• Nenhum resultado encontrado

Dimensões Psicológicas da Paz e da Guerra

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2020

Share "Dimensões Psicológicas da Paz e da Guerra"

Copied!
5
0
0

Texto

(1)

Dimensões Psicológicas da Paz e da Guerra

Emílio Jovando Zeca Docente e Investigador de Paz, Conflito e Segurança Email: emiliojovando@gmail.com

A paz e a guerra são dois fenómenos que acompanharam o processo evolutivo dos indivíduos, Estados e

socie-dades seguindo as máximas de que “a paz só é possível quando a guerra não é necessária” e “a guerra só é

necessária quando a paz não é possível”. Essas duas máximas revelam as dimensões psiquicas interiores e as

motivações dos mentores da guerra e dos promotores da paz para enveredar por uma ou outra alternativa. O

presente artigo tem como objectivo central apresentar as dimensões psicológicas para a ocorrência da guerra

ou promoção da paz enquanto condição social e política onde se assegura a justiça e estabilidade através de

instituições formais e informais credíveis, práticas e normas tendo em conta o equilíbrio de poder político,

legitimidade dos tomadores de decisões, reconhecimento e valorização da interdependência, existência de

insti-tuições credíveis e fiáveis de resolução de conflitos, igualdade, respeito e compreensão mútua.

Introdução

A

guerra e a paz acompanharam todo o per-curso histórico da evolução da humanidade. Desta feita, a psicologia foi sempre usada como ferramenta para promover a paz assim como a guerra. “Com o final da Guerra Fria, nos anos 1990, a tradicional visão da guerra como sendo uma questão de disputa entre Estados tornou‑se limitada, com a maioria das situações de conflito dentro dos Estados, relacionando‑se, “não tanto com as fronteiras do Estado, mas com a etnia, a religião, o bem‑estar económico, a densidade populacional e a sustentabili-dade ambiental e outros aspectos” (Christie, et. all., 2001:12).

A paz na Psicologia da Paz passou a ser entendi-da dentro de “uma grelha muito mais compreensiva que vai além da ‘mera’ ausência de conflito, pressu-pondo, também, um compromisso com os direitos humanos e a justiça social” (Barbosa et.all, 2013:54). A Psicologia da Paz procura desenvolver teorias e práti-cas dirigidas à prevenção e mitigação de violência directa e estrutural. Definida de uma forma positiva, a Psicologia da Paz promove a gestão não violenta dos conflitos e a procura da justiça social, ou seja, o

peace-making e o peacebuilding, respectivamente (Christie et

al. (2001:13)

A paz negativa existe quando, após um conflito, cessa a violência directa mas permanece a violência estrutural. Já a paz positiva pressupõe também a ausência de violência estrutural. Deste modo, a paz positiva apenas está presente quando o Estado zela pelos direitos humanos e pela inclusão social. Na pers-pectiva de Galtung (1990:9-14), a ausência de violên-cia directa não significa paz (Barbosa et. al., 2013:56).

O presente artigo tem como objectivo central apresentar as dimensões psicológicas para a

ocorrên-cia da guerra ou promoção da paz enquanto condi-ção social e política onde se assegura a justiça e esta-bilidade através de instituições formais e informais credí-veis, práticas e normas tendo em conta o equilíbrio de poder político, legitimidade dos tomadores de deci-sões, reconhecimento e valorização da interdependên-cia, existência de instituições credíveis e fiáveis de reso-lução de conflitos, igualdade, respeito e compreensão mútua. Para a sua elaboração recorreu-se a técnica documental baseada no desk review de obras e artigos que versam sobre os contornos da psicologia da paz e da guerra e a interpretação dos dados foi com base no método analítico.

1. Debate Conceptual: Paz e Guerra

Muitas vezes, a definição do conceito de paz é feita com recurso a guerra (definição negativa – ausên-cia da guerra). A paz é uma situação de um grupo, comunidade, Estado, grupo de Estados ou de qualquer outra unidade política que não está em guerra ou con-flito armado. A paz remete-nos a ideia da alternância dialéctica entre a paz e guerra e é um facto incontor-nável no processo evolutivo das sociedades.

A fronteira entre a guerra e a paz está sempre presente na discussão desses dois conceitos. Segundo o senso comum, paz é vulgarmente entendida como sendo o oposto de guerra ou a sua ausência. É assim que a define Bouthoul ao escrever que “guerra e paz são as duas faces do mesmo Janus, o reverso e o anverso da vida social”. Também para Vauvernargues, a paz é um intervalo entre duas guerras. Estas são, obviamente, formas negativas de definir a situação de paz. Neste conceito de paz incluem-se, portanto, situa-ções como as de conflito e de crise, e nela podem ocorrer inúmeras e variadas manifestações de todas as

Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014

(2)

formas de violência, com a única excepção da violên-cia entre unidades políticas que seja considerada guer-ra (Sousa, 2005:140). Na pesrpectiva de Galtung (1990:4 -9), do conceito dois aspectos sobressaem: “a paz visa reduzir a violência por meios pacíficos e os estudos de paz são estudos das condições do trabalho da paz”.

Mary King na sua obra “Terms and Concepts” refere que A paz “é uma condição política que assegu-ra a justiça e estabilidade social atassegu-ravés de instituições formais e informais, práticas e normas onde se verifica equilíbrio de poder político, legitimidade dos

decision-makers, reconhecimento e valorização da

interdepen-dência, existência de instituições credíveis e fiáveis de resolução de conflitos, igualdade e respeito mútuo e compreensão mútua” (King, 2007:29-30). Nesta pers-pectiva, a autora corrobora com a ideia de que paz vai para além da ausência da guerra ou hostilidades armadas e adianta que é improvável encontrar uma situação de ausência total de conflito, devido a exis-tência de interacção humanas voluntárias e involuntá-rias; a inerência do conflito ao ser humano; e conflitos aparecem como catalisador de mudanças e desenvol-vimento nas sociedades.

Existem várias formas de conceptualizar a guer-ra. “A guerra é um tipo de conflito, neste caso, armado. O campo da ciência que se ocupa do estudo da guer-ra chama-se Polemologia, surgida, cientificamente por volta de 1946, com o sociólogo Gaston Bouthoul, autor da obra “Cent Milions de Mort”. A Polemologia é uma ciência que estuda as causas, funções, efeitos, conse-quências e enquadramento social da guerra (Fernandes, 1991:351 e Santos, 2009:177-178).

Gaston Bouthoul, no seu “Traité de Polémologie”, citado por Sousa (2005:93) define a guerra como “uma luta armada e sangrenta entre grupos organizados”. Trata-se, assim, de um conflito em que a violência é aberta e as armas são efectivamente utilizadas. Por seu turno, Clausewitz (1984:75) refere que “a guerra é um conflito violento e armado onde a violência organizada tem como objectivo fundamental submeter a outra parte às suas revindicações e vontade”.

Em termos práticos, a guerra é a forma extrema de luta política. Ela é desencadeada de forma delibe-rada, instrumental e racional para atingir determinados objectivos políticos impossíveis de atingi-los de forma pacífica. Trata-se de um conflito entre Estados ou gru-pos nacionais e governos conduzido pela força, envol-vendo hostilidades abertas e suspensão da lei. Ela é uma das forma de manifestação da violência política organizada cuja finalidade é forçar o adversário a exe-cutar a nossa vontade por meios bélicos e estratégia militar.

Existem várias causas que dão origem às guer-ras. As percepções entre actores sociais, questões terri-toriais, aspectos históricos, problemas económicos, ausência de democracia, insatisfação de necessida-des, questões étnicas, questões ambientais, o militaris-mo, a pobreza, entre outros aspectos. A nível das comunidades e dos Estados, a origem das guerras é uma soma multifactorial de várias causas. Deve-se res-saltar o valor da pobreza e das desigualdades como as causas de conflitos violentos e armados, porque se con-sidera que onde há um maior número de desigualda-des é mais provável o surgimento da violência directa e, ao mesmo tempo, é mais provável que essa

violên-cia, por sua vez, siga produzindo mais desigualdade e pobreza (Sáez, 1997; Duffield, 2004).

A abordagem dos estudos da paz é diferente e contrária da dos estudos da guerra. Os estudos da guerra visam garantir uma vitória de apenas uma das partes, por meios violentos, associado a estratégia de maximização dos ganhos. Nos estudos da paz, qual-quer vitória deve ser partilhada por todos envolvidas no conflito ou na contenda. Portanto, A paz e a guerra são dois conceitos que se interlaçam na sua concepção. A definição negativa de um dos conceitos lega a evoca-ção do outro e a fronteira entre a guerra e a paz está sempre presente na discussão desses dois conceitos.

2. Dimensões Psicológicas da Paz e da

Guerra

O Preâmbulo da Constituição da UNESCO (1945) refere que “como as guerras se iniciam nas mentes dos homens, é nas mentes dos homens que as defesas da paz devem ser construídas”. A Psicologia da Paz se estabeleceu como disciplina na década de 1980. Os temas relacionados com paz, conflito, violência e guer-ra tinham sido objecto de estudo e pesquisa de vários psicólogos e a história da Psicologia ao serviço da guer-ra é tão antiga quanto a história da própria guerguer-ra e da Psicologia. Vários psicólogoscontribuíram para o estudo da guerra e da paz nas comunidades, Estados e no Sistema Internacional.

Os psicólogos da paz procuram compreender e promover a construção da paz (McNair, 2012). Esta é uma tarefa particularmente ambiciosa, uma vez que a noção de paz, na óptica da Psicologia da Paz, vai além da mera ausência de conflito, pressupondo tam-bém um compromisso com os direitos humanos e a justiça social. Além do mais, a crescente internacionali-zação desta área da Psicologia tem conduzido a uma progressiva diferenciação dos objectivos dos psicólogos da paz em função dos seus contextos geográfico, histó-ricos, político, económico e de outra índole, tendo em conta o seu canto de actuação (Christie, 2006).

Barbosa et. al. (2013:49) citando James (1995:17-26) referem que “James (1910) surpreendeu a comuni-dade académica ao referir‑se aos atractivos da guerra. De acordo com o autor, a guerra oferece aos indiví-duos a oportunidade de expressar virtudes como a lealdade, a honra, ou a disciplina. Consequentemente, para acabar com a guerra, seria necessário as socie-dades encontrarem ‘equivalentes morais’ alternativos para a expressão dessas virtudes”. Todavia, os psicólo-gos contemporâneos não seguem esses conselhos, mas sim a busca de contributos e esforços para explicar as causas psicológicas da guerra e não de alternativas para a eclosão da mesma (Christie, Wagner & Winter, 2001:531-535).

A Primeira Guerra Mundial foi o primeiro palco de um profícuo envolvimento de psicólogos em assun-tos militares (Smith, 1986:24). Através de testes psicológi-cos para estabelecer as funções e cargos no exército, à intervenção psicológica com militares, o desenvolvi-mento de propaganda de guerra, a estratégias para a desmoralização do inimigo e à selecção e treino de indivíduos envolvidos em missões secretas e de espiona-gem fazem parte dos grandes contributos da psicologia

(3)

na guerra (Christie et al., 2001). Na Segunda Guerra Mundial, os psicólogos foram participantes entusiastas nos esforços para ganhar a guerra. Neste contexto, os psicólogos intensificaram o seu envolvimento em ques-tões militares.

Na Guerra Fria, um crescente número de psicó-logos desempenharam funções no governo ou no exér-cito, onde usavam o seu conhecimento para avaliar e mudar as atitudes do público perante a questão atómi-ca, para lidar com os problemas emocionais experien-ciados por pessoas expostas aos testes nucleares, ou para reduzir o medo dos soldados e a sua relutância em participar nas manobras nucleares (Rand, 1960, cit. Christie et al., 2001; Schwartz & Winograd, 1954, cit. Christie et al., 2001).

No final da IIª Guerra Mundial muitos psicólogos começaram a apelar à necessidade de valorizar o contributo do conhecimento psicológico para a pre-venção da guerra e promoção da paz. Nos Estados Unidos, este apelo deu origem ao The Psychologists’

Manifesto: Human Nature and the Peace. No início da

década de 1960, a Crise dos Mísseis de Cuba pôs em evidência que a Guerra Fria tinha atingido um absurdo lógico, já que a corrida ao armamento por parte das duas superpotências culminava numa realidade de destruição mútua, porque caso a guerra nuclear ocor-resse, o resultado não seria somente a destruição total destas superpotências, mas o fim da vida na Ter-ra” (Christie et al., 2001:8).

Assistiu‑se, nesta altura, a uma mudança de paradigma no seio da comunidade psicológica, come-çando a emergir vozes que desafiavam a mentalidade da Guerra Fria e que reclamavam para a Psicologia o papel de contribuir para a prevenção da guerra e não para a sua preparação (Wagner, 1985; Morawski & Goldstein, 1985:276-284). Em vez de se centrarem em maneiras de assegurar que a opinião pública coincidis-se com as considerações da realpolitik, os psicólogos começaram a desenvolver estudos com uma lógica sobretudo preventiva. Nos anos 1980, os psicólogos contribuíram com a operacionalização do conceito de Perturbação de Stress Pós‑Traumático.

Com o fim da Guerra Fria, o diálogo e a reflexão dos psicólogos sobre as temáticas do conflito e da paz contribuíram para dar credibilidade e legitimidade à aplicação do conhecimento psicológico a estas temá-ticas, sustentando, deste modo, os esforços de psicólo-gos pioneiros nos estudos da paz que, de outra forma, se teriam sentido isolados e marginalizados, e oferecen-do os alicerces necessários à criação de um ramo da Psicologia dedicado a estas temáticas.

Das diversas visões que existem sobre a guerra e a paz, as visões realista e liberal ganham protagonismo quando se pretende analisar a dimensão psicológica da guerra e da paz. A visão realista preconiza que “a paz só é possível quando a guerra não é necessá-ria” (Albuquerque, 2005:34). Neste contexto, a paz só é possível quando a guerra não é necessária indica que a paz é uma possibilidade, enquanto a guerra é uma necessidade. Portanto, estado natural” das relações inter-pessoais e inter-estatais são marcadas pelo confli-to, e a solução última do conflito é a guerra ou amea-ça de guerra.

Para a perspectiva realistas, as relações entre os estados e os grupos sociais inseridos neles são definidas

pelos conflitos de interesses. A concepção realista do mundo concebe as relações pessoais e inter-estatais como uma luta pelo poder e pela segurança entre as comunidades políticas diferentes, primordial-mente nações-estados (Baylis e Rengger, 1992:9). Cada estado busca o nível máximo de segurança, gerando insegurança em um ou em outros estados que, por sua vez, buscam conseguir a maior segurança. Esta busca produz uma sistemática instabilidade que pode ser parcialmente remediada pelo equilíbrio de poder (Aguirre, 1995:24-25).

A perspectiva realista arma-se sob premissas hobbesianas do Leviatã, nas quais se afirma que o homem é lobo do homem e que as relações internacio-nais se baseiam nas relações de poder, em que o prin-cipal e único actor é o Estado. Os conflitos surgem devi-do ao choque de interesses entre os Estadevi-dos, pois parte -se do princípio epistemológico que o sistema interna-cional é anárquico já que cada actor é soberano e que o sistema não conta com uma sólida cabeça de poder. Esta situação provoca a existência de uma constante disputa entre os Estados para assegurar a segurança através do exercício de poder. A hierarqui-zação do sistema internacional é apresentada em fun-ção do poder que cada Estado é capaz de exercer, estando este caracterizado por sua capacidade militar e política para impor seus interesses a outros estados (Morgenthau, 1993). A melhor maneira de manter a paz entre duas potências é através do equilíbrio de poder (principalmente entendido em termos armamentistas).

A maioria dos realistas possui uma visão muito pessimista quanto a natureza humana. Os Homens são vistos pelos realistas como inerentemente destrutivos, egoístas, competitivos e agressivos. Eles são capazes de generosidade, bondade e cooperação, mas o orgulho e o egoísmo aspectos inerente à sua natureza humana fazem com que a humanidade seja propensa a confli-tos, violência e grandes males. Uma das grandes tragé-dias da condição humana é que esses traços destruti-vos nunca podem ser erradicados.

Os realistas tendem a ver as relações inter-pessoais e inter-estatais em termos pessimistas. Dai que os conflitos e guerras são considerados fenómenos endémicos no da vida nas comunidades e nos Estados e nada demonstra que o futuro na seja parecido com o passado belicista da humanidade. Assim como os indivíduos buscam seus próprios interesses, os Estados também estão envolvidos em uma luta competitiva implacável pelos interesses nacionais. Portanto, na sociedade doméstica, os conflitos são tratados e resol-vidos através do papel do governo autoritário e hierár-quico. Na sociedade internacional, os conflitos entre Estados são muito mais difíceis de resolver devido a anarquia do sistema. E, devido a ausência de governo mundial, os Estados têm de adoptar uma abordagem de “auto-ajuda” em relação aos seus interesses, sobre-tudo, nas questões de segurança.

Na obra “Guerra do Peloponeso”, Tucídides (460 -400 a.C.) refere que “a luta constante é um fenómeno marcante na vida humana e ganha as lutas não quem esteja certo, mas quem é o mais poderoso”. Desta fei-ta, a condição humana é marcada por uma luta incansável pelo poder que cessa apenas com a morte. Em caso de conflitos, os realistas dão um papel limitado a razão, lei, moral e às instituições. Nos Estados, a lei

Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014

(4)

pode ser uma forma eficaz para lidar interesses egoís-tas. No Sistema Internacional, os Estados recorrem às leis quando lhes convém, mas as ignoram se seus interesses estiverem ameaçados. E quando os Estados querem quebrar as regras, há muito pouco para detê-los, excepto com forças de compensação – coligação e alianças.

Os realistas não acreditam que as questões morais possam restringir de forma significativa o com-portamento dos Estados na arena internacional. Alguns realistas acreditam que deve ser dado muito pouca atenção à moral na actuação dos Estados na política mundial. Portanto, os realistas defendem ausência de um código moral universal e desencorajam o segui-mento de princípios morais, quando o Estados acredita que seus interesses estão ameaçados.

A visão liberal defende que “a guerra só é necessária quando a paz não é possí-vel” (Albuquerque, 2005:34). Desta feita, a guerra só é necessária quando a paz não é possível indica que a guerra poder ser uma necessidade, mas apenas na impossibilidade da paz. O estado natural das relações inter-pessoais e inter-estatais, dada a racionalidade humana é baseado na cooperação. A racionalidade humana permite que os indivíduos busquem evitar ris-cos inerentes à solução unilateral dos conflitos. O confli-to não é a única tendência inerente à convivência humana, porque a racionalidade permite alcançar convergência. Portanto, a condição essencial da vida humana e das comunidades é marcada pela coopera-ção é a paz. A guerra é necessária quando, por erros humanos, catástrofes, a cooperação torna-se impossí-vel.

Tendo em conta os pressupostos acima apresen-tados, dois desafios emergem. O primeiro é o desafio realista que deve demonstrar como é que, num ambiente intrinsecamente competitivo e anárquico, a paz é de tudo possível como acontece em muitas comunidades e Estados. O segundo é o desafio liberal que deve demonstrar como, dada a inclinação huma-na para a raciohuma-nalidade e cooperação, a guerra pode ocorrer como já se viu em muitos casos ao longo da evolução da humanidade.

Apesar da coerência intelectual, os pressupostos realistas foram submetidos a críticas ferozes pelos libe-rais. Os liberais e os teóricos da escola crítica referem que os realistas são obcecados à guerra e ao uso da força e menos preocupados com as questões éticas, nas suas abordagens para a resolução dos problemas e busca da paz. Eles preocupam-se com o uso da violên-cia e da guerra e tendem a ignorar as acções coope-rativas e os aspectos pacíficos da convivência entre as pessoas, comunidades e Estados.

As comunidades e os Estados estão a sofrer um conjunto de ameaças e vulnerabilidades fruto das dinâmicas da globalização, mundialização e interde-pendência global. Fenómenos como guerras intra-estatais, violência social, violência política organizada, tráfico de droga, terrorismo e outras ameaças, prolifera-ção de armamentos, ameaça da informaprolifera-ção, violên-cias urbanas, entre outros tipos de ameaças são semeados por grupos instigador que politizam aspectos como cultura, etnia, religião e ideologia para levar a cabo acções de violência e guerra. Desta feita, a edu-cação para paz, justiça, reconciliação e tolerância

tornam-se fundamentais nas comunidades e nos Esta-dos.

Ideias relacionadas com a necessidade de preservar a paz são fundamentais, porque a guerra não é necessária tendo em conta que as suas consequências são devastadoras que vão desde mortes, passando por destruições até ao atraso do desenvolvimento e crescimento das comunidades e das nações. O ensino e disseminação dos métodos de resolu-ção pacífica de conflitos recorrendo a arbitragem, concilia-ção, facilitaconcilia-ção, negociaconcilia-ção, mediaconcilia-ção, são fundamentais para a coexistência pacífica das comunidades e dos seus membros seja efectiva e se reduza os níveis de violência quer directa, assim como estrutural e cultural.

A cultura do acordo se caracteriza pela união solidária e complementaridade sustentada na diversi-dade, no respeito à diferença, no intercâmbio sem confrontação, na resolução do conflito em vez de se ocultá-lo ou de se evitá-lo, na explicitação do dissenso para buscar e encontrar a partir disso o consenso, na existência de diálogos e na coesão social que sirva a uma melhor qualidade de vida, sendo essa qualidade um elemento básico de que todos devem desfrutar. A partir dessa dimensão é possível se edificar uma comu-nidade e um Estado são e livre de situações de propen-são para violência.

Por isso, é fundamental que os líderes comunitá-rios e os governos tomem decisões de sofisticar do siste-ma de administração de conflitos para que não haja instrumentalização de mentes para recorrer a violência como mecanismo para resolver diferendos. Desta feita há que promover a confiança que consiste em reco-nhecer algum mérito a outra parte na interpreta-ção dos acontecimentos; a justiça através da disposi-ção de meio para devolver e restaurar os danos provo-cados no passado; o respeito mútuo que reside no reconhecimento do outro, perdão ou absolvição por parte de vítimas e autores; e a segurança que deve ser entendida como de coexistência pacífica, visto que o ambiente comunitário é, em si, um espaço de grande riqueza para fomentar a difusão e a aprendizagem dos métodos pacíficos de resolução de conflitos, e a pro-moção da mediação de conflitos sem recorrer à força.

Considerações Finais

A guerra e a paz são dois fenómenos que têm fortes ligações com a dimensão psicológica e anímica do homem. Assim como a violência é algo passível de ser ensinada a apreendida, a paz é passível de ser construída socialmente, como defende a UNICEF - como as guerras se iniciam nas mentes dos homens, é nas mentes dos homens que as defesas da paz devem ser construídas.

Desta feita, constata-se que enquanto fenóme-no fruto da construção psíquica e social do Homem, a paz é uma condição natural social, enquanto a guerra é uma criação social. A paz é uma situação social em que se verifica a ausência ou redução dos níveis de violência e a transformação criativa e não-violenta do conflito. Trata-se de uma situação em que não se regis-ta violência, conflito, guerra, insregis-tabilidade, convulsões sociais, manifestações violentas. Na realidade, a paz que existe é sempre o resultado de uma guerra anterior,

Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014

(5)

mais ou menos afastada no tempo, e as condições que ela estabelece, a ordem que ela representa, sempre beneficiam uns, a quem naturalmente agrada, e preju-dicam outros, que gostariam de a modificar.

O uso da violência impõe-se como a solução que resta para tentar alterar a situação. Uma paz que venha alterar o status quo pode significar o desenca-dear da violência. A paz, como situação social de não guerra, resulta sempre de uma guerra precedente, e engendra e explica a guerra seguinte, numa continui-dade guerra e paz que marca o ritmo profundo das relações entre as unidades políticas. Portanto, a guerra e a paz são dois fenómenos que sempre acompanha-ram a evolução da humanidade.

Referências Bibliográficas

Aguirre, M. (1995). La Agenda de la Investigación para

la Paz en los Años 90, en Vicent Martínez Guzmán,

Teo-ría de la paz. Nau LLibres, Valencia.

Albuquerque, José Augusto Guilhon (2005), Relações

Internacionais Contemporâneas: a ordem mundial depois da Guerra Fria, Editora Vozes, Petrópolis.

Barbosa, M., Machado, C., Matos, R., R Barbeiro, A.

(2013), A Psicologia da Paz, Revista Psicologia, Vol. XXVII (1), Edições Colibri, Lisboa, PP. 47-61.

Baylis, J. Y N.J. Rengger (1992), Introducción en

Dilem-mas of World Politics. Clarendon Press, Oxford.

Christie, D. J. (2001), Structural Peacebuilding:

Psychol-ogy and the Pursuit of Social Justice, In D. J. Christie, R.

V. Wagner, & D. A. Winter (Eds.), Peace, Conflict, and

Violence: Peace Psychology for the 21st Century,

Engle-wood Cliffs, New Jersey: Prentice‑Hall, PP. 277‑281.

Clausewitz, Carl Von (1984), On War, Princepton,

Univer-sity Press, Princepton, New York.

Fernandes, António José (1991), Relações Internacionais

– Factos, Teorias e Organizações, Edito-rial Presença,

Colecção: Biblioteca de Textos Universitários, Lisboa.

Galtung, J. (1990), Violence and Peace, In P. Smoker, R.

Davies, & B. Munske (Eds.), A Reader in Peace Studies, Pergamon, New York.

Hobbes, Thomas (1988) Leviatã, Tradução de Michael

Oakeshott, Basil Blackwell: Oxford.

James, W. (1995), The Moral Equivalent of War, Peace

and Conflict: Journal of Peace Psychology, Nr1, PP. 17‑-26.

King, Mary (2005), Glossary of Terms, University of Peace,

ONU.

McNair, R. (2012), The Psychology of Peace: an

Intro-duction, Praeger, Westport.

Morawski, J. G., & Goldstein, S. E. (1985), Psychology

and nuclear war: a chapter in our legacy of social re-sponsibility, American Psychologist Nr. 40, PP.276‑284.

Morgenthau, H. J. (1993). Politics Among Nations. The

Struggle for Power and Peace. McGraw Hill, New York.

Morgenthau, J. Hans (1978) Politics among Nations – The

struggle for power and peace. 5ª ed. Rev. Macgraw-Hill

Humanities: New York.

Organização Mundial da Saúde (1993), Classificação

de Transtornos Mentais e de Comportamento da Cid-10: Descrições Clínicas e Directrizes Diagnósticas, Artes

Médicas, Porto Alegre.

Sousa, Fernandes (2005), Dicionário de Relações

Inter-nacionais, edições Afrontamento, Lisboa.

Referências

Documentos relacionados

A proposta também revela que os docentes do programa são muito ativos em diversas outras atividades, incluindo organização de eventos, atividades na graduação e programas de

Avaliou-se o comportamento do trigo em sistema de plantio direto em sucessão com soja ou milho e trigo, sobre a eficiência de aproveitamento de quatro fontes

Para que este sistema passe de um aglomerado de módulos controladores à apenas uma tecnologia existente, principalmente na percepção das pessoas que integram cada

A magnitude do Reservatório, seu sistema de dependência entre reservatórios, a quantidade de municípios e da população direta e indiretamente influenciada, a

Faculdade de Economia da UFBA.. O trabalho identifica as estratégias adotadas pelo governo, através do PRODETUR, na tentativa de promover o desenvolvimento integrado

Observamos que a redução da expressão das proteínas não afetou a invasão do parasita no tempo de 2 horas, mas que a baixa expressão da proteína WASP se mostrou capaz de permitir

(...) logo depois ainda na graduação, entrei no clube, trabalhávamos com este caráter interdisciplinar, foi aí que eu coloquei em prática o que muito ouvia em sala (Rita - EV). Esse

Entrelaçado a isso, poderia contribuir a sugestão de preparação de atividades para alunos dos CLLE de nível 1, no lugar de ser aluna na turma deles (relato de 7 de março);