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LIMITAÇÃO DE ASTREINTES PELO PODER JUDICIÁRIO

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Academic year: 2021

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LIMITAÇÃO DE ASTREINTES PELO PODER JUDICIÁRIO

Raphael Silva Reis. Magistrado do Poder

Judiciário do Estado de Sergipe. Graduado em Direito e Pós-graduado em Teorias do Estado e do Direito Público pela Universidade Tiradentes – UNIT (Aracaju/SE).

RESUMO: O meio de coerção pecuniária conhecido como astreintes, muito

em voga como instrumento de efetivação do Direito das Obrigações, não raramente, pode impor prejuízo pecuniário passível de ser considerado abusivo, daí justifica-se a possibilidade de limitação do valor dessa multa em homenagem aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, evitando-se injustiças na casuística forense.

PALAVRAS-CHAVE: Astreintes. Limitação. Razoabilidade e proporcionalidade.

ABSTRACT: The coercive pecuniary astreinte known as much in vogue as a

tool for ensuring the Law of Obligations, not infrequently, it may impose pecuniary damage that could be considered abusive, hence justifies the possibility of limiting the value of this fine tribute to the principles reasonableness and proportionality, avoiding injustice in forensic sample.

KEYWORDS: Astreinte. Limitation. Reasonableness and proportionality. SUMÁRIO: 1. As astreintes. 2. O Judiciário e os princípios da razoabilidade e

da proporcionalidade. 3. Considerações finais.

1. As astreintes.

No campo do Direito das Obrigações, assim como em outras searas do ordenamento jurídico, existem meios de coerção destinados a possibilitar a satisfação de determinados direitos.

Neste ínterim, encontram-se as denominadas astreintes, que consistem numa espécie de multa ou meio de coerção de natureza pecuniária destinado a compelir o devedor ao cumprimento de determinada obrigação, atento o legislador para o fato de que, na maioria das vezes, o comando judicial, puro e simples, não se mostra eficaz para

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a obtenção do comportamento que se espera daquele que figura no pólo passivo da relação obrigacional, o que colocaria o credor em situação de extrema vulnerabilidade.

Assim, sobre a matéria em exame, o nosso Código de Processo Civil, em seu art. 461, in verbis:

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§ 1o A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

§ 2o A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287).

§ 3o Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

§ 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.

§ 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

§ 6o O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.

Sobre o tema, a lição de se extrai dos comentários do Professor Cassio

Scarpinella Bueno in Código de Processo Civil Interpretado, coordenado por Antônio Carlos Marcato, 3. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 1474, verbis:

“ o § 4º do art. 461 autoriza a imposição de multa diária ao réu para compeli-lo a praticar o ato a que é obrigado ou abster-se de sua prática. Trata-se do que usualmente é denominado de

astreintes, instituto herdado do direito francês. Diferentemente

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pode ser concedida de ofício, o dispositivo em comento é claro quanto à possibilidade de a multa ser arbitrada sem pedido da parte interessada.

A multa não tem caráter compensatório, indenizatório ou sancionatório. Muito diferentemente, sua natureza jurídica repousa no caráter intimidatório, para conseguir, da próprio réu, o específico comportamento (ou a abstenção) pretendido pelo autor e determinado pelo magistrado. É, pois, medida coercitiva (cominatória). A multa deve agir no ânimo do obrigado e influenciá-lo a fazer ou a não fazer a obrigação que assumiu.”

Dessa forma, constata-se que as astreintes assumem um papel de notável relevância na sistemática das execuções de obrigações de fazer ou não fazer, figurando, muitas vezes, como a realidade forense vem confirmar, no único instrumento de coerção efetivamente eficaz para o cumprimento da ordem judicial e proteção do direito do credor, salientando-se, aqui, que tal instituto não possui natureza sancionatória, mas apenas de instrumento de coerção para o cumprimento de obrigação que não pode ser satisfeita de nenhum outro modo além do comportamento esperado do devedor.

De fato, muitas vezes, são as astreintes a única forma de se compelir o devedor ao cumprimento de sua obrigação, seja ela contratual ou extracontratual, valendo-se o Judiciário da cominação pecuniária em diversas oportunidades, tais como: as corriqueiras ordens para exclusão de nomes das listas de inadimplência (SPC, SERASA etc.); em defesa dos direitos dos consumidores, na forma da Lei 8078/90, para se evitar a continuidade de cobranças baseadas em cláusulas abusivas; em defesa dos direitos sociais básicos, como o direito à saúde, elencado no art. 6º da Constituição Federal, como ocorre nas ordens para fornecimento de medicamento e ou tratamento ambulatorial; além de diversas outras hipóteses.

Assim, em apertada síntese, delineada está a natureza e os fins a que se destina o instituto em comento.

2.O Judiciário e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Dentro do contexto ora visualizado, existem situações nas quais a multa fixada como meio de coerção para o adimplemento da obrigação pode vir a se tornar insuficiente ou excessiva para o caso concreto.

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Vislumbrando tal possibilidade, a lei processual, em disposição semelhante àquela prevista no art. 413 do Código Civil para o instituto da cláusula penal, vem, em seu art. 461, § 6º, acrescentado pela Lei 10444/2002, prever que o juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.

Trata-se, em verdade, de previsão normativa que observa, sobretudo, os preceitos basilares da razoabilidade e da proporcionalidade, há muito consagrados pela boa doutrina e pela jurisprudência dos tribunais superiores.

Na prática forense, não raramente, nos deparamos com situações nas quais o valor das astreintes se torna manifestamente excessivo, agigantado pela mora do devedor e, assim, muitas vezes, assustadoramente superior ao valor mensurável para a obrigação.

Diante de tais situações, contudo, duas linhas de pensamento divergem sobre o tema.

De um lado, o louvável raciocínio pelo qual não deveria o Poder Judiciário, sobretudo de ofício, se retratar no sentido de rever o valor das astreintes, sob o argumento de que tal limitação acarretaria prejuízo para a própria eficácia das decisões judiciais, cuja força de coerção restaria abalada caso o devedor contra o qual pesasse a multa diária alimentasse sempre a expectativa de ver minorado o ônus a ele imposto e, dessa forma, preferisse resistir ao comando jurisdicional.

Contudo, a maior parte da doutrina e dos julgados dos nossos tribunais tem firmado sólido entendimento de que o Judiciário pode e deve, inclusive de ofício, limitar o ônus financeiro acarretado pelas astreintes, de acordo com as nuances do caso concreto, inclusive, em sede de execução, sobretudo, em homenagem à vedação legal de enriquecimento ilícito contida no art. 884 do CC/02 e em atenção aos preceitos de razoabilidade e proporcionalidade.

Neste sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FGTS.

EMBARGOS À EXECUÇÃO (APRESENTADOS PELA CEF). REDUÇÃO DO VALOR FIXADO A TÍTULO DE MULTA DIÁRIA COMINATÓRIA.

(...)

2. Não obstante seja possível a fixação de multa diária

cominatória (astreintes), em caso de descumprimento de obrigação de fazer, não é razoável que o valor consolidado da multa seja muito maior do que o valor da

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condenação principal, sob pena de enriquecimento ilícito, o qual é expressamente vedado pelo art. 884 do CC/2002. 3.

Em situação análoga, a Segunda Turma/STJ, ao apreciar o AgRg no Resp 1.096.184/RJ (Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 11.3.2009), firmou entendimento no sentido de que é possível a redução do "valor de multa diária em razão de descumprimento de decisão judicial quando aquela se mostrar exorbitante". Admitindo a redução da multa cominatória, em outras hipóteses (que não tratam especificamente do FGTS), objetivando atender ao princípio da proporcionalidade, destacam-se os seguintes precedentes: Resp 914.389/RJ, 1ª Turma, José Delgado, DJ de 10.5.2007; Resp 422.966/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 1º.3.2004; REsp 775.233/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 1º.8.2006.

4. Assim, em situações excepcionais, a jurisprudência desta Corte admite a redução da multa diária cominatória tanto para se atender ao princípio da proporcionalidade quanto para se evitar o enriquecimento ilícito.

5. Na hipótese, impõe-se a reforma do acórdão recorrido, para reduzir o montante da multa diária cominatória, fixando-o no mesmo valor da obrigação principal.

6. Recurso especial provido.” (REsp 998481 / RJ – T1 – Relatora Ministra Denise Arruda. Julgado em 03.12.2009. DJ em 11.12.2009.)

“CIVIL E PROCESSUAL. AUTOMÓVEL. DEFEITO DE FABRICAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO. EXECUÇÃO DE

ASTREINTES. PENALIDADE ELEVADA. REDUÇÃO.

POSSIBILIDADE. LIMITAÇÃO AO VALOR DO BEM PERSEGUIDO NA AÇÃO DE CONHECIMENTO.

I. É possível a redução das astreintes fixadas fora dos parâmetros

de razoabilidade e proporcionalidade, fixada a sua limitação ao valor do bem da obrigação principal, evitando-se o enriquecimento sem causa.

II. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido.” (REsp 947466 / PR – T4 – Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior – Julgado em 17.09.2009 – DJ em 13.10.2009)

“PROCESSO CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ASTREINTES. ALTERAÇÃO DO VALOR. EXECUÇÃO. COISA JULGADA. POSSIBILIDADE. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. RAZOABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO NO STJ. SÚMULA 7. JUROS DE MORA. SÚMULA 54.

- O valor das astreintes pode ser alterado a qualquer tempo,

quando se modificar a situação em que foi cominada a multa.

- Em recurso especial somente é possível revisar a indenização por danos morais quando o valor fixado nas instâncias locais for exageradamente alto, ou baixo, a ponto de maltratar o Art. 159 do Código Beviláqua. Fora desses casos, incide a Súmula 7, a impedir o conhecimento do recurso.

- "Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual" (Súmula 54)” (REsp 763975 / RS – T3 – Relator Ministro Humberto Gomes de Barros – Julgado em 13.02.2007 – DJ em 19.03.2007)

Em verdade, a limitação das astreintes pelo Judiciário apenas ratifica a natureza do instituto, que não deve se converter em meio de enriquecimento sem causa e desproporcional em prol do credor, o que muitas vezes ocorreria e acarretaria flagrante

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ilegalidade e injustiça, que, registre-se, pode culminar em aberrações graves, como, por exemplo, o que ocorreria com o Erário caso não se limitasse o valor e/ou a periodicidade de astreintes impostas às entidades do Poder Público, prejuízo este que seria suportado por toda a coletividade, em benefício da satisfação de um direito individual.

Na mesma obra e página acima citadas, o Professor Cassio Scarpinella

Bueno discorre sobre a finalidade da multa e sua necessária adequação aos princípios da

proporcionalidade e da razoabilidade, in verbis:

“Daí ela ser suficientemente adequada e proporcional para este mister. Não pode ser insuficiente a ponto de não criar no obrigado qualquer receio quanto às consequências de seu não-acatamento. Não pode, de outro lado, ser desproporcional ou desarrazoada a ponto de colocar o réu em situação vexatória. O magistrado, assim, deve ajustar o valor e a periodicidade da multa consoante as circunstâncias concretas, com vista à obtenção do resultado específico da obrigação reclamada pelo credor.”

Nestes termos, é possível constatar claramente o papel que deve o Judiciário assumir no que se refere à limitação das astreintes.

3. Considerações finais.

Diante de tudo quanto fora exposto, constata-se claramente que deve o Poder Judiciário, inclusive de ofício, intervir no sentido de limitar as astreintes de acordo com as peculiaridades do caso concreto, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e no intuito de se evitar o enriquecimento sem causa e o desvio de finalidade do instituto, razões estas que se apresentam como de ordem pública e invocam a atuação do Estado – Juiz ainda que sem provocação da parte interessada.

Referências.

MARCATO, Antônio Carlos (coordenador). Código de Processo Civil Interpretado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: jurisprudência. Disponível em www.stj.jus.br. Acesso em 27.02.2010.

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