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A música "ouve-nos", não somos nós que ouvimos a música. Os Sons da História: um estudo de caso

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Academic year: 2021

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MESTRADO EM ENSINO DE HISTÓRIA

NO 3.º CICLO DO ENSINO BÁSICO E ENSINO SECUNDÁRIO

“A música “ouve-nos”, não somos nós que

ouvimos a música.”

Os

Sons da História

: um estudo de caso.

Helena Bibiana Ribeiro de Sousa Costa

M

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Helena Bibiana Ribeiro de Sousa Costa

“A música “ouve-nos”, não somos nós que ouvimos a música.”

Os Sons da História: um caso de estudo.

Relatório realizado no âmbito do Mestrado em Ensino de História no 3.º ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário, orientada pela Professora Doutora Cláudia Pinto Ribeiro

Orientador de Estágio, Professora Mestre Maria Albertina Nunes Viana Supervisor de Estágio, Professora Doutora Cláudia Pinto Ribeiro

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

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“A música “ouve-nos”, não somos nós que ouvimos a

música.”

Os Sons da História: um caso de estudo.

Helena Bibiana Ribeiro de Sousa Costa

Relatório realizado no âmbito do Mestrado em Ensino de História no 3.º ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário, orientada pela Professora Doutora Cláudia Pinto Ribeiro

Orientador de Estágio, Professora Mestre Maria Albertina Nunes Viana Supervisor de Estágio, Professora Doutora Cláudia Pinto Ribeiro

Membros do Júri

Professor Doutor Luís Miguel Duarte Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Professora Doutora Raquel Pereira Henriques

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa

Professora Doutora Cláudia Pinto Ribeiro Faculdade de Letras da Universidade do Porto

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«(…) a cultura não é um luxo de privilegiados, mas uma necessidade fundamental de todos os homens e de todas as comunidades. A cultura não existe para enfeitar a vida, mas sim para a transformar – para que o homem possa construir e construir-se em consciência, em verdade e liberdade e em justiça.»

Sophia de Mello Breyner Andresen Assembleia Constituinte, 2 de setembro de 1975.

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Sumário

Declaração de honra ... 12 Agradecimentos ... 13 Resumo ... 15 Abstract ... 16 Résumé ... 17 Introdução ... 18 Justificação do tema ... 21 Objetivos e metodologia ... 23 Capítulo 1 – A partitura ... 25 1.1. E porquê a música? ... 34

1.1.1. A música e o desenvolvimento cognitivo ... 42

1.1.2. A música e o desenvolvimento psicomotor ... 47

1.1.3. A música e o desenvolvimento socio afetivo ... 51

1.1.4. A música e a Teoria das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner ... 55

1.2. A importância das atividades extra-aulas para alunos e professores ... 57

1.3. Os “Sons da História” e o Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória 66 Capítulo 2 – A execução ... 68

Clave de Sol. A Escola ... 68

Dó. Em que contexto surge a atividade “Os Sons da História”? ... 70

O que é o dia GFA? ... 73

Ré. Quem são os cantores? ... 74

Mi. Avanços e recuos ... 74

Fá. Os ensaios ... 76

O primeiro ensaio ... 76

O segundo ensaio ... 82

Sol. It’s show time: o dia GFA 2018 ... 84

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Si. Oops… I did it again! O dia GFA 2019 ... 88

Ensaios e alterações ... 88

O subir da cortina ... 89

Dó. The last time… ... 90

Capítulo 3 – A receção ... 93

Inquérito aos alunos participantes ... 94

Inquérito aos Encarregados de Educação ... 108

Capítulo 4 – A crítica ... 113

Referências bibliográficas ... 126

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Declaração de honra

Declaro que o presente relatório é de minha autoria e não foi utilizado previamente noutro curso ou unidade curricular, desta ou de outra instituição. As referências a outros autores (afirmações, ideias, pensamentos) respeitam escrupulosamente as regras da atribuição, e encontram-se devidamente indicadas no texto e nas referências bibliográficas, de acordo com as normas de referenciação. Tenho consciência de que a prática de plágio e autoplágio constitui um ilícito académico.

Paredes, 1 de setembro de 2019

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Agradecimentos

Ao longo da nossa existência temos sempre pessoas que nos ajudaram, quer por nos darem amor, quer por nos chamarem à atenção quando mais precisamos. Todo o processo de mudança, aprendizagem e crescimento que levou à elaboração deste relatório de estágio foi dos momentos mais atribulados que vivi até ao momento.

Apesar de todas as ajudas que fui recebendo, a mais especial foi sem dúvida a da família e, particularmente, da minha mãe e é a ela que dirijo a minha primeira palavra de agradecimento. Obrigada por me teres posto no Mundo, por me educares para ser a pessoa que sou e por sempre teres estado presente em todos os momentos da minha vida. Obrigada por me teres incentivado a estudar e a perseguir os meus sonhos. Sabes o quanto foi difícil para mim e para nós ter chegado aonde estou hoje. Igualmente importante és tu Telmo. O teu ruído ensurdecedor durante a noite certamente ajudou-me a perder momentaneamente o juízo, mas és o melhor irmão que poderia desejar.

Professora Cláudia Pinto Ribeiro, obrigada por ter sido a minha voz da razão quando precisei. Por me ter ajudado a levar este relatório a bom porto e por todos os momentos em que ouviu os meus desabafos. Posso não ter acertado em algumas coisas até hoje, mas certamente acertei quando escolhi a melhor orientadora. Não sei se teria conseguido sem a sua ajuda.

À Professora Maria Albertina Viana, por se ter disponibilizado para me receber quando já tinha dois estagiários e por sempre ter incentivado a nossa criatividade. Ter uma professora orientadora assim empenhada, interessada e criativa depois de tanto anos de carreira é realmente um estímulo para começar a minha vida como professora. Espero vir a ser pelo menos metade daquilo que a professora me ensinou.

Não poderia também esquecer todas as pessoas que foram importantes para mim. Ao meu companheiro de todos os momentos. Soubeste sempre como me apoiar e me ajudar a enfrentar as dificuldades que foram surgindo e, principalmente, pelas muitas horas que passaste a olhar para mim, em silêncio, enquanto escrevia este relatório.

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Babo, por serem os melhores amigos que eu alguma vez poderia ter. Por terem ultrapassado todos os momentos comigo, por todas as vezes que me esqueci de vos responder, mas, principalmente, pelas ausências que não tiveram impacto na nossa amizade e pela ajuda que me deram neste relatório. Aos novos amigos: André Alves e colegas de trabalho que animaram os meus dias de trabalho e me ajudaram a não “desafinar” enquanto escrevia este relatório. À Emma, pela ajuda relativamente ao francês. E Vanessa Antunes: longe, mas nunca separadas.

E porque fomos mais do que colegas de núcleo de estágio, fomos também amigos… a vocês Duarte Duarte e Marco Costa. Obrigada por me terem acolhido no vosso núcleo. Nunca deixaremos de ser “a dama e os vagabundos”. Tenho a certeza de que serão excelentes profissionais em tudo o que fizerem da vida. Joana Sequeira, obrigada pelas opiniões que partilhamos ao longo deste ano e pelas ideias que me foste dando.

Aos professores de História, Prof.ª Dulcineia, Prof.ª Sílvia e Prof. António Luís, que tive no meu percurso enquanto aluna. Foi o vosso amor pela profissão e coração sempre preocupado com todos nós (ainda que muitas vezes vos considerássemos aborrecidos) que me levou para este curso e para este momento da minha vida.

A todos que me desconhecem, mas que eu ouvi incessantemente e cujas músicas me levantaram a moral quando tudo parecia perdido.

E porque os últimos também são os primeiros. A todos os que fazem parte da Escola Secundária Dr. Joaquim Gomes Ferreira Alves, desde o Sr. Diretor Álvaro Almeida dos Santos até aos restantes funcionários, por nos terem ajudado em todos os momentos e nunca nos terem “cortado as asas”. Um obrigado especial à Professora Júlia Rocha, por me ter deixado acompanhar todos os passos da atividade “Sons da História”; e à D.ª Leónia por toda a ajuda e paciência que teve connosco.

E a gratidão mais especial: a todos os alunos. Acreditem que aprendi mais com vocês do que vocês comigo. São crianças e mini adultos muito especiais e que jamais esquecerei. Enquanto alunos, vemos que professores existem muitos e poucos são os que nos marcaram verdadeiramente, mas acredito que nenhum professor esquece os seus primeiros alunos. Foram um desafio muito importante para mim e toda esta experiência e estas páginas que se seguem não existiriam sem vocês.

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Resumo

A música está presente em todos os momentos da nossa vida… no carro quando vamos para casa ou para o trabalho, no ginásio quando nos esforçamos para alcançar o nosso corpo de sonho, nos momentos de estudo, nos anúncios publicitários, até mesmo no elevador quando depois de um dia de trabalho regressámos a casa. Mas, e se a música também estivesse presente na Escola?

No ano letivo 2017/2018, durante o estágio profissionalizante na Escola Secundária Dr. Joaquim Gomes Ferreira Alves, inserido na unidade curricular de Iniciação à Prática Profissional do Mestrado em Ensino de História no 3.º ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário, tomei contacto com a música como até então não tinha tomado. Este relatório não se trata de uma interpretação A Capella. Neste concerto o “cantor” foi acompanhado de várias dificuldades, de mudanças e de conquistas, e terminou recebendo uma ovação de pé por parte das aprendizagens.

Ao longo deste trabalho focámo-nos em relatar a experiência que tivemos no estágio através da atividade “Sons da História”, realizada no contexto da celebração do dia Geração Ferreira Alves (GFA). Esta atividade, comum à disciplina de História e ao grupo de Artes Performativas, pretendia levar o público numa viagem pela História através das músicas que marcaram as diferentes épocas e acontecimentos. Através dos estudos efetuados sobre a música e os seus benefícios para o desenvolvimento holístico das crianças e jovens, da Teoria das Inteligências Múltiplas do psicólogo Howard Gardner e do Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória procurámos justificar quais as vantagens que este género de atividades trazem aos alunos e de que forma se enquadram no sistema educativo.

Palavras-chave: música, atividades extra-aulas, viajar através da música, aprendizagem

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Abstract

Music is present in every moment of our lives... on our daily commute to work or school, at the gym while we work towards our dream body, while we study, in advertisements, even on the elevator that we take home after a day of work. But... what if music was also a presence at school?

During the school year of 2017/2018 and my professional internship at Dr. Joaquim Gomes Ferreira Alves High School, part of my course unit of Initiation of Professional Practice in a master’s degree on Teaching History in primary and secondary education, I got in touch with music in a way I never had before. This report is not an "a cappella" interpretation. In this concert, the "singer" was accompanied by many difficulties, changes and conquests, and ended it with a standing ovation from all they learned.

Throughout this thesis we focused on reporting all experiences lived during the internship, through the activity "Sounds of History", performed in celebration of a day dedicated to Ferreira Alves Generation. This activity, shared by both the History Curriculum and the Performative Arts group, intended to take the audience on a journey through history, using music that was representative of different eras and events. Through the study of music and their benefits on the holistic development of children and teenagers, aided by the Multiple Intelligences Theory of psychologist Howard Gardner and The Student Profile After Leaving Obligatory Schooling, we seeked to justify the clear advantages of this type of activities for students and how they can fit in the educational system.

Keywords: music; extra-curricular activities; traveling through music; learning through

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Résumé

La musique est présente dans chaque moment de notre vie ; dans la voiture lorsque nous nous rendons à la maison ou au travail, à la salle de sport lorsque nous nous efforçons à avoir le corps de nos rêves, dans les moments d’études, dans les annonces publicitaires et même dans l’ascenseur. Et si la musique était également présente à l’école ?

Lors de mon stage professionnel à l'École Secondaire Dr. Joaquim Gomes Ferreira Alves durant l’année scolaire 2017/2018, j’ai été intégrée au sein de l’unité curriculaire de l’Initiation à la Pratique de Master en Enseignement d’Histoire du troisième cycle d’Enseignement Basique et Enseignement Secondaire. J’ai alors pris contact avec la musique comme jamais auparavant. Ce rapport ne s’agit pas d’une interprétation A Capella. Lors de ce concert, le “chanteur” a rencontré plusieurs difficultés, des changements et des succès et a terminé en recevant une ovation de la part des apprentis. Tout au long de ce devoir, nous nous sommes concentrés sur le fait de relater l’expérience acquis durant le stage à travers l’activité “Sons de l’Histoire”, réalisé dans le contexte de la célébration du jour Génération Ferreira Alves (GFA). Cette activité, commune à la discipline d’Histoire et au groupe d’Arts Performants, prétendait emmener le public dans un voyage dans l’Histoire à travers les musiques qui ont marquées les différentes époques et évènements.

A travers les études effectuées sur la musique et ses bénéfices pour le développement holistique des enfants et des jeunes, de la Théorie des Intelligences Multiples du psychologue Howard Gardner et du Profil de l'Étudiant à la sortie de le Scolarité Obligatoire, nous cherchons à justifier quels sont les avantages que ce type d’activités apportent aux élèves et de quelle forme elles s’implantent dans le système éducatif.

Mot-clés : musique, activités extra-scolaires, voyager à travers la musique, apprentissage

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Introdução

Para Sócrates, “a música deve culminar no amor ao belo”1.

Para Platão, “a música é uma lei moral. Ela dá alma ao universo, asas à mente, voo à imaginação e vida a tudo!”2.

Para Aristóteles, “a música é celeste, de natureza divina e de tal beleza que encanta a alma e a eleva acima da sua condição”3.

Para Jean Jacques Rousseau, a “Música é a Arte e Ciência de combinar os Sons de forma agradável ao ouvido”4.

Para Victor Hugo, “a música expressa o que não pode ser dito em palavras, mas não pode permanecer em silêncio”5.

Já Albert Einstein, dizia que “se não fosse um físico, provavelmente seria um músico. Muitas vezes penso na música, eu vivo os meus sonhos na música, eu vejo a minha vida em termos de música”6.

Para Paul McCartney, “[…] a música pode curar. As pessoas encontram paz na música. Todas as vezes que eu me sinto triste, coloco um disco de Elvis e sinto-me melhor”7. O mesmo pensamento é partilhado pelo Sir Elton John, seu conterrâneo, para

quem “a música tem poder de cura. Ela tem a capacidade de puxar as pessoas para fora de si por algumas horas”8.

Para Stevie Wonder, “a música é um mundo em si mesmo, é uma linguagem que todos nós entendemos”9.

Para mim, a música é a forma de Arte que está presente em todos os dias da nossa vida. Faz-nos pensar, sentir, agir, influencia-nos, mas nunca nos deixa indiferentes.

1 Platão. A República. P. 141.

2 Disponível em: https://pt.lifeder.com/frases-de-platao/, acedido a 10/06/2019.

3 Disponível em: www.citador.pt/frases/a-musica-e-celeste-de-natureza-divina-e-de-tal-b-aristoteles-2054,

acedido a 10/06/2019.

4 Pinto, J. C. (2017). Conversas sobre História da Música. Lisboa: Edições Colibri, p. 21. 5 Disponível em: https://www.pensador.com/frase/NDY3NTUz/, acedido a 10/06/2019. 6 Disponível em: https://pt.lifeder.com/frases-sobre-musica/, acedido a 10/06/2019.

7 Disponível em:

https://quemdisse.com.br/frase/eu-acredito-que-a-musica-pode-curar-as-pessoas-encontram-paz-na-musica-toda-vez-que-eu-me/57207/, acedido a 10/06/2019.

8 Disponível em: https://www.emfabricadesons.com.br/#, acedido a 10/06/2019. 9 Disponível em: https://pt.lifeder.com/frases-sobre-musica/, acedido a 10/06/2019.

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Podemos dizer que gostamos ou não de determinada música. Podemos dizer que não a conhecemos, mas, depois de a ouvirmos não conseguimos dizer que não temos opinião formada. A Música é igualmente importante para todos nós, independentemente do nosso género, aspeto físico, orientação sexual, nível socioeconómico, habilitações académicas, etc. E, se refletirmos sobre isso, a Música “conhece” os nossos estados de espírito como mais ninguém.

É precisamente por todas estas características que a música foi frequentemente utilizada ao longo da História, não sendo exclusiva dos seres humanos. Aliás, no ponto de vista de Patricia Gray e dos seus colegas, nós somos uma espécie de “latercomers” para o cenário musical quando comparados com, por exemplo, as baleias (Gray et al., cit. por Leutwyler, s.d., para. 12). O instrumento musical mais antigo encontrado até este momento, uma flauta feita de ossos, tem entre 30.000 e 40.000 anos e foi encontrado em Hohle Fels, uma gruta no sul da Alemanha (Koelsch, 2011, p. 1). Os seres humanos são os únicos capazes de tocar instrumentos musicais, sendo que, no início do seu processo evolutivo, a música e a reunião de vários indivíduos para fazer música pode ter sido um fator chave para o desenvolvimento da linguagem e de funções sociais como a cooperação (Koelsch, 2011, p. 1).

«A música, junto à linguagem, é um dos traços exclusivos dos seres humanos. Apesar da existência do canto dos pássaros e alguns tipos de comunicação entre primatas e baleias, por exemplo, nenhuma outra espécie possui esses dois domínios organizados de maneira como são nos seres humanos.» (Mithen, 2006, cit. por Rocha & Boggio, 2013, p. 132)

O papel da música e a sua importância no desenvolvimento assim como a linguagem é, ainda, uma perspetiva que gera debates no meio académico, existindo investigadores que divergem relativamente ao momento em que se desenvolve uma verdadeira cultura musical. No ponto de vista de John Blacking, primeiro investigador a afirmar que as crianças possuem cultura musical na década de 1970, fazer música é “an inherited biological predisposition which is unique to the human species” (Blacking, 1973, p. 7 cit. por Campbell, 2010, p. 4).

Em alguns momentos podemos ser levados a pensar que a música transmite aos outros a verdade dos povos que a compuseram devido à linguagem utilizada para

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expressar os verdadeiros sentimentos e circunstâncias, porém, como nos chama à atenção Theodor W. Adorno10 (1971),

«Dato che la musica non è manifestazione di verità, ma è realmente ideologia, e dunque nella veste in cui viene percipa dale popolazioni occulta a queste la realtà sociale, si pone di necessità la questione relativa al suo rapporto com le classi social.» (p. 67)

A ideologia de que nos fala Theodor W. Adorno esteve presente na atividade “Os Sons da História”. Esta permite-nos observar, de forma crítica, o modo como a música foi utilizada para estimular comportamentos, mas também, como forma de terapia para os seres humanos, dependendo do ambiente em que se inserem, do seu estado de espírito, do seu gosto pessoal e dos seus conhecimentos sobre música (Stefani, 1987, p. 10). O sentido de união e de preparação dos indivíduos para algo, através da música, é facilmente observável na Capoeira, na Calinda, no Tahtib, entre outras formas de artes marciais.

É também possível distorcer a mensagem transmitida pela música, conforme demonstram os comportamentos adotados por Charles Manson que, apaixonado pela banda inglesa The Beatles, criou a sua própria teoria da conspiração defendendo que estaria iminente uma guerra racial, de onde os negros sairiam vencedores. Para formular as suas teorias, Manson baseou-se no que acreditavam serem mensagens subliminares, dirigidas a si, nas músicas “Revolution” e “Helter Skelter”. Constata-se que a música “is a social phenomenon. As much as we want to, we cannot let music just be music” (Söderman, Burnard, & Hofvander-Trulsson, 2016, p. 5).

Relativamente ao papel da música enquanto recurso nas aulas de História, são já vários os trabalhos que apontam para os seus benefícios (Ferreira, 2010; Valverde, 2014; Carvalho, 2015), pois esta atrai os alunos e motiva-os para o estudo da disciplina, aliando um gosto que todos têm, com o carácter lúdico e simultaneamente erudito, a que dificilmente teriam acesso se não fosse em contexto de sala de aula. A música é de tal forma versátil que podemos utilizar canções que estão presentes no quotidiano dos alunos

10 Theodor Ludwig Wiesengrynd-Adorno nasceu a 11 de setembro de 1903 e morreu a 6 de agosto de 1969.

Foi um filósofo, sociólogo, musicólogo, compositor alemão e membro fundador da Escola de Frankfurt. O seu relacionamento com a música deve-se ao seu contexto familiar, a sua mãe foi uma cantora lírica profissional, aprendeu piano com a sua tia Agathe, assim como estudou composição com Alban Berg e Bernhard Sekles, compositor austríaco. Atualmente é reconhecido como o pai da sociologia da música. Disponível em: https://www.ebiografia.com/theodor_adorno/, acedido a 01/09/2019.

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para explicar os assuntos do passado, como é o caso de “Bella Ciao”. Esta canção teve origem nos campos italianos, foi adaptada para canção de resistência durante o governo de Mussolini e posteriormente reinterpretada por artistas de todo o Mundo ao longo dos anos. Recentemente entrou no dia-a-dia dos nossos alunos através da série da Netflix “La Casa de Papel”11.

No entanto, ouvir música em contexto de sala de aula não se resume à simples audição para lazer. Conforme Swanwick salienta «a definição de ‘ouvir música’ vai para além da audição realizada nas aulas, a par de actividades de interpretação, composição e desenvolvimento de competências» (Swanwick, 1979 cit. por Palheiros & Hargreaves, 2002, p. 48).

Devido à sua versatilidade, devemos educar os nossos alunos para apreciar ou, pelo menos, conhecer e tolerar os diversos tipos de música que existem, adotando um papel crítico perante os mesmos, mas não os podemos forçar a amar a música (Gordon, 2000, p. 51). Podemos alcançar ainda melhores resultados se não apostarmos na utilização da música exclusivamente enquanto recurso nas aulas de História. Se educarmos os alunos de História e, ao mesmo tempo, os seus colegas que não frequentam a disciplina e os seus Encarregados de Educação, estaremos a combater o preconceito de que a História é só decorar o texto dos manuais e a contribuir para a compreensão do Mundo.

Podemos afirmar que a Música move o Mundo e moveu também o presente relatório.

Justificação do tema

Este trabalho teve origem na unidade curricular de Introdução à Prática Profissional, lecionada no segundo ano do Mestrado de Ensino da História no 3.º ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

11 «Oito habilidosos ladrões se trancam na Casa da Moeda de Espanha com o ambicioso plano de realizar

o maior roubo da história e levar com eles mais de 2 bilhões de euros. Para isso, a gangue precisa lidar com dezenas de pessoas que manteve como refém, além dos agentes da força de elite da polícia, que farão de tudo para que a investida dos criminosos fracasse.» Disponível em: www.adorocinema.com/series/serie-21504/, consultado a 15/05/2019.

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Em setembro de 2017, iniciei o meu percurso como estagiária na Escola Secundária Dr. Joaquim Gomes Ferreira Alves, em Valadares, e foi lá que comecei a tratar a Música por

tu. Ao longo do meu percurso académico não tive formação musical (à exceção da

disciplina de Educação Musical que frequentei no 5.º e no 6.º ano), apenas aprecio esta forma de Arte da mesma maneira que a maioria dos indivíduos a aprecia: de forma subjetiva. Todavia, seria precisamente o meu percurso académico a levar-me para esta escola extraordinariamente dinâmica e onde aprendi a amar a música de mais modos do que aqueles que conhecia.

O tema deste relatório não foi algo pensado com anos de antecedência. Surgiu numa conversa informal com os colegas, a professora cooperante Albertina Viana e a professora supervisora Cláudia Pinto Ribeiro, durante a qual se abordaram as atividades que o grupo de História iria promover durante o ano letivo. Ao escutarmos sobre esta proposta ficamos automaticamente curiosos, questionando-nos sobre a importância destas atividades extra-aulas para os alunos e em que medida teriam impacto nos seus conhecimentos específicos para a disciplina de História.

Ao contrário do que inicialmente estava previsto, este projeto prolongou-se por dois anos letivos: o de 2017/18 e de 2018/19. Todos os anos, a Escola Secundária Dr. Joaquim Gomes Ferreira Alves celebra o dia do patrono com atividades promovidas pelos diversos grupos disciplinares e pelos Clubes da escola para mostrar, aos colegas e aos alunos de escolas convidadas, as atividades desenvolvidas pelos alunos.

Nos anos anteriores, o grupo de História propôs aos alunos que elaborassem alguns trabalhos, sobre um tema à sua escolha, que depois seriam selecionados para formar uma exposição. Por sua vez, o Clube de Artes Performativas também desenvolvia as suas atividades, separado de qualquer disciplina. No ano letivo de 2017/18, numa conjugação de fatores, tomou-se a decisão de realizar um espetáculo musical que levaria os alunos numa viagem pelo tempo através da música e da dança, unindo assim, pela primeira vez, os alunos de História com os alunos do Clube de Artes Performativas.

A música, nas palavras de Isaura Carvalho (2015), é “parte integrante da sociedade e da cultura nos diferentes momentos históricos e acreditamos que a música espelha a conjuntura histórica, económica e social em que surgiu” (p. 13-14). Partilhamos deste

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pensamento e consideramos que esta é uma iniciativa diferente e muito apelativa para os alunos. Assim sendo, decidimos que todo o processo relacionado com a preparação e realização da mesma seria o assunto sobre o qual nos iríamos debruçar no relatório de estágio.

Como este tema surgiu de uma oportunidade do momento, não possuíamos um plano rígido a seguir. Assistimos então à preparação do espetáculo, sendo que todas as decisões foram todas pelas professoras Albertina Viana e Júlia Rocha, coordenadoras da atividade, e de acordo com as condicionantes que existiam, procurando sempre conciliar a opinião dos restantes professores do grupo de História. A minha participação neste projeto resume-se ao papel de espectadora e de ajudante na mesa de som, auxiliando assim a professora Júlia Rocha.

Objetivos e metodologia

Neste trabalho seguimos uma metodologia descritiva, ou seja, procedemos ao acompanhamento, através de observação sistemática, de todo o planeamento e execução da atividade “Sons da História”. Por esta razão, neste relatório não podemos oferecer uma “partitura” já concluída ao leitor para que possa “tocar” por si mesmo um projeto semelhante, porém, fornecemos todos os pontos fortes e menos fortes que observámos durante o projeto.

Todos os contextos são diferentes. Apesar de começarmos a acompanhar um projeto que não sabíamos onde nos iria levar nem se viria a dar “frutos”, definimos como objetivos: demonstrar a importância destas atividades para os alunos e conhecer o impacto destas atividades nos Encarregados de Educação.

Para atingirmos os objetivos supramencionados, acompanhámos todas as reuniões que se iam realizando para elaborar este espetáculo e os ensaios. E para compreendermos o impacto desta atividade nos alunos e nos Encarregados de Educação, decidimos aplicar um questionário a todos os participantes e elementos do público no último espetáculo.

Por uma questão de organização, optámos por dividir o presente relatório em quatro capítulos. No primeiro capítulo “A partitura”, o leitor poderá encontrar o enquadramento

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teórico, onde procuramos explicar o porquê de destacarmos a Música, assim como a importância das atividades extra-aulas para os alunos e para os professores. No mesmo capítulo, abordamos ainda a teoria das Inteligências Múltiplas do psicólogo Howard Gardner e de que forma se relaciona este tipo de atividades com o documento do Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória. No segundo capítulo “A execução”, o leitor pode inteirar-se de todos os passos deste projeto: contexto escolar, como surgiu a ideia, quem são os cantores, como decorreram os ensaios e os espetáculos. E porque para Bell (2004), “a etapa, dedicada à concepção do inquérito só chegará depois de se ter realizado todo o trabalho preliminar” (p. 117), no terceiro capítulo, “A receção”, damos a conhecer a opinião dos alunos e dos Encarregados de Educação sobre este género de atividades. Por último, no quarto capítulo, “A crítica”, iremos apresentar as nossas conclusões sobre esta experiência e sobre este relatório.

Ao longo deste trabalho, o leitor também pode constatar que a cada título foi atribuída uma cor diferente, num total de sete tons que correspondem às cores do arco-íris. Nós tomamos esta decisão porque acreditámos que a música é como o arco-íris, ninguém sabe onde se encontra o fim, assim como o podemos interpretar de diversas maneiras dependendo daquilo em que acreditámos. À semelhança do que ocorre com as cores, a música também pode simbolizar o amor, o espírito revolucionário e a coragem (tal como o vermelho); a comunicação e estimular a criatividade (como a cor laranja); a felicidade (como a cor amarela); a esperança e a paz (tal como a cor verde); apelar à calma e à harmonia (como a cor azul); a sinceridade e a individualidade (como o índigo); ou a magia, introspeção e espiritualidade (como o violeta).

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Capítulo 1 – A partitura

«The benefits of introducing the arts and cultural practices into learning environments showcase a balanced intellectual, emotional and psychological development of individuals and societies. Such education not only strengthens cognitive development and the acquisition of life skills – innovative and creative thinking, critical reflection, communicational and inter-personal skills, etc. – but also enhances social adaptability and cultural awareness for individuals, enabling them to build personal and collective identities as well as tolerance and acceptance, appreciation of others. »

Discurso de abertura de Irina Bokova na International Arts Education Week, em 2012.12

Para a UNESCO, os benefícios que decorrem das aprendizagens sobre Arte permitem que os indivíduos (e consequentemente as sociedades) se desenvolvam de forma equilibrada de um ponto de vista intelectual, emocional e psicológico. Neste sentido, a educação através da Arte deve ser incentivada e valorizada.

De acordo com Alberto B. Sousa (2003a), a educação através da arte pode ser definida como uma forma de «educação do sensível, tendo em vista a estimulação e enriquecimento do racional, numa interação benéfica entre o pensar, o sentir e o agir, dirigindo-se com especial interesse para os problemas que afectam a criança e o adolescente» (pp. 81-82) e «vai mais longe do que a simples administração de conhecimentos, visando entre outros objectivos, o aperfeiçoamento da percepção e da actividade simbólica, ou seja, a aquisição e desenvolvimento dos instrumentos básicos do pensamento: sentimentos, imagens, palavras, ideias» (p. 83). Esta definição é complementada pelos princípios defendidos por Lima e Mello (2013), para quem educar

12 Irina Bokova, diretora geral, no seu discurso inaugural, por ocasião da International Arts Education Week.

Disponível em: http://www.unesco.org/new/en/culture/themes/creativity/arts-education, acedido a 30/07/2019.

Irina Bokova nasceu a 12 de julho de 1952, na Bulgária. Foi a primeira mulher e a primeira pessoa da Europa Oriental a ser eleita para o cargo de diretora-geral da UNESCO a 15 de novembro de 2019. Venceu novamente as eleições em 2013 e desempenhou este cargo até 10 de novembro de 2017, data em que foi sucedida por Audrey Azoulay (ex-Ministra da Cultura em França). Durante o seu mandato, Irina Bokova focou-se em promover causas sociais (como uma educação de qualidade para todos, a igualdade de género, o diálogo intercultural, liberdade de expressão e segurança dos jornalistas) e ambientais. Disponível em:

https://en.unesco.org/internet-and-radicalization-youth-preventing-acting-and-living-together/irina-bokova, acedido a 01/09/2019.

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através da Arte

«além de criar um desenvolvimento artístico e a percepção estética, acaba ordenando, no seu próprio modo, o sentido da experiência humana, porque auxilia desenvolver a sensibilidade, imaginação e percepção, de forma que o individuo perceba a sua forma artística junto a outras pessoas de diferentes culturas [para além de que favorece que o indivíduo aprenda a] relacionar-se criadoramente com demais disciplinas do currículo, em sua vida escolar.» (p. 98)

Porém, enfrentamos uma adversidade: nem sempre o acesso a este direito é facilitado. Para tal, apontam-se várias razões que se estendem desde a iliteracia para a Arte, os baixos rendimentos e os elevados custos no acesso aos espaços culturais, frequentemente distribuídos de forma desequilibrada pelos países.

Decorria o ano de 2015 quando, em Itália, Matteo Renzi prometeu a atribuição de 500 euros aos jovens, no momento em que completam 18 anos, para gastar em iniciativas culturais.13 Esta medida surgiu no seguimento do anúncio de um maior investimento na

defesa, face ao receio de atentados terroristas como o que ocorreu meses antes em França. Apesar de ter demorado nove meses a ser implementada, a promessa foi cumprida. O exemplo italiano foi, depois, seguido em França pelo governo de Emmanuel Macron, numa iniciativa designada por “Passe Cultural”. Esta medida consistiu na oferta de 500 euros através de uma app, aos jovens que completam 18 anos, para que possam aceder a atividades culturais perto da sua localização e que, à primeira vista, não selecionariam.14 Em terras lusas, uma ideia semelhante foi uma das contempladas no Orçamento Participativo de 2017. À iniciativa “Educar Para a Cultura” foi atribuído um orçamento de 200 mil euros e um período de concretização do projeto de 18 meses. Este projeto distingue-se dos demais porque o valor do cheque-cultura não chega a ser definido e não é conhecido o seu impacto na população. Ainda que frustradas, estas iniciativas políticas demonstram que existe sensibilidade para a necessidade de educar os jovens para a Cultura.

Um dos melhores exemplos relativamente à valorização da Cultura e do património imaterial vem do outro lado do Atlântico: Brasil. As suas primeiras

13 Disponível em:

https://abc.es/cultura/adci-italia-regalara-500-euros-jovenes-18-anos-para-gastar-cultura-201608231845_noticia.html, acedido a 03/08/2019.

14 Disponível em:

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instituições ligadas à promoção da Cultura datam de 1975 com a criação da Fundação Nacional de Artes que, no início da sua atividade, se dedicou à música, artes plásticas e artes visuais. Recentemente assistiu-se, também, à criação do Plano Nacional de Cultura pela Lei n.º 12.343, de 2 de dezembro de 2010. Com este Plano, a Cultura foi convertida numa prioridade nacional, quer pelos benefícios económicos que traz ao País, quer pela união que concede à população. Entre outros aspetos, esta lei prevê que se estabeleçam «programas específicos para setores culturais, principalmente para artes visuais, música, artes cénicas, literatura, audiovisual, patrimônio, museus e diversidade cultural (…)»15.

A música é de especial importância para os nossos “amigos” brasileiros, que reconhecem que a sua música popular «é um dos patrimônios da cultura brasileira mais valorizados no País e no mundo. O Brasil tem uma música diversificada em dezenas de gêneros e públicos e que se relaciona de maneiras distintas com os diversos segmentos da população»16. De entre as várias medidas apontadas no Plano Nacional de Cultura, no que concerne à Música destacamos o fomento da «instalação e a ampliação de acervos públicos de música e fonotecas nas escolas (…)»17 e o fomento da «execução pública e

ao vivo de música popular, erudita e de concerto»18.

Combater a desigualdade geográfica e socioeconómica no acesso à Cultura é também uma prioridade do Ministério da Cultura brasileiro. Criado pela lei n.º 12.761/2012 e regulamentado em 2013, o Vale-Cultura é uma iniciativa do governo brasileiro que consiste na conceção, por parte de algumas empresas parceiras, de um vale aos trabalhadores que recebem até cinco salários mínimos. Este vale tem um valor mensal de 50 reais e permite: «comprar livros, DVD’s, CD’s, obras de arte visuais, instrumentos musicais, entre outros produtos culturais», «pagar mensalidades de cursos de arte e cultura», «assinar serviços culturais pela internet» e «comprar ingressos para cinemas,

15 Decreto Lei nº 12.343 de 2 de Dezembro. de 2010, capítulo I, ponto 1.5.4. Disponível em:

planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12343.htm, acedido a 15/05/2019.

16 Diretrizes do Plano Nacional de Cultura. (2008). 2.ª, p. 36. Disponível em:

http://pnc.cultura.gov.br/wp-content/uploads/sites/16/2018/05/Plano-Nacional-de-Cultura-Diretrizes.pdf, acedido a 15/05/2019.

17 Diretrizes do Plano Nacional de Cultura. (2008). 2.ª ed, p. 63, ponto 1.12. Disponível em:

http://pnc.cultura.gov.br/wp-content/uploads/sites/16/2018/05/Plano-Nacional-de-Cultura-Diretrizes.pdf, acedido a 15/05/2019.

18 Diretrizes do Plano Nacional de Cultura. (2008). 2.ª ed, p. 83, ponto 2.15. Disponível em:

http://pnc.cultura.gov.br/wp-content/uploads/sites/16/2018/05/Plano-Nacional-de-Cultura-Diretrizes.pdf, acedido a 15/05/2019.

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museus, apresentações musicais, de teatro, de dança, circenses, entre outros».19 Apesar da iniciativa política, o valor deste vale não é financiado diretamente pelo governo, mas sim pelas empresas que, em troca de benefícios fiscais, podem contribuir para a valorização cultural das suas equipas.

Neste momento, a política cultural brasileira enfrenta um momento de incerteza, dado que se assistiu à união dos ministérios da Cultura, do Esporte e do Desenvolvimento Social em um só: o Ministério da Cidadania.

Rumando a este lado do Atlântico, no caso português, a Constituição prevê que «todos têm direito à educação e à cultura»20 e que o Estado deve promover o acesso de todos os cidadãos à mesma (art. 78.º). Comparativamente com o Brasil, em Portugal, ainda não se encontram reunidas todas as iniciativas com o objetivo de promover o património musical. No ano de 2011 realizaram-se os primeiros esforços com a fundação de um espólio audiovisual designado “A Música Portuguesa a gostar dela própria”, com o objetivo de “criar uma consciencialização para o conhecimento e importância de um património vivo e muitas vezes esquecido de tradição oral, cantigas, romances, contos, práticas sacro-profanas, músicas, danças e também gastronomia”21.

Todavia, por parte da iniciativa política, só agora, em Portugal, se começam a dar os primeiros passos para a criação de um Plano Nacional das Artes, que fará par com os já existentes Plano Nacional de Leitura e Plano Nacional do Cinema.

No discurso de Graça Fonseca, ministra da Cultura. no debate do orçamento de Estado de 2019, destaca-se que

«integrar e articular Cultura, Inovação e Educação é fundamental, não apenas (…) para construir uma sociedade mais coesa, mas também para dar resposta às práticas culturais modernas, aos desafios futuros da formação e da capacitação das novas gerações, no apoio e promoção dos agentes culturais, na interligação das nossas comunidades e das suas gentes, na defesa do nosso património e na sua sustentabilidade.». 22

19 Metas do Plano Nacional de Cultura. (2013). 3.ª ed. Disponível em:

issuu.com/planonacionaldecultura/docs/as_metas_do_plano_nacional_de_cultu.

20 Constituição da República Portuguesa. Capítulo III, artigo 73º, ponto 1, s/p. Disponível em:

parlamento.pt/Legislacao/Documents/constpt2005.pdf.

21 Disponível em: http://amusicaportuguesaagostardelapropria.org/sobre-nos/, acedido a 18/08/2019. 22 Disponível em:

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Uma ideia antiga é então abordada. O Plano Nacional das Artes, elaborado pelos ministérios da Cultura e da Educação, tem por objetivo «garantir um acesso continuado dos nossos alunos (nas nossas escolas) a experiências estéticas e artísticas, contribuindo para que desenvolvam competências e qualificações criativas, tão necessárias numa sociedade que se quer mais justa e inclusiva»23 e destaca

«a importância de uma aprendizagem inclusiva, onde a arte é um fator de estímulo, de integração e de afirmação de uma política educativa mais próxima da criação artística, do perfil do aluno e das oportunidades que o ambiente escolar, a cultura e as famílias podem aproveitar.»24

A 21 de fevereiro de 2019, foi definido, pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 42/2019, que o Plano Nacional das Artes irá vigorar por uma década, entre 2019 e 2029.

É indiscutível que a educação através da arte e a educação para a cultura são indispensáveis para formar cidadãos conscientes, porém, neste relatório de estágio apenas nos debruçamos sobre a música.

«A música não substitui o restante da educação, ela tem como função atingir o ser humano em sua totalidade. A educação tem como meta desenvolver em cada indivíduo toda a perfeição de que é capaz. Porém, sem a utilização da música não é possível atingir a esta meta, pois nenhuma outra atividade consegue levar o indivíduo a agir. A música atinge a motricidade, a sensorialidade por meio do ritmo e do som, e por meio da melodia, atinge a afetividade.» (Ongaro, Silva & Ricci, 2005, p. 4)

Tal como Ongaro, Silva e Ricci, acreditamos que a música não substitui o restante da educação, assim como é indispensável para que o ser humano se desenvolva de forma plena. Todavia, não podemos dissociar a música do contexto em que a mesma foi produzida, por se tratar de uma forma de arte que tem influência no físico e psicológico daquele que a interpreta, mas também daquele que a produziu. Neste sentido somos levados extrapolar o sentido estético e a entrar no campo da etnomusicologia.

A etnomusicologia trata-se de um campo de estudo que nasceu em final do século XIX na Alemanha e nos Estados Unidos da América, mas ganharia destaque já nas

23 Disponível em:

https://portugal.gov.pt/pt/gc21/comunicacao/noticia?i=orcamento-para-a-cultura-cresce-13-em-2019, acedido a 02/06/2019.

24 Discurso da Ministra da Cultura do debate da proposta de Orçamento do Estado para 2019. (2018).

Disponível em: https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=ff2873fa-606f-4b39-88b6-2f53d32ebd93, acedido a 02/06/2019.

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décadas de 1940 e 1950 com a entrada de novos académicos. A definição exata sobre o que era o objeto de estudo da etnomusicologia deu azo a debates académicos devido à divergência de opiniões entre as escolas alemãs (que não consideravam prioritário o estudo da estrutura da música) e as escolas americanas (que consideravam essencial a análise técnica da música e do som). Independentemente do país de origem, os investigadores focavam-se no estudo, mais ou menos científico, da música e comparavam os dados entre civilizações ocidentais e os demais povos, primitivos ou não, conforme demonstram as investigações realizadas por um dos pioneiros neste campo, o etnomusicólogo austríaco Erich M. von Hornbostel.

Decorria o ano de 1957, quando Mantle Hood se distancia desta dicotomia entre Nós (membros de uma civilização ocidental) e os Outros e afirma que

«[ethno]musicology is a field of knowledge, having as its object the investigation of the art of music as a physical, psychological, aesthetic, and cultural phenomenon. The [ethno]musicologist is a research scholar, and he aims primarily at knowledge about music.» (Hood, 1957, cit. por Merriam, 1964, p. 6)

Atentando nas palavras de Hood, constatámos que o mesmo defende que a música se trata de uma forma de arte que vai além da componente estética e cultural, chegando a uma componente passível de verificar no físico e no psicológico daqueles que a escutam. Posteriormente, Allan Merriam, na sua obra The Anthropology of Music (1964), completa esta definição de etnomusicologia através da incorporação dos objetos de estudo das escolas alemãs e das escolas norte-americanas.

«ethnomusicology is made up both the musicological and the ethnological, and that music sound is the result of human behavioral processes that are shaped by the values, attitudes, and beliefs of the people who comprise a particular culture. Music sound cannot be produced except by people for other people (…). » (Merriam, 1964, p. 6)

Conforme demonstra o título que escolhemos para este relatório «a música “ouve-nos, não somos nós que ouvimos a música.» (p. 51), Edwin E. Gordon (2000) partilha o ponto de vista de Hood e de Merriam, afirmando, não só que a música nos ouve, mas também que ao atribuirmos um significado à música nos deixamos levar numa viagem ao nosso interior. Pessoalmente considerámos que as definições e objetos de estudo apontados por Hood e por Merriam se relacionam com a atividade dos “Sons da História” e com este relatório. Tal como estes investigadores, defendemos que a música mais do

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que uma simples forma de arte e, por essa razão, procurámos conhecer quais os seus efeitos no desenvolvimento de crianças e jovens, assim como de que forma os seus benefícios podem ser aplicados e potencializados em meio escolar.

No que concerne à investigação musical e à etnomusicologia, em Portugal, até às décadas de 80 e 90 do século XX não se verificava a existência de uma tendência de investigação nesses campos. Os primeiros passos seriam dados na cidade do Porto, pela mão da Escola Superior de Educação do Porto, em 1990 com a celebração do I Encontro Nacional de Educação Musical (Palheiros, 1999).

Posteriormente, em 1995, o Instituto de Etnomusicologia – Centro de Estudo em Música e Dança (também conhecido pela sigla INET-md) cria o centro de investigação Etnomusicologia e Estudos em Música Popular. Ao longo dos anos foram sendo criados outros centros de investigação, sendo que o mais recente foi fundado em 2017 e tem como foco a acústica musical e o estudo dos sons. O INET-md encontra-se sediado na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e desempenha um papel particularmente dinâmico relativamente ao incentivo à investigação científica, à promoção e valorização do património musical e ao estabelecimento de parcerias entre as instituições nacionais e internacionais com os grupos, comunidades e artistas locais. Em 1998, na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto foi criado o CIPEM (Centro de Investigação em Psicologia da Música e Educação Musical), com o intuito de promover a investigação científica nos campos da psicologia da música, da educação musical e do papel da música na sociedade. Em 2013, o CIPEM foi integrado no INET-md, constituindo um dos seus polos juntamente com o Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro e da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa.

No meio académico, a música e o seu papel também têm sido alvo da atenção a outros relatórios de estágio em vários pontos do país, dos quais salientamos os exemplos

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de Carla Ferreira25, Eufrásia Magalhães26, Raquel Valverde27 e Isaura Carvalho28 no que concerne à interligação entre a música e a disciplina de História, mas também os exemplos de P. Silva29, no que diz respeito à relação entre a música e a aprendizagem, e de Branca Oliveira30, que se foca no facto de a música se encontrar quase circunscrita às atividades de enriquecimento curricular.

A música faz parte da História desde as primeiras civilizações, sendo que o instrumento mais antigo: a voz, pode ser trabalhado para imitar desde os sons da Natureza, até aos próprios instrumentos musicais. Segundo apontam Chiarelli e Barreto (2005), as primeiras músicas destinavam-se a acontecimentos como o nascimento, o casamento, a morte e para aumentar a fertilidade, ou seja, momentos rituais, atingindo uma “aura” quase religiosa. A música foi também utilizada como “medicamento” em várias sociedades. Para os egípcios, a música era considerada “physic of the soul” (Merriam, 1964, p. 111), para os hebreus era considerada como a cura para doenças físicas e psicológicas, para Pitágoras era considerada como a solução mais eficaz para as doenças do foro psicológico. Nas palavras de Allan Merriam (1964), “music very often accompanies healing rituals in nonliterate societies is well established, but the exact nature of the influence of music, either as verbalized by members of the culture at hand or as observed by the investigator” (p. 111).

Júlia Hummes (2004, pp. 18-19), apoiando-se em Allan Merriam, aponta que existem dez funções para a música na sociedade, a saber:

1) função de expressão emocional (libertação dos sentimentos, que podem

25 Ferreira, C. A. S. (2013). Venham mais cinco músicas para o ensino da História e da Geografia.

(Dissertação de Mestrado, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto).

26 Magalhães, E. J. C. (2014). Do solfejo à partitura: a música como fonte no ensino de História e

Geografia. (Dissertação de Mestrado, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto).

27, A. R. Q. (2014). A música como recurso promotor de aprendizagens em História e Geografia.

(Dissertação de Mestrado, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto).

28 Carvalho, I. M. V. (2015). A música no ensino da história. (Dissertação de Mestrado, Faculdade de

Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa).

29 Silva, P. C. V. (2012). A música como veículo promotor do ensino e aprendizagens. (Dissertação de

Mestrado, Universidade dos Açores, Açores).

30 Oliveira, B. S. V. (2010). Música: um bem universal circunscrito às actividades de enriquecimento

curricular. (Dissertação de Mestrado, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Porto).

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ser ou não verbalizados);

2) função do prazer estético (para apreciação estética do criador e do espectador);

3) função de divertimento, entretenimento (presente em todas as culturas, a música serve para entreter quer seja apenas por tocarmos ou cantarmos, mas também por a combinarmos com outras formas de entretenimento); 4) função de comunicação (comunicação de algo sem saber a quem, como ou

o que comunica);

5) função de representação simbólica (comum a todas as sociedades, a música representa coisas, ideias e comportamentos, através dos seus componentes próprios, letra ou emoções que incita);

6) função de reação física (pode incitar comportamentos e provocar uma reação biológica);

7) função de impor conformidade às normas sociais (músicas de controlo da sociedade que demonstram que comportamentos são desejáveis ou indesejáveis nos indivíduos, por exemplo, as músicas de protesto, que denunciam situações);

8) função de validação das instituições sociais e dos rituais religiosos (utilizadas em situações sociais e religiosas, canções de folclore relatam mitos e lendas enquanto simultaneamente transmitem valores);

9) função de contribuição para a continuidade e estabilidade da cultura (numa junção de todas as funções mencionadas anteriormente, a música contribui para a manutenção e transmissão da cultura de um determinado povo através da educação dos seus elementos e controlo dos indivíduos com comportamentos desviantes);

10) função para a integração da sociedade (complementa a função da continuidade e estabilidade da cultura ao integrar os membros de uma determinada sociedade e ao dar-lhes um sentido de união/propósito comum).

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gregos como Aristóteles, Euclides, Nicómano e Aristoxeno, e é também dos gregos que herdamos a palavra música, esta deriva de musiké, que se refere ao antigo canto em verso (Schwanitz, 2004, p. 321). Mas a música é também musiké techné, a arte das Musas. Conforme afirma Schwanitz (2004, p. 321), no princípio, a música não era encarada como uma forma de arte por si só, estando sempre acompanhada por outra, como demonstram seis das nove Musas: Clio (História), Calíope (poesia épica e eloquência), Terpsícore (dança), Erato (poesia lírica), Melpômene (tragédia) e Tália (comédia).

Poderíamos aqui descrever toda a evolução da música desde a sua origem até à atualidade, porém, esse não é o objetivo deste trabalho e outros mais capacitados já o fizeram31. Tampouco é nossa intenção explicar todos os conceitos existentes para a música, pois, conforme afirma Dietrich Schwanitz (2004), «falar de música é um pouco como explicar uma anedota: já se compreendeu intuitivamente o que laboriosamente se tenta traduzir em conceitos. A música, afinal, é a linguagem para além da linguagem» (p. 319). No nosso ponto de vista, a música tem dois valores: vale por si mesma e vale por aquilo que retiramos dela. Isto significa que a música tem uma componente objetiva (que são os elementos musicais, a estrutura da peça musical, o seu ritmo, melodia e harmonia) e uma componente subjetiva (que é a nossa interpretação da música, de acordo com a nossa “bagagem” que é a experiência de vida, estado emocional, conhecimentos e (pre)conceitos sobre o mundo, a sociedade em que nos inserimos e de que forma estamos integrados na mesma) e estas duas componentes são indissociáveis e completam-se dado que, antes de mais, a música é uma forma de arte e um produto das diferentes sociedades (Hummes, 2004).

1.1. E porquê a música?

«Vivemos imersos num oceano de sons. Vivemos imersos em sons. E em música. Por

31 Sobre a História da Música vejam-se, por exemplo, as obras: Griffiths, P. (2007). História Concisa da

Música Ocidental. (M. Carvalho, Trad.). Portugal, Lisboa: Bizâncio. Grout, D. J., Palisca, C. V. (2007). História da Música Ocidental. Portugal, Lisboa: Gradiva. Candé, R. (2003-2004). História Universal da Música. (Fonseca, M. D., Siza, T. Trad.). (Vols. 1-2). Portugal, Porto: Afrontamento. Montanari, V. (1988). História da música: da Idade da Pedra à Idade do Rock. Brasil, São Paulo: Ática. Abbiati, F. (1964). História da Música. Portugal, Lisboa: Arcádia.

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todos os lados, a toda a hora. Respiramos música sem sequer nos darmos conta. Às vezes, porém, a música pode transformar-se em ruído indesejável, tempestade, agressão. Uma questão de volume também.» (Stefani, 1987, p. 7)

Nós vivemos, de facto, “imersos num oceano de sons” e, por vezes, desvalorizamos esses mesmos sons por se transformarem em ruído. Nem todos consideramos a música assim importante, tal como Steven Pinker (1997) afirma

«Compared with language, vision, social reasoning, and physical know-how, music could vanish from our species and the rest of our lifestyle would be virtually unchanged. Music appears to be a pure pleasure technology, a cocktail of recreational drugs that we ingest through the ear to stimulate a mass of pleasure circuits at once. » (p. 528)

Porém, preferimos os “ouvidos” de Sócrates e Platão, que acreditavam que a música era um dos aspetos fulcrais da vida do ser humano e da sociedade e, por isso mesmo, porque não poderia ser fulcral para nós hoje?

Ao nomearmos este tópico de “E porquê a Música?”, pretendíamos explorar o valor que esta forma de arte tem, não só para nós, mas também para os investigadores das mais variadas áreas.

A música está cada vez mais presente no quotidiano das populações e a experiência de ouvir música tem sofrido alterações com os avanços tecnológicos, tornando-se cada vez mais individualizada (Palheiros & Hargreaves, 2002, p. 47). Tal como todas as outras formas de arte, a música é apreciada, também, de forma subjetiva, e a verdade é que todos nós gostamos de música. Jeandot (1978) afirma que «na verdade, antes mesmo de nascer, ainda no útero materno, a criança já toma contacto com um dos elementos fundamentais da música – o ritmo, através da pulsação do coração de sua mãe» (p. 18). Por sua vez, Davidson (1999) afirma que a voz da mãe, os sons produzidos pelo seu corpo (como o batimento cardíaco) e os ruídos do meio ambiente são atenuados pelo líquido amniótico. O bebé ouvirá parcialmente aquilo que o rodeia através das vibrações do líquido amniótico. Muito antes de Jeandot ou de Davidson, uma mãe valorizava que o seu bebé em desenvolvimento escutasse música todos os dias. Tratava-se de

«Jeanne d’Albret, mãe do rei Henrique IV de França, convencida de que em vida intrauterina o feto já ouve música, fazia com que todas as manhãs durante a gravidez fosse tocada exclusivamente para si e o seu bebé “música doce”. Acreditava ela que assim moldaria o temperamento da criança.» (Davidson, 1999, p. 79)

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Se foi a música, que escutou no ventre de sua mãe, ou não a influenciar o temperamento de Henrique IV de França nunca saberemos mas a realidade é que ele ficou conhecido na História como le bon roi Henri. Ainda assim, a exposição dos bebés a música durante a gravidez tem sido alvo de diversos estudos e verifica-se que, após o nascimento, quando escutam a mesma melodia, os seus batimentos cardíacos e movimentos corporais alteram-se, demonstrando que a identificam (Garcia & Santos, 2012, s/p).

Desde os primeiros tempos de vida até aos dez anos, independentemente da cultura em que se insere, o cérebro da criança demonstra uma grande capacidade para aprender, de uma forma superior a qualquer outra fase da vida (Flohr, Miller & Deebus, 2000 cit. por Ilari, 2005, para. 1). Neste sentido de aprendizagem através do confronto com o meio, Beatriz Ilari (2005), apoiando-se nos seus próprios estudos e de outros investigadores como Trainor, Trehub e Schellenberg, Gregory, Huron e Trevarthen, destaca o facto de nos primeiros anos de vida, as crianças aperfeiçoarem o seu gosto musical através da imitação e impregnação, ou seja, através daquilo que a sua cultura lhes transmite, sendo utilizada a música para comunicar, entreter e transmitir normas culturais e étnicas. No seu trabalho The Psychology of Music (2002), Robert Gjerdingen destaca o papel de dois investigadores da psicologia da música no período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial: Leonard Meyer e Robert Francès. Estes dois investigadores apontam aspetos que considerámos relevantes para a questão da cultura musical das crianças. Robert Francès distingue os efeitos da aculturação e da educação, afirmando que

«we must distinguish between the effects of acculturation – unreflective, unvoluntary, and resulting from almost passeve familiarity with works – and the effects of education, where perceptual development is supported by the acquisition of concepts and symbols that provide for the definition of forms, their elements and articulations.» (Francès, 1958 cit. por Gjerdingen, 2002, p. 974)

enquanto que Leonard Meyer compreende a perceção musical como uma junção da perspetiva absolutista (focada nos elementos musicais, vistos como o único elemento para explicar o significado da música) e da perspetiva referencialista (cujo objeto de estudo são os elementos externos à música como os estados emocionais provocados pela música) (Regueiro, 2000, s.p.), isto é, a música vale pelas seus elementos musicais mas também

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se encontra dependente das respostas sensitivas de ouvintes experientes (Gjerdingen, 2002, p. 973).

No nosso ponto de vista, as duas visões supramencionadas são válidas e, até mesmo, complementares. Enquanto crianças encontrámo-nos dependentes daquilo que nos mostram e com que convivemos, aprendemos o que é bom/belo e mau/feio a partir da visão que os outros tem do mundo e deixámo-nos guiar; porém, a partir de certa idade começamos a questionar o que nos rodeia e a fazer as nossas próprias escolhas, isso é educação, o momento em que experimentámos e passámos a desempenhar um papel ativo na construção do nosso próprio conhecimento. No entanto, Leonard Meyer também apresenta um argumento que considerámos importante: a perceção que temos de música encontra-se dependente das nossas respostas sensitivas (da nossa interpretação) e quanto mais experientes formos e mais conhecermos, melhor a iremos interpretar. Enquanto crianças, encontrámo-nos ainda na clave da partitura da vida e a melodia só poderá ser escrita pelas experiências que temos e pelas situações que vivenciamos. Tal como declara Blacking, “a música é um facto social. A arte não existe em produtos, mas sim em processos através dos quais as pessoas dão sentido a certas variedades de actividades e experiência” (Blacking, 1981 cit. por Carvalho, 1991, p. 38), ou seja, o produto da arte (na qual se podem incluir as canções) acaba por não existir por si mesmo, nascendo para o estatuto de “obra de arte” no momento em que o seu valor é reconhecido, pelo que o seu contexto não pode ser excluído (Hargreaves, 1986, p. 180).

A questão que se coloca é que as crianças de tenra idade não compreendem a sua experiência musical, pois a musicalidade faz parte do seu quotidiano. Para Patricia Campbell (2010)

«In the nooks and crannies of home, school, and neighborhood, and even within the times and places reserved for musical study, there is a steady current of children’s own music-in-the-making that underlies the various activities in which they engage. Sometimes they are unaware of this musicking, as it flows almost in a stream-of-consciousness way from their voices and bodies. Yet it is also made by children with the full intent of preserving a song, rhythm, or game buoyed by music. This music may even be their concentrated effort to make up music that expresses their thoughts in musical ways. » (p. 17)

A música faz parte das crianças, está “on their minds and in their bodies” (Campbell, 2010, p. 216). As crianças interagem com a música que as rodeia, como se

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esta “acontecesse” na sua vida, manifestando o seu agrado ou desagrado espontaneamente (Campbell, 2010, p. 4-5). Esta é possivelmente a razão pela qual, nos primeiros anos de vida, as músicas típicas de outras culturas não nos soam “estranhas”, enquanto em idade adulta ficamos com a sensação de que não são “normais”, da mesma forma que as nossas músicas nos soam. Hargreaves considera que os gostos musicais por diferentes estilos se desenvolvem com a idade, salientando que «a ‘abertura de ouvido’, ou seja, a tolerância relativamente a uma série de estilos diferentes, aumenta na infância, diminui no início da adolescência, volta a aumentar na adolescência tardia, e diminui mais uma vez na idade adulta» (Palheiros & Hargreaves, 2002, p. 49). Esta afirmação vai de encontro ao defendido por Campbell, para as crianças todas as músicas são bem-vindas e ainda se encontram em “fase de testes” do seu gosto musical, uma vez que ainda não foram formatadas para determinada cultura. No entanto, no início da adolescência, os jovens fecham-se em torno de um grupo ou de um estilo musical e a música passa a desempenhar um papel quase fundamental nas suas vidas sociais pois permite-lhes identificar e afirmarem-se no seu grupo de pares, recorrendo frequentemente à cópia dos comportamentos dos amigos e dos “ídolos” que possuem.

A música é um elo de união para os elementos do grupo de pares e de distinção dos demais como se de um rótulo de identidade se tratasse (Zillmann & Gan, 1997 cit. por Hargreaves, 1999). A música é também um fator de distinção entre os “jovens” e os “não-jovens” por formar parte de uma forma de linguagem universal através de códigos: as músicas em voga servem de modelo para os jovens, distinguindo-os das outras gerações (Quirós & Julián, 2001, p. 11). Afinal, não foi o sucesso de Elvis Presley um insulto para a geração dos seus pais devido aos seus famosos movimentos pélvicos? Até mesmo na nossa experiência pessoal, encontrámos situações em que brincamos com os gostos musicais dos nossos pais, mas, posteriormente, já no fim da adolescência passámos a compartilhá-los.

A música, para os jovens, tem ainda uma outra finalidade: a comunicação. De acordo com Frith, a juventude utiliza a música para «dar forma y voz a emociones que de otra manera no podrían ser expresadas sin dificultad o incoherencia» (Frith, 1998 cit. Por Quirós & Julián, 2001, p. 13). Os adolescentes são, entre outras coisas, conhecidos por se

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fazerem acompanhar sempre dos seus phones e por escutarem música, se puderem, desde que se levantam até ao momento em que se deitam. Todos nós, independentemente da idade, temos em comum o facto de conseguimos associar uma determinada música a um determinado acontecimento especial das nossas vidas, dado que a música é importante para a construção das memórias autobiográficas (Jäncke, 2008, p. 21.1). Relativamente a esta questão, Cuddy e Duffin (2005) apontam que a música pode ser utilizada como forma de indução da recuperação de memórias em pacientes com demência, que já valorizavam a música antes de serem afetados pela doença (Cuddy & Duffin, 2005, cit. por Vilar, 2018, p. 51).

Quando utilizada nas escolas, a música é um «instrumento para tornar a escola um lugar mais alegre e recetivo» (Chiarelli & Barreto, 2005, para. 2). Mais do que entreter, a música pode ser utilizada para dar a conhecer à criança e aos jovens as suas outras funções, como a meditação, o trabalho, o culto, a solidariedade e a exaltação (Hummes, 2004, p. 21). Nas salas de aulas a música constitui um recurso que «não só atrai a criança como a motiva, tornando-a mais atenta ao que o professor pretende» (Silva, 2012, p. 36). Neste sentido, Del Ben & Hentschke (2002) apontam, através do seu estudo com três professoras, que a música contribuí para a formação geral do aluno favorecendo a transmissão de aspetos culturais, o desenvolvimento das capacidades de comunicação não-verbal (dos sentimentos, emoções, personalidade), assim como da motricidade e do raciocínio.

«A música pode contribuir para a formação global do aluno, desenvolvendo a capacidade de se expressar através de uma linguagem não-verbal e os sentimentos e emoções, a sensibilidade, o intelecto, o corpo e a personalidade [...] a música se presta para favorecer uma série de áreas da criança. Essas áreas incluem a “sensibilidade”, a “motricidade”, o “raciocínio”, além da “transmissão e do resgate de uma série de elementos da cultura”. […] a importância da música nos currículos escolares se deve ao fato de que, através de seu conteúdo verbal, “a música pode interagir com aquilo que você precisa ouvir ou que você quer ouvir”. […] a música pode ampliar os conteúdos curriculares, além de ser “uma forma de resgatar valores culturais, artísticos e de proporcionar o contato com o aluno com esse tipo de linguagem, que é uma linguagem não-verbal.”. Flora refere-se à “habilidade de se expressar através de uma linguagem não-verbal” de uma maneira geral, mas especifica que, no caso da música, essa expressão ocorre “através do som, do ritmo”. Entretanto, para a professora, o aspecto mais relevante da educação musical escolar é a possibilidade de a música “interagir, de se relacionar com as outras áreas do conhecimento”, “auxiliando muito a formação e o desenvolvimento do aluno”.» (p. 52-53)

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