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A relação entre a música e a emoção foi alvo de especial atenção por parte de vários estudiosos, inclusive de René Descartes, renomado filósofo que antes de se dedicar ao «amor pela sabedoria», foi apaixonado pela música. Relativamente a esta questão, Aires Pereira destaca a importância do Compendium Musicae de Descartes, datada de 1618, para a criação da Teoria dos Afetos. Esta teoria determina que se podem exprimir as emoções pela música, através da utilização de intervalos melódicos específicos que se associavam a determinada emoção (Rocha & Boggio, 2013, p. 136), conforme demonstra a primeira frase do compêndio, «finis, vt delectet, variosque in nobis moveat affectus…» («o fim da música consiste no deleite e em mover em nós variados afectos» (Descartes, 1618, cit. por Pereira, 1996, p. 99)). Este princípio inspirou os compositores e marcou a

produção musical entre os séculos XVII e XVIII, sendo que ainda hoje perdura a visão sobre a relação entre a música e a emoção.

Weld, citado por Leonard Meyer (1961), afirma que «The emotional experiences which our observers reported are to be characterized rather as moods than as emotions in the ordinary sense of the term…» (Weld cit. por Meyer, 1961, p. 7). É, então, necessário fazer a distinção entre emoção e estado de espírito. De acordo com Weld, o estado de espírito é relativamente permanente e estável, enquanto a emoção é temporária e facilmente é substituída por outra emoção (Weld cit. por Meyer, 1961, p. 7). Ekman (1999) defende que as emoções têm causas específicas enquanto o humor/estado de espírito não, pelo que o estado de espírito pode ser alterado caso se controlem as emoções a ele associadas através de estratégias como ouvir música (Ekman, 1999 citado por Beedie, Terry & Lane, 2005, p. 848). Beedie et al. (2005) defendem que

«moods are general, background feeling states, with no specific cause or direction. Emotions have a specific cause and are directed at a specific object. For example, you might experience an emotion because of someone. When you are not with the mor thinking about them the emotion goes, but might return when you see them/ think about them again» (p. 863)

As emoções e os estados de espírito também podem ser diferenciados pelo controlo que os indivíduos têm sobre os mesmos. A emoção os indivíduos não conseguem controlar, enquanto o humor/estado de espírito pode ser alterado (Beedie et al., 2005, p. 865).

«emotion bias action and moods bias cognition (Davidson, 1994) or that mood signals the state of the self whereas emotion signals the state of the world (Frijda, 1994; Mandler, 1984; Morris, 1992 […]). […] It may in fact be argued that emotion and mood, like all psychological processes, share the same ultimate function, that is, to help the organism adapt and survive in an ever-changing environment.» (Beedie et al., 2005, p. 870).

As emoções têm também, por consequência, uma reação física. Esta reação foi o alvo dos estudos de Carol L. Krumhansl, professora de Psicologia na Universidade de Cornell, que demonstraram que a música tem um impacto direto nas emoções: músicas com um ritmo mais rápido estão associadas à felicidade dos ouvintes, enquanto músicas com um ritmo mais lento estão associadas a sentimentos de tristeza (Leutwyler, s.d., para. 10). Ainda quando nos limitamos a escutar, de forma passiva, a música, é responsável por

provocar vários efeitos no corpo humano. Um deles é o aumento do fluxo sanguíneo em áreas do cérebro que são associadas com a origem e o controlo das emoções (Jäncke, 2008, p. 21.4). Patricia Wolfe afirma que o impacto da música no estado emocional dos seres humanos está bem suportado do ponto de vista científico através de estudos como o de Robert Zatorre et al. Este neurocientista da Universidade de McGill demonstrou, através da realização de tomografias por emissão de positrões39, que as partes do cérebro

relacionadas com o processamento de emoções ficam iluminadas quando um indivíduo ouve música (Blood, Zatorre, Bermudez & Evans, 1999 citado por Wolfe, 2004, p. 154). Para Wolfe (2004), a razão para a música estimular a emoção deve-se à libertação de substâncias como a adrenalina, endorfina e hidrocortisona, que também são responsáveis pela resposta de sobrevivência “lutar ou fugir” (p. 154).

A música e a sua relação com a emoção são inegáveis mas esta apenas tem o significado que lhe é atribuído pelo indivíduo que a escuta e pelos sentimentos que neste são «gerados pela consciência de si, do mundo e de si no mundo» (Carvalho, 2015, p. 13). Neste ponto revelam-se duas correntes: por um lado, investigadores como Peretz e Zatorre defendem que «a emoção evocada por música seja o resultado de julgamentos estéticos e envolva, portanto, somente regiões corticais do cérebro, sendo resultado de análises estruturais da música» (Peretz & Zatorre, 2004, cit. por Rocha & Boggio, 2013, p. 136); enquanto que, por outro lado, investigadores como Koelsch afirmam que a música é «capaz de evocar emoções simples, do dia-a-dia, tais como alegria, tristeza, medo e raiva, sendo independente de análises formais [o que é possível de verificar em estudos que demonstram] que a música recrutaria estruturas do sistema límbico e paralímbico e não apenas áreas corticais do cérebro» (Koelsch, 2010, cit. por Rocha & Boggio, 2013, p. 136).

Para os investigadores que defendem a transmissão dos sentimentos, tal é possível, entre outras coisas, através da voz que, nas palavras de Alberto B. Sousa (2003c), «é

39 «A Tomografia por Emissão de Positrões (PET) é uma técnica de imagem médica recente que utiliza

moléculas que incluem um componente radioactivo (radionuclídeo). Quando administradas no corpo humano, estas moléculas permitem detectar e localizar reacções bioquímicas associadas a determinadas doenças, sobretudo nas áreas da Oncologia, Cardiologia e Neurologia.». Disponível em:

https://www.saudecuf.pt/unidades/descobertas/areas-clinicas/exames/medicina-nuclear/pet, acedido a 19/02/2019.

reveladora de todos os estados emotivos (paixões, medos, iras, etc.) e sentimentais (afectos, fobias, ódios, etc.), incluindo todos os meandros do inconsciente e todas as facetas da personalidade» (p. 153), sendo que a voz, tal como as impressões digitais e a personalidade, é única. Para este autor, mais do que emitir sons importa a forma como os emitimos, com que entoação, ênfase e sentido para nos expressarmos da melhor maneira.

Uma das vantagens da música, de acordo com Mello, é o incremento da autoestima dos estudantes, uma vez que é uma atividade que «alimenta a criação» (Mello, 2011, p. 5, citado por Lima & Mello, 2013, p. 103). Para além da autoestima, a música ajuda as crianças e jovens a desenvolver a sua própria identidade e a autorrealizar-se, uma vez que permite aos indivíduos conhecerem as suas potencialidades e limitações enquanto, simultaneamente, aprendem a aceitar-se (Chiarelli & Barreto, 2005). É indissociável a ideia de música e emoção (Berchmans, 2006, p. 20 cit. por Ferreira, 2013, p. 31), e nas palavras de Tia DeNora (2003),

«Of all the arts, music is most typically associated with emotional experience. Claims within both the scholarly community and in everyday life on behalf of music’s capacity to express and induce emotion in its listeners themselves testify to the idea of music as an emotional medium» (p. 83).

DeNora afirma, ainda, que a música nos oferece uma experiência, que quando comparada com o teatro, por exemplo, é única. Tal unicidade deve-se ao facto de a música poder ser uma forma de comunicação não-verbal, quando não possui uma letra para ser cantada (DeNora, 2003, p. 83). Músicas como a 1812, de Tchaikovsky, são igualmente capazes de nos transmitir uma mensagem e de nos fazerem sentir apesar de não ser dita uma única palavra.

Em suma, «cantando, a gente brinca, brincando eles aprendem» (Lima, 2011, p. 3 cit. por Lima & Mello, 2013, p. 104), pelo que acreditamos que todas as atividades que potenciem a aprendizagem dos nossos alunos deveriam ser valorizadas, inclusive aquelas que, à primeira vista, possuem um carácter lúdico, como é o caso da música. As atividades com música, e mesmo com a dança, são também atividades que podem representar uma oportunidade de futuro profissional para os jovens, ainda que isso não esteja definido como objetivo, conforme destacam Betancourt e Hernandez (2012, p. 1).