Parquet comunicará o juízo que o homologou para fins de rescisão e posterior oferecimento da denúncia. Lado outro, cumprido integralmente o ANPP, será decretada a extinção da punibilidade, consoante o disposto nos §§

10 e 13 do art. 28-A do Código de Processo Penal (SOUZA, 2020).

4.1 O PLEA BARGAINING E A INFLUÊNCIA NORTE-AMERICANA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

O plea bargain é a principal inspiração para o ANPP brasileiro e por essa razão se faz necessária uma abordagem comparativa entre os dois institutos (FRANÇA e SILVA, 2020).

A importação do modelo de justiça negociada extrajudicial plea bargaing chegou ao Brasil por meio de proposta do Procurador Geral da Justiça do Estado de Goiás, Benedito Torres.

Com algumas alterações e adequações, o plea bargaing recebeu o nome de Acordo de Não Persecução Penal e foi regulamentado na Resolução do CNMP n. 181/2017 com redação alterada pela Resolução do CNMP n. 183/2017. Já em fevereiro de 2019, o então Ministro da Justiça e Segurança Pública, o ex-juiz Sérgio Moro, acolheu a proposta de Torres e incorporou o instituto ao projeto de lei anticorrupção, também chamado de “Pacote Anticrime” n. 10.372/2018.

Para Duclerc (2019), essa tentativa de implantação de negociação é mais uma maneira de autoritarismo penal, de natureza inquisitorial e afasta do acusado o seu direito ao devido processo. Ademais, as culturas judiciais norte-america e brasileira são bastante distintas (DURCLEC, 2019), razão pela qual a importação do instituto norte-americano não é compatível com o sistema processual brasileiro (COUTINHO, 2019). Demais disso, o próprio acordo norte-americano é mal visto por seus nacionais em razão do encarceramento em massa, prisões de inocentes, em sua maioria de negros e latinos, tudo isso sem que haja um devido processo legal (TEODORO, 2019).

Apesar da adoção do modelo de justiça consensual anglo-saxão, o ANPP apresenta distinções que merecem ser analisadas.

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O plea bargain prevê a redução da pena privativa de liberdade, melhores condições de cumprimento da pena, oferecimento de proteção às testemunhas e a retirada das infrações anteriormente imputadas ao acusado (TEODORO, 2019). Por sua vez, o ANPP tem previsão apenas de medidas diversas da pena privativa de liberdade e se restringe unicamente ao investigado (SOUZA, 2020).

Ademais, o plea bargain estipula uma atuação mais contundente do juiz que pode não concordar com o acordo, recusar a sua homologação e mesmo absolver sumariamente o agente se julgar que inexistem provas suficientes para a imputação do crime (TEODORO, 2019). No ANPP o papel do magistrado se restringe à verificação da voluntariedade em transacionar com o Ministério Público e homologar o acordo, conforme o § 4º do art. 28-A do CPP. Para os casos que o juiz considerar as condições impostas como inadequadas, insuficientes ou abusivas, deverá devolver os autos ao Parquet para que este reformule a proposta (art. 28-A, § 5º do CPP) (NUCCI, 2020).

O plea bargain se diferencia do ANPP por ser aquele destinado à todas as infrações tipificadas no ordenamento jurídico dos E.U.A, sem limites da gravidade em abstrato do crime cometido e pode, inclusive, negociar a modalidade do tipo penal (MELO, 2020). O ANPP apenas pode ser proposto para os delitos cometidos sem violência e grave ameaça e desde que a pena mínima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos (TEODORO, 2019).

Como dito acima, o ANPP pode ser formulado por ocasião da audiência de custódia, mas conforme a interpretação do art. 28-A do CPP, o momento oportuno da sua propositura se dá após a conclusão do inquérito policial ou procedimento investigatório criminal, isto é, sempre antes do oferecimento da denúncia. O acordo estadunidense, por sua vez, pode ocorrer em qualquer fase, mas, ocorre com mais frequência após a oferta da acusação formal (TEODORO, 2019).

Outra grande diferença se refere à presença do advogado: no plea bargain é facultativa a assistência do defensor, enquanto no ANPP, por expressa determinação da lei, é obrigatória (TEODORO, 2019).

No que tange as condições e os benefícios concedidos ao agente, o plea bargain não apresenta um rol taxativo e pode ser usada pela promotoria qualquer condição a seu juízo de conveniência e oportunidade (TEODORO, 2019). Diferentemente, os incisos de I a IV do art.

28-A do CPP elencam as condições que serão adotadas. Contudo, o inciso V do mesmo dispositivo traz a possibilidade de ser adotada outra medida, desde que “proporcional e compatível com a infração penal imputada” (LIMA, 2020).

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Quanto à obrigatoriedade do cumprimento das condições para a celebração do acordo, é necessária a menção da sentença formada na transação estadunidense: lá o investigado é sentenciado e deve, indiscutivelmente, cumprir a sanção imposta. Diante disso, o réu é considerado culpado e com a devida anotação em sua ficha criminal (BETTA, 2020).

Contrariamente, o ANPP não resulta em sentença condenatória, visto que o juiz apenas homologa o acordo firmado e devolve os autos para que o Ministério Público promova o seu cumprimento perante o juízo das execuções penais (art.28-A, § 6º do CPP). Na hipótese de haver descumprimento do acordo, o MP promoverá a devida ação penal perante o juízo competente (TEODORO, 2019). Uma vez cumprido o acordo, não há que falar em reincidência ou anotação em sua ficha criminal, pois inexiste sentença condenatória (BETTA, 2020).

Nesse sentido é o Enunciado n. 25 do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM):

O acordo de não persecução penal não impõe penas, mas somente estabelece direitos e obrigações de natureza negocial e as medidas acordadas voluntariamente pelas partes não produzirão quaisquer efeitos daí decorrentes, incluindo a reincidência (GNCCRIM, 2020, p. 7).

Por derradeiro, a admissão de culpa, requisito presente nos dois institutos, tem tratamento e importância diferentes nos acordos brasileiro e norte-americano. Segundo Renee do Ó Souza (2019), a confissão como requisito do ANPP tem orientação meramente de caráter processual e também de feição protetiva ao agente. Desse modo, conforme assevera o membro do MP, a confissão prevista no caput do art. 28-A do CPP não enseja uma assunção de culpa, isto é, não há julgamento antecipado do caso.

De maneira oposta, a confissão realizada no âmbito de celebração do plea bargain se assenta na irreversibilidade da assunção de culpa e na condenação penal. No acordo brasileiro o ato de confessar é cabível de retratação, mesmo durante a ação penal, haja vista a previsão do art. 155 do CPP que preconiza a corroboração da confissão por outros elementos de prova (SOUZA, 2019).

4.2 Do direito subjetivo do investigado ao ANPP

Questão tormentosa diz respeito à obrigatoriedade do membro do Ministério Público propor o acordo de não persecução penal ao investigado (LOPES JÚNIOR, 2020). Isto é, o

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ANPP é garantido para todos os agentes que preencherem os requisitos do art. 28-A do Código de Processo Penal?

Para Aury Lopes Júnior (2020), o ANPP é verdadeiro direito subjetivo do imputado e cabe, inclusive, pedido de revisão para a instância superior do MP no caso de negativa, em analogia ao art. 28 do CPP. Em vista disso, Schaefer Martins e Goulart Schaefer Martins (2020) apontam para a violação ao princípio da igualdade e indivisibilidade das ações penais nos casos deixados ao arbítrio do Ministério Público propor o ANPP.

De fato, o art. 28-A do CPP além de trazer requisitos de ordem objetiva, traz o critério subjetivo como fator de concretização do instituto, a cargo do Parquet, insculpido na interpretação da condição: “desde que necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime” (MARTINS e MARTINS, 2020, p. 1).

O MP não pode escolher contra quais pessoas deflagrará a ação penal e contra quais deixará de dar início à persecução criminal, assim como não é dado ao titular da ação penal privada, querelante, escolher contra qual pessoa oferecerá a queixa e qual deixará, o que de certo afronta o princípio da indivisibilidade da ação penal (MARTINS e MARTINS, 2020).

Em oposição a tal entendimento, Josita (2020) defende que o ANPP é uma faculdade do Ministério Público. Igualmente, Lima (2020) sustenta que o ANPP parte da premissa que o acordo resulta da convergência de vontades com a imprescindível participação ativa das partes, o que resulta na conclusão de ser o ANPP discricionário do membro do Ministério Público.

O Enunciado n. 19 do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM) também apontam para a existência de discricionariedade em propor o ANPP:

O acordo de não persecução penal é faculdade do Ministério Público, que avaliará, inclusive em última análise (§14), se o instrumento é necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime no caso concreto (CNPG, 2020, p. 7).

Importante ressaltar que a negativa em oferecer o acordo por parte do membro do Ministério Público importa em recurso ao órgão superior do MP, conforme dispõe o art. 28, caput do CPP, para que o Procurador-Geral de Justiça ou a Câmara de Coordenação e Revisão receba a remessa dos autos e assim, decida pela propositura ou não do ANPP (LIMA, 2020).

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AgR no HC n. 195.327 realizado em abril de 2021, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, firmou o entendimento de o

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Parquet pode, desde que seja de forma fundamentada, optar por denunciar ou realizar o acordo. O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, ao proferir decisão nos autos do HC n.

612.449/SP, admitiu que inexiste nulidade na recusa do oferecimento de proposta de acordo de não persecução penal quando o representante do Ministério Público, também de forma fundamentada, constatar que não existem os requisitos subjetivos.

Por fim, é mister reconhecer que, não obstante pairarem divergências acerca do direito subjetivo do inculpado, a discricionariedade do Ministério Público deve ser mitigada com limites claros e previamente estabelecidos. Desse modo, a negativa no oferecimento do ANPP deve ser fundamentada, em razão de existir verdadeira expectativa de direito, vez que o investigado pode concordar com os termos do acordo (MARTINS e MARTINS, 2020).

5 O PAPEL DA CONFISSÃO NO PROCESSO PENAL

O reconhecimento da autoria de um crime, além de conferir celeridade e efetividade ao processo, previne eventual aplicação de pena a sujeito inocente, por erro judiciário (art. 5º, LXXV, e art. 37 § 6º, da CF), bem como, consubstanciada na admissão de veracidade de fatos criminosos imputados pela acusação, trata-se de um importantíssimo elemento probatório com enorme repercussão no processo. Assim, tecido esse comentário inicial, cumpre-se fazer uma análise da confissão e de suas diversas peculiaridades.

5.1 Aspectos históricos da confissão

Em uma perspectiva histórica, durante a Antiguidade e Idade Média, a confissão como meio de prova dava-se por meio de ordálias4. Nesse sentido, segundo os estudos de Tiago Didier (2016), a ordália é um meio de prova usado em um processo de disputa para determinar se o acusado é inocente ou culpado, submetendo-o a experiências de risco, com elementos provenientes do meio ambiente – geralmente fogo, água ou ingestão de venenos naturais. Acompanhado do juramento e do testemunho, a ordália constitui o principal meio para se alcançar uma decisão.

4 A palavra “Ordália”, adotada no vernáculo português, vem do Anglo-Saxão “ordǣl”, que significa

“julgamento, veredito” e cuja origem mais antiga é o termo “uzdailjam” da língua proto-germânica que se traduz por “o que está tratado”. O termo latino equivalente, e muito usado durante a Idade Média, é “judicium Dei”, que significa “Juízo de Deus”, segundo Tiago Didier (2016).

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José Domingues (2012) afirma que esse fenômeno representa a instrumentalização da justiça de Deus a serviço do processo judicial dos homens, originando um verdadeiro milagre judicial. Desse modo, o resultado é considerado como prova de intervenção divina e aceito de forma praticamente unânime dentro da comunidade. Apesar de ser conhecida pelo grande público como um fenômeno restrito à Idade Média, esse tipo de procedimento teve o primeiro registro na Antiguidade, na região da Mesopotâmia, e ainda é utilizado hoje em dia em alguns países africanos e asiáticos (MAGALHÃES, 2016).

Sobre a confissão ser utilizada como meio de prova, Aury Lopes Jr (2012) comenta que a confissão sofre a influência da cultura judaico-cristão, pois prevalece o entendimento de que o réu deve confessar e se arrepender para, então, ter os seus pecados, os crimes, perdoados. Também, segundo o autor, a confissão serve para o julgador que sentenciará a pena sem a responsabilização por infringir um mal a um malfeitor.

O uso da confissão como prova no Processo Penal irá variar na sua metodologia de acordo com sistema processual usado, basicamente dividido entre o sistema inquisitivo e sistema acusatório: na primeira sistemática, a confissão é utilizada de forma autoritária e sem respeito aos direitos individuais, justificando a larga utilização da tortura para obtê-la (sistema inquisitivo); na segunda, pela influência do iluminismo, há respeito aos direitos individuais na sua obtenção (BETTA, 2020).

5.2 Conceito e características da confissão

A confissão está prevista no título das provas no CPP, artigos 197 a 200, bem como no artigo 65, inciso III, alínea “d” do Código Penal e nas legislações extravagantes. Segundo Fernando Capez (2016), a confissão é a “declaração voluntária, feita por um imputável, a respeito de fato pessoal e próprio, desfavorável e suscetível de renúncia”. Contudo, é importante deixar claro, de forma técnica, a diferença entre confissão e a autoacusação. A autoacusação, conforme o Código Penal Brasileiro (CP), é um dos crimes praticados contra a administração da justiça. Consiste em acusar-se, perante a autoridade, de crime inexistente ou praticado por outrem. A pena prevista é de detenção, de três meses a dois anos, ou multa, e está tipificado no artigo 341 do CP.

Nucci (1997, p. 149) aduz que “não é qualquer declaração do réu, admitindo sua culpa, que pode ser reputada válida, constituindo meio de prova utilizado pelo juiz para formar seu convencimento”. Assim, para a consecução de uma confissão regular, deve-se

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levar em consideração alguns requisitos: materiais (intrínsecos) e formais (extrínsecos) (AVENA, 2019).

Como requisitos materiais (intrínsecos), destacam-se: a) verossimilhança, b) clareza;

c) persistência. Por outro lado, como requisitos formais (extrínsecos) estão: a) pessoalidade;

b) caráter expresso; c) oferecimento perante o juiz competente; d) espontaneidade; e) saúde mental do imputado. (AVENA, 2020). Ademais, a confissão, segundo a doutrina, classifica-se de varias formas: (i) quanto ao momento, local ou autoridade; (ii) à natureza; (iii) à forma; e (iv) ao conteúdo ou efeitos. Em relação ao momento, ao local ou autoridade perante a qual é feita, a confissão poderá ser judicial e extrajudicial (TÁVORA e ANTONNI, 2009). No que se refere à natureza, pode ser: a) real ou expressa, b) implícita; c) ficta (CAPEZ, 2019). No que diz respeito à forma, a confissão pode ser escrita ou oral (AVENA, 2020). Quanto ao conteúdo ou efeitos da confissão, simples ou complexa (BONFIM, 2009).

Acerca das características da confissão, nos termos do artigo 200 do CPP, é divisível e retratável. Quanto à irretratabilidade, o acusado pode fazê-lo, ou seja, desdizer a confissão ofertada. A confissão não produzirá efeitos se a vontade do agente ao confessar estiver viciada a ponto de não poder produzir seus efeitos como ato jurídico. No que se refere à divisibilidade (ou cindibilidade), a confissão pode-se dar no todo ou em parte, com relação ao crime atribuído ao confitente (CAPEZ, 2019).

Na hodierna sistemática processual, a confissão espontânea é atenuante genérica criminal prevista pelo Código Penal, no artigo 65, III, “d”, que diz: “são circunstâncias que sempre atenuam a pena ter o agente confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime”. No entanto, diz o enunciado n. 231 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ): “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”. Significa dizer que é vedada a possibilidade da pena ser reduzida aquém do mínimo legal, não obstante existir a confissão dos fatos imputados ou outra atenuante. Há, ainda, entendimento sumulado do STJ (n. 545) que estabelece “Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal”.

Da mesma forma que ocorre na segunda instância, a confissão não produz efeitos se feita após a sentença condenatória, uma vez que neste caso não se pode falar em cooperação espontânea quando a versão do acusado já foi repudiada pela sentença de primeiro grau, ensina Capez (2019). Destaca-se que, apesar da expressa menção da espontaneidade como pressuposto para o reconhecimento da confissão como atenuante da pena, é fato que, na

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verdade, o que se requer é que a confissão seja voluntária, isto é, alheia a qualquer intervenção de terceiro que a macule (SANTOS, 2018).

5.3 O silêncio como forma de confissão

Elaborada pelo então Ministro da Justiça Francisco Campos, a Exposição de Motivos do Código de Processo Penal de 1941 (CPP), ao dispor acerca das provas, diz categoricamente que “a própria confissão do acusado não constitui, fatalmente, prova plena de sua culpabilidade. Todas as provas são relativas; nenhuma delas terá, ex vi legis, valor decisivo, ou necessariamente maior prestígio que outra” (Exposição de Motivos, CPP, 1941).

Entretanto, a norma estabelecida pelo artigo 198 do Código de Processo Penal dispõe que “O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz” (art. 198, CPP). Contudo, A Magna Carta instituiu expressamente o direito ao silêncio, determinando, em seu artigo 5.º, inciso LXIII, que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado [...]” (5.º, inciso LXIII, CF).

Nesse sentido, pode-se aduzir que a Constituição Federal de 1988 não recepcionou a norma infraconstitucional que dá a possibilidade de o juiz se utilizar do silêncio do acusado como meio de convencimento. Nesse sentido, Nucci (2020) destaca que:

a parte final do art. 198 do CPP, que prevê a possibilidade de ser levado em conta o silêncio do réu para a formação do convencimento do magistrado, não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, que, expressamente, conferiu ao réu a possibilidade de manter-se calado (art. 5.º, LXIII), sem estabelecer qualquer consequência dessa opção, razão pela qual não pode a lei ordinária fixar conteúdo diverso (NUCCI, 2020, p. 778).

Dessa maneira, considerado o princípio da não autoincriminação, no brocardo jurídico

“nemo tenetur se detegere”, garantia fundamental prevista na carta magna pátria de não criar ou depor contra si próprio, revela ser inconstitucional a norma presente no artigo 198 do CPP.

Além disso, o mencionado artigo foi tacitamente revogado pelo disposto no artigo 186, caput, do aludido diploma, e, assim, o silêncio do acusado ou investigado em qualquer fase da persecução penal nada representa, não havendo, em hipótese alguma, que se fazer presunções de culpa (SANTOS, 2018).

Ainda, nessa perspectiva, o art. 14.3, “g”, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), reconhece a toda pessoa acusada o direito “de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada”. No âmbito da Convenção Americana sobre

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Direitos Humanos (CADH) a garantia do “nemo tenetur” se infere do art. 8.2, “g”, ao estabelecer como garantia mínima a toda pessoa acusada o “direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada” (GIACOMOLLI, 2016, p. 228).

Nereu José Giacomolli (2016) assegura que o “nemo tenetur se detegere”, como gênero, do qual o direito ao silêncio é espécie, pode ser inferido do devido processo constitucional, bem como do estado de inocência, como reconheceu o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em vários casos: “Caso Funke vs. França (1993), Saunders vs.

Reino Unido (1996), Serves vs. França, Condron vs. Reino Unido, Heaney e McGuinness vs.

Irlanda”. (2016, p. 228).

5.4 Da confissão como meio de prova

Com o surgimento do sistema do livre convencimento motivado, adotado pelo artigo 93, IX, da CF, e pelo artigo 155, caput, do CPP a confissão deixou de ser considerada prova plena da culpabilidade do acusado e passou a ser relativizada consoante o caso concreto, a fim de que valha para o convencimento do magistrado na mesma medida que os demais elementos de prova (SANTOS, 2018).

Neste sentido, Fernando Capez (2020) aduz que a confissão, a partir da interpretação da exposição de motivos do CPP, deixou de ser a rainha das provas. Ademais, deve a confissão ser livre e confrontada com os demais elementos probatórios para que, então, o juízo forme o seu convencimento quanto à autoria e materialidade delitiva (CAPEZ, 2020).

Em observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, previstos no artigo 5º, LV, da CF, a confissão deverá ser apreciada de modo distinto, apesar da ausência de hierarquia entre as provas, conforme seja colhida judicial ou extrajudicialmente (SANTOS, 2018).

Frise-se que, apesar de predominar largamente o entendimento que condiciona o valor da confissão à sua confirmação por outros elementos obtidos em contraditório judicial, o tema não é totalmente pacífico (AVENA, 2020). Nesse sentido, foi o entendimento do egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo ao considerar que “a confissão judicial tem um valor absoluto, servindo como base condenatória ainda que seja o único elemento incriminador”

(TJSP, 2015).

Lado outro, há o entendimento de que a confissão somente pode sustentar uma condenação se confirmada por outros elementos de prova. Defende esse entendimento Lopes Jr. (2020) ao asseverar que a confissão deve ser analisada no contexto probatório, não de

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forma isolada, mas sim, em conjunto com a prova colhida, de modo que, sozinha, não justifica um juízo condenatório. No mesmo diapasão, Norberto Cláudio Pâncaro Avena (2020, p. 532) estabelece que “[...] não tem a confissão força probatória absoluta, havendo a necessidade, para o fim de fundamentar sentença condenatória, de que seja confrontada e confirmada pelas demais provas existentes nos autos”.

Ainda, conforme o voto do relator o Paulo Medina, “a confissão da prática de ato infracional não exime o juiz de colher outras provas” (BRASIL, 2006, p. 313). Além disso, Edilson Mougenot Bonfim (2014, p. 421) aduz que “não raro a confissão é prestada de maneira fraudulenta, não podendo o julgador ficar adstrito ao seu conteúdo para proferir o julgamento”.

Assim, depreende-se que a confissão pode representar um relevante meio de comprovação de culpa do acusado e pode oferecer vantagens, não somente àqueles responsáveis pela manutenção da justiça como àqueles que lhe deram origem.

6 A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA CONFISSÃO COMO REQUISITO DO ANPP

Entre os institutos de justiça penal negociada em vigor no Brasil, o ANPP se diferencia por ser o único a exigir a confissão formal e circunstanciada dos fatos.

Mister dizer que o ANPP exige a confissão qualificada, isto é, formal e circunstanciada dos fatos imputados (art. 28-A, caput do CPP). Significa dizer que a confissão como requisito não deve se limitar à admissão pública da prática do crime, mas, deve ser feito um relato pormenorizado dos atos cometidos, que apresentem uma coerência lógica e que encontrem amparo nos demais elementos colhidos na fase investigatória (SOUZA, 2020).

Por outro lado, a Constituição da República consagra o direito ao silêncio, garantia fundamental insculpida no art. 5º, LXIII e, por ser cláusula pétrea, não pode ser abolido (art.

60, § 4º da CR) (NUCCI, 2020). O direito ao silêncio, também conhecido como garantia de não autoincriminação deriva do princípio da presunção de inocência, do qual especifica que todos são inocentes e cabe, unicamente, ao Estado-acusação evidenciar, com provas suficientes, o estado de culpa do acusado (NUCCI, 2020).

O direito de não confessar encontra-se, ademais, no Decreto n. 678/1992 que internalizou a Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto de São José da Costa Risca.

Referências

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