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Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

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Tribunal da Relação do Porto Processo nº 682/05.7PAGDM.P1 Relator: MOREIRA RAMOS

Sessão: 25 Março 2010

Número: RP20100325682/05.7PAGDM.P1 Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: REC. PENAL.

Decisão: PROVIDO.

FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO VEÍCULO AUTOMÓVEL

Sumário

Pelo menos a partir de 31.10.2005, data de vigência do DL 178-A/2005 de 28/10, o número de motor deixou de ser um elemento individualizador dos veículos, pelo que a sua alteração não constitui crime de falsificação.

Texto Integral

Proc. nº 682/05.7 PAGDM.P1

Tribunal da Relação do Porto

(2ª Secção Criminal – 4ª Secção Judicial)

Origem: Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia (1º Juízo Criminal)

Espécie: recurso penal.

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:

No processo supra identificado, em que é arguido B…………, com os sinais dos autos, por sentença datada de 08/05/09, e no que ora importa, foi decidido condenar o referido arguido, pela prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pela conjugação dos artigos 255º, al. a) e 256º, nº 1, al. a), do Código Penal vigente à data dos factos, com actual

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previsão nos artigos 255º, al. a) e 256º, nº 1, al. b), do Código Penal, na pena de cento e oitenta dias de multa, à taxa diária de cinco euros, perfazendo a quantia de novecentos euros.

Inconformado com a sobredita decisão, dela veio o Ministério Público interpor recurso, nos termos constantes de fls. 399 a 414 dos autos, aqui tidos como especificados.

Na motivação apresentada formulou as seguintes conclusões:

1ª – quem coloca num automóvel um motor pertencente a outro, depois de apagar o seu número não comete o crime de falsificação de documento dos art.ºs 255º, al. a) e 256º, nº 1, al. b do C. Penal;

2ª – esse crime ocorre, v.g., quando o agente vicia o documento originariamente genuíno, mas o agente acrescenta-lhe algo;

3ª – assim na falsificação material ocorre uma alteração, modificação total ou parcial do documento: o agente apenas pode falsificar o documento imitando ou alterando algo que está feito segundo uma certa forma; quer imitando quer alterando o agente tem sempre uma certa preocupação, a de dar a aparência de que o documento é genuíno ou autêntico;

4ª – a colocação de um motor diferente do motor de origem num automóvel, alterando o número do novo motor para coincidir com o número do motor original e mencionado nos documentos do fabricante, constitui um crime de falsificação;

5ª – mas torna-se necessário atentar na posição do Supremo Tribunal de Justiça, constante e pacífica, de que o número do motor é um documento particular, uma vez que são apostas no veículo pelo fabricante, para fins de controlo e de garantia contra a concorrência;

6ª – daí que se deva entender que a falsificação do motor, no contexto em que nos situamos, implica necessariamente a aposição de um número que não corresponde ao número atribuído pelo fabricante (e coincidente com o número que consta dos documentos), sendo pois o número do (aposto no) motor um elemento relevante para a identificação do veículo;

7ª – por outro lado, pode substituir-se o motor de um veículo automóvel, mas

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tal motor deve ser registado, sujeito a inspecção;

8ª – só a aposição de um número diverso do original do motor e a colocação deste num carro a que não corresponde é que constituiu falsificação;

9ª – não tendo sido aposto qualquer número do motor, antes o motor, sem número (porque apagado), foi colocado num automóvel a que originalmente não correspondia, sem se pedir a alteração do veículo;

10ª – quem verificasse o automóvel e procurasse, com fins de identificação do veículo, o número do motor seria confrontado com um motor com o número apagado, isto é, sem número, sem ter aposto o sinal juridicamente relevante: o número do motor;

11ª – depois, a evidência da desconformidade dos elementos identificativos do veículo (por ausência patente de número de motor) não ilude ninguém, não é pois susceptível de induzir em erro;

12ª – pelo que o bem jurídico protegido pela incriminação: a fé pública dos documentos não é posta em causa pela aquela;

13ª – não tendo o arguido imitado ou alterado algo que estava feito segundo uma certa forma, e muito menos agiu com a preocupação de dar a aparência de que o documento é genuíno e autêntico;

14ª – não se verificam, pois, os elementos que integram o tipo legal de crime pelo qual foi condenado o recorrente, designadamente que falta a aposição de um sinal juridicamente relevante e que a colocação de um motor estranho com um motor cujo número foi apagado não põe em causa a fé pública de

documento, bem jurídico protegido pela norma incriminadora;

15ª – entendendo diferentemente, violou a douta decisão recorrida os art.ºs 255º, al. a) e 256º, nº 1, al. a) do C. Penal vigente à data dos factos, hoje dos art.ºs 255º, al. a) e 256º, nº 1, al. b) do C. Penal.

Concluiu no sentido do provimento do recurso e, em consequência, pela absolvição do arguido, revogando-se a decisão recorrida.

Não houve respostas.

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O recurso foi regularmente admitido (cfr. fls. 418 dos autos).

Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer junto a fls. 426 a 429 dos autos, aqui tido como reproduzido, concluindo no sentido de que o recurso merece provimento enquanto o crime cometido não é o de falsificação de documento previsto na alínea a) do artigo 256º, mas a conduta deve ser punida como crime de danificação de documento previsto no artigo 259º, ambos do Código Penal.

Cumprido o artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, nada mais foi aduzido.

Após exame preliminar, colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir, nada obstando a tal.

II – Fundamentação:

………

………

………

………

………

III - MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

………….…….

………..

………..

………..

………..

IV - ENQUADRAMENTO JURÍDICO PENAL

………….……

………….……

……….

……….

……….

*

b) apreciação do mérito:

Antes de mais, convirá recordar que, conforme jurisprudência pacífica, de resto, na melhor interpretação do artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo da apreciação dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, de que cumpre oficiosamente conhecer[1].

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Neste contexto, e em face das conclusões aqui trazidas, importa saber se colocar o motor de um veículo, apagando-lhe o número de motor, num outro veículo, constitui um crime de falsificação de documento ou, na negativa, se tal não constitui crime ou se, ainda assim, constituirá um crime de danificação de documento.

Vejamos, pois.

Anote-se, desde já, que não estão aqui questionados os factos fixados na sentença recorrida, assim tidos como assentes.

Assim sendo, e no que ora importa destacar, resulta da sentença em apreço que o arguido, então sócio e gerente de uma sociedade comercial que

explorava um estabelecimento de venda de veículos automóveis usados, tinha adquirido, em finais de Julho de 2004, o veículo automóvel ligeiro de

mercadorias “Citroen Jumpy”, que se identificava pelo número de quadro VF7BZRHXA12864213 e pelo número de motor 4024310, veículo para o qual os serviços competentes haviam atribuído a matrícula ..-..-SH, tendo adquirido também, posteriormente, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de

modelo “Peugeot 406”, veículo para o qual os serviços competentes haviam atribuído a matrícula ..-..-MV, registando-o como identificado pelo número de quadro VF38BRHZE80694389 e pelo número de motor 4009978.

Mais resulta que, na posse de tais veículos, o arguido procedeu, por si ou por recurso a terceiros concretamente não identificados, mas agindo sob as suas ordens, à remoção dos motores dos dois veículos, instalando o do veículo de mercadorias no ligeiro de passageiros ..-..-MV, ao mesmo tempo que, por recurso a meio mecânico concretamente não apurado, procedeu ao desbaste do número do motor de modo a ocultar o número inicialmente colocado pelo fabricante, na sequência do que o “Peugeot 406” passou a dispor de um motor com a identificação rasurada em vez do anterior 4009978, a referência que constava dos registos oficiais existentes quanto a esse veículo, não se

dispondo o arguido a solicitar perante a Direcção-Geral de Viação a

regularização da alteração a que procedera, tal como não dera conhecimento da mesma anteriormente à troca, deixando o veículo propositadamente

desconforme quanto aos respectivos dados identificativos, pois que tal lhe evitava despesas e permitia manter ocultado o historial dos dois veículos.

Posteriormente, e nas apuradas circunstâncias, o arguido vendeu este veículo

“Peugeot 406”.

Por último, ali se teve igualmente como assente que:

- o arguido agiu de forma livre e consciente, com o intuito de desvirtuar as

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características identificativas e particularizadoras do veículo que vendeu aos ofendidos, mediante a atribuição de outras, na circunstância, motor com o respectivo número de série que sabia não ser o que legalmente lhe

correspondia, porquanto atribuído a outro veículo, actuação animada do fito de criar condições para a venda do bem em causa a que se dedicou apesar de saber que criava uma situação irregular da qual poderiam resultar prejuízos para os ofendidos, inclusive a perda do veículo, tal como sabia atentar contra o interesse público da correcta identificação dos veículos e dos seus

componentes estruturais.

- agiu o arguido de forma deliberada e consciente animado do intuito de, em prejuízo do património alheio e por recurso à ocultação das verdadeiras características do bem que transaccionava, determinar os ofendidos à sua aquisição, acto a que não procederiam não fora o engano em que os induzia.

- agiu desta forma apesar de não ignorar que o fazia contra lei que proíbe e pune criminalmente tais comportamentos, em prejuízo do interesse público no controlo da circulação e da propriedade dos veículos e do património alheio.

Considerando este acervo fáctico, e num primeiro momento, está aqui apenas em causa saber se a referida operação de colocação do motor do Citroen

Jumpy”, com o número apagado (foi efectuado o desbaste do número do motor de modo a ocultar o número inicialmente colocado pelo fabricante), no

referido “Peugeot 406”, constituiu um crime de falsificação de documento, tal como foi considerado na sentença recorrida, ou não, tal como sustenta o recorrente.

De acordo com a sentença recorrida tais factos consubstanciam a prática de um crime de falsificação, p. e p. pela conjugação dos artigos 255º, alínea a) e 256º, nº 1, alínea a) do Código Penal vigente à data dos factos, com actual previsão nos artigos 255º, alínea a) e 256º, nº 1, alínea b) do Código Penal, uma vez que, e em síntese, o número de motor de um veículo é um dos seus elementos identificativos (cita a propósito um Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa) e que, em virtude da troca daquele componente, o “Peugeot 406”

passou a dispôr de um motor com a identificação rasurada em vez do anterior 4009978, a referência que constava dos registos oficiais existentes quanto a esse veículo, não se dispondo o arguido a solicitar perante a Direcção-Geral de Viação a regularização da alteração a que procedera, tal como não dera

conhecimento da mesma anteriormente à troca.

O recorrente rebate tal qualificação sustentando, também em síntese, que tal crime só existe quando o agente vicia o documento originariamente genuíno e lhe acrescenta algo, já que o número do motor é um documento particular, uma vez que são apostos no veículo pelo fabricante, para fins de controlo e de garantia contra a concorrência, e daí que deva entender-se que a falsificação

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do motor implica necessariamente a aposição de um número que não

corresponde ao número atribuído pelo fabricante (e coincidente com o número que consta dos documentos), ou seja, é necessária a aposição de um sinal juridicamente relevante, sendo pois o número do (aposto no) motor um

elemento relevante para a identificação do veículo, o que não sucedeu no caso vertente, além de que a evidência da desconformidade dos elementos

identificativos do veículo (por ausência patente de número de motor) não ilude ninguém, não é pois susceptível de induzir em erro, pelo que o bem jurídico protegido pela incriminação, a fé pública dos documentos, não é posta em causa.

Vejamos, pois.

Antes de avançarmos para a qualificação jurídica dos factos tidos como

assentes, convém clarificar a data do sucedido, pois que se trata de elemento que poderá ser importante em face das várias alterações que tem sofrido o Código da Estrada e a respectiva legislação complementar, bem como as relativamente recentes alterações de que também foi alvo o próprio Código Penal.

Neste aspecto, e percorrendo a sentença recorrida, não se encontra uma data certa para o constatado desbaste do número do motor e sua colocação no referido “Peugeot 406”, dali resultando apenas que tal terá ocorrido em meados de Abril de 2005.

Assim sendo, pode afirmar-se, desde já, que vigorava então, desde 26/03/05, o Código da Estrada aprovado pelo Dec-lei nº 44/05, de 23/02 (cfr. artigo 24º do citado diploma). Ao contrário, as últimas alterações do Código Penal tiveram lugar apenas em 2007, através da Lei nº 59/07, de 04/09, pelo que à data estava ainda em vigor a anterior redacção de tal diploma[2].

Isto posto.

No que diz respeito ao crime de falsificação de documento, estipula o artigo 256º, nº 1, do Código Penal[3], que “Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo:

a) fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento, ou abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso;

b) fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante;

c) usar documento a que se referem as alíneas anteriores, fabricado ou falsificado por outra pessoa, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com

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pena de multa”.

Por seu turno, dispõe o nº 3 do mesmo preceito que “Se os factos referidos no nº 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a

testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267º, o agente é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias”.

A noção de documento é-nos dada pelo artigo 255º, do Código Penal, ali se inscrevendo, no que ora importa, que “Para o efeito do disposto no presente capítulo considera-se: a) Documento: a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão, quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta”.

Perante tal definição legal, tem sido sustentado doutrinariamente que a noção de documento no direito penal (a declaração contida no documento) é

diferente da noção civil, derivada do artigo 362º, do Código Civil (aqui é o objecto que representa a declaração) e que o crime de falsificação de

documento implica que a correspondente declaração seja idónea a provar um facto juridicamente relevante. E daí que possa dizer-se que “Documento é pois a declaração de um pensamento humano que deverá estar corporizada num objecto que possa constituir meio de prova; só assim se compreendendo que o crime de falsificação de documentos proteja o específico bem jurídico que é a segurança e credibilidade no tráfico jurídico-probatório”[4].

Acresce que, e tal como resulta da lei, constitui ainda documento o sinal materialmente posto, feito, dado ou posto numa coisa para provar facto

juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta, aqui se fazendo ressaltar uma vez mais a exigência probatória idónea, pelo que “O sinal incorpora em si uma declaração, o sinal é uma forma codificada de representação de uma declaração, por exemplo, o número de motor e o do chassis de uma viatura”[5].

Consabido o conceito, importa relembrar que a falsificação pode assumir a forma material (o documento não é genuíno) e ideológica (o documento é inverídico, é falsificado na sua substância), sendo certo que, no caso da falsificação material, “…o agente apenas o agente apenas pode falsificar o

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documento imitando ou alterando algo que está feito segundo uma certa forma; quer imitando quer alterando o agente tem sempre uma certa

preocupação: dar a aparência de que o documento é genuíno e autêntico”, ao passo que “…na falsificação intelectual integram-se todos os aqueles casos em que o documento incorpora uma declaração falsa, uma declaração escrita, integrada no documento, distinta da declaração prestada. Por seu turno, na falsidade em documento integram-se os casos em que se presta uma

declaração de facto juridicamente relevante; trata-se, pois, da narração de um facto falso”[6].

Convém reter também que “…o crime de falsificação de documentos é um crime de mera actividade ou crime formal”, pelo que “…apenas pode ser praticado por acção, visto que a prática do crime por omissão pressupõe que se trate de um crime material, ou de resultado para que a equiparação da acção à omissão com base no art. 10º se possa verificar”[7].

Anote-se também que a falsidade de documento, ou seja, a narração de facto juridicamente relevante, contempla apenas a falsa declaração em documento regular e desde que se declare um facto falso que seja “…apto a constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica”[8].

Por último, convirá ter presente que o crime de falsificação de documento é um crime intencional, pois que exige que com a sua actuação o agente tenha em vista (intenção) causar prejuízo a outrem ou ao Estado ou a obtenção de benefício ilegítimo, para si para outrem.

Cientes de tais conceitos, centremo-nos no caso vertente.

E quanto a este, concordamos com o recorrente quando afirma que para que exista falsificação é necessário que o agente acrescente algo, o que “in casu”

implicaria que o arguido, além do efectuado desbaste, tivesse acrescentado no motor em causa um novo número, fosse ele qual fosse, porque não

correspondente ao número atribuído pelo fabricante. E aqui radicaria a aposição de um sinal juridicamente relevante e, em tese, a verificação do crime em apreço, mas apenas na sua forma simples, pois que como muito bem sublinha o recorrente, estribado em jurisprudência que cita, o número de motor não tem a chancela/atribuição originária de uma entidade pública ou equiparada, uma vez que é atribuído pelo fabricante do veículo, para fins de controlo e de garantia contra a concorrência, sendo ainda necessário para a homologação do respectivo modelo.

Mas como tal não sucedeu, ou seja, nada foi aposto em desconformidade com a atribuição do fabricante, não existe um tal crime.

Além disso, mesmo que se quisesse valorar o mero desbaste do número original, teríamos que concluir que não estaríamos nunca perante um

documento com todas as características exigidas pelo artigo 255º, do Código

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Penal, pois que uma tal alteração não consubstanciaria uma declaração idónea a provar facto juridicamente relevante, o que nos remeteria para a mera

tentativa. E quanto a esta, teríamos que concluir que o mero desbaste, sem mais, porque facilmente detectável (imediatamente reconhecido), não conferia ao documento uma aparência de verdade, pelo que estaríamos perante um falso grosseiro que consubstanciaria uma tentativa impossível e, por isso, não punível (cfr. artigo 23º, nº 3, do Código Penal[9]).

De qualquer modo, e pese embora a apontada solução, diremos ainda que o número de motor entretanto deixou de constituir um dos elementos de

identificação dos veículos, o que outrora, e à época, constituía imperioso mote para que se verificasse o propugnado crime, mercê, precisamente, da não correspondência do novo número aposto com o que constava do respectivo documento de identificação, à época o livrete, do qual tinha necessariamente que constar.

Na verdade, não se questiona que os veículos aqui em disputa eram

claramente veículos automóveis (cfr. artigo 105º, do Código da Estrada), que

“As características dos veículos e dos respectivos sistemas, componentes e acessórios são fixados em regulamento” (cfr. artigo 114º, nº 1, do mesmo diploma), que, por via de regra, “Os veículos a motor e os seus reboques só são admitidos em circulação desde que matriculados …” (cfr. artigo 117º, nº 1, do citado diploma) e que “Por cada veículo matriculado deve ser emitido o documento destinado a certificar a respectiva matrícula, donde constem as características que o permitam identificar” (cfr. artigo 118º, nº 1, sempre do citado diploma).

Do cotejo das imposições descritas nas sobreditas normas resulta, além do mais, que “O documento de identificação do veículo deve ser apreendido pelas autoridades de investigação criminal ou de fiscalização ou seus agentes

quando … As características do veículo não confiram com as nele mencionadas” (cfr. artigo 161º, nº 1 e al. b), do Código da Estrada).

Ora, como é sabido, o documento de identificação de um veículo continha obrigatoriamente, além do mais, a respectiva matrícula, cor, número de chassis e de motor.

No entanto, em obediência à filosofia expressa por diversas directivas comunitárias veio a ser adoptada pelos serviços de viação a regra de que o número de motor dos veículos deixava de constar do livrete destes[10].

Tal alteração leva à ilação de que tal elemento perdeu a sua tradicional função de identificar um veículo, conclusão que, de resto, veio entretanto a ganhar força de lei, conforme decorre do Dec-lei nº 178-A/2005, de 28/10, que aprovou o projecto “Documento único automóvel”, criando o certificado de matrícula, pois que ali se prevê que “O certificado de matrícula obedece às

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regras constantes do anexo ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante” (nº 1 do seu artigo 3º), sendo certo que das especificações do certificado de matrícula a que alude o referido anexo não consta o número de motor (quanto a este, consta apenas a cilindrada, a potência útil máxima, se disponível, e o tipo de combustível ou fonte de energia (cfr. pontos 1, 2, 2.3 e 2.4 do citado anexo).

Por seu turno, o artigo 161º, nº 1, al. b), do Código da Estrada prevê que o documento de identificação do veículo deve ser apreendido se as

características do veículo não conferirem com as nele mencionadas, mas, ainda assim, deve ser passada guia válida apenas para o percurso até ao local de destino do veículo, nada se prevendo, quanto ao motor, no que respeita à apreensão do veículo, aí se estipulando, porém, que o veículo será apreendido se circular com o documento de identificação apreendido, salvo se tiver sido substituído por guia (cfr. artigo 162º, do mesmo diploma).

De tudo isto resulta que pelo menos a partir de 31/10/2005, data de vigência do citado Dec-lei nº 178-A/2005, de 28/10 (cfr. artigo 28º deste diploma), o número de motor deixou de ser um elemento individualizador dos veículos e, por isso, cremos que a sua alteração, pese embora a necessidade de ulterior inspecção e inerente regularização, sob pena de procedimento contra-

ordenacional, não poderá constituir crime de falsificação.

Pelo que, mesmo que se discordasse da solução já antes preconizada, os factos aqui em apreço não poderiam agora, também por esta via, consubstanciar o crime de falsificação, este sempre na sua forma simples (cfr. artigo 2º, nº 2, do Código Penal).

*

Resta saber se os factos apurados poderão consubstanciar a prática do crime p. e p. pelo artigo 259º, nº 1, do Código Penal, tal como sustenta o Ex.mo PGA no referenciado parecer exarado nos autos.

Cremos, modestamente, que também não.

Na verdade, o bem jurídico que aqui se pretende proteger é a faculdade

probatória, enquanto bem jurídico individual e disponível que a titularidade do documento confere, e daí a necessidade de queixa a que alude o número 4 do citado preceito. Acresce que “…apenas integrará este crime a conduta que danifica … documento … que possua as características exigidas pelo art.

255º”[11].

No entanto, sustentando nós que o número de motor não é, actualmente, um elemento identificador do veículo, e já à época assim era sustentado pela

própria DGV, conforme se anotou, falta desde logo um pressuposto base para a verificação de um tal ilícito, qual seja, a existência de um “verdadeiro”

documento tal como o define o artigo 255º, do Código Penal.

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Além disso, trata-se de um crime de natureza semi-pública, sem queixa por parte do fabricante e com pressentida desistência de queixa por parte da assistente (a fórmula que ficou retida nos autos quanto ao crime de burla está apenas associada à impossibilidade de expressa desistência e à necessidade de fazer vingar a extinção da responsabilidade criminal, a única

processualmente possível na altura).

Neste contexto, entendemos que os factos apurados também não integram o preconizado ilícito.

*

III – Dispositivo:

Nos termos e pelos fundamentos expostos, os juízes desta Relação acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogar a sentença recorrida nos moldes sobreditos, com a inerente absolvição do arguido, aqui se incluindo a eliminação dos decorrentes encargos tributários fixados.

Sem custas.

Notifique.

*

Porto, 25/03/2010[12].

António José Moreira Ramos David Pinto Monteiro

____________

[1] Conforme decorre do Acórdão nº 7/95 do STJ, publicado no DR I-A, de 28/12/95, que fixa jurisprudência obrigatória.

[2] Ou seja, a versão anterior às Leis nºs. 05/06, de 23/02 (novo regime das armas) e 16/07, de 17/04 (interrupção voluntária da gravidez), que não contendem com a matéria aqui em apreço.

[3] Na redacção em vigor à data dos factos, diploma a considerar doravante sempre que seja feita alusão a tal codificação substantiva penal sem qualquer outra menção.

[4] Neste sentido, vide, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, págs. 664, § 6, 666, § 10 e 667, § 13, aqui seguido e citado.

[5] Vide, ob. cit., pág. 668, § 14.

[6] Vide, ob. cit., pág. 676, § 7.

[7] Vide, ob. cit., pág. 679, § 13.

[8] Vide, ob. cit., pág. 683, § 26.

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[9] Neste sentido, vide, ob. cit., aqui seguida, págs. 688 e 689.

[10] Vide o Despacho da DGV nº 69/91, de 3 de Setembro, in DR, II série, de 21/09/91.

[11] Vide, ob. cit. pág. 712.

[12] Composto e revisto pelo relator - versos em branco (artigo 94º, nº2, do Código de Processo Penal).

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