• Nenhum resultado encontrado

TÓPICOS SOBRE TÉCNICAS LEGISLATIVAS

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "TÓPICOS SOBRE TÉCNICAS LEGISLATIVAS"

Copied!
463
0
0

Texto

(1)

[Publicado inicialmente in RCEJ, 16. Substancialmente revisto e ampliado em Junho de 2012]

TÓPICOS SOBRE TÉCNICAS LEGISLATIVAS

Raul Guichard

A. PARTES GERAIS; DEFINIÇÕES; REMISSÕES; PRE-SUNÇÕES; E FICÇÕES

I. AS “PARTES GERAIS” (OU “DISPOSIÇÕES GERAIS”)

1. Nas chamadas “partes gerais”, muito vulgares no âmbito de

codificações

i

com alguma vastidão, pretende o legislador reunir

matérias comuns às (subsequentes) “partes especiais”, estabelecer

um “compêndio de pré-decisões”, responder a “um catálogo de

questões preliminares” (nestes termos, por exemplo, B

APTISTA

M

ACHADO

). Para tomar emprestada uma expressão da álgebra,

“põem-se em evidência ou fora do parêntesis os factores comuns”.

Dentro do mesmo símile, fala-se de uma “Klammerfunktion”, ou do

princípio do “vor die Klammer-ziehens” (a metáfora é atribuída a G.

B

OEHMER

). Associa-se ainda tal técnica ao chamaLdo “princípio da

prioridade”, onde o percurso seguido vai do mais geral para o mais

específico.

2. É intuitivo – e corroborado pela legística

ii

e pelo direito

comparado

iii

– que, por razões de economia ou simplificação, de

“sistematicidade”, até de “transparência”, por imperativos de

racio-nalidade afinal (prevenção de contradições), qualquer corpo

legisla-tivo com alguma extensão dificilmente pode prescindir do recurso a

partes gerais (todavia, estas terão em concreto alcances bastante

diferentes). Desse modo, querer-se-á fugir ao casuísmo e às

inúme-ras lacunas que deste sempre advêm

iv

. Para além disso, nenhum

(2)

outro meio se mostra apto a evidenciar com tanta propriedade os

princípios e as conexões (sistemáticas, construtivas, funcionais e

valorativas) dos institutos e das matérias reguladas. Pode assim

falar-se de uma “função principial” das partes gerais. O legislador

será chamado a reflectir sobre o plano sistemático subjacente, num

esforço para vertê-lo de forma coerente e em coordenação com as

partes especiais.

É porém igualmente certo que os anteriores desideratos não se

deixam alcançar por inteiro, havendo necessidade de introduzir

modificações e excepções ao regime contido na parte geral,

sobre-carregando-se afinal a exposição normativa (note-se que raramente

as partes gerais conterão referências ou remissões para as normas

das partes especiais). Basta pensar na coordenação, no nosso e

nou-tros códigos civis, entre o regime dos vícios redibitórios, previsto

para a compra e venda, e o do erro, contido na Parte geral.

3. As partes gerais, a “divisão geral e horizontal” da matéria

que nelas tem guarida, apresentam algumas desvantagens ou

peri-gos. Nomeadamente, podem denotar um vezo abstractizante,

forma-lista ou doutrinário, um pendor para o conceptualismo (ou ser deste

uma sequela), desligando-se da realidade (“revogando-a”) e das

solicitações pragmáticas, com prejuízo do próprio conteúdo

mate-rial. Conspícuas mostram-se também as aflições (de uma “via-sacra”

falou alguém) que causa, sobretudo a um leigo, a leitura, o

entendi-mento e a aplicação da lei justamente pela formulação abstracta

des-se modo introduzida, e dada a necessidade de des-se percorrer lugares

sistemáticos diversos e de se atender escrupulosamente à regra

spe-cialia generalibus derogant, ou seja, dar prevalência às “normas

especiais”.

Semelhantes inconvenientes ganham um peculiar significado,

especial acuidade quando se tem em vista a adopção de uma parte

geral de alcance muito vasto, que pretenda reunir (a anteceder as

demais matérias reguladas em outras divisões capitais) as normas e

os princípios comuns a toda uma área ou ramo do direito.

4. Entendidas com essa magnitude, as partes gerais

desenvol-veram-se pioneiramente nas codificações penais – tomem-se como

exemplos mais antigos o Codex Juris Bavarici Criminalis, de 1751,

e o Josephinische Strafgesetzbuch, de 1787 (e assim, aliás, também

o Allgemeine Landrecht für die preußischen Staaten, de 1794, no

(3)

espaço aí dedicado ao direito penal) –, onde de resto o seu uso tem

justificações particulares e está facilitado por uma relativa

homoge-neidade das matérias reguladas. Nas grandes codificações civis, isso

deu-se, precursoramente, no Sächsische Bürgerliche Gesetzbuch de

1863. E, destacadamente, no Bürgerliches Gesetzbuch (BGB) de

1896 (aí no Livro I, centrado no negócio jurídico – a sua “pièce de

résistance”, na expressão de Zitelmann – e na declaração negocial,

revela-se toda uma superestrutura de conceitos e princípios

(deriva-dos primariamente do ensino do direito), diz-nos J. H. Merryman; de

um “tecto sobre a edifício das normas jurídicas” fala por sua vez E.

Rabel).

Em todo o caso, a generalidade das exposições ou manuais

sobre o direito comum continham já uma parte geral introdutória.

Nomeie-se, representativamente (sobre outros autores anteriores, ver

adiante), a obra de C

HRISTOPH

C

HRISTIAN VON

D

ABELOW

, System

des gesamten heutigen Civil-rechts, cuja segunda edição é de 1796.

E isso, sob claro influxo jusnaturalista (e do seu método e tendência

abstractizante), embora aí a parte geral correspondesse à procura de

princípios gerais e “primordiais” comuns a todo o direito.

Em compensação, também logo não se deixaram de fazer

escutar censuras dirigidas a semelhantes partes gerais, quer quanto à

deficiente ordenação das matérias no seu interior, quer quanto à sua

extensão desproporcionada. Ou, doutro ângulo, denunciando, como

o fez E

DUARD

G

ANS

(ao explicar por que razão prescindira de um

parte geral, entendida nesses termos, no seu System des römische

Civilrechts im Grundisse, Berlin, 1827) que “[d]araus folgyt nun,

dass wir zu einer kahlen und nackten Allgememeinheit gelange, die

keiner versthet, weil ihr die Einbildung ins Besonderere abgeht, und

zu einer principienlosen Besonderheit, die ihren Kopf anderswo als

bei sich selber hat”. E foram mesmo apodadas de “geräumiges Asyl

für alle Vagabunden” ou de “doctrinales Missgeburt”.

Concretamente quanto ao Livro I do BGB, observa F.

W

IEACKER

que ele só parcialmente satisfaz as exigências de uma

parte geral rigorosamente entendida – isto é, erigida segundo

crité-rios estritamente lógicos e coerentes e contendo regras de carácter

genérico (requisito que só a Secção referente ao negócio jurídico

preenche; mais: faltaria uma regulamentação geral dos direito de

personalidade – reparo a que codificações posteriores, como a nossa,

(4)

procurarão dar resposta –, muitas das cláusulas gerais espalhadas

por todo o BGB, §§ 138, 226, 242, 826, estariam melhor logo no

início da Parte geral, far-se-ia sentir a falta de uma previsão

expres-sa da figura do abuso do direito, como a do ZGB suíço e a do nosso

direito, e haveria talvez que ter incluído a disciplina geral dos factos

ilícitos, como sucede por exemplo no Código brasileiro). Consoante

mais amplamente assinala G.

B

OEHMER

: “Der Allgemeine Teil

ent-hält nicht etwa, was durchaus sinnvoll gewesen wäre und für eine

große Kodifikation als ethischer Integrationsfaktor geradezu

unent-behrlich ist, ein Bekenntnis zu den die bürgerliche Rechtsordnung

beherrschenden politischen und sozialethischen Grundprinzipien,

die als leitende Maximen für die Rechtsausübung und

Rechtsan-wendung richtunggebend wirken sollen, wie sie z. B. die Einleitung

zum ALR und die Art. 1-9 des Schweiz. ZGB enthalten. […] Statt

dessen haben die Schöpfer des BGB, in Fortsetzung der

gemein-rechtlichen

Pandektensystematik

und

in

Nachbildung

der

Gajanischen Dreigliederung ‘personae, res, actiones’ es

unternom-men, die drei Grundelemente der hergebrachten

Zivilrechtsdogma-tik, Rechtsubjekte, Rechtsobjekte, Rechtsgeschäfte und

Rechtsausü-bung, in ihrem allgemeinen begrifflichen Sachgehalte vorweg zu

regeln, mathematisch gesprochen, sie ‘vor die Klammer zu setzen’,

um im Interesse der Kürze und logischen Geschlossenheit des

Ge-setzes beständige Wiederholungen zu vermeiden. Daraus ist nun

freilich weder ein richtiger Gajus noch ein wirklicher ‘allgemeiner‘

Teil geworden, sondern ein mixtum compositum heterogener

Ele-mente, das sich teils aus Bruchstücken des Vereins- und

Stiftungs-rechts und des SachenStiftungs-rechts, teils aus Allgemeinsätzen über die

Rechtsausübung, und nur zum dritten Teile aus wirklichen

vorweg-genommenen Normbestandteilen, wie besonders in dem Abschnitt

über ‘Rechtsgeschäfte’, zusammensetzt. […] Allgemeiner Teil im

gesetzestechnischen Sinne ist im wesentlichen nur der dritte

Ab-schnitt über ‘Rechtsgeschäfte’. Er erhebt den Anspruch, die allen

möglichen Rechtsgeschäften, nicht nur des Schuldrechts, sondern

auch des Sachen-, Familien- und Erbrechts, ja auch aller anderen

Privatgesetze, gemeinsamen Bestandteile vorweg zu regeln. Das ist

ein novum in der Geschichte der Gesetzgebung”. Prossegue ainda,

criticamente, o mesmo autor: “Der Allgemeinbegriff [scl.,

Rechts-geschäft] taucht erst in der Literatur des Pandektensrechts und

(5)

ge-setzlich zum erstmal im sächsischen BGB auf. Sein Wert ist

frag-würdig. Bei aller Abstraktheit des Gesetzesstils hat sich der

Gesetz-geber doch offensichtlich am Schuldvertrage, besonders am

Kauf-vertrage, als Anschauungsmaterial orientiert. Die Vorschriften über

Willenserklärungen und Verträge passen schon nicht mehr völlig

auf Arbeits- und Gesellschaftsverträge, noch weniger auf die

dingli-chen Rechtsakte und ‘Einigungen’, und auf die Rechtsgeschäfte des

Familien- und Erbrechts, Verlöbnis, Ehe, Adoption, Testament und

Erbvertrag so wenig, daß sie sich mehr oder weniger eine

gesetzli-che Sonderregelung erkämpft haben”.

Na Parte geral do BGB, a adopção “em ponto pequeno”

(ver-tida na repartição entre direito das pessoas, do património e dos

negócios jurídicos) da divisão das Institutas foi porém, como se

constata, realizada em “moldes modificados”. No que, mais uma

vez, a influência do jusnaturalismo é perceptível. Com efeito, no

seio deste havia-se acolhido a reinterpretação – feita por S

EBASTIÁN

D

ERRER

, em Jurispridentiae liber primus instar disciplinae

institu-tus et axiomatibus magna ex parte concepinstitu-tus, 1540, mas sobretudo

pelo humanista francês F

RANÇOIS

C

ONNAN

, em Commentarius iuris

civilis libri X, 1553, e posteriomente por B

ODIN

, em Iuris universi

distributio, 1578 – do sentido da expressão actiones (mais tarde, terá

uma influência decisiva em tal processo, destacando ainda os

con-ceitos de negotiorum iuridicum e declaratio voluntatis ou mentis,

D

ANIEL

N

ETTELBLADT

, na sua explanação sintética da doutrina do

direito natural, decantada de C

HRISTIAN

W

OLFF

, em Systema

ele-mentare universae iurisprudentia naturali, 1749). Tais autores

man-tinham ter Justiniano, ao entender actiones como acções

proces-suais, deturpado o significado original da expressão em G

AIUS

, que

lhe atribuíra antes a acepção de facta ou acta, chegando dessa sorte

à tripartição personae, res, actus, e alojando em moldes sistemáticos

dentro deste último termo a teoria geral do actus iuridicus.

Mais em detalhe, numa passagem que vale a pena transcrever

in extenso, explica A.

B.

S

CHWARZ

: “Auf dem Einfluß

naturrechtli-cher Systematik beruht der allgemeine Teil vor allem in denjenigen

Lehren, die auch ihrem Bestande nach in weitgehendem Maße der

Naturrechtsjurisprudenz ihr Dasein verdanken: in der Lehre des

sub-jektiven Rechte und der Rechtsgeschäfte. Ihre systematische

Anord-nung ist nicht in allen angeführten Werken die gleiche. Heise geht

(6)

von den Rechten aus, und auch hierin folgt ihm die

Privatrechtsy-stematik bis auf den heutigen Tag. Die früheren Systeme hatten zum

Teil die Lehre von Personen, Sachen, Handlungen zunächst

behan-delt und die Lehre vom subjektiven Recht fast durchwegs mit der

allgemeinen Theorie der Obligation verknüpft […]. Doch ist auch

die bis auf den heutigen Tag herrschende Anordnung, die

Rechtsge-schäftslehre unter den bei Heise zurücktretenden Gesichtspunkt des

Erwerbs und Verlustes der Rechte zu stellen, in einigen früheren

Systemen schon da. Die einzelnen Teile der Rechtsgeschäftslehre

hatten in der römischen und neuzeitlichen Jurisprudenz ihre

Ausbil-dung vorwiegend an den obligatorischen Kontrakten erfahren. In

Anknüpfung an diese werden sie auch noch bei den älteren

Natur-rechtsjuristen behandelt: die von diesen dabei gehandhabte

Systema-tik ist für die spätere Naturrechts- und Pandektenlehre bestimmend

geworden. In sehr anschaulicher Weise zeigt sich der

systembilden-de Einfluß vorwiegend systembilden-der Nettelbladtschen Richtung bei jenen

Par-tien des allgemeinen Teils, die in diesen aus einer anderen

Einstel-lung der früheren romanistischen Lehre übernommen worden sind.

Dies gilt zunächst von den Vorschriften über Sachen. Dem Vorbild

der römischen Quellen gemäß wurde diese Lehre von der großen

Mehrzahl aller Systeme des 16.-18. Jahrhundert an der Spitze des

Sachenrechts behandelt; diesem Verfahren wurde nicht nur von

spä-teren Pandektisten des 19. Jahrhunderts und dem 1. Entw. des BGB.,

sondern wird auch heute noch der festliegenden Legalordnung

gegenüber von sehr angesehener Seite der Vorzug gegeben. Die

Anordnung von Hugo und Heise folgt hingegen allen

vorangehen-den Pandektensystemen ihrer Zeit und geht deutlich auf die späteren

Naturrechtler zurück: Darjes und Nettelbladt hatten schon […] die

Lehre in den allgemeinen Teil gezogen, und hierdurch würde auch

die diesbezügliche Systematik des preußischen Landrechts

beeinf-lußt (1. Teil, 2. Tit.). Hierbei war der allgemeine Gesichtspunkt des

Rechtsobjektes entscheidend. – Hier ist weiterhin die allgemeine

Lehre

des

Rechtsschutzes

zu

nennen,

die

nach

der

Institutionensystematik im ius quod ad actiones pertinet ihre Stelle

hatte. Als Heise dieselbe mit Einschluß der Verjährungslehre neben

die Lehre von den Rechten gestellt und dann auf Savignys

Anre-gung noch besonders ausgebaut hat (Vorrede zur III. Ausg. S. Vll),

folgte er nur der Methode, die von Nettelbladt und den meisten

(7)

Vorgängern in der Systematik, wenngleich in sehr verschieden

Um-fang, gehandelt worden war. – Ganz Ähnliches gilt betreffend der

Besitzlehre, deren systematische Einstellung stets besondere

Schwierigkeiten bereitete. Die älteren romanistischen Systeme

hat-ten sie mit mancherlei Schwankungen im Sachenrecht

unterge-bracht, bald vor, bald in, bald hinter der Eigentumslehre. Hugo und

Heise stellten sie – allerdings nicht unter gleichem Gesichtspunkt –

in den allgemeinen Teil und folgten auch hierin dem bei Nettelbladt

wie auch allen übrigen Systematikern ihrer Zeit vorgefundenen

Bei-spiel”.

Mencionados estes aspectos, refira-se que habitualmente a

paternidade do sistema geral das Pandectae (assim como a difusão

geral do terminus negócio jurídico) se atribui a G

EORG

A

RNOLD

H

EISE

, no Grundriss eines Systems des gemeinen Civilrechts zum

Behuf von Pandecten-Vorlesungen, de 1807, concebido para as suas

prelecções em Göttingen (obra que terá ainda um papel muito

importante no próprio conteúdo da Parte geral do BGB, estando

dividido o seu Livro I, Allgemeine Lehren, em sete Capítulos,

Quel-len des Rechts, Von den Rechten, Von Verfolgung und Schützung

der Rechte, Von den Personen, Von den Sachen, Von den

Handlun-gen (I. Von den HandlunHandlun-gen im Algemeinen, II. Von den

Rechts-geschäften, III. Vom unerlaubten Handlungen), Raum- und

Zeit-Verhältnisse – partições que, não coincidindo em toda a linha com

as que viriam a ser adoptadas na codificação alemã, grosso modo

lhes correspondem; note-se todavia que na obra de H

EISE

o direito

das coisas precedia o direito das obrigações e ainda se agregava um

sexto livro – Die Restitutio in integrum).

Mas não se devem marginalizar autores anteriores, nem as

prévias “sistematizações”, com uma parte geral e uma parte

espe-cial, do direito privado levadas a cabo por um dos maiores

represen-tantes da Escola jusnaturalista, professor de S

UAREZ

, J

OACHIM

G

EORG

D

ARJES

(Institutiones jurisprudentiae universalis, Ienae,

1740), por J

OHANN

S

TEPHAN

P

ÜTTER

(Neuer Versuch einer

juristis-chen Encyclopädie und Methodologie, Göttingen, 1767) e sobretudo

por G

USTAV

H

UGO

(Institutionen des heutigen römischen Rechts,

Berlin, 1789; o autor abandonaria em posteriores edições o plano

expositivo inicialmente seguido)

v

. Nem depreciar a ulterior

influên-cia de C

HRISTIAN

F

RIEDRICH

M

ÜHLENBRUCH

(Doctrina

(8)

Pandecta-rum: scholarum in usum, editio nova, auctior et emendatior,

Bruxel-les, 1838, cujo plano de exposição contém uma Pars Generalis e

uma Pars Specialis, dividida esta última em três Livros, De jure

personarum, De rebus earumque dominio e De obligationibus). Ou

esquecer o papel de S

AVIGNY

(System des heutigen Römischen

Rechts, I-VIII, 1840-1951), o qual, embora manifestando pouca

simpatia por uma parte geral, malgrado dela não ter prescindido no

seu System, adoptou e tornou decididamente popular a divisão de

H

EISE

(em especial, deve-se ao grande romanista a estrita dicotomia

entre o direito das obrigações e o direito das coisas, não mais daí em

diante aquele será tratado como dependendo deste último; S

AVIGNY

destacou igualmente o direito da família do direito das obrigações,

invocando que o primeiro compreendia ainda um “elemento natural

e moral”). Nem ignorar a elaboração e a justificação próprias da

posterior pandectística alemã, nomeadamente de P

UTCHA

e W

INDS-CHEID

(uma sistematização diferente foi contudo seguida por A

LOIS VON

B

RINZ

, no seu Lehrbuch der Pandekten, I-IV, Erlangen,

1873-95 – a 1.ª edição é de 1857-71 –, dividido em quatro Livros: 1. Vom

Rechte, 2. Die Personen, 3. Die Rechte, 4. Die Handlungen).

Regis-te-se ainda, fora do espaço alemão, e um pouco mais tarde, E

NRICO

C

IMBALI

, La nuova fase del diritto civile nei rapporti economici e

sociali: con proposte di riforma della legislazione civile vigente,

Torino, 1895, propondo uma organização em três partes: pessoas,

coisas e relações jurídicas.

Na realidade, o processo de surgimento do sistema das

pan-dectas (o qual de resto, não obstante o seu êxito quase incontestado,

na traça geral, durante o séc. XIX, está longe de ser o único possível

ou até de evidenciar méritos inultrapassáveis – não assentando,

como sempre se indica, sequer num critério unitário ou

absoluta-mente coerente) estende-se por vários séculos, presente já

embriona-riamente nos humanistas e nos escolásticos espanhóis e

prosseguin-do com os jusnaturalistas. Isso, num continuaprosseguin-do esforço para

substi-tuir a ordenação do Digesto (tida por ilógica e insuficiente), que

remonta a H

UGO

D

ONELLUS

no seu Commentarii iuris civilis, 1589,

onde se recorre pioneiramente à tríade das Institutas (personae, res

actiones; mas tomado o conceito res em termos muito latos,

com-preendendo não só o direito das coisas, estritamente compreendido,

mas também muitas das matérias do direito das sucessões e do

(9)

direi-to das obrigações). Mais tarde, G

OTTFRIED

W

ILHELM

L

EIBNIZ

, Nova

methodus discendae docendaeque jurisprudentiae, 1667, II, 10, 13

vi

intentou, também em oposição ao método justinianeu, uma

reorde-nação das matérias obedendo a distinção entre sujeito, objecto e

acto. L

EIBNIZ

propõe, mais em geral, a seguinte ordenação: (1)

Generalia juris et actionum, (2) Personae, (3) Judicia, (4) Jura

rea-lia, (5) Contractus, (6) Successiones, (7) Crimina, (8) Jus publicum,

(9) Jus sacrum. E em S

AMUEL

P

UFENDORF

, De jure naturae et

gen-tium libri octo, 1672, encontram-se já decantados os princípios

fun-damentais – e cria-se afinal o sistema do ius naturae (na esteira de

G

RÓCIO

, o qual porém não chegou a tal acume de sistematização;

importante será ainda a influência de C

HRISTIAN

W

OLF

, quer para o

abandono da ordenação das Institutas, quer para a utilização

poste-rior, em compêndios e manuais, de exposições rigorosamente

divi-didas e por vezes limitadas a um tal “esqueleto sistemático”; e de

J

OHANN

G

OTTLIEB

H

EINECCIUS

, autor de duas obras com títulos

similares, Elementa juris civilis secundum ordinem Institutionum,

1725, e Elementa juris civilis secundum ordinem Pandectarum,

1728, quanto a um tratamento sistemático do direito

roma-no-justinianeu e à conciliação deste, na tradição do direito comum,

com o direito natural) – orientadores dos futuros desenvolvimentos

nesta matéria. Aí se explana o processo ascendente desde o

indiví-duo até aos entes colectivos e, em última instância, ao Estado (ente

moral); e a dupla natureza do homem, indivíduo e membro da

comunidade. Donde, na procura de um sistema jurídico racional (ou

matemático), a exposição em primeiro lugar do direito das pessoas,

no qual cabia o direito do património, em segundo lugar, do direito

da família, em seguida, do direito do Estado e, finalmente, do direito

internacional. Isso, como nota ainda B.

S

CHWARZ

, levará, entre

outras consequências quanto à futura repartição do direito privado, a

apartar o direito da família do das pessoas e, subsequentemente, à

autonomização do direito das sucessões (para os jusnaturalistas este

ainda se integrava, quanto à sucessão legal, no direito da família e,

quanto à sucessão testamentária, no direito patrimonial – esquema

adoptado no código prussiano).

Se o ALR, na sua ordenação, se inspirou em via recta no

jus-naturalismo, o Code Civil (conquanto para este haja ainda que

des-tacar a influência da civilística gaulesa, nomeadamente de F

RANÇOIS

(10)

B

OURJON

, sobretudo no concernente ao Livro III – “Des différentes

manières dont on acquiert la propriété”) e o ABGB seguiram no

essencial (transformada, é certo, pelos romanistas modernos e pelos

juristas franceses) a divisão tripartida das Institutas – personae, res,

actiones

vii

–, o plano do BGB cruza as origens romanas, o sistema

das Pandectas e a tradição jusracionalista. A divisão entre direito

das obrigações e direitos reais provém afinal da distinção romana

entre actio in rem e actio in personam (embora tal diferenciação não

tenha permanecido imutável e as suas fronteira tenham sido muitas

vezes diluídas, como o comprova a civilística francesa; demais, o

BGB antepõe o direito das obrigações ao direito das coisas); e a

autonomização do direito da família e do direito das sucessões

resul-ta da influência jusnaturalisresul-ta, conforme explicado. No dizer de A.

B.

S

CHWARZ

, interceptam-se aqui “zwei auch historisch völlig

ge-trennt Prinzipien der Systematisierung. Sachenrecht und

Schuld-recht, Familien- und Erbrecht sind nach zweierlei Grundsätzen

ge-schieden, welche in völlig heterogenen Schichten juristischer

Ge-dankenbildung wurzeln”. Já a Parte geral representa de algum modo

um “produto específico do direito alemão”, a “coroação ou o fecho

da abóboda do edifício pandectístico”, posto que prenunciada, como

visto, pela Escola do Direito natural.

Seja como for, o sistema externo

viii

do BGB, na sua divisão

entre direito das obrigações, direitos reais, direito da família e

direi-to das sucessões, foi usado na generalidade dos códigos civis

poste-riores. E vários deles, entre os quais o japonês, o coreano, o

tailan-dês (mais exactamente, de Sião, onde, entre 1924 e 1935, foi

recebi-do o BGB, com excepção recebi-do direito da família e das sucessões), o

grego, o polaco, o checoslovaco, os de várias Repúblicas soviéticas,

adoptaram ainda Partes gerais. O mesmo se passou no nosso Código

de 1966. E na recente codificação brasileira (como já ocorria na de

1916). Entre as legislações civis mais recentes dos países de Leste,

haverá que juntar a tal rol, o Código Civil da República da Albânia

de 29/7/1994 (sucedendo ao Código de 1981, de inspiração

comu-nista, em cuja elaboração colaboraram juristas de outros países e que

em muitos domínios tomou o Codice Civile italiano como modelo,

estando dividido em 5 Livros: Parte Geral, centrada na figura do

negócio jurídico, Posse e Propriedade, Sucessões, Obrigações, e

(11)

bastan-te refinada, redigida entre 1992 e 1997 com a ajuda de estrangeiros,

sobretudo alemães); o da Lituânia de 2000 (o Civilinis Kodeksas foi

promulgado em de 18/7/2000, tendo entrado em vigor em 2003,

substituindo o anterior Código soviético-lituano de 1964, incorpora

muitas contribuições de outras codificações hodiernas, como os

códigos neerlandês e o do Québec, e compreende seis Livros: Parte

geral – incluindo o direito internacional privado, e estruturada à

volta da figura do negócio jurídico, a que dedica os Arts. 1.63 a 1.96

–, Direito das pessoas singulares e colectivas, Direito da família,

Direito reais, Direito das sucessões, e Direito das Obrigações); e o

Código Civil moldavo de 2002 (publicado em 06/06/2002, em vigor

desde 12/06/2003, não abrangendo o direito da família, e estando

dividido em 5 Livros: Parte geral – Disposições gerais, Pessoas,

Negócio jurídico e Representação, Prazos –, Direitos reais,

Obriga-ções, Direito das sucessões, Direito Internacional Privado).

Isso, a despeito de importantes vozes de contestação, algumas

até anteriores à aprovação do BGB, se terem feito ouvir na

Alema-nha. Mas há que logo distinguir entre, por um lado, as objecções

endereçadas à inclusão de uma Parte geral, as que têm por alvo o

conteúdo e a estruturação desta, o critério que lhe preside, o seu

grau de abstracção (e a possibilidade de generalização do conceito

e das regras do negócio jurídico que tem subjacente)

ix

e a sua

con-catenação com os demais Livros, por outro, as críticas que incidem

sobre a divisão quadripartida “cruzada” (de “Kreuzeinteilung” fala

já E. Z

ITELMANN

) empregue nos livros subsequentes

(nomeadamen-te, o seu carácter incompleto e a desigualdade de critérios que

presi-de à sepração entre direito das obrigações e direito das coisas e entre

direito da família e direito das sucessões; e, como referido, inédito

só aí será no essencial a ordem seguida), e, por último, os reparos

ao próprio esquema ou categoria ancilar da relação jurídica. Além

disso, o problema de uma parte geral pode de novo levantar-se

den-tro do direito das obrigações, onde a regulamentação prévia e geral

respeitante à relação obrigacional (no BGB, os primeiros 7 Títulos

da Livro II) pretende aglutinar, com maior ou menor sucesso, as

diversas fontes das obrigações, mormente, as de origem

convencio-nal e as de génese delitual.

O debate sobre a sistematização germânica e em especial

acerca da Parte geral

x

, que de algum modo persiste até aos nossos

(12)

dias e se reacendeu recentemente no contexto de certos projectos ou

iniciativas de um “Código Civil europeu” (em regra, trata-se aí

somente da codificação do direito das obrigações e, portanto, de

uma parte geral de bem menor ambição; mas, quer os PECL quer o

DCFR contêm um capítulo inicial com “disposições gerais”), é

sufi-cientemente conhecido e está largamente documentado para nos

podermos limitar a alguns apontamentos muito sintéticos.

Registar-se-ão apenas as críticas de autores tão proeminentes

como E. Z

ITELMANN

(evidenciando que a divisão orgânica acolhida

nos demais Livros do BGB pecaria por falta de unidade de critério

(com efeito, o direito das obrigações e das coisas atendem à

especi-ficidade estrutural das relações jurídicas, o direito da família e das

sucessões, à peculariedade das instituições reguladas),

correspon-dendo a uma “divisão cruzada”, e apontando também que a Parte

geral agruparia as várias matérias segundo perspectivas diversas,

quer segundo os factos ou pressupostos, quer segundo os efeitos,

para além de incluir assuntos e conceitos com insuficiente carácter

geral – mormente a regulamentação das coisas, §§ 90 e ss, a qual,

para mais, pertenceria, como também entre nós é sugerido, aos

direi-tos reais, e a regulamentação das associações e fundações, §§ 54 e

ss. – e outras matérias cuja inclusão aí se pode questionar –

mor-mente o direito das pessoas singulares, passível de ser autonomizado

num Livro à parte, o “direito da prescrição”, eventualmente

integrá-vel no direito das obrigações, e os preceitos respeitantes ao

“exercí-cio e tutela dos direitos”, §§ 226 e ss., aí arrumados residualmente),

J.

K

OHLER

(em termos muito moderados),

A.

B.

S

CHWARZ

,

F.

W

IEACKER

,

e, na nossa doutrina, O

RLANDO DE

C

ARVALHO

(denun-ciando a “tranquilidade de alma” com que se aceitou, entre outras

possíveis, essa “embalagem da mercadoria jurídica” – mas também

uma “técnica de educação jurídica” e “um sistema de persuasão

sobre o interesse da lei” –, fruto de uma “maneira académica de

considerar a missão do legislador”, salientando também a

“desuma-nização do direito civil” e a “reificação do homem” envolvida na

parificação dos sujeitos aos demais elementos da relação jurídica –

de uma “descentração” fala-se também a este propósito –, e

contra-pondo-lhe ainda a “perspectiva antropocêntrica” e humanista do

Código de Seabra

xi

, com uma “montagem de normas” relativamente

original em quatro Partes: I. Da capacidade civil, II. Da acquisição

(13)

dos direitos, III. Do direito de propriedade, IV. Da offensa dos

direitos e da sua reparação) e O

RLANDO

G

OMES

.

Conquanto se reconheça que a elaboração de uma parte geral

representa uma tarefa irrenunciável da ciência do direito,

pergun-tar-se-á, com F. W

IEACKER

, se um código deve copiar tal sistemática

científica; e, nessa sequência, se a há que acolher no próprio ensino

do direito – para o professor e para os estudantes nos anos iniciais, o

ensino e o estudo da parte geral representarão um não pequeno

“cal-vário pedagógico”, uma “crux iuris”.

É apontado igualmente que a concepção da Parte geral

per-maneceu (inicialmente) uma “via própria” (um “Sonderweg”)

ale-mão, não secundado por várias importantes legislações de direito

privado posteriores ao BGB. Por exemplo, a suíça, a italiana e a da

ex-República Democrática Alemã (ZGB) abdicaram da inclusão de

uma parte geral na acepção com que a vimos tomando (acaso

disci-plinando antecipadamente as situações-chave ou casos mais

caracte-rísticos e frequentes e prevendo a extensão, por analogia, do

respec-tivo regime a situações semelhantes – usa-se falar aqui de “uma

Schaltbestimmung”, “preceito de ligação ou comutação”, ou, mais

figurativamente, “Schaukelbestimmung” “preceito-baloiço”;

possí-vel mas menos prático repossí-vela-se a inclusão nas regulamentações

específicas de uma remissão com “função integradora genérica”

para aquela sede) e preferiram, como objecto directo de

regulamen-tação, o contrato à figura mais abstracta do negócio jurídico.

Contudo, posteriormente, outros Códigos albergaram partes

gerais inspiradas na do BGB (conforme referido). E, desde o início,

uma plêiade de juristas entraram na liça saindo em defesa da

inclu-são da Parte geral e da sistematização abraçada no BGB.

Destaque-se a argumentação de A.

M

ANIGK

e P. H

ECK

. Em particular, este

último (cuja atitude, em oposição a N

IPPERDEY

e L

ARENZ

, em vistas

das circunstâncias de então, viria a ser qualificado por C

ANARIS

de

“couragierter Akt”) distingue, no contexto da ciência, da construção

jurídica e da sua exposição, três possibilidades de “arrumação

exter-na”: repetir os pontos comuns em cada um dos domínios – o que

facilitaria a aplicação, mas traria consigo uma grande prolixidade;

inserir tais aspectos num desses domínios especiais e, depois,

esten-dê-los aí aos demais ou incluir nestes uma remissão para aqueles –

(14)

simplifi-cação do sistema, sendo para o autor muito cómoda, mas impedindo

uma panorâmica geral e tornando a aplicação árdua e insegura,

constituindo no fundo uma espécie de “Versteckspiel”; ou destacar,

autonomizar num lugar próprio, numa parte geral, os traços

comuns – o que promoveria uma visão global e, por isso, uma rápida

e imediata orientação, assumindo pois a parte geral uma função de

ordenação, um “propósito de perspectivação”, sendo tanto mais útil

quanto maior fosse a sua extensão e o número de partes especiais.

Isto tornaria esta última possibilidade, utilizada noutras ciências,

preferível às anteriores, sem que os defeitos a ela assacados se lhe

possam dizer inerentes, resultando antes de um conceptualismo que

também aqui se poderia manifestar. Idênticos três caminhos ou vias

seriam viáveis no âmbito da técnica legislativa, onde à escolha

pre-sidem todavia sobretudo considerações de praticabilidade. Então, no

juízo de P. H

ECK

, avultariam ainda mais as vantagens da parte geral

já postas em destaque.

Por fim, referir-se-á entre nós

a posição de A

NTUNES

V

ARELA

,

em polémica com O

RLANDO DE

C

ARVALHO

.

Nomeadamente,

evi-denciou este autor o préstimo científico e técnico e as virtualidades

da figura da relação jurídica, a qual não envolveria, em geral e como

esquema didáctico ou legislativo, uma depreciação do valor capital

que compete, entre os vários elementos, ao(s) sujeito(s), e salientou,

por outro lado, o valor pragmático da classificação germânica das

relações jurídicas

xii

.

II. AS DEFINIÇÕES LEGAIS

1. Afirma-se que “le juriste est un professionnel de la

défini-tion”. Por outro lado, exprimia-o já a sabedoria romana, no direito

omnis definitio in iure civili periculosa est: parum [vel rarum] est

enim, ut non subverti posset] (I

AVOLENUS

,

D.

50,17,202)

xiii

. E

adver-te-se que o legislador não é um lexicógrafo ou dicionarista.

2. Notar-se-á preliminarmente que, de uma maneira geral, as

definições (por vezes sobre a forma de enumerações), sobretudo de

termos ou vocábulos não exclusivamente técnico-jurídicos,

mostra-se bem mais frequentes e detalhadas nas leis (nos statutes; mas

tam-bém em outros documentos oficiais e privados) da common law

xiv

do

(15)

que nas da civil law. E aí elas surgem quase sempre

antecipadamen-te, no incipit do articulado, e porventura ordenadas alfabeticamente.

Tal técnica, que de algum modo é comparável ao uso de uma parte

geral, tem hoje bastante curso também nos normativos comunitários

(correspondendo ao objectivo de atalhar a interpretações

divergen-tes, suscitadas desde logo pela diversidade linguística, procurando

indicar as valorações subjacentes, visando impedir que as

expres-sões empregues sejam entendidas pelos tribunais à luz de categorias

próprias dos direitos de cada Estado, e, no fundo, pretendendo

diri-mir as relações entre as várias fontes legislativas e entre elas e o

direito jurisprudencial; advirta-se ainda que normalmente o

articula-do normativo vem precediarticula-do articula-dos chamaarticula-dos consideranarticula-dos, uma

espécie de paratexto).

Costuma apontar-se que, onde os demais europeus preferem

qualificar, sistematizar, de acordo com a tradição escolástica e

carte-siana, e especular (até no sentido extremo em que o praticou Hegel),

os ingleses, ciosos da certeza, descrevem e recenseiam, concretizam,

aludindo-se à predisposição para a minudência, o casuísmo e a

“concretude” dos statutory instruments. “Labirintos enumerativos”

já lhes chamou alguém (de resto, só viáveis por as leis tenderem aí a

restringir-se a certas áreas)

xv

. Mais em geral, invoca-se que o

pen-samento ou temperamento anglo-saxónico, logo forjado pela

insula-ridade (esta, no plano do direito, logo terá levado a que nunca se

tenha em terras de Sua Majestade – não na Irlanda – deixado de lado

como critério de nacionalidade o ius soli, desprezadas aqui muitas

complexidades e múltiplas categorias de nacionais ou cidadãos

advenientes do passado imperial), tende a ser – além de fleumático e

reservado, diz-se ainda – “empírico” ou “experimental”, “capaz de

rever a todo o tempo qualquer premissa”, “concreto e vago”,

fun-cionando “por enumeração e inventário”, por contraposição ao

fran-cês e ao alemão, “teórico”, “abstracto e preciso” e “fortemente

ana-lítico”. A natureza pragmática e o pendor indutivo (“irracional” ou

“alógico”, e arraigado ao passado), por antítese ao “raciocínio por

conceitos” e de cariz abstracto e dedutivo (movido pela “tentação da

elegância” e vogando ao sabor das circunstâncias), é quase sempre

reconhecido como um traço do “national spirit” britânico, que logo

se terá reflectido na common law (por muitas reservas que levantem

semelhantes explicações “românticas”, a partir da “alma de uma

(16)

nação”, do “carácter ou génio nacional ou da “psicologia de um

povo”, entidades tão omnicompreensivas como desprovidas de

ver-dadeira força explicativa e geralmente tomadas sob forma vulgar ou

literária

xvi

; haveria aliás que investigar quanto a common law

xvii xviii

não terá influenciado e impregnado o “espírito britânico”, e até o

humour inglês)

xix

.

Neste contexto, importa sobretudo ter consciência de que o

redactor de textos legais (e contratuais) inglês observa de modo

estrito certos “princípios semânticos” (e, reciprocamente, o

aplica-dor lança mão de correspondentes “canônes interpretativos”

xx

). Um

deles consiste na regra eiusdem generis, segundo a qual os termos

genéricos surgidos depois de termos ou sintagmas específicos, numa

enumeração não exaustiva, devem interpretar-se como referidos a

pessoas, coisas ou objectos da classe ou do grupo, do tipo ou género

(particulares), em que aqueles últimos se inserem (para excluir tal

inferência inserem-se expressões como without the generality of the

foregoing, without limiting the generality ou including without

limi-tation). Assim, na série “house, office, room or other place…”, o

último termo (genérico) ter-se-á como respeitante a lugares

fecha-dos, pois acompanha outros referidos ao mesmo género. Segundo

outra máxima, expressio (ou inclusio) unius [est exclusio alteris], ou

seja, quando no final de uma enumeração não aparece um termo

genérico, aquela há-de entender-se taxativamente, excluindo-se

implicitamente outras coisas, pessoas ou actividades. Por exemplo,

no direito britânico, a descrição do objecto social tem de especificar

absolutamente tudo o que a sociedade pode fazer. E, de acordo com

a regra noscitur sociis, ligada de perto ao eiusdem generis, as

expressões (de sentido duvidoso ou contestado) devem entender-se

de forma intimamente dependente do contexto, associadas portanto

aos demais termos contíguos (também para as palavras, valerá o dito

diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és). Desse modo, se um

statute prescreve que os explosivos sejam levados para uma mina

num “case or canister”, um saco de pano não se inclui aí, pois o case

ou container deverá ter a mesma resistência que uma “lata” –

canis-ter (Foscanis-ter v. Diphwys Casson Slate Co. [1887] 18 QBD 428). Para

além disso, nenhuma palavra ou expressão deve em princípio ser

considerada supérflua, antes se lhe tentará atribuir um sentido útil

(17)

(donde o emprego de sinónimos se ter por perigoso)

xxi

. Vale ainda,

no domínio contratual, a regra contra preferentem

xxii

.

3. Seja como for, já o Digesto recorria amiúde à técnica das

definições: o Título XVI do Livro L intitula-se justamente De

ver-borum significatione e contém 246 definições.

E, desde há muito, elas surgem amplamente nos instrumentos

normativos internacionais (em parte para evitar problemas de

tradu-ções díspares) e, nos nossos dias, como assinalado, nos

regulamen-tos comunitários (por influência do direito inglês? por necessidade

de homogeneizar as terminologias nacionais?). Também em certos

domínios da legislação especial (nacional) é possível constatar um

incremento do seu uso (especialmente de definições, claramente

estipulativas, de “termos factuais”); assiste-se a um crescente

suces-so de semelhante técnica legislativa (para demarcação do âmbito de

aplicação da própria lei?, ainda por emulação da common law?,

promovida pela introdução frequente de neologismos?).

4. A nós interessam-nos apenas as definições legais (ou

legis-lativas). Simplificadamente, estas podem contrapor-se às doutrinais,

apontando, com N. I

RTI

, que as últimas possuem carácter indutivo e

analítico e as primeiras estipulativo (não lexical; aliás, normalmente

tratar-se-á de definições explicativas ou redefinições) e sintético.

Eventualmente, o legislador, arrogando-se competência

cien-tífica (ou didáctica), reservada em princípio à doutrina, não resiste a

uma incursão nos terrenos da “construção dogmática”, fornecendo

definições sem verdadeira eficácia normativa, inúteis reflexões

sobre a própria obra, meras súmulas do conteúdo de outras normas

(algo diferentes são os casos em que a lei se pretende servir do

resultado de uma construção teórica à qual desse modo adere; ou

aqueles outros em que a definição intencionalmente não quer

“cir-cunscrever mas “evidenciar”, nas palavras de M.

D

ELLACASA

).

Ci-tem-se as conhecidas palavras de P

ORTALIS

: “Les lois sont des

vo-lontés. Tout ce qui est définition, enseignement, doctrine est du

res-sort de la science. Tout ce qui est commandement, dispositions

pro-prement dit est du ressort des lois”. No entanto, ainda nas

codifica-ções do séc. XVIII – onde para mais o legislador se sentia imbuído

de um “fito persuasivo e pedagógico”, daí a designação “Lehrbücher

mit Gesetzkraft” (aos quais estava, frequentemente, associada uma

intenção demagógica; a “lei-pedagoga”, na expressão de J. C

(18)

AR-BONNIER

que serve de título ao seu interessante estudo sobre o tema,

foi aliás retomada pelos Estados socialistas, mas como escreve B

AP-TISTA

M

ACHADO

“a ideia do legislador arvorado em professor de

moral e palmatória – função pedagógica adjudicada à patria

potes-tas do legislador –, numa sociedade aberta onde flui livremente a

intercomunicação, pareceria velharia bem recente de progressistas

equivocados”) – abundavam definições que depois seriam

conside-radas fora de propósito.

5. A fórmula canónica de um enunciado ou cláusula contendo

uma definição (legal), na forma de uma equivalência, será “x

[defi-nendum] é y [definiens]” (ou seja, em termos mais rigorosos, “x é y,

se e só se x é z”). No entanto, não raro, a lei prefere falar de “noção”

ou “noções”. E procede porventura da definição para o nome.

Usan-do também muito diferentes operaUsan-dores linguísticos para as

introdu-zir (dependendo aliás do tipo de definição em causa, como se

com-preende e à frente melhor se verá). Nomeadamente: “x não é …”; “x

é y ou z ou w”, “considera-se …”, “entende-se por…”, “x (não) é

constituído por …”, “x deve ter ou conter …”, “há…, se (ou

quan-do) …”.

Por vezes a “noção” – melhor se falaria então em técnica da

denominação – consiste apenas na atribuição de um nome ao

fenó-meno disciplinado, cabendo ao intérprete a correspondente

desenvo-lução numa definição. Pode aliás de maneira mais geral distinguir-se

entre definições explícitas (e sobretudo destas trataremos) e

implíci-tas, sendo as últimas as decorrentes do uso feito pela lei de

determi-nado termo ou inferidas do contexto no qual este vem usado

xxiii

. E

entre definições “próprias” e incidentais, estando estas derradeiras

contidas noutro enunciado legal (como as chamadas definições

“parentéticas”, correntes por exemplo no BGB).

Como sempre é indicado (abstraindo agora do problema de

saber se as definições devem ser consideradas normas sobre

dispo-sições ou preceitos ou normas sobre normas; uma consideração

particular mereceriam ainda, para este efeito, as definições

metalin-guísticas, ou seja, pertencentes à metalinguagem do direito), as

defi-nições constituem normas jurídicas incompletas ou não-autónomas,

enunciados qualificatórios (tendo de próprio, pelo menos na sua

formulação típica, “uma conjunção de dois enunciados

qualificató-rios, cada um dos quais é o enunciado recíproco do outro”, como o

(19)

explicita R.

H.

M

ARÍN

), afinal fragmentos de normas mais vastas,

destinadas, pois, a integrarem outras. Todavia, adverte A.

B

ELVEDE-RE

, nalguns enunciados legais definitórios é possível aperceber

ele-mentos normativos que contribuem para regular o fenómeno ao qual

se atribui, mediante a definição, um determinado nome, elementos

logicamente dissociáveis numa proposição jurídica distinta (em

ter-mos gerais, haverá aliás que chamar a atenção para a complexa

rela-ção entre a definirela-ção e a disciplina do fenómeno em causa, e para as

dificuldades muitas vezes presentes de coordenação entre a

defini-ção e as outras normas na qual figura o termo definido).

Genericamente, a sua não desprezível utilidade reside em

limitar a “liberdade de interpretação”, circunscrever a

discriciona-riedade exegética, atribuir uma significação mais precisa ou mais

unívoca. Contribuirão para diminuir a vaguidade (menos úteis,

observa M.

D

ELLACASA

, se revelam as definições para remediar a

ambiguidade, por em sede de interpretação se colocar o problema da

sua compatibilidade com os usos efectivos do termo) de certos

ter-mos, expressões ou conceitos (sejam “factuais”, sejam

“normati-vos”), estabelecendo a necessária “unidade” ou “uniformidade” de

aplicação. E, paralelamente, obrigarão o próprio legislador a uma

operação ou função de autocontrolo e reflexão. Podem também

ser-vir para fixar, aclarar, precisar ou delimitar o objecto ou conteúdo da

regulamentação ou o âmbito de aplicação desta – pense-se

ilustrati-vamente nas definições de actos de comércio e de comerciante

incluídas logo inicialmente no nosso Código Comercial (doravante,

CCom). Eventualmente, concorrerão para a concisão – falando-se de

uma “Abkürzungsfunktion” –, quando comparado o seu uso com o

de uma regulamentação casuística.

Assim será, quando menos, num determinado domínio (mas

reconhecer-se-á uma ínsita “força expansiva” a muitas definições,

sobretudo àquelas que incidem sobre termos normativos, e no

âmbi-to de um mesmo diploma)

xxiv

. Com efeito, para algumas, o

legisla-dor indica a sua esfera aplicativa, delimitando-as a um instituto ou

norma: “para efeito deste artigo …”, “para efeito deste capítulo …”.

Tão-pouco é inusual que seja salvaguardado ou introduzida a

reser-va de um sentido distinto ou divergente, decorrente das necessidades

do específico contexto, se forneça portanto apenas uma

(20)

“Normalde-finition” (assim, na fórmula standard dos statues anglo-saxónicos:

“in this act, unless the context otherwise requires, ‘x’ means…”).

6. Pode estabelecer-se, como máxima, que as definições se

mostram necessárias onde, do ponto de vista do destinatário ou do

aplicador (da lei), o termo em causa não seja usual (convenha

por-tanto esclarecer o respectivo significado mediante outro mais

fami-liar), o seu sentido se mostre duvidoso, se possa contar com que lhe

venha a ser atribuído uma acepção diferente da intencionada ou com

que vários “receptores” o entendam de modos distintos.

Mas o expediente das definições conhece limites (conforme já

se insinuou; assinale-se a latere que em muitas codificações mais

antigas eram elas vistas como um precioso instrumento de

circuns-crição da liberdade ou discricionariedade do juiz, tendendo-se nos

nossos dias todavia a encarar mais céptica ou, pelo menos,

diferen-ciadamente a sua eficácia no desempenho dessa missão).

Desde logo, de ordem lógica, pois não se podem obviamente

definir sem “circularidade” todos os termos dum determinado

con-junto ou universo.

Em segundo lugar, de ordem semântica, porquanto a própria

definição carece de interpretação (no fundo não sendo, como

recor-da C

ASTANHEIRA

N

EVES

, “outra coisa do que a […] conversão de

«palavras na roda sem fim da linguagem» com recurso à sinonímia

ou à paráfrase”)

xxv

. Questionando-se, aliás se esta, e nomeadamente

uma exegese sistemática, extensiva, correctiva (ab-rogante), ou

ana-lógica, transcorrem aqui exactamente nos moldes que para as

demais normas. Repare-se que alguns autores aproximam as

defini-ções das (meta)normas sobre a interpretação (ou porventura, de

normas de interpretação autêntica), sobre cujo valor precisamente se

colocam hesitações semelhantes

xxvi

.

Por outro lado, com frequência, o legislador não está em

con-dições de definir de modo unívoco e rigoroso o significado dos

ter-mos a que recorre, conquanto (em geral e desejavelmente) as

expressões utilizadas no definiens comportem menor

discricionarie-dade interpretativa, por conterem mais abundante ou mais precisa

“informação”. Hoje, é mesmo vulgar, em certos domínios legais,

que o definiens contenha noções de conteúdo variável ou

indetermi-nado ou mesmo cláusulas gerais (onde a definição até explicitará a

“liberdade aplicativa”, podendo depois tentar-se limitar esta, por

(21)

exemplo articulando, “pontualizando”, a definição com uma

poste-rior exemplificação, fornecendo assim adicionais “pontos de

refe-rência” ao aplicador, seja a indicação de “núcleos de casos

paradig-máticos”, seja a dissipação de “zonas de penumbra”; sobre isto ver

ainda adiante a propósito da conjugação das cláusulas gerais com as

enumerações exemplificativas); propendendo aliás a acentuar-se no

âmbito das definições a “componente pragmática” em detrimento da

“componente semântica” da mensagem legislativa.

Em terceiro lugar, de “ordem estrutural” (id est, pragmática),

havendo que perguntar em que medida as definições são

vinculati-vas para o aplicador (mormente como são encaradas por este;

recor-de-se a distinção acentuada por M. D

ELLACASA

entre

definição-actividade, tomando como ponto de vista o do legislador, e

defini-ção-produto ou definição-enunciado, escolhendo como perspectiva

a do intérprete), se têm todas carácter prescritivo ou pertencerão

algumas antes àquele “unverbindlicher Gesetzesinhalt” de que

fala-va F

R

.

E

ISELE

(costuma indicar-se que existe, historicamente, um

estreito nexo entre a tese que nega às definições carácter vinculativo

e a recepção medieval do direito romano, carecido que estava este

em larga medida de ser adaptado a uma nova realidade; a discussão

exacerbou-se na preparação do Code Civil, embora em larga medida

estivesse em causa o problema da oportunidade e do rigor das

defi-nições e não propriamente o seu valor preceptivo). Importando saber

se revestem por vezes apenas um “juízo assertivo” ou representam

sempre um comando. Se constituem verdadeiras normas ou, mais

correctamente, qual a sua real força, sobretudo na óptica da sua

rela-ção e coordenarela-ção com as outras normas. O problema confina

direc-tamente com o da interpretação das definições (já aludido). Entronca

ainda aqui a questão da eventual “impotência” da lei para impor

“definições não verdadeiras”.

E, finalmente, limites da ordem da oportunidade e do mérito,

inquirindo-se se convém ou não definir (ou se mostra mais útil ou

oportuno lançar mão de outra técnica legislativa). De facto, o uso de

definições – permitindo fugir a repetições (e actualmente o

legisla-dor, mais do que por exemplo no período do Iluminismo, é avesso a

repetir-se), evidenciando (sobretudo tratando-se de definições pela

indicação de género e espécie) os nexos de construção e o

“reticula-do sistemático” da lei, evitan“reticula-do controvérsias e divergências

(22)

aplica-tivas, reduzindo a discricionariedade do intérprete, promovendo em

termos gerais a certeza – impõe ao mesmo tempo certas cautelas,

pois pode acarretar a não despicienda desvantagem de “petrificar” o

sentido da lei, não permitindo a sua necessária flexibilidade e

adap-tação à mudança (a definição como “factor de engessamento”).

Assistir-se-á eventualmente a uma progressiva “décalage” em

rela-ção à aceprela-ção corrente e evolutiva do termo definido. Além disso, a

dificuldade em fornecer uma definição “completa” e rigorosa (uma

perfeita equivalência ente o definiens e o difiniendum) é mais do que

evidente. E uma definição “incorrecta” pode ser bem danosa.

Acres-ce que as definições lexicais não eliminam a vaguidade (vagueza;

nem a ambiguidade).

Por fim, na falta de indicação expressa, surgirão dúvidas

sobre o exacto âmbito em que se deve operar com a definição. Aliás,

as chamadas definições condicionais (em que o definiendum não é

aclarado em termos gerais, mas apenas sob certos pressupostos, pelo

definiens; num sentido restrito, também se fala de definições

condi-cionais para aquelas que assumem a forma “se p, então x é y”, ou

para aquelas onde se indica a propensão de um certo objecto a reagir

de certa forma a certos estímulos, a que adiante chamaremos

“defi-nições operacionais”) levantam embaraços ao intérprete (desde logo,

no caso de inverificação de tais pressupostos, o definiedum fica

“indefinido”). Próximas, e suscitando problemas parecidos, estão as

“definições contextuais” (ditas também “parafrásticas”, e que não

fornecem propriamente um equivalente do definendum, mas antes

uma proposição correspondente ao enunciado em que aquele surge,

sendo portanto a substituição pelo definiens apenas válida em certo

contexto, e que se revelam sobretudo úteis, além de evidenciarem a

dimensão sintáctica e serem acaso dotadas de maior concisão e

ele-gância, para definir termos que exprimem uma relação; notar-se-á

que, num certo sentido, todas as definições, e em particular as

jurí-dicas, se devem entender em ou para certo contexto) Ou, mais em

geral, as definições “indirectas” (quase sempre expressas por uma

perífrase) e “implícitas” (no fundamental, as decorrentes do uso do

termo). Todas requerendo explicações suplementares, omitidas pela

lei e decorrentes eventualmente do enquadramento numa

determina-da teoria ou contexto. Por último, junte-se que o próprio local onde

surge a definição deve ser o apropriado: de uma maneira geral,

(23)

como se percebe, aquela deve acompanhar ou preceder o uso do

definiendum.

7. Vale a pena dar notícia (alterada a numeração; e embora se

trate de um passo relativamente longo) de algumas regras que J.

R

ÖDIG

enuncia quanto ao uso correcto de definições legais

xxvii

.

Começando pelas regras com “motivação lógica”:

“1. As categorias sintácticas […] empregues para a

formula-ção do definiens devem ser compatíveis com as categorias

sintácti-cas empregues para a formulação do definiedum. […] 2. Há-de ser

possível transformar a definição legal de um conceito jurídico num

enunciado material com um conteúdo tal que o conceito corresponda

a um certo objecto (ou complexo de objectos) exactamente quando

as características ou elementos nomeados no âmbito do definiens, e

na relação lógica aí indicada, estão presentes nesse objecto (ou

complexo de objectos). […] 3. Definições múltiplas devem ser

sus-ceptíveis de ordenação entre si de modo a que as partes

componen-tes de um definiens, que surja numa definição posterior (no sentido

de tal série), sejam compostas ou de conceitos básicos que

permane-cem por definir ou de definienda de definições anteriores. Nota: A

possibilidade de uma tal série ou ordem pode existir também quando

as definições legais são de facto ordenadas de outro modo. Uma

ordenação diferente é, por exemplo, aconselhável se se trata de

colocar no início o conceito dominante num ‘sistema’ [Kodifikat],

ou quando algumas partes componentes do definiens ainda carecem

por seu lado de ser precisadas (através de ulteriores definições

legais). 4. Definições condicionadas são na medida do possível de

evitar […] 5. ‘Definições contextuais’. Definições com

contexto-definiedum devem, quando possível, ser evitadas. Há que abster-se

de definições com contexto-definiens (em sentido amplo). […] 6.

Definições implícitas são de recusar”.

Passando agora às regras de ordem pragmática, “amigas do

leitor”:

“1. Definições cindidas ou divididas. Nota: As definições

divididas são compostas de várias proposições ou frases –

geralmen-te separadas por um ponto ou um ponto e vírgula. Fala-se em

‘defi-nições cindidas agrupadas’ quando o carácter conjunto das várias

partes componentes da definição está expresso através de remissão

ou de normas iniciais que delimitam a extensão da definição. […]

(24)

Definições divididas não agrupadas devem ser evitadas. Explicação:

a substituibilidade do definiens pelo definiendum e, portanto, a

fun-ção da definifun-ção perdem-se se não é claro quais as partes que

per-tencem e quais as que não perper-tencem ao definiens. ‘Definições

cin-didas agrupadas’ podem revelar-se adequadas. Na medida em que

desemboquem em cadeias de definições correctamente construídas,

não suscitam problemas. […] 2. Dentro de um ‘sistema’ [Kodificat],

os conceitos indefinidos devem constituir, na medida do possível, o

conteúdo de palavras referentes a fenómenos empíricos

directamen-te observáveis [‘beobachtungssprachlicehn Wördirectamen-ter’] ou poderem ser

definidos com auxílio de outros ‘sistemas’ [Kodificate] disponíveis.

[…] 3. Como definienda são de escolher expressões

“menotecnica-mente” adequadas. Definienda hão-de ser, por um lado, as mais

marcantes e expressivas que forem possíveis; mas, por outro lado, a

notoriedade e a força expressiva não devem ser obtidas à custa de

uma ‘excessiva oneração’ resultante de um uso linguístico corrente.

Explicação: Diz-se ‘inadequadamente onerado’ um definiendum

legalmente definido quando exista na linguagem corrente pelo

menos uma acepção divergente da da definição legal. Especialmente

perigosa mostra-se uma inadequada oneração quando o significado

da linguagem vulgar está tão próximo do significado legal que o

destinatário ao ler a lei não se dá imediatamente conta que a

expres-são em causa, a fim de contribuir para uma proposição ou norma

jurídica com nexo, tem de ser definida num sentido diferente do que

lhe atribui a linguagem corrente. […] 4. As definições serão

enun-ciadas como tais. Regras ou normas linguísticas não devem criar a

impressão de serem regras ou normas materiais (referentes ao

con-teúdo). Explicação: Já se advertiu para os perigos resultantes da

confusão entre regras ou regulações linguísticas e regras ou

regula-ções materiais […]. Para a explicação do carácter definitório de uma

proposição jurídica são pensáveis vários procedimentos. A técnica

clássica da inclusão entre parêntesis do definiendum conduz a

des-necessárias definições contextuais. Já não levanta problemas a

utili-zação de aspas; a dignidade do legislador não sai prejudicada se na

lei se declara ipsis verbis que, sob a expressão ‘proibição do recurso

à força própria’, queria designar aquele comportamento, que… .

Uma norma ou proposição jurídica ou uma secção ou divisão de

normas pode, além disso, ser epigrafada ou intitulada, pelo próprio

Referências

Documentos relacionados

Em segundo lugar, examina a forma como os países membros estão a implementar a directiva e adianta várias opções para a sua transposição para a legislação nacional, considerando

Voltada para as práticas pedagógicas dos docentes que atuam em escolas do campo localizadas no entorno de Unidades de Conservação, mais especificamente em ilhas (Ilha do Mel/PR),

Inobstante haja discussões acerca da extensão e do grau de influência do Código Civil Alemão (BGB) de 1896 sobre o Código Civil Brasileiro de 1916, há quem defenda, como Cláudia

A vítima de um vício redibitório pode fazer uso das ações edilícias, que são duas: (I) a ação redibitória, que visa a resolução do contrato com a devolução do valor pago;

O projeto de arquitetura que contemple as condições necessárias para proporcionar o metabolismo circular no ciclo de vida de uma edificação poderá ser considerado

2.1 - Para atividades que já contem com regulamentação técnica pela lei ou mesmo por outras profissões com campos coincidentes com o do economista (a exemplo da perícia ou da

Inseriu-se no artigo 202, inciso I, a interrupção prescricional “por despacho do juiz, mesmo incompetente que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da

Quando o relacionamento dos pais não permitir que seja adotada a guarda compartilhada, normalmente é adotada a guarda unilateral, que será atribuída àquele pai