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CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA COISA ALHEIA INCUMPRIMENTO DO CONTRATO DIREITO DE PROPRIEDADE RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL INDEMNIZAÇÃO

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Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 07B4660

Relator: SALVADOR DA COSTA Sessão: 10 Janeiro 2008

Número: SJ20080110046607 Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA

Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE

CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA COISA ALHEIA

INCUMPRIMENTO DO CONTRATO DIREITO DE PROPRIEDADE

OCUPAÇÃO DE IMÓVEL

RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL INDEMNIZAÇÃO

DIREITO DE RETENÇÃO INTERPELAÇÃO ABUSO DO DIREITO

Sumário

1. Reconhecido ao autor o direito de propriedade sobre a fracção predial, devem os réus ser condenados a entregar-lha por virtude de ocuparem à margem de algum direito real ou pessoal de gozo.

2. Como o proprietário da fracção predial não outorgou no contrato-promessa que o promitente-vendedor incumpriu, não obstante o primeiro haver

entregue as respectivas chaves ao promitente-comprador, este não tem direito de retenção contra ele com fundamento em direito de indemnização devida pelo segundo.

3. Autorizada pelo autor a ocupação da fracção predial, excluída está a sua ilicitude com vista à indemnização no quadro da responsabilidade civil extracontratual por violação do direito de propriedade e prejuízo dela decorrente.

4. A citação dos réus para a acção é insusceptível de relevar como

interpelação para entrega da fracção predial e transmutação da ocupação lícita em ilícita para efeitos de indemnização a arbitrar.

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5. A mera entrega das chaves da fracção predial aos réus por parte do autor não justifica a conclusão de abuso do direito no accionamento de

reivindicação, designadamente na modalidade de venire contra factum proprium.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I

AA intentou, no ida 7 de Junho de 2002, contra BB e CC, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a declaração de ser proprietário de identificada fracção predial autónoma correspondente ao 5º andar direito do prédio urbano sito na Praceta do ..., nº 0, Alfragide e a condenação deles a entregarem-lha livre e devoluta e a pagar-lhe a indemnização de € 5 250, equivalente às retribuições mensais relativas aos meses de Dezembro de 2001 a Junho de 2002 e € 750 por cada mês de atraso na entrega da fracção,

contados desde Julho de 2002, inclusive, bem como nos juros de mora vencidos e a quantia de € 50,00 por cada dia de ocupação da fracção

autónoma, contados desde a data da instauração acção até à sua entrega.

Fundamentou a sua pretensão na compra daquela fracção no dia 26 de Julho de 1991, na sua ocupação pelos réus, na exigência da sua devolução em 1 de Dezembro de 2001 e na existência de interessados no arrendamento por cinco anos e € 750 mensais desde aquela data.

Os réus, com apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo concedido por despacho de 23 de Dezembro de 2002, afirmaram em contestação ser o réu titular do

direito de retenção sobre a fracção predial que ocupam, com base em entrega decorrente de contrato-promessa celebrado no dia 1 de Julho de 1991 com TP- Construções, Ldª, resolvido sob o fundamento de esta última não ter celebrado o contrato definitivo.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 3 de Março de 2005, por via da qual o autor foi declarado proprietário daquela fracção predial e

condenados os réus a entregarem-lha.

Apelaram o autor e os réus, e a Relação, por acórdão proferido no dia 28 de Junho de 2007, negou provimento ao recurso pelos últimos e deu parcial provimento ao recurso do primeiro, condenando os segundos a pagar ao

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primeiro € 750 mensais desde a data da citação e € 50 diários desde o trânsito em julgado da sentença até à entrega da fracção predial.

Interpuseram BB e CC recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:

- exercem a posse sobre a fracção predial que lhe foi transmitida, há mais de dez anos, pelo recorrido, seu proprietário, pelo que é de presumir ser legítima e titulada;

- não é requisito do direito de retenção por incumprimento do contrato- promessa que quem o alega seja credor daquele que pede a restituição, designadamente o proprietário;

- adquiriram o direito de retenção sobre a fracção por serem titulares de um crédito sobre a promitente-vendedora por incumprimento do contrato-

promessa, declarado por sentença transitada em julgado;

- quer sejam possuidores ou detentores, têm direito de retenção sobre a fracção predial oponível ao recorrido;

- o direito de retenção é oponível ao proprietário do bem ainda que não seja contra este o crédito que o originou;

- ao considerar o incumprimento do contrato-promessa, o tribunal reconheceu a sua validade, por TP, Ldª o ter celebrado na expectativa da aquisição da fracção predial;

- o recorrente actua com abuso do direito por ter sido ele quem entregou as chaves aos recorridos na sequência da celebração do contrato-promessa;

- não praticaram qualquer ilícito ao ocuparem a fracção, não violaram o direito do recorrido de gozo e fruição da fracção predial;

- não têm obrigação de indemnizar o recorrido, por não ter podido arrendar a fracção predial, devendo improceder o pedido de indemnização formulado pelo recorrido;

- deve revogar-se o acórdão recorrido e absolverem-se os recorrentes do pedido.

Respondeu o recorrido em síntese de conclusão:

- é alheio aos contratos de promessa e de permuta e não houve tradição da fracção predial;

- a entrega das chaves não foi sequencial ao contrato-promessa;

- os recorrentes não têm direito de retenção sobre a fracção predial nem título para a sua ocupação;

- não há abuso do direito da sua parte e a decidir-se não deverem os recorrentes entregar-lhe a casa, violar-se-á o direito constitucional de propriedade privada;

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- o facto gerador da responsabilidade civil foi é a ocupação da fracção predial pelos recorrentes;

- os recorridos ocupam ilegalmente a fracção predial, pelo menos desde a citação, violando o seu direito de propriedade, causando-lhe prejuízos correspondentes ao valor locativo de € 750 mensais.

II

É a seguinte a factualidade considerada no acórdão recorrido:

1. A aquisição do direito de propriedade sobre o prédio urbano sito na Praceta ..., n.º 0, anterior lote n.º 52-A da Célula C da Urbanização da Quinta Grande de Alfragide - em Alfragide, concelho da Amadora, descrito na 2.ª

Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o n.º 210, freguesia de Alfragide, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 448, foi inscrita na titularidade da Empresa de Construções Civis TV, Ldª no dia 21 de Fevereiro de 1989.

2. O referido prédio urbano foi acabado de construir em 1991, em cimento armado, com revestimento de estuque pintado, azulejos e pedra mármore, servido por dois elevadores, e foi constituído no regime da propriedade horizontal, objecto de registo predial no dia 1 de Abril 1991, integrando as fracções autónomas designadas pelas letras A a Q.

3. No dia 4 de Janeiro de 1991, representantes de TP - Construções, Ldª e de MM, Ldª, declararam, por escrito:

- a primeira ser dona do apartamento T2 que constitui a fracção autónoma designada pela letra “I” do prédio urbano sito no Castelinho, lote 3,

Montechoro, Albufeira, e a última ser dona do apartamento T 2 que constituia a fracção autónoma designada pela letra “I”, a que corresponde o 5º andar direito do Lote 59-A, sito na Quinta Grande, Alfragide;

- permutarem entre si os referidos apartamentos, e que o remanescente do preço de 3 000 000$ a favor de TP, Ldª seria pago através de fornecimento de mármore por parte de MM, Ldª;

- ser a escritura de permuta feita no prazo de quinze dias a contar da comunicação de qualquer outorgante à outra, e, em vez da escritura de permuta, poderem as outorgantes transmitir directamente qualquer dos apartamentos para outra pessoa ou entidade, mediante acordo prévio.

4. No dia 1 de Julho de 1991, representantes de TP-Construções, Ldª, por um lado, e o réu, por outro, declararam, por escrito:

- ser a primeira promitente compradora do apartamento T 2 que constitui a fracção O, do prédio mencionado sob 1, cuja dona era MM, Ldª, e prometer vendê-la ao último por 12 500 000$;

- ser a escritura realizada na primeira hipótese logo que o total pagamento

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esteja satisfeito, ou, na segunda hipótese, logo que se realize o empréstimo;

- pagar o último à primeira, com a assinatura do contrato, 4 000 000$, por via de uma letra de 1 500 000$ e de um cheque de 2 500 000$, e ser o restante pago: a) primeira hipótese 200 000$ por mês até Dezembro de 1992, fazendo- se em Agosto de 1992 reforço de 5 000 000$ e, por dilação do prazo, pagará juros à taxa de 20% pela importância em dívida a partir de 1 de Outubro de 1991; b) segunda hipótese – procura entretanto de outra solução de

empréstimo junto da banca para um financiamento para a compra.

5. Na base do negócio celebrado entre o réu e TP-Construções, Ldª, mencionado sob 5, existia um outro cuja concretização dependeria da

celebração do contrato prometido, e o primeiro cumpriu tudo a que se havia comprometido.

6. No dia 26 de Julho de 1991, em escritura pública lavrada no 4º Cartório Notarial de Lisboa, AV e FV, em representação de Construções Civis TV, Ldª, por um lado, e o autor, por outro, declararam, a primeira vender e o último comprar, por 8 000 000$, a fracção autónoma designada pela letra "O",

correspondente ao quinto andar direito, com arrecadação ao nível da cave, do identificado prédio.

7. A última prestação do preço mencionado sob 4 foi entregue a TP-

Construções, Ldª em Janeiro de 1993, e as chaves da fracção foram entregues aos réus pelo autor e este ajudou o réu na celebração dos contratos da água, luz e gás junto dos serviços competentes.

8. A aquisição da fracção predial mencionada sob 6 está definitivamente

inscrita na Conservatória do Registo Predial da Amadora desde 22 de Julho de 1997, e da inscrição matricial consta o valor patrimonial de € 34.589,14.

9. Por carta de 6 de Fevereiro de 2002, o réu dirigiu a FC, gerente de TP- Construções, Ldª uma carta, expressando: “Venho por este meio declarar resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado com TP-

Construções, Ldª em 1 de Julho de 1991 relativo ao 5º andar direito do Lote 52-A, Urbanização ...Alfragide, dado que, encontrando-se pago, na íntegra, desde 5 de Janeiro de 1993, o preço acordado de 12 500 000$, nunca por

parte dessa sociedade e desde a data atrás referida foi providenciada qualquer diligência com vista a honrar o compromisso assumido, sendo certo ainda que, não obstante a interpelação por mim feita – através do meu procurador, Dr. ..., para comparecer no 20º Cartório Notarial de Lisboa pelas 11 horas do dia 10 de Dezembro de 2001, a fim de celebrar o negócio prometido, TP, Ldª não compareceu nem se fez representar. Em face do condicionalismo agora expresso, perdeu o signatário definitivamente o interesse no negócio celebrado, razão porque irá recorrer às instâncias judiciais a fim de ser ressarcido dos prejuízos sofridos.

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10. Os réus demandaram, no dia 23 de Abril de 2002, TP-Construções, Ldª, pedindo a sua condenação, por incumprimento do contrato mencionado sob 4, no pagamento de 40 000 000$ correspondente ao valor de mercado da fracção à data do incumprimento, em 10 de Dezembro de 2001.

11. Por sentença proferida no dia 7 de Novembro de 2003, na acção

mencionada sob 8, foi TP-Construções, Ldª condenada a pagar aos réus € 174 579,26, acrescidos de juros de mora desde a data da citação, à taxa de 7% ao ano até 30 de Abril de 2003 e de 4% depois dessa data.

12. Os réus gozam, ocupam e utilizam, em exclusivo, a identificada fracção autónoma, que se compõe de três assoalhadas, cozinha, casa de banho,

corredor e despensa, tendo uma área útil de 85 metros quadrados, e, ainda, de arrecadação ao nível da cave com uma área útil de 8 metros quadrados, e até à data presente não procederam à sua entrega ao autor.

13. O prédio está situado em zona muito procurada e valorizada com vistas largas e arejadas, servida por transportes públicos, junto a vários

estabelecimentos comerciais, dotada de todas as infra-estruturas.

14. O prédio e a fracção autónoma estão em bom estado de utilização, conservação e limpeza, e a última tem um valor locativo mensal de, pelo menos, € 750,00.

15. O autor pretendeu dar de arrendamento a fracção autónoma pela renda mensal de € 750,00, pelo período de cinco anos, com início em 1 de Dezembro de 2001, actualizável anualmente nos termos da lei, pagável antecipadamente no 1° dia útil do mês anterior ao que disser respeito, na sua morada, e tinha e tem interessados em a tomar de arrendamento nessas condições.

III

A questão essencial decidenda é a de saber se o recorrido não tem direito a exigir dos recorrentes a entrega da fracção predial, a indemnização arbitrada e a sanção pecuniária fixada.

Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e as conclusões de alegação formuladas pelos recorrentes, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:

- natureza e efeitos dos contratos celebrados;

- têm ou não os recorrentes direito de retenção sobre a fracção predial em causa?

- pressupostos da procedência da acção de reivindicação;

- titularidade do direito de propriedade sobre a aludida fracção predial;

- têm ou não os recorridos algum título legítimo de ocupação da fracção predial em causa?

- tem ou não o recorrido direito a exigir dos recorrentes a indemnização em

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causa?

- agiu ou não o recorrido em abuso do direito?

Vejamos de per se cada uma das referidas subquestões.

1.

Comecemos pela análise da natureza e dos efeitos dos contratos celebrados.

A aquisição do prédio em causa, acabado de construir em 1991, cuja

constituição da propriedade horizontal foi levada ao registo predial no dia 1 de Abril de 1991, estava nele inscrita desde 21 de Fevereiro de 1989 na

titularidade da Empresa de Construções TV, Ldª.

No dia 4 de Janeiro de 1991, em documento escrito simples, representantes de TP-Construções, Ldª e de MM Ldª declararam, por escrito, prometeram

permutar duas fracções prediais, a primeira alienar à última uma fracção predial sita em Montechoro, Albufeira, e a última, em contrapartida alienar à primeira a fracção predial em causa e mármore no valor de 3 000 000$.

Outrora seria um contrato-promessa de escambo ou troca, em que se dava uma coisa por outra, o que corresponde actualmente a dois conexos contratos- promessa de compra e venda (artigo 410º, nºs 1 e 2 e 874º do Código Civil).

Cerca de seis meses depois, em 1 de Julho de 1991, também em documento escrito simples, representantes TP- Ldª, e os recorrentes declararam

prometer, a primeira vender e os últimos comprar, por 12 500 000$, que estes foram pagando àquela, pagamento que vieram a concluir dois anos depois.

Eles celebraram, pois, um contrato-promessa que teve por objecto mediato a celebração do contrato prometido de compra e venda (artigos 410º, nºs 1 e 2 e 874º do Código Civil).

Vinte e cinco dias depois da celebração do mencionado contrato-promessa, no dia 26 de Julho de 1991, em escritura pública, representantes de Construções Civis TV, Ldª, por um lado, e o recorrido, por outro, declararam, a primeira vender, e o último comprar, por 8 000 000$, a mencionada fracção predial.

Celebraram, pois, um contrato de compra e venda cujo objecto foi a fracção predial em causa (artigo 874º do Código Civil).

Dele resultou a transmissão do direito de propriedade da titularidade da sociedade comercial TV, Ldª para a titularidade do recorrido, e a obrigação para a primeira de entrega da fracção predial ao último e a deste de àquela pagar o preço (artigos 408º, nº 1 e 879º do Código Civil).

Ressaltam, pois, desta dinâmica factual, duas particularidades, por um lado a circunstância de figurar como vendedora da fracção predial em causa uma sociedade diversa daquela que celebrou o contrato-promessa de compra e venda com os recorrentes.

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E, por outro, também diferente daquela que celebrou o contrato-promessa de troca com a promitente vendedora em relação ao recorrente como que tivesse poderes para dispor do direito de propriedade que se comprometeu a

transmitir para TP, Ldª.

Além disso, ocorre a particularidade de ter sido o recorrido quem entregou as chaves da mencionada fracção predial aos recorrentes, sem que se saiba se foi antes ou depois de ter adquirido o direito de propriedade sobre ela.

Acresce, por um lado, que os recorrentes resolveram o contrato-promessa de compra e venda acima referido no confronto da promitente vendedora, após o que demandaram esta última com base no incumprimento, que situaram no dia 10 de Dezembro de 2001.

E, por outro, que lhes foi reconhecido, por sentença proferida no dia 7 de Novembro de 1993, em virtude do mencionado incumprimento, o direito de indemnização no montante de € 40 000, correspondente ao valor da fracção predial à data do mesmo, e juros de mora desde a data da citação.

2.

Prossigamos com a subquestão de saber se os recorrentes têm ou não direito de retenção sobre a fracção predial em causa no confronto do recorrido.

Expressa a lei, relativamente à figura geral do direito de retenção, que o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados (artigo 754º do Código Civil).

O direito de retenção é excluído, além do mais que aqui não releva, a favor dos que tenham obtido por meios ilícitos a coisa que devem entregar, desde que no momento da aquisição conhecessem a ilicitude desta (artigo 756º, alínea a), do Código Civil).

Assim, os requisitos da constituição do direito de retenção em geral são a licitude da detenção da coisa, a reciprocidade de créditos e a conexão substancial entre a coisa retida e o direito de crédito do retentor.

Dir-se-á que o direito de retenção confere ao credor, na posse de certa coisa pertencente ao devedor, o direito de a não a entregar enquanto o último não cumprir a sua obrigação conexa, por causa dela.

Entre os casos especiais do direito de retenção, conta-se o do beneficiário da promessa de transmissão de direito real que obteve a tradição da coisa pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º do Código Civil (artigo 755º, nº 1, alínea f), do Código Civil).

Se o não cumprimento do contrato for devido ao que recebe o sinal, tem o outro contraente a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houver

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tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor,

determinado objectivamente à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado e restituição do sinal e da parte do preço que tenha pago (artigo 442º, nº 2, do Código Civil).

No direito de retenção genérico a que se reporta o artigo 754º do Código Civil a lei liga o direito de crédito do retentor da coisa a despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados; mas no direito de retenção especial a que alude a alínea f) do nº 1 do artigo 755º do Código Civil a conexão é diversa.

Trata-se de um direito real de garantia cujos pressupostos são a existência de um contrato-promessa, a convenção de tradição do objecto mediato do

contrato prometido e o incumprimento definitivo daquele contrato pelo promitente vendedor.

Dada a estrutura do referido direito de retenção, certo é que, ao invés do ocorre com o direito de penhor ou de hipoteca, não pode ser constituído por contrato ou negócio jurídico unilateral.

Com efeito, como se trata de um direito de garantia real de origem legal, só pode ser constituído verificados que estejam em sentença os pressupostos de facto legalmente previstos para o efeito.

Os recorrentes são titulares de um direito de crédito indemnizatório no confronto da promitente vendedora, TP, Ldª, por esta ter incumprido o referido contrato-promessa de compra e venda da fracção em causa.

Embora o direito de retenção do promitente comprador tradiciário assuma a especialidade a que já se fez referência, é seu pressuposto essencial que o retentor seja credor de quem tem o direito de exigir a entrega, em regra o titular do respectivo direito de propriedade.

No despacho saneador, na decisão de indeferimento do pedido formulado pelos recorrentes de suspensão da instância com fundamento na

prejudicialidade da acção por eles intentada contra TP, Ldª, argumentou-se que o objecto da acção em análise não podia ser abrangido pelo caso julgado da antecedente por virtude de, a proceder, o seu direito de propriedade ficava afectado pelo direito real de retenção.

A referida motivação, a propósito de decisão de uma questão meramente processual, não tem a virtualidade de assumir relevo em termos de vinculação de caso julgado em relação à questão de saber se os recorrentes são ou não titulares de direito de retenção sobre a fracção predial em causa no confronto do recorrido.

Assim, em conclusão, como os recorrentes não são titulares de algum direito de crédito no confronto do recorrido, seja por despesas realizadas na fracção predial em causa, seja por incumprimento do contrato-promessa, a lei não lhes confere o direito de retenção sobre ela.

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3.

Vejamos agora os pressupostos da procedência da acção de reivindicação em análise.

Trata-se, no fundo, de uma acção declarativa de condenação na entrega de uma coisa, abrangente de dois pedidos, o de declaração da titularidade do direito de propriedade e o de condenação na entrega de coisa certa.

A respectiva causa de pedir são os factos jurídicos concretos integrantes da aquisição do direito de propriedade, ou seja, por exemplo, os relativos ao

contrato, à sucessão por morte, à ocupação, à usucapião e à acessão industrial imobiliária (artigo 1316º do Código Civil).

Nas três últimas hipóteses, a aquisição é originária, situação em que a causa de pedir é integrada pelos concernentes factos constitutivos, e, nas duas primeiras, tem de envolver a sucessiva titularidade de aquisições até à originária.

Todavia, nestas últimas hipóteses a prova de que o direito existia na titularidade de quem transmite é susceptível de ser superada por via de inscrição da aquisição no registo predial.

Com efeito, a inscrição definitiva da aquisição do direito de propriedade sobre o prédio ou alguma sua fracção autónoma gera a presunção legal de que tal direito existe e pertence ao titular da inscrição (artigo 7º do Código do Registo Predial).

O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente

restituição do que lhe pertence (artigo 1311º, nº 1, do Código Civil).

Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei (artigo 1311º, nº 2, do Código Civil).

4.

Atentemos, ora, na subquestão da titularidade do direito de propriedade sobre a fracção predial em causa.

O recorrido tem inscrita definitivamente no registo predial, na sua

titularidade, a aquisição do direito de propriedade sobre a fracção predial em causa por contrato de compra e venda celebrado no dia 26 de Julho de 1991.

Presume-se, por isso, legalmente, ser titular do direito de propriedade sobre a fracção predial em causa (artigo 7º do Código do Registo Predial).

Os recorrentes tinham o ónus de prova dos factos reveladores do contrário do que resulta da mencionada presunção (artigos 344º, nº 1, e 350º do Código Civil).

Como os recorrentes não lograram provar factos idóneos à ilisão da

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mencionada presunção, a conclusão é no sentido de que o recorrido é o titular do mencionado direito de propriedade sobre a fracção predial em causa

(artigos 7º do Código do Registo Predial e 350º do Código Civil).

5.

Prossigamos com a subquestão de saber se os recorrentes têm ou não algum título que lhes legitime a ocupação da fracção predial em causa.

Expressa a lei que, havendo reconhecimento do direito de propriedade, a

restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei (artigo 1311.º, nº 2, do Código Civil).

Está assente, por um lado, que os recorrentes ocupam e utilizam, em exclusivo, a identificada fracção autónoma, e, por outro, que as chaves respectivas lhe foram entregues pelo recorrido e que este os ajudou na celebração dos contratos de água, luz e gás.

Não se sabe, porém, o motivo pelo qual o recorrido entregou as chaves aos recorrentes.

A Relação expressou que de relevante apenas se sabe ocuparem os

recorrentes a fracção ajuizada porque obtiveram a sua tradição na sequência de um contrato-promessa outorgado com terceiro não seu proprietário, tendo sido o autor a entregar-lhe as respectivas chaves.

No texto do contrato-promessa nada se refere quanto à entrega da fracção predial aos recorrentes, sendo certo que a promitente vendedora não era titular do direito de propriedade sobre ela.

Não se sabe a data em que ocorreu a referida entrega da fracção predial; mas sabe-se que o recorrente adquiriu o direito de propriedade sobre ela vinte e cinco dias depois de os recorrentes terem outorgado no mencionado contrato- promessa.

A expressão na sequência do contrato contrato-promessa não pode significar que tal ocorreu imediatamente a seguir à sua celebração ou na sequência da sua assinatura, pois tal foi considerado não provado na resposta aos quesitos primeiro e nono da base instrutória.

A posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma

correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (artigo 1251º do Código Civil).

Nela se diferenciam dois elementos, o corpus ou domínio de facto sobre a coisa, traduzido no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela ou na possibilidade física desse exercício, e o animus, consubstanciado na intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio.

A aquisição originária da posse é susceptível de derivar, além do mais, do

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apossamento, ou seja, da aquisição unilateral da posse por via do exercício de um poder de facto, isto é, pela prática reiterada, com publicidade, de actos materiais correspondentes ao exercício do direito (artigo 1263º, alínea a), do Código Civil).

A posse também é susceptível de se obter por via da sua transferência, ou seja, por tradição ou sucessão por morte ou entre vivos.

A tradição consubstancia-se na transferência voluntária da posse entre vivos, em regra quando a transmissão da situação jurídica e da situação de facto coincidem, o que ocorre quando há entrega da coisa. Mas a entrega efectiva não é essencial à referida transmissão, visto que a lei se basta, para o efeito, com a entrega simbólica (artigo 1263º, alínea b), do Código Civil).

Os factos provados, designadamente o conteúdo do mencionado contrato- promessa, a entrega das chaves aos recorrentes pelo recorrido, a ajuda destes na celebração dos contratos de prestação de serviços de água, energia

eléctrica e gás por aqueles e a ocupação dela não revelam que os primeiros sejam possuidores em nome próprio.

Aliás, na resposta ao quesito primeiro foi declarado não provado que ao recorrente, após a celebração do contrato-promessa foi entregue a fracção predial e que ele a passou a usufruir com a família como se fosse seu

proprietário.

Ainda que a entrega das chaves decorresse do próprio contrato-promessa de compra e venda – e não pode decorrer porque a promitente vendedora não era titular do direito de propriedade sobre ela – a posição dos recorrentes seria a de possuidores em nome alheio, ou seja, a de meros detentores (artigo 1253º, alíneas a) e c), do Código Civil).

Acresce que, resolvido o contrato-promessa em causa pelos recorrentes, deixaria o mesmo de justificar a traditio da fracção predial que ocorrera.

Certo é que os recorrentes passaram a habitar a fracção predial em causa sob autorização do recorrido, visto que este lhes entregou as respectivas chaves.

A Relação, a propósito da decisão questão da indemnização pretendida pelo recorrido no confronto dos recorrentes por virtude da ocupação por estes da fracção predial em causa considerou tratar-se de um contrato de comodato sem prazo nem destinado a um fim determinado.

A lei caracteriza o contrato de comodato como sendo o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir (artigo 1129º do Código Civil).

Se as partes não convencionarem prazo certo para a restituição da coisa que foi emprestada para uso determinado, deve o comodatário restituí-la logo que o uso finde, independentemente de interpelação (artigo 1137º, nº 1, do Código Civil).

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Não sendo convencionado prazo para a restituição nem determinado o uso da coisa, o comodatário é obrigado a restituí-la logo que lhe seja pedida (artigo 1137º, nº 2, do Código Civil).

Considerando, porém, o quadro de facto provado – mera entrega das chaves e auxílio na celebração de contratos de prestação de serviços de fornecimento de água, gás e energia eléctrica – a conclusão é no sentido de que ele não integra o contrato de comodato tal como está legalmente estruturado.

Decorre, assim, do exposto não revelarem os factos provados que a ocupação da fracção predial em causa pelos recorrentes se baseia em algum título legítimo a que se reporta o artigo 1311º, nº 2, do Código Civil.

Fossem os recorrentes possuidores em nome próprio, designadamente por inversão do título de posse, ou meros detentores, sempre teriam que

demonstrar a sua titularidade de algum título legitimador da ocupação, fosse direito real ou pessoal de gozo (artigo 342º, nº 2, do Código Civil).

Ora como os recorrentes não demonstraram serem titulares de algum título legitimador da ocupação da fracção predial em causa, nos termos do artigo 1311º, nº 2, do Código Civil, a conclusão é no sentido de dever proceder a pretensão do recorrido de condenação dos recorrentes na sua entrega, tal como foi decidido nas instâncias.

6.

Vejamos agora se o recorrido tem ou não direito a exigir dos recorrentes a indemnização que deles reclamam.

Os últimos discordam da sua condenação no pagamento da indemnização sob o argumento de que a citação para a acção só vale como interpelação quando através dela se peça o cumprimento da obrigação assumida no contrato e se pretenda obter através dela a indemnização pelo seu incumprimento

Está assente que os réus vêm ocupando a mencionada fracção predial, que esta tem um valor locativo mensal de € 750, que o recorrido pretendeu dá-la de arrendamento por cinco anos, com início no dia 1 de Dezembro de 2001, por aquela renda, e que tinha e tem interessados em a tomar de arrendamento nessas condições.

Mas não ficou provado que o recorrido tivesse exigido aos recorrentes a entrega da fracção predial no dia 1 de Dezembro de 2001.

O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas (artigo 1305.º do Código Civil).

O direito de disposição do proprietário compreende, além do mais, em regra, a faculdade praticar actos jurídicos de alienação ou de usufruição das coisas que lhe pertencem, neste último caso a de as arrendar tratando-se de imóveis.

(14)

A violação do direito de propriedade é, assim, susceptível de derivar da privação do uso ou fruição da coisa, designadamente por via da disposição indevida dela.

A obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil depende da violação ilícita, com dolo ou mera culpa, do direito de outrem e de tal violação resultar, em termos de causalidade adequada, um dano ou prejuízo reparável (artigos 483º, nº 1, 562º e 563º do Código Civil).

Os factos provados revelam que o recorrido, por virtude de os recorrentes habitarem a fracção predial em causa, não pôde auferir a renda mensal de € 750 desde 1 de Dezembro de 2001 que lhe seria paga no mercado de

arrendamento por pessoas interessadas.

Isso significa que o recorrido foi afectado negativamente na sua esfera jurídico-patrimonial, experimentando uma desvantagem económica por virtude da ocupação da casa pelos recorrentes.

Todavia, os recorrentes ocuparam a mencionada fracção predial com

autorização do recorrido que não só lhes entregou as chaves respectivas como também os auxiliou na celebração dos contratos de prestação de serviço de fornecimento de água, gás e energia eléctrica.

Em consequência, tal como foi entendido nas instâncias, a ocupação pelos recorrentes da fracção predial é lícita, ou seja, não constitui o primeiro pressuposto da obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil extracontratual a que se reporta o artigo 483º, nº 1, do Código Civil.

Conforme acima se referiu, os factos provados não revelam que o recorrido e os recorrentes celebraram um contrato de comodato, pelo que se não pode concluir assumirem os últimos a obrigação de restituição da fracção predial logo que o primeiro lha exigisse, designadamente por via de notificação.

Estamos perante uma acção real, baseada em ocupação de imóvel sem título legitimante, e de indemnização baseada na ilicitude dessa ocupação no quadro da responsabilidade civil extracontratual.

A Relação considerou que os recorrentes, com a citação, conheceram a medida da sua lesão do direito de propriedade do recorrido, e, por isso, em razão dessa ilícita ocupação subsequente, condenou os primeiros a indemnizar o último na mencionada medida.

Baseou-se, para tal, nos artigos 805º, nº 1, alínea a), do Código Civil e 481º do Código de Processo Civil.

O primeiro dos mencionados normativos expressa que o devedor, em regra, fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.

O segundo estabelece, por seu turno, que a citação faz cessar a boa fé do possuidor, torna estáveis os elementos essenciais da causa, nos termos do

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artigo 268º do Código de Processo Civil e inibe o réu de propor contra o autor acção destinada à apreciação da mesma questão jurídica.

Não estamos no caso vertente perante uma acção destinada ao cumprimento de alguma obrigação contratual, pelo que se não pode considerar que a citação dos recorrentes para a acção tem o efeito de interpelação para a entrega da fracção predial.

Verificou-se que os recorrentes ocupavam licitamente a fracção predial em causa, porque autorizados por quem de direito – o recorrido – e a restituição é determinada por virtude de falta de título de estrutura real ou obrigacional justificativo da ocupação no confronto com o titular do direito de propriedade.

Perante este quadro de facto e de direito, não pode subsistir a decisão da Relação condenatória dos recorrentes a indemnizar o recorrido com referência ao tempo decorrente a partir da citação dos últimos.

7.

Atentemos, ora, sobre se o recorrido abusou ou não do exercício do seu direito.

Expressa a lei ser ilegítimo o exercício de um direito quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo seu fim social ou económico (artigo 334º do Código Civil).

Reporta-se, pois, este artigo à existência de um direito substantivo exercido com manifesto excesso em relação aos limites decorrentes do seu fim social ou económico, em contrário da boa fé ou dos bons costumes, proibindo

essencialmente a utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de interesses exorbitantes do fim que lhe inere.

O fim económico e social de um direito traduz-se, essencialmente, na

satisfação do interesse do respectivo titular no âmbito dos limites legalmente previstos; e os bons costumes são, grosso modo, o conjunto de regras de comportamento relacional, acolhidas pelo direito, variáveis no tempo e, por isso, mutáveis conforme as concepções ético-jurídicas dominantes na

colectividade de referência em determinada unidade de tempo.

O seu funcionamento, como excepção peremptória imprópria de direito adjectivo que é, não depende da sua consciencialização por parte do respectivo sujeito.

O entendimento da jurisprudência, no seguimento da doutrina, tem sido no sentido de que este instituto funciona como limite ao exercício de direitos quando a atitude do seu titular se manifeste em comportamento ofensivo do sentido ético-jurídico da generalidade das pessoas em termos clamorosamente opostos aos ditames da lealdade e da correcção imperantes na ordem jurídica.

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Uma das vertentes do abuso do direito é o designado venire contra factum proprium, no confronto com o princípio da tutela da confiança, como é o caso de ser exercido contra alguém que, com base em convincente conduta positiva ou negativa de quem o podia exercer, confiou em que tal exercício não

ocorresse e programou em conformidade a sua actividade.

Dir-se-á, nessa hipótese, que o titular do direito opera o seu exercício no confronto de outrem depois de a este fazer crer, por palavras ou actos, que o não exerceria, ou seja, depois de gerar uma situação objectiva de confiança em que ele não seria exercido.

Aproximemos do caso concreto em análise as referidas considerações de ordem jurídica.

Os recorrentes fundam a invocação do abuso do direito pelo recorrido na circunstância de este lhes haver entregue as chaves da fracção predial, nela terem instalado licitamente a casa de morada de família e de ele pretender inverter a situação que criara.

Conforme acima se referiu, ignoram-se os motivos pelos quais, não obstante o recorrido seja alheio às obrigações que para os recorrentes e TP, Ldª advieram do contrato-promessa, por nele não haver outorgado, o primeiro entregou aos últimos as chaves da fracção predial em causa.

O recorrido é titular do direito de propriedade sobre a mencionada fracção predial, não outorgou no referido contrato-promessa, limitou-se a permitir o seu uso pelos recorrentes.

Não decorre dos factos provados que o recorrido gerasse objectivamente nos recorrentes a convicção de que jamais lhe exigisse a entrega da fracção predial em causa.

Em suma, os factos provados não revelam que o recorrido, ao exercer, por via da acção, o direito à restituição da fracção predial, faculdade inerente ao respectivo direito de propriedade, tenha assumido alguma conduta

contraditória em termos de gerar nos recorrentes a fundada convicção de que não o exerceria.

Acresce que os factos provados não revelam que o recorrido tenha agido na acção de má fé, com ofensa dos bons costumes ou à margem do fim económico do seu direito.

A conclusão é, por isso, no sentido de que inexiste fundamento legal para se concluir que o recorrido motivou por via do accionamento que empreendeu a excepção peremptória imprópria de abuso do direito.

8.

Finalmente a síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos

(17)

provados e da lei.

TP, Ldª, como promitente vendedora de uma fracção predial de que não proprietária, e o recorrente, como promitente comprador, celebraram o contrato-promessa a que a acção se reporta.

Depois disso, o recorrido, como comprador, e a titular do direito de

propriedade sobre a mencionada fracção predial, na posição de vendedora, celebraram o contrato de compra e venda que a teve por objecto mediato.

Os recorrentes resolveram o mencionado contrato-promessa no confronto de TP, Ldª e foi-lhes reconhecido judicialmente o direito de crédito equivalente ao valor da fracção predial por virtude de incumprimento contratual.

O recorrido entregou as chaves da fracção predial aos recorrentes, mas estes não têm contra aquele direito de retenção sobre a fracção predial, porque é alheio à celebração do contrato-promessa.

Os recorrentes, porque ocupam a fracção predial à margem de qualquer

direito real ou pessoal de gozo, devem restituí-la ao recorrido por virtude de a este ter sido reconhecido o respectivo direito de propriedade.

Autorizada pelo recorrido a ocupação, excluída está a sua ilicitude com vista à indemnização no quadro da responsabilidade civil extracontratual por violação do direito de propriedade.

A citação dos recorrentes para a acção é insusceptível de relevar em termos de interpelação para entrega da fracção predial e determinar a ilicitude da ocupação desde então para efeitos de indemnização a arbitrar ao recorrido.

O accionamento dos recorrentes pelo recorrido para os fins concernentes não está envolvido de abuso do direito, incluindo a vertente do venire contra factum proprium.

Não há fundamento para a alteração do acórdão recorrido na parte em que fixou a sanção pecuniária compulsória devida pelos recorrentes pelo atraso de entrega da fracção predial após o trânsito em julgado da decisão final, a que os últimos não se referiram especificamente no recurso.

Procede, assim, parcialmente, o recurso, isto é, na parte relativa à condenação dos recorrentes no pagamento de indemnização ao recorrido.

Vencidos, são o recorrido e os recorrentes responsáveis pelo pagamento das custas na proporção do vencimento (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Todavia, como os recorrentes beneficiam do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas, tendo em conta o disposto nos artigos 15º, alínea a), 37º, nº 1 e 54º, nºs 1 a 3, da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 51º, nº 2, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, inexiste fundamento legal para que sejam condenados no pagamento das referidas custas.

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IV

Pelo exposto, dando parcial provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido apenas no segmento relativo à condenação dos recorrentes no

pagamento de indemnização ao recorrido, mantendo-se no restante o decidido nas instâncias, e condena-se o último no pagamento das custas respectivas, na proporção do vencimento.

Lisboa, 10 de Janeiro de 2008.

Salvador da Costa (relator) Ferreira de Sousa

Armindo Luis

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