Tribunal da Relação do Porto Processo nº 0713682
Relator: JORGE FRANÇA Sessão: 15 Outubro 2007
Número: RP200710150713682 Votação: UNANIMIDADE
Meio Processual: REC CONTRAORDENACIONAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
DESPACHO NULIDADE DE SENTENÇA
EXCESSO DE VELOCIDADE VERIFICAÇÃO
Sumário
I - Sendo o recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade
administrativa decidido por despacho, a falta de fundamentação deste não constitui nulidade, visto não se estar perante uma sentença.
II - Em relação aos aparelhos de medição da velocidade de modelo aprovado não é necessária uma primeira verificação.
Texto Integral
ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
Nos autos de recurso de contra-ordenação que, sob o nº …/07.2TBETR, correram termos pelo .º Juízo da Comarca de Estarreja, por decisão da Direcção Geral de Viação, foi o Recorrente B………. condenado pela prática, em 09.04.2005, da contra-ordenação p. e p. no artigo 27º, nº1 do Código da Estrada (excesso de velocidade) e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 dias.
Inconformado, o arguido apresentou recurso de impugnação da citada decisão.
Porque a tal não se opuseram o recorrente e o MP, foi o recurso decidido por simples despacho, que decidiu negar provimento ao mesmo.
Novamente inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, que motivou, concluindo nos seguintes termos:
a)No recurso de impugnação da decisão em que condenou o ora recorrente, o mesmo requereu que fosse indicada a data da última verificação periódica do aparelho de medição de velocidade, pelo facto de não concordar com o
resultado obtido pelo mesmo, e querer aferir da manutenção da respectiva fiabilidade.
b)Na decisão objecto do presente recurso, o Tribunal a quo referiu que “Tendo sido aprovado o referido modelo, e ainda estando dentro do período de 10 anos da validade da aprovação quando foi fiscalizada a velocidade do Recorrente (09-04-2005), não se verifica em concreto, a necessidade de qualquer verificação, seja a primeira, seja uma verificação periódica ou
extraordinária, atento o disposto no artigo 1º, n.º3 explicitado pelos artigos 2º, n.º 7, 3º, 4º e 5º todos do DL 291/90 de 20 de Setembro”
c)Decidindo que “Assim sendo, não pode ser posta em causa a velocidade a que o Recorrente seguia por falta de adequação do meio medidor da
velocidade.”
d)De acordo com a decisão do Tribunal a quo, os aparelhos de radar estariam apenas sujeitos a um controlo de fiabilidade ao fim de 10 anos de utilização diária.
e)De acordo com o D.L. 291/90, de 20 de Setembro, os instrumentos de medição, têm de ser objecto de um controlo metrológico, que engloba a
aprovação de modelo, primeira verificação, verificação periódica e verificação extraordinária, cfr. artigo 1º n.º3, D.L. 291/90, de 20 de Setembro.
f)Estas verificações são feitas pelo Instituto Português de Qualidade, de acordo com o disposto na Portaria n.º 962/90, de 9 de Outubro, onde são referidas as características metrológicas do aparelho em causa, e a sua conformidade ou não com o regulamento em vigor.
g)Conforme já foi exposto a aprovação do modelo e a primeira verificação são exigências totalmente distintas, pois a aprovação do modelo é a aprovação do modelo de radar, enquanto a primeira verificação é feita em cada num dos exemplares do modelo aprovado.
h)Para além da aprovação de modelo e primeira verificação, deverá ser
realizada uma verificação periódica até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua primeira verificação
i)Assim, é claro o erro de interpretação legislativa feita pelo Tribunal a quo, pois erra ao considerar que a aprovação do modelo efectuada em 18.04.2003, é o único controlo metrológico que o aparelho em causa está sujeito.
j)O Tribunal a quo, não considerou que existem vários exemplares de radar do mesmo modelo, considerou que basta aprovar o modelo, não sendo necessário
aos restantes exemplares do mesmo modelo estarem em “...conformidade da qualidade metrológica dos instrumentos de medição, novos ou reparados, com a dos respectivos modelos aprovados...” (artigo 3º n.º 1 do D.L. 291/90, de 20 de Setembro).
l)Assim se depreende que os exemplares de determinado modelo, carecem de uma primeira verificação, para averiguar se estão conformes o modelo
aprovado.
m)Acontece que a decisão do Tribunal a quo, apenas considerou a aprovação do modelo, e não considerou o requerimento do ora recorrente no sentido de serem oficiadas as autoridades autuantes para indicarem quais as datas das verificações (primeira verificação e verificações periódicas) do aparelho de radar dos autos, pois a decisão e o auto são omissos quanto a este facto.
n)Confirmando-se que se omitiram as diligências acima referidas, não se pode aceitar que o ora recorrente circulava em excesso de velocidade.
o)Assim sendo, foi violado o disposto no D.L. 291/90, de 20 de Setembro e Portaria 962/90, de 9 de Outubro, devendo ser considerado procedente o presente recurso, devendo ser revogada a decisão recorrida, absolvendo-se o recorrente.
Nestes termos e nos melhores de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência:
-ser declarado nulo o douto despacho recorrido;
- ser revogado o despacho do Senhor Juiz a quo, e ser absolvido o recorrente.
Não respondeu o MP em primeira instância.
Nesta Relação, o Ex.mo PGA emitiu douto parecer onde conclui pelo provimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Foram considerados assentes os seguintes factos:
1.No dia 09.04.2005, pelas 21h56m, na A1, km …, ………., área desta comarca, o Recorrente, conduzindo o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-US pelo menos à velocidade registada de 163 km/h, deduzido o valor de erro máximo admissível, sendo a velocidade máxima permitida no local de 120 km/
h.
2.A velocidade foi verificada pelo aparelho Multanova aprovado pela DGV em 28.04.2003.
3.O arguido não procedeu com o cuidado a que estava obrigado.
4.Sabia que a sua conduta era punida por lei.
DECIDINDO:
No seu parecer, o Ex.mo PGA suscita questões que importa decidir, previamente ao próprio mérito do recurso, na perspectiva adoptada pelo recorrente.
Tais questões prendem-se com a pretensa nulidade da «sentença» por falta de fundamentação já que diz-se, nos factos provados nada se refere quanto ao pagamento da coima aplicada ao arguido, o que releva «uma vez que quer no relatório, quer da fundamentação da decisão de direito quanto à sanção acessória de inibição de conduzir, há manifesta contradição», pois que ali se refere que o arguido procedeu ao pagamento voluntário da coima e na
fundamentação, «para se afastar a possibilidade de suspensão da sanção acessória, diz-se que a “coima ainda se não encontra paga».
Alega o Ex.mo PGA que «as nulidades da sentença previstas no artº 379º, 1, a) a c), do CPP, devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, nos termos do nº 2, do mesmo preceito.»
No caso presente, face à não oposição do recorrente e do MP, e ao abrigo do disposto no artº 64º, 2, do RGCO, o juiz da primeira instância decidiu por despacho. Como se refere no nº 1 desse mesmo artº 64º, «o juiz decidirá do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho.» A utilização do adjectivo «simples» há-de querer dizer que, no caso, ao decidir por despacho, o juiz não estará obrigado às formalidades atinentes à sentença, essa sim, o culminar da audiência de julgamento que a norma também refere.
O uso de tal adjectivo há-de querer significar que face ao acordo dos
intervenientes processuais, a questão há-de ser decidida através de despacho que não revestirá as formalidades e exigências da sentença; daí que se
entenda que a fundamentação mínima desse despacho há ser a indispensável à sua compreensão global, sem necessidade de observância de quaisquer outras regras, designadamente as aplicáveis à sentença, essa sim mais formal, por ser o culminar de um julgamento. Ora, lido o despacho recorrido, logo se constata que a fundamentação dele constante é a necessária à compreensão da decisão, tendo em atenção os limites que lhe traça o recorrente mediante a formulação das concretas questões que coloca à apreciação do tribunal – assim operando a sua vinculação temática. Os factos dados como assentes são aqueles que, inelutavelmente, resultam do auto de notícia e bem assim da decisão administrativa judicialmente impugnada.
Coisa diversa e com outra significação seria a apontada ocorrência de vício de contradição na fundamentação do despacho. Tal contradição ocorre
efectivamente no caso mas, salvo o devido respeito, é meramente aparente.
Com efeito, muito embora se diga no denominado ‘relatório’ que o recorrente procedeu “ao pagamento voluntário da coima”, cremos que tal apenas
aconteceu por manifesto lapso, bastando atentar em que, liquidada essa
responsabilidade a fls. 28, não se mostra nos autos demonstrado o pagamento.
Por isso, reparado esse lapso, é correcta a asserção pretensamente
contraditória, feita na fase decisória do despacho recorrido, de que «no caso dos autos, a coima ainda se não encontra paga, pelo que desde logo, e ao abrigo da supra citada disposição legal [artº 141º, 1, CE] fica afastada a possibilidade de se proceder à suspensão da sanção acessória …»
Atento este conjunto de considerações, mostra-se improcedente a pretensão formulada pelo MP nesta Relação.
Nas conclusões do seu recurso, através das quais verdadeiramente delimita o âmbito do nosso conhecimento, o recorrente coloca à nossa apreciação a questão da fidedignidade das medições feitas através do aparelho usado pela autoridade autuante para medir a velocidade a que circulava na ocasião referida. Alega, para o efeito, que os aparelhos de medição de velocidade estão sujeitos verificações periódicas, sendo o auto de notícia omisso acerca da circunstância de o aparelho em causa (o radar Multanova) estava ainda a coberto da última verificação periódica. Pretende que, não obstante a
aprovação do modelo, é cumulativamente exigível a sua sujeição a primeira verificação, «pois a aprovação do modelo é a aprovação do modelo de radar, enquanto a primeira verificação é feita em cada um dos exemplares do modelo aprovado».
A tal propósito rede o DL 291/90 de 20 de Setembro, nos termos de cujo artº 1º, nº 3: «O controlo metrológico dos instrumentos de medição compreende uma ou mais das seguintes operações: a) Aprovação de modelo; b) Primeira verificação; c) Verificação periódica; d) Verificação extraordinária. Ou seja, a norma referida não faz essa exigência cumulativa. Por outro lado, segundo o artº 2º, nº 1, a «aprovação do modelo é o acto que atesta a conformidade de um instrumento de medição ou de um dispositivo complementar com as especificações aplicáveis à sua categoria…», sendo válida por 10 anos (nº 2).
Por outro lado, dispõe o nº 1 do artº 3º que «a primeira verificação é o exame e o conjunto de operações destinados a constatar a conformidade de qualidade metrológica dos instrumentos de medição, novos ou reparados, com a dos respectivos modelos aprovados e com as disposições regulamentares aplicáveis…»
Seria uma redundância exigir que, relativamente aos modelos de instrumentos de medição aprovados, fosse concomitantemente exigível uma primeira
verificação, já que esta se destina - precisamente - a verificar a conformidade de qualidade metrológica do instrumento com o modelo aprovado. Ou seja, se o modelo está aprovado, é manifesto que a sua qualidade metrológica está conforme … ao mesmo instrumento…! Pelo que desnecessária seria uma primeira verificação.
Ou seja, relativamente aos aparelhos metrológicos de modelo aprovado, não é necessária a sua primeira verificação.
Por isso, não merece censura o despacho recorrido, designadamente ao afirmar:
«No caso dos autos, a decisão administrativa faz referência ao aparelho utilizado para medir a velocidade do veículo em contra-ordenação – radar Multanova aprovado pela DGV em 18.04.2003, através do ofício nº8036/03.
Tendo sido aprovado o referido modelo, e ainda estando dentro do período de 10 anos da validade da aprovação quando foi fiscalizada a velocidade do Recorrente (09.04.2005), não se verifica em concreto, a necessidade de qualquer verificação, seja a primeira, seja uma verificação periódica ou
extraordinária, atento o disposto no artigo 1º, nº3 explicitado pelos artigos 2º, nº7, 3º, 4º e 5º todos do DL291/90 de 20 de Setembro.
Assim sendo, não pode ser posta em causa a velocidade a que o Recorrente seguia por falta de adequação do meio medidor da velocidade.»
Termos em que se acorda, nesta Relação, em negar provimento ao recurso, confirmando o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, com 5 UC’s de taxa de justiça.
Porto, 15 de Outubro de 2007 Manuel Jorge França Moreira José Ferreira Correia de Paiva Manuel Joaquim Braz